A INCLUSÃO NA CONTEMPORANEIDADE E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DE TODOS E CADA UM KAMILA LOCKMANN – FURG Kamila. [email protected] ARGUMENTO CENTRAL Gostaria de argumentar que estamos vivendo em nosso presente a emergência de novas formas de governamento que operam não mais por meio da exclusão ou da reclusão dos sujeitos em instituições de confinamento, mas por meio de um processo de inclusão que se sustenta na circulação dos sujeitos pelo espaço aberto, exigindo assim novas estratégias que atuem na modulação da conduta de todos aqueles que devem transitar ao ar livre e, talvez, muito intensamente, sobre os próprios sujeitos normais. TRÊS MOMENTOS HISTÓRICOS: Antiguidade e Idade Média: práticas de exclusão por meio da eliminação ou da segregação do corpo anormal. Modernidade: práticas de inclusão por reclusão, ou seja, os processos de institucionalização do corpo anormal desenvolvidos pela sociedade disciplinar. Contemporaneidade: práticas de inclusão por circulação, as quais exigem novas estratégias de condução das condutas dos sujeitos para que possam circular no espaço aberto. PRÁTICAS DE EXCLUSÃO PRÁTICAS DE INCLUSÃO ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA PRÁTICAS DE EXCLUSÃO EXTERMÍNIO ELIMINAÇÃO E MORTE Anormalidade como maldição Heresias do século XII Purificação pelas chamas PODER SOBERANO FAZER MORRER, DEIXAR VIVER. EXPULSÃO, AFASTAMENTO E DESAPARECIMENTO SOCIAL Desconhecimento Leprosos Nau dos insensatos UM DESLOCAMENTO NAS FORMAS DE PODER... Até aqui, se viu, mediante esses processos de exclusão, uma tecnologia de poder que expulsa, que exclui, que elimina, que afasta, que marginaliza, enfim, um poder que se expressa por meio de suas formas negativas. Porém, entre o final do século XVII e início de século XXIII, observamos a emergência de uma nova forma de poder, “[...] um poder (diz Foucault) que é, enfim, um poder positivo, um poder que fabrica, que observa, que sabe, um poder que se multiplica a partir de seus próprios efeitos. [...] Um poder que não age pela separação em grandes massas confusas, mas por distribuição de acordo com individualidades diferenciais. Um poder que não é ligado ao desconhecimento, mas ao contrário, a toda uma série de mecanismos que asseguram a formação, o investimento, a acumulação e o crescimento do saber. (FOUCAULT, 2001, p. 60). MODERNIDADE PRÁTICAS DE INCLUSÃO POR RECLUSÃO INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CORPO ANORMAL (hospitais, prisão, fábrica, escola, escolas especiais, etc) Lugares de cura Instituições de governamento, mais que de ensino. PODER DISCIPLINAR BIOPODER DISCIPLINA E BIOPOLÍTICA FAZER VIVER, DEIXAR MORRER! MAIS UM DESLOCAMENTO.. Aqui a estratégia de defesa social, não é mais a exclusão, mas a inclusão. É a inclusão que vai caracterizar a modernidade ou a chamada sociedade disciplinar. Podemos dizer então que a inclusão foi uma invenção da Modernidade que objetiva colocar a sociedade em ordem, civilizar, disciplinar e governar. Mas não tomemos o termo inclusão como um conceito unívoco, ele possui aplicabilidades muito heterogêneas. Se na modernidade a inclusão funciona por meio da reclusão ou da de institucionalização desses sujeitos nos espaços escolares, na contemporaneidade com a crise dos dispositivos disciplinares apontada por Deleuze, ela apresenta um modus operandi completamente distinto CONTEMPORANEIDADE INCLUSÃO PELA CIRCULAÇÃO O governamento ocorre no espaço aberto por meio da modulação da subjetividade de todos e de cada um. Para isso, outras formas de governamento precisam ser exercidas e podem ser amplamente identificadas em nosso presente. PRÁTICAS Normalização sobre os anormais INCLUSÃO COMO ESTRATÉGIA DA GOVERNAMENTALIDADE Governo dos outros e de si mesmo Subjetivação dos normais GOVERNAMENTALIDADE 1) Por esta palavra, “governamentalidade”, entendo o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política e por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. 2) Em segundo, por “governamentalidade” entendo a tendência, a linha de força que, em todo o ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito, para a preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de “governo” sobre todos os outros – soberania, disciplina – e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo [e, por outro lado], o desenvolvimento de toda uma série de saberes. Como uma racionalidade que organiza as práticas de governo desenvolvidas em um determinado tempo e em uma determinada sociedade 3) Enfim, por “governamentalidade”, creio que se deveria entender o processo, ou antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administrativo, viu-se pouco a pouco “governamentalizado”. (FOUCAULT, 2008, p. 143/144). A análise da governamentalidade abarca [também], em um sentido muito amplo, o exame do que Foucault denomina as artes de governar. (Castro, 