KANT: CRÍTICA DO UTILITARISMO, LIBERDADE, RAZÃO E PAZ PERPÉTUA Notas de aula baseadas em Justiça, de Michael Sandel. Direito e Estado no Pensamento de Emmanuel Kant, de Noberto Bobbio e A Paz Perpétua, de Emmanuel Kant. Curso de Teoria Política Contemporânea Setembro 2014 Preâmbulo • Kant publica Fundamentação em 1785, cinco anos depois de Princípios da moral e da legislação, de Bentham. • “Sintonia” com o espírito moral das revoluções americana (1776) e francesa (1789). • Tema da moral proposto em contraste com: • Libertarianismo e princípio da máxima liberdade de escolha dos indivíduos. • Utilitarismo e princípio da maior felicidade para o maior número. • A moral deve reger as relações dos homens com o estado e também dos estados entre si. Da crítica do libertarianismo • Não somos donos de nós mesmos nem dos outros e, portanto, não podemos dispor totalmente de nós mesmos nem dos outros. • Autonomia implica em limites ao tipo de tratamento atribuído a si próprio e aos outros. • Exemplos: comércio de rins e dentes, prostituição e suicídio. • “Permitir-me ser usado, com fins lucrativos, para que outra pessoa satisfaça os próprios desejos sexuais, fazer de si mesmo um objeto de desejo é fazer de si mesmo uma coisa por meio da qual outras pessoas saciam seus apetites, como se estivessem aplacando a fome com um bife” Da crítica do utilitarismo • Prazer não indica justiça ou correção. • Como Bentham, reconhece a condição senciente dos homens. Mas prazer e dor não são seus “mestres soberanos”. • Quando a razão comanda a vontade, prazer e dor não são os únicos motivadores das ações. • Premissas morais não emanam da empiria (interesses, vontades, desejos e preferências). • Não são móveis como ela!!! • “Fazer um homem feliz é muito diferente de fazer dele um homem bom”. Liberdade • O que não é: • Busca do prazer e evitação da dor • Escravização de si por apetites e desejos. • Nota: distinção entre preferência e escolha. • Heteronomia: ação por determinação externa • O que é: • Ação de acordo com lei autoatribuída. • Autonomia: ação por determinação da razão. • Homens e bolas de bilhar: além das leis da física (necessidade), agem por leis da razão (liberdade). Da moral das ações I • Reside nas intenções, e não nas consequências. • “Mesmo que essa ação não consiga concretizar suas intenções; que apesar de todo o seu esforço não seja bem-sucedida, ainda assim continuará a brilhar como uma joia, como algo cujo valor lhe seja inerente” • Contra-exemplos: • “Honestidade. Ela é tão importante quanto qualquer outro recurso. Porque um negócio baseado na verdade, na clareza e no valor justo será sempre bem-sucedido. E é com esse objetivo que apoiamos o Better Business Bureau. Junte-se a nós. E lucre com isso. Da moral das ações II • Motivação pelo dever • Agir porque é certo, e não porque é útil ou conveniente. • Motivação pela inclinação • Agir por prazer ou fuga da dor • Nota: “Sentir prazer ao fazer a coisa certa não elimina seu valor moral. O que importa é que a boa ação seja feita por ser a coisa certa – quer isso nos dê prazer, quer não”. Estatutos da razão e imperativos • Razão instrumental e imperativo hipotético. • Thomas Hobbes: razão como “sentinela dos desejos” • David Hume: razão “escrava das paixões” • Razão como governo das ações e imperativo categórico. • Kant: razão dita “ações boas em si”, “necessárias para um vontade em sintonia com a razão”. • “Imperativo categórico comanda categoricamente – sem referência a nenhum outro propósito e sem depender de nenhum outro propósito” Imperativo Categórico: como alcançá-lo? • Universalize sua máxima • “Só devemos agir de acordo com os princípios que podemos universalizar sem entrar em contradição” • Exemplo: falsa promessa prioriza desejos e necessidades particulares em detrimento de necessidades e desejos de outros. • Trate as pessoas como fins em si mesmas • A humanidade tem valor absoluto. Os seres racionais têm dignidade. • As pessoas não podem ser usadas como meios, pois não são coisas. Imperativo Categórico: da sua