SETOR ELÉTRICO: UM EQUILÍBRIO DELICADO Mario Veiga [email protected] Casa das Garças, 13 de março de 2014 1 Temário ► Segurança de suprimento ► Impacto econômico ► Conclusões 2 Segurança de suprimento ► Risco de racionamento ► Os números do governo 3 Modelo de simulação oficial ► Usado pelo ONS e EPE em estudos operativos e de planejamento ► Calcula a evolução dos estoques de energia hidro armazenada, levando em conta: Afluências; acionamento das térmicas; produção das eólicas, PCHs e biomassa; variação sazonal da demanda; restrições de transmissão... ► Simulação repetida para 2 mil cenários hidrológicos Cenários produzidos por modelos estatísticos sofisticados ► Resultados são críveis, pois o governo confia no mesmo modelo (e dados) para decidir quando (e quanto) acionar as térmicas e construir novos reforços 4 Cálculo do risco de déficit de energia ► Para cada cenário simulado e a cada mês do ano, o modelo verifica se a soma da máxima produção hidrelétrica e do total de produção das usinas termelétricas e renováveis atende a demanda total daquele mês ► Em caso negativo, o modelo calcula a energia não suprida e “marca” o cenário como “déficit de energia” ► Risco de qualquer déficit: # de marcados total de cenários Exemplo: 40 marcados 2.000 simulados 2% de risco ► Risco de déficit > x% da demanda (e.g. 5%) Somente marca os cenários em que a energia não suprida total > x% da demanda anual 5 Risco de déficit oficial ► Dados de oferta e demanda: Programa Mensal de Operação (PMO) do ONS para março (hidrologia até final de fevereiro) ► Resultados: (i) risco de qualquer déficit: 88%; risco de déficits > 5% da demanda: 24,5% Qualquer agente tem acesso aos dados e modelo computacional oficial e pode reproduzir estes resultados Origem do estresse publicado na imprensa semana passada ► Embora a imprensa goste, o risco de qualquer déficit não mede bem o que interessa a todos, que é a probabilidade de o governo decretar um racionamento O risco > 5% da demanda é melhor, mas ainda pode ser aperfeiçoado 6 Probabilidade de se decretar racionamento ► Em 2007 a PSR desenvolveu um novo índice que procura representar melhor o processo de decretar um racionamento Decisão ocorre após o término do período chuvoso Redução deve ser significativa (e.g. > 4% da demanda) Minimizar o impacto para a sociedade 7 Fatores otimistas nas simulações oficiais ► Esvaziamento dos reservatórios ► Vazões no rio São Francisco ► Cronograma de entrada dos reforços 8 Esvaziamento dos reservatórios 1. O esvaziamento real dos reservatórios é mais rápido do que indicado pelas simulações oficiais (“fatores de fricção”) 79% 75% 80%81% 77%78% 77% 75% ONS 80% 76% 72% 73% Simulação 75% 70% 68% 58% 60% 52% 50% 47% 37% 33% Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov 9 Vazões do S.Francisco e cronograma 2. As vazões da região Nordeste no período seco são inferiores às do modelo hidrológico oficial Vazão em 20 dos últimos 21 períodos secos abaixo da média 3. Atrasos na entrada em operação 2012: previsto acréscimo de 2.340 MW médios de garantia física; entraram 480 MW médios (20%); 2013: entrou somente 33% do previsto A PSR ajustou os dados para torná-los o mais realistas possíveis 10 Probabilidade de ser decretado racionamento ► Critério: só se decreta racionamento se for > 4% da demanda 2.500 MW médios, equivale a cortar 12 milhões de residências ► Política operativa e simulação com fatores “otimistas” corrigidos Resultados para 2014 ► PMO de fevereiro, com previsão de vazões do ONS para fevereiro (46% da MLT) 18,5% ► PMO de março, com previsão de vazões do ONS para março (78% da MLT) 23,8% 11 Causas deste risco elevado ► A vulnerabilidade energética não é conjuntural, isto é, não resulta de condições hidrológicas desfavoráveis nem de um crescimento brusco da demanda. Ela é consequência de deficiências estruturais na capacidade de suprimento Evidências ► Esvaziamentos abruptos em 2010 e 2012 Ambos os anos começaram com os melhores níveis de armazenamento da história e terminaram com os piores, apesar de a afluência e o balanço oferta x demanda serem favoráveis ► Acionamento quase permanente das térmicas desde setembro de 2012 12 Números do governo x PSR 13 Números do governo x PSR Nota do CMSE 1. Simulação com as séries históricas não causa problema 2. Excesso estrutural de 6.200 MW médios em 2014 14 CMSE 1 - Simulação com as séries históricas ► Simulação com o PMO de março, idêntico ao procedimento oficial Sem correção dos fatores otimistas ► Resultado: problemas de suprimento (déficits) em 21 das 81 das séries históricas simuladas ► Possível explicação: governo usou um procedimento diferente do adotado nas simulações operativas oficiais do PMO Nota do CMSE não explica como as simulações oficiais foram realizadas No entanto, uma nota técnica mais recente, divulgada pelo ONS juntamente com o PMO de março, afirma que as simulações que o governo fez com as séries históricas adotaram um procedimento operativo heterodoxo: atender a qualquer custo a demanda a cada mês, sem qualquer redução preventiva da mesma (apelido de operação kamikaze) 15 Por que a operação kamikaze não é realista ► Segurança operativa Se todos os reservatórios ficam muito vazios (abaixo de 10% de armazenamento), há risco de perda de controle operativo, isto é, as usinas já não conseguiriam produzir a