2009, p. 191) – História da governamentalidade (Foucault, 2008) Como história das artes de governar A governamentalidade como o “encontro entre as maneiras pelas quais os indivíduos são dirigidos por outros e os modos como conduzem a si mesmo. (FOUCAULT, 2011, p. 155-156) Como governo de si e dos outros A GOVERNAMENTALIDADE EM OPERAÇÃO 1) Como a história das artes de governar os sujeitos anormais; 2) Como uma racionalidade, ou seja, uma forma de ser do pensamento político, econômico e social que organiza as práticas de governo desenvolvidas em nosso presente para governar sujeitos normais e anormais; 3) Como a articulação das tecnologias de dominação e das técnicas de si. INCLUSÃO COMO ESTRATÉGIA DA GOVERNAMENTALIDADE SOBRE ANORMAIS: ÊNFASE NO GOVERNO DOS OUTROS SOBRE OS NORMAIS: ÊNFASE NO GOVERNO DE SI Estratégias disciplinares que agem sobre o corpo do sujeito; Propagandas sobre inclusão – MEC, Rede Globo, Fundações, etc. Encaminhamento dos alunos para uma variedade de atendimentos especializados; Uso exacerbado de medicamentos como forma de conter o sujeito; Cartilhas endereçadas aos professores com orientações de como devem agir e de como devem trabalhar as questões da inclusão com os demais alunos; Orientações e prevenções da anormalidade; Documentos direcionados às famílias Estratégias de normalização sobre os anormais São realizados todos os procedimentos possíveis em relação ao aluno: encaminhamentos aos atendimentos especializados, participação do aluno em projetos oferecidos pela escola, acompanhamento de AFA, diálogo sistemático com os profissionais que atendem ao aluno. (8H,2008). A escola desde o ingresso do aluno teve papel importante auxiliando a mãe a levá-lo à especialistas e a mantê-lo nesses atendimentos (4F,2008). Eu acho que ele precisa de um remedinho. Ele é muito agitado, o nível de ansiedade dele é muito grande. Se ele tomasse um remédio acredito que ele ia se acalmar, conseguir se concentrar melhor e com isso aprender melhor. (Entrevista, 2B). Subjetivação dos sujeitos normais Para a educadora, na escola inclusiva, professores e alunos aprendem uma lição que dificilmente a vida ensina: respeitar as diferenças. Esse é o primeiro passo para construir uma sociedade mais justa. (Revista Nova Escola, 2005, p. 24). Antes de se iniciar um trabalho com alunos com deficiência em classes comuns do sistema regular de ensino, é necessário que se desenvolva um trabalho de sensibilização e acolhimento para a convivência na diversidade com os demais alunos, enfatizando a importância das diferenças entre indivíduos, de maneira geral. (BRASIL, 2005, p.6). O papel da inclusão é de conscientizar e integrar alunos professores e familiares. (EF2, 2014) Esse termo incluir é um termo que deveria fazer parte de toda a turma, de toda a sala de aula. De tu incluir, de tu colocar todos eles juntos né, de tu fazer essa coisa de aceitação de uns com os outros, isso é o que eu vejo de inclusão. (PF2, 2014) Os conceitos de poder disciplinar ou de biopolítica não dão conta de analisar tais processos Por isso autores contemporâneos criam outras noções tais como noopolítica (Lazzarato) ou ethopolítica (Rose). Subjetivação como dobra A memória, os pensamentos, as crenças, os valores, o ethos, a alma = a subjetividade INTERIORIDADE Deleuze (2005, p.104) diz que “o lado de fora não é um limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de movimentos, de pregas e de dobras que constituem um lado de dentro: nada além do lado de fora, mas exatamente o lado de dentro do lado de fora”. A dobra de Deleuze nada mais é que a prega que dá uma curvatura ao lado de fora e constitui o lado de dentro. O dentro será sempre o forro do fora; o lado de dentro sempre foi a dobra de um lado de fora pressuposto. A subjetivação, então, se faz por dobra! Para finalizar... Podemos argumentar então que a partir do momento em que a inclusão por circulação se constitui como um imperativo do nosso tempo, não basta apenas agirmos sobre os sujeitos anormais por meio de técnicas de dominação (governo de uns sobre os outros) que operam por meio das disciplinas e das biopolíticas para normalizar e gerenciar possíveis riscos que a anormalidade pode causar a população. Além disso, se torna necessário agir sobre os próprios sujeitos normais, subjetivando-os aos discursos de aceitação, respeito e tolerância para com a diferença a fim de exercer um modulação das suas formas de ser e agir, deixando-os aptos e capazes de conviver harmoniosamente com a diferença. Assim, todos devem se subjetivar ao imperativo da inclusão/circulação e é ai que vemos operar, não tanto um poder disciplinar, ou uma biopolítica (governo de uns sobre os outros), mas processos de subjetivação (governo do sujeito sobre si mesmo) levados a cabo por meio de estratégias noopolíticas e ethopolíticas, responsáveis por produzir uma alma inclusiva em cada um de nós.