Segundo o site www.noticias.terra.com.br Na última sexta-feira, ativistas de direitos dos animais invadiram o Instituto de Pesquisa Royal, em São Roque (SP), para libertar centenas de cachorros da raça beagle que seriam usados em testes para a fabricação de medicamentos. Mas por que esta raça de cachorro é utilizada nas pesquisas? A resposta, segundo a professora de farmacologia e toxicologia veterinária da Universidade de São Paulo (USP) Silvana Gorniak está na padronização genética dos beagles. "Para testar a eficácia de um medicamento não se pode pegar um animal gordo, outro magro, um grande, outro pequeno. Com características diferentes, as respostas também seriam diferentes. Então precisa-se ter um padrão igual para não ter variável", explica a pesquisadora. Segundo ela, os beagles têm esse padrão porque correspondem a uma raça muito antiga, que já se fez o mapeamento genético. "O cruzamento é feito de maneira racional, controlada. Eles são geneticamente iguais", afirma a especialista, que também é representante do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Silvana diz que também conta na decisão de usar os beagles o porte dos animais – são cachorros pequenos – e a característica de serem dóceis. Sobre a utilização de cachorros – em vez de camundongos, por exemplo – ela explica que em alguns casos se faz necessário por apresentarem fisiologia mais próxima do ser humano. "Quando o medicamento vai ser usado por muito tempo, como oncológico (para tratar o câncer), ou antiaids, o teste em cachorros é preciso para preservar a saúde do ser humano", afirma ao ressaltar que os testes em ratos, ou apenas em culturas de laboratório, podem não ser tão eficientes. Experiências com animais e violência em manifestações No mês de outubro passado, um protesto contra a utilização de cães da raça beagle em testes de laboratório obteve grande repercussão em todo o país, por diversos motivos. Primeiramente, porque a imagem dos cãezinhos resgatados servia para alertar sobre a crueldade praticada contra os animais que, nesse caso, serviriam de cobaias em experimentos para a produção de cosméticos. Em segundo lugar, pela violência programática dos Black Blocs, que promoveram a depredação do instituto de pesquisa. Depois, soube-se que alguns dos beagles supostamente salvos acabaram abandonados nas ruas de São Roque (SP), onde os fatos sucederam. Além disso, descobriu-se que, entre as pesquisas realizadas com os cães, havia a de medicamentos para tratamento contra câncer. Em defesa das cobaias Para os que se dispõem a soltar animais usados em testes, esse tipo de ativismo não é muito diferente, em essência, do praticado por abolicionistas que organizavam fugas de escravos alguns anos atrás. As raízes filosóficas desses grupos vêm do "movimento de libertação animal", cujas diretrizes foram feitas na Universidade de Oxford (Reino Unido) e pelo filósofo australiano Peter Singer nos anos 1970. (...) O raciocínio de Singer, hoje professor de bioética da Universidade de Princeton (EUA), é simples: muitos dos animais usados na pesquisa biomédica --e como alimento e matéria-prima-- têm capacidade de sentir dor física e emocional. Não haveria quase nenhuma diferença entre eles e os seres humanos. Seria, portanto, obrigação moral, da parte de criaturas racionais, impedir esse sofrimento. Singer já defendeu, até, que fetos ou recém-nascidos humanos, ou mesmo pessoas em coma irreversível, seriam cobaias mais "moralmente adequadas" do que chimpanzés, por exemplo. [Folha de S. Paulo] Comportamento animal O uso de animais em experimentos científicos é um tema de debate público que pode ser facilmente enredado numa polarização estéril. Num extremo se aglutina o radicalismo sentimental dos que reputam defensável violar leis e propriedades para "salvar" animais de alegados maustratos. No outro, o pragmatismo míope dos que tomam o avanço da pesquisa como um valor superior a justificar qualquer forma de sofrimento animal. (...) a discussão se emancipou do extremismo irracional. Pesquisadores são grandes interessados em diminuir o uso de animais, porque isso custa caro e expõe seus estudos a questionamentos éticos. Em alguns casos, porém, tal recurso ainda é inevitável, como testes de carcinogenicidade (capacidade de provocar tumores). Banir todas as cobaias implicaria impedir testes de segurança em novos produtos, muitos dos quais criados para aliviar o sofrimento humano. [Folha de S. Paulo] Falta de diálogo Jane Santos, 35, uma das coordenadoras da ação na sexta contra o Instituto Royal, em São Roque (66 km de SP), disse que a invasão e a retirada de animais foi uma reação "incontrolável" à falta de diálogo com a instituição. Na madrugada de sexta, ativistas em defesa de animais retiraram 178 cães da raça beagle usados para pesquisas legais. Eles acusam o laboratório de maustratos. O instituto nega a ausência de diálogo e os maus-tratos. "Foi completamente incontrolável. Temos gravado que advertimos [o Royal], pois estávamos com medo de que o movimento tomasse grandes proporções, como a do Movimento Passe Livre. A nossa ideia era tirar os animais de forma pacífica e com a