energia determinada pelo ONS Possibilidade de colapso de suprimento, como se fosse um blecaute geral que persistiria por várias horas e talvez até dias ► Impacto na sociedade Da mesma maneira que uma família imediatamente “aperta os cintos” quando há um desequilíbrio significativo nos fluxos de receita e despesas sem esperar que o saldo da poupança fique “zerado”, a sociedade é muito menos prejudicada se adotarmos medidas preventivas de racionalização do consumo Se esperarmos até os 48 minutos do segundo tempo por um milagre de São Pedro e o santo estiver de mau humor, seremos forçados a impor às pressas um grande racionamento “à vista”, que será muito mais prejudicial para a sociedade do que se tivesse sido feito em “suaves prestações” preventivas 16 Resultados com a operação kamikaze ► Em quantas séries históricas os reservatórios ficaram abaixo de 10% de armazenamento? (risco operativo) Sudeste: cinco das 81 séries históricas 100% Nordeste: 36 (!) Armazenamento SE ao final de cada mês (% do máximo) 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Mar Apr May Jun Jul Aug Sep Oct Nov Dec 17 CMSE 2 - Excesso estrutural de 6,2 GW médios Equivaleria a colocar a totalidade da usina de Belo Monte mais a usina nuclear de Angra dos Reis no “banco de reservas” ► Se confirmado, seria um equívoco de planejamento que oneraria as tarifas dos consumidores ► A explicação é que o CMSE não calculou a CE seguindo o procedimento oficial de cálculo da capacidade estrutural ► Consequência: o preço médio da energia quando se simula a operação para a CE calculada pelo CMSE é 662 R$/MWh Seis vezes maior que o custo marginal de expansão do sistema, o que indica não otimalidade do sistema planejado 18 Impactos econômicos nos agentes e Tesouro 19 A descontratação das distribuidoras ► Em dezembro de 2012 venceriam cerca de 8.600 MW médios em contratos das distribuidoras Primeiro leilão de energia existente, em 2005 ► Como elas têm obrigação regulatória de estar 100% contratadas, era vital (e está na lei) que fosse realizado até o fim de 2012 um leilão de recontratação (A-1) ► No entanto, isto NÃO ocorreu ► Problemas de gestão do governo ► Como consequência, as distribuidoras ficaram descontratadas (expostas) em 3.500 MW médios em 2013; e em 2.500 MW médios em 2014 20 A tempestade perfeita ► Em caso de descontratação, as distribuidoras devem comprar o shortfall no mercado de curto prazo ► Os custos de compra são transferidos às tarifas, pois as distribuidoras não tiveram culpa pela exposição ► No entanto, esta compensação só ocorre uma vez por ano, na época da revisão/reajuste tarifário ► No entanto, os preços de curto prazo estavam muito elevados (o governo subestimou a severidade das deficiências de suprimento) As despesas de compra eram maiores do que toda a margem das distribuidoras, e elas quebrariam em poucos meses 21 Exposição por Subcontratação em 2014 Exposição Financeira em 2014 por Subcontratação [Bi R$] (Amostra: 25 Distribuidoras) 16 Com o PLD no teto de 822 R$/MWh, a exposição é R$ 300 milhões por semana 14 12 10 8 Para um PLD de 480 R$/MWh, a exposição anual seria da ordem de R$ 7,7 bilhões 6 4 2 - 100 200 300 400 500 PLD (R$/MWh) 600 700 800 900 22 Aportes do Tesouro e a escolha de Sofia 2013: 20 bilhões de reais 2014 (estimado): 25 bilhões de reais ► Parte destes aportes seria um empréstimo, a ser pago em 5 anos através de um aumento nas tarifas ► No entanto, o governo também está pressionado pelos índices de inflação: cada 1 bilhão de reais pago pelos consumidores representa 1% de aumento na tarifa A primeira prestação (em 2014) já foi adiada ► Por outro lado, se o Tesouro arcar, há um impacto no equilíbrio fiscal 23 Conclusões: a canoa virou? AINDA NÃO. No entanto, é importante refletir sobre o que tem acontecido… 24 O que estes imbróglios têm em comum? (1/3) ► Todos começaram como problemas que eram potencialmente sérios, mas que poderiam ser resolvidos com relativa facilidade ► No entanto, só foram tomadas providências quando “explodiram” Exemplos: leilão A-1 de 2012 e esvaziamento abrupto dos reservatórios Preocupação: mesmo que as soluções sejam tecnicamente boas, aplicá-las na hora da confusão abre o flanco para acusações de casuísmo e cria fragilidades 25 O que estes imbróglios têm em comum? (2/3) ► As medidas estão sendo tomadas no “sufoco”, sem verificar se há efeitos colaterais que pioram a situação Exemplos: rateio de custos e mudança na formação de preços 26 O que estes imbróglios têm em comum? (3/3) ► Desde a MP 579, os críticos têm sido tratados como adversários Preocupações: Perde-se a contribuição da inteligência coletiva do setor para a solução de problemas complexos A postura adversária pode levar a que um problema real seja ignorado 27 O que fazer? ► Torcer pelo melhor, mas se preparar para o pior ► Reforçar a regulação e, em particular, as Audiências Públicas e as Análises de Impacto Regulatório Incluir análises quantitativas dos efeitos (“no regulation without simulation”) ► Utilizar índices de desempenho para segurança de suprimento, tanto energética quanto elétrica ► Procurar eliminar o viés otimista das previsões (cronogramas, vazões etc.) Previsão que se preza erra tanto para cima como para baixo 28 Informações adicionais 29 MUITO OBRIGADO www.psr-inc.com [email protected] +55 21 3906-2100 +55 21 3906-2121