condição universal • A dignidade dos indivíduos não tem a ver com características que lhe sejam particulares, mas com sua condição universal. • Respeito kantiano é diferente do amor, da empatia, da solidariedade e do companheirismo – sentimentos morais de circunstância. • IC não varia com inclinações individuais. Como seres racionais, os homens participam da “pura razão prática” e chegam às mesmas conclusões. Moral e política: estado civil • Estado civil é dever moral, análogo (e não oposto) ao estado de natureza (injusto e imoral). • “O direito privado não deve desaparecer no direito público, mas desfrutar de garantias que não pode ter no estado de natureza” • Garante a coexistência de liberdades. • Deixa aos indivíduos o tema da felicidade: • “Ninguém pode obrigar-me a ser feliz segundo concepção de bem-estar alheio porque cada um deve buscar sua felicidade da maneira que achar conveniente, desde que não infrinja a liberdade dos outros de fazer o mesmo” Moral e política: entre estados • Premissa: além das relações intra-estados, a razão e a moral devem reger as relações entre estados. Por quê? • 1. Estados vivem em estado não-jurídico entre si; • 2. Estado de natureza é injusto; • 3. Estados têm dever de sair do estado de natureza e fundar federação de estados. • 4. Esta federação não institui poder soberano (superestado), mas colaboração entre iguais. Como chegar à paz perpétua? Artigos preliminares • 1. Nenhum tratado de paz pode ser considerado como tal se é feito com a tácita reserva de pretextos para uma guerra futura. • 2. Nenhum Estado independente pode ser adquirido por outro através de sucessão hereditária, troca, compra ou doação. • Contra noção de Estado patrimonial (propriedade do príncipe). • 3. Exércitos permanentes devem desaparecer. Problema da paz caminha junto ao problema do desarmamento. Razões de ordem utilitária (despesas) e moral (soldado acaba se tornando mero instrumento). Como chegar à paz perpétua? Artigos preliminares • 4. Não devem ser contraídas dívidas públicas em vista de ação empreendida no exterior. • 5. Princípio da não intervenção: nenhum estado deve intrometer-se na constituição e no governo de outro estado por meio da força. Exceção: situação de guerra civil, anarquia. • 6. Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir atos de hostilidade que tornariam impossível a confiança recíproca na paz futura. Como chegar à paz perpétua? Artigos definitivos: primeiro • 1. A república é a melhor forma de governo nas relações entre Estado e cidadãos e também nas relações entre estados. • “É dever dos monarcas, ainda que aristocráticos, governar de forma republicana (não-democrática), ou seja, tratar o povo segundo princípios em conformidade com o espírito das leis de liberdade” • “Se é pedido o assentimento dos cidadãos para decidir se a guerra deve ou não ser feita, nada de mais natural pensar que, devendo deixar cair sobre eles próprios todas as calamidades da guerra eles refletirão longamente antes de iniciar um jogo tão ruim. Ao contrário, numa constituição na qual o súdito não é cidadão, isto é, numa constituição não-republicana, a guerra torna-se a coisa mais fácil do mundo, porque o soberano não é membro do Estado, mas seu proprietário, e pode então declarar a guerra como uma espécie de jogo de prazer.” Como chegar à paz perpétua? Artigos definitivos: segundo • O direito internacional deve fundamentar-se numa federação de estados livres. • As repúblicas devem originar federação de constituição análoga à constituição civil. • A federação em questão não é um superestado nem tampouco um puro e simples tratado de paz. Como chegar à paz perpétua? Artigos definitivos: terceiro • Direito cosmopolita deve ser limitado às condições de hospitalidade universal. • Direito cosmopolita: relação entre um Estado e os cidadãos de outros estados (estrangeiros). • Máxima: “um estrangeiro que vai para o território de um outro Estado não deve ser tratado com hostilidade até o momento em que cometa atos hostis contra o Estado que o está hospedando”.