ajuda de biólogos", disse a ativista. O argumento da violência Uma viatura da PM e dois carros da TV TEM, afiliada da TV Globo, foram incendiados na altura do km 55 da rodovia Raposo Tavares durante um protesto neste sábado (19) contra a utilização de cães da raça beagle em testes de laboratório. Pelo menos uma pessoa ficou ferida e seis foram detidos. O ato violento foi organizado por Black Blocs, que se infiltraram na manifestação que ocorria no local, organizada por ativistas de defesa dos animais contra o Instituto Royal, laboratório que usa cães em testes para empresas farmacêuticas. FONTE: Folha de S. Paulo Ativista retira cachorro das instalações do Instituto Royal, em São Roque (SP): segundo o grupo de proteção aos direitos dos animais, ação foi motivada por supostos maus-tratos Um futuro melhor para os animais Computadores e tecidos cultivados em laboratórios estão, aos poucos, substituindo os animais nas pesquisas científicas Desde sábado, o site de VEJA publicou uma série de entrevistas com especialistas que discutiram os prós e os contras do uso de animais em pesquisas científicas. Steven Wise, professor de direito dos animais em Harvard, defende que alguns animais tenham os mesmos direitos que protegem os humanos; o médico Ray Greek tenta provar cientificamente que usar animais não vale a pena; Michael Conn, pesquisador e autor do livro The Animal Reserch War; e Marcelo Morales (em uma entrevista feita na 25ª reunião anual da FeSBE e publicada anteriormente pelo site), presidente da comissão de ética com animais da UFRJ, argumentam que sem a pesquisa com animais a medicina não teria avançado. Talvez esse debate não faça sentido daqui a cem anos — ou até menos. O uso de animais para esse tipo de pesquisa hoje é uma necessidade que pode desaparecer com a evolução de modelos que simulam os efeitos dos remédios em computadores e em tecidos humanos cultivados em laboratório. Mas, por enquanto, todos os remédios que estão nas prateleiras das farmácias foram testados em animais. Se vivemos mais e melhor, devemos muito às pesquisas com animais. Talvez um dos casos mais emblemáticos seja a descoberta dos antibióticos, usado como exemplo tanto por defensores e detratores do modelo de pesquisa com animais. Em 1928, Alexander Fleming notou que a bactéria staphylococcus não proliferava em uma cultura contaminada com o fungo Penicillium notatum. A partir daí, foram 12 anos até que houvesse penicilina suficiente para testes científicos. Em 1940, dois cientistas ingleses infectaram oito camundongos com uma dose letal de bactéria e, uma hora depois, injetaram penicilina em quatro deles. Os que não foram tratados morreram. Mas a quantidade de penicilina necessária para tratar humanos era 3.000 vezes maior do que em camundongos. Para os detratores, a diferença de escala revela a falta de precisão do modelo animal. Já os cientistas argumentam que, sem esses testes iniciais, a penicilina não teria sido mais estudada. O método revolucionou o tratamento de infecções bacterianas que, até então, causavam centenas de milhões de mortes. Outros avanços semelhantes, atribuídos à experimentação animal pelos cientistas que a defendem, são a transfusão de sangue, a cura da tuberculose, o tratamento da asma, o transplante de rim, o tratamento do câncer de mama - e a produção de todos os medicamentos atualmente comercializados. Certas pesquisas beneficiam tanto humanos quanto os próprios animais. Na USP, a geneticista Mayana Zatz conduz atualmente uma pesquisa com células tronco em busca da cura da distrofia muscular de Duchenne (DMD). Essa doença, que só atinge meninos e causa a degeneração dos músculos, pode fazer com que uma criança perca a capacidade de andar aos 10 anos — a partir daí a situação piora. Há alguns anos, um pesquisador americano descobriu que cães da raça golden retriever também desenvolvem a distrofia muscular. No intuito de descobrir um tratamento para seres humanos, a equipe liderada por Mayana busca a cura da doença nos cães. Até então, as pesquisas, com células-tronco, eram desenvolvidas em camundongos. “Se conseguirmos tratar esses cães, estaremos a um passo do tratamento em humanos”, afirmou a geneticista. Depois da pesquisa, os cães serão treinados para ajudar cadeirantes. Tropeços — Em 1957, um novo remédio chamado Talidomida chegou ao mercado. A substância, sedativa e anti-inflamatória, havia sido exaustivamente testada em cobaias. Os roedores, que metabolizavam a droga de forma diferente de humanos, não acusaram problemas. No entanto, as mulheres grávidas, que tiveram a droga prescrita para enjoo matinal, tiveram bebês deformados, com uma condição chamada focomielia, que impede a formação de braços e pernas. Para quem é contra o uso de animais em pesquisas científicas, esse caso mostra que os efeitos observados nos bichos não servem para prever o que acontecerá em seres humanos. Quem defende o uso argumenta que a lição foi aprendida e com o rigor científico de hoje isso não teria acontecido — o teste seria feito em roedoras gestantes e o efeito seria detectado a tempo. De acordo com um relatório do Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas, de 2005, mais de 130 produtos farmacêuticos foram retirados do mercado mundial nos últimos 40 anos por motivo de segurança. Um terço nos dois primeiros anos de comercialização e 50% em até cinco anos. Os principais motivos apontados pelo órgão ligado à Organização Mundial de Saúde são as reações adversas causadas pelos medicamentos. No Brasil, desde fevereiro de 2010 as empresas são obrigadas a monitorar os medicamentos que colocam no mercado nacional. Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), também fiscaliza os remédios usados por profissionais de saúde, farmácias, hospitais e organismos internacionais. Nos últimos seis anos, pelo menos sete classes de remédios foram retirados do mercado por causar reações adversas nos pacientes. Entre eles, o Vioxx, em 2004, por causa de risco cardiovascular, e o Tacrolimos e a Closapina, em 2009, ambos por falta de eficácia. Alternativas — Com a recente decisão da União Europeia de restringir o uso de animais em pesquisas médicas e proibir de vez a utilização de grandes símios em experimentos científicos, as alternativas científicas ao teste em animais entraram em evidência. O projeto Genoma, encarregado de sequenciar todo o material genético humano, completou 10 anos em 2010. Os resultados alcançados por ele permitem que modelos computacionais e matemáticos ganhem força no estudo de novas moléculas criadas pela indústria farmacêutica - o que antes só era possível com o teste em animais. Esses modelos, contudo, não são totalmente seguros e precisam de validação ulterior para que venham a substituir as práticas já consagradas. Pele artificial — Além de computadores, os cientistas estão apostando em modelos in vitro com tecidos de seres humanos e cultura de células. Em 2006, pesquisadores da Unicamp desenvolveram uma pele humana artificial. Paralelamente, outros centros brasileiros desenvolveram pesquisas similares. Os biólogos Luísa Villa e Enrique Boccardo, do Instituto Ludwig de Pesquisa Sobre Câncer, recriam a pele humana e a utilizam para estudos do HPV (vírus do papiloma humano) no câncer cervical. Mesmo na controvertida área dos cosméticos, combatida pelos defensores dos animais, está ocorrendo avanços. Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a equipe formada pelas biólogas Silvia Berlanga, Carla Brohem, Laura Cardeal e liderada por Silvya Stuchi Maria-Engler, desenvolveu um tipo diferenciado de pele humana artificial que utiliza fragmentos de pele natural doada em cirurgias plásticas, capaz de oferecer condições para reproduzir o melanoma, um tipo de câncer de pele extremamente letal. Com isso, é possível realizar o teste de novos medicamentos e cosméticos reduzindo a participação dos animais na pesquisa. O passo seguinte é incluir elementos do sistema imunológico e reproduzir, in vitro, o envelhecimento da pele artificial. A longo prazo, outras aplicações serão possíveis, como cirurgias reparativas para pacientes que sofreram queimaduras ou cirurgias estéticas com a produção de “peles customizadas”, geradas com grau de pigmentação semelhante ao do paciente. Seja qual for o modelo, a pesquisa científica caminha para um futuro com um uso cada vez menor de animais. Mas, no presente, eles ainda são necessários para continuar a salvar vidas — humanas e não-humanas. EXEMPLO DE TEXTO DISSERTATIVO ARGUMENTATIVO Os rastros de violência estão presentes em quase todas as manifestações populares ocorridas no Brasil este ano. Os “black blocs” - os “penetras” mascarados dos protestos que se aproveitam para vandalizar o local - acabaram transformando grande parte dessa cena de evolução política do país em vergonha, ofuscando as intenções da sociedade. Tanto fizeram, que essas intenções praticamente silenciaram, o medo dos conflitos inevitáveis com policiais se espalhou e os protestos já estavam adquirindo consequências mal interpretadas. Assim acontece, também pelo mau uso da informação e da comunicação, que gera desrespeito por todas as partes, como no caso do Instituto Royal - acusado de utilizar indevidamente cães da raça Beagle em pesquisas. Esses cães tão carismáticos tornaram-se alvo de questionamento de ativistas que acusavam o Instituto de maus tratos. Essa notícia mal formulada caiu em mãos erradas. No embalo das manifestações, atos de vandalismo marcaram esse episódio: carros queimados, sequestro e abandono desses animais e depredações no local da manifestação. Sem o verdadeiro conhecimento dos procedimentos da pesquisa, nenhuma conclusão pode ser tirada. Uma ação popular não pode ser movida pela emoção. Afinal, as pesquisas tinham um ótimo propósito a favor da saúde do homem, porém, nem por isso devemos parar de questionar e cobrar esclarecimentos em relação ao uso de animais em pesquisas para o avanço da medicina, pois cabe apenas ao homem defendê-los. Conclui-se que nome e a imagem do Instituto, assim como a credibilidade dos procedimentos desse tipo de pesquisa, agora estão em jogo. Medidas mais caras, talvez, teriam sido melhor empregadas nesse tipo de caso. Pois, assim como na política, é melhor a prevenção de um problema, do que lutar contra ele depois.