Qual Educação para qual Cidadania? Teorias e Práticas em Psicologia Social III Professora Gislene Maia de Macêdo, Dra Unidade V: Cidadania, Direitos e Políticas Públicas Valores e práticas cidadãs; Relação entre psicologia, cidadania e políticas públicas 1. O que é EDUCAÇÃO? Vem do Latim educatio = trazer à tona, criar, ajudar a nascer, remover → o conhecimento que está em todo ser humano ≠ inserir algo em, colocar dentro de. O termo também era utilizado na atividade da parteira, aquela que ajudava no nascimento de uma criança, que ajudava a mulher a dar a luz. Mais tarde, na filosofia socrática, surge a idéia da maiêutica, onde, através de perguntas ao outro, o filósofo faz nascer de dentro desse outro o saber que ele mesmo já possui, mas ignorava que sabia (vale lembrar que a mãe de Sócrates era parteira). 2 Gislene Maia de Macêdo 1. O que é EDUCAÇÃO? Sua constituição se dá a partir da dialética do saber, no diálogo, na relação com o outro e com a realidade circundante. O educador, a educadora, são facilitadores do processo de nascimento e criação do saber, que está em cada um de nós. 3 Gislene Maia de Macêdo 2. O que é FORMAÇÃO? Dar a forma de, assemelhar-se a. Se considerarmos educação nos termos aqui apresentados, a formação é algo dinâmico e também dialético, requer a participação do educando, do formando. A formação muda de formato a cada nova possibilidade de se trazer à tona o saber que está no outro, de facilitar as condições para que o educando se descubra no processo de conhecer, de saber, de viver. Depende dos valores vigentes num dado momento histórico e de como apreendemos os sentidos desses valores para nós como indivíduos e sujeitos coletivos. 4 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Como condição legal (perspectiva formalista) cidadania é concedida a partir do momento em que lhe são conferidos diversos direitos → civis, políticos e sociais. Como atividade desejável (aspiração de uma vida emancipatória) “[...] a cidadania se constrói socialmente como um espaço de valores, de ações e de instituições comuns que integram os indivíduos, permitindo seu mútuo reconhecimento como membros de uma comunidade.” (Gentili, 2000) 5 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Nesse sentido, os valores norteadores da formação cidadã são: a liberdade, a igualdade, a equidade, o respeito à diferença, a tolerância e a solidariedade, como instrumentos conflitivos, instáveis e dinâmicos, da construção de uma política de direitos que dispensa a violência como operador. 6 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Os valores e atitudes que estruturam a cidadania são resultados de infindáveis ações e relações sociais que permitem o consenso e o dissenso. No entanto: que valores e que práticas serão legitimadas e por quem? Como serão socializadas? Serão revistas e avaliadas sob que perspectiva? 7 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Na visão formalista os valores e práticas cidadãs são pré-estabelecidos, os mecanismos de transmissão aos indivíduos que os absorverão são desenvolvidos para que os cidadãos se tornem conscientes de seus papéis. Aqui, a formação ética e cidadã estará garantida através da “[...] transmissão de valores e do treino em uma série de práticas vinculadas ao seu exercício.” (Gentili, 2000) 8 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Como atividade desejável, estando a cidadania calcada em valores e práticas que a constituem, - como predeterminar e qualificar sua substância se a considerarmos um produto inacabado e em constante movimento? - - quem são os protagonistas sociais da cidadania? os educadores, as leis, a família, os responsáveis pelas políticas públicas, os técnicos nas diversas áreas do conhecimento? Quem? 9 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Na visão de uma educação que faz nascer, que traz à luz, que propicia a autonomia em função da coletividade, todos e cada um de nós promovemos esse turbilhão de diversidade, típico do mundo moderno, e somos nós os responsáveis pelas escolhas que fazemos. Isto gera conflito. 10 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? Nós, “Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper [e], por tudo isso nos fazemos seres éticos. [...] Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: seu caráter formador.” (Paulo Freire, 1996) 11 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? “Em outras palavras, não se pode educar para a autonomia através de práticas heterônimas, não se pode educar para a humanidade a partir de práticas autoritárias e não se pode educar para a democracia a partir de práticas autocráticas.” (Gentili, 2000) 12 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? • Heteronomia é um conceito criado po Kant significando as leis que recebemos. Ao contrário de autonomia, consiste na sujeição do individuo à vontade de terceiros ou de uma coletividade. É conceito básico relacionado ao Estado de Direito, em que todos devem se submeter à vontade da lei. Outrossim, Do grego heteros (DIVERSOS) + Nomos (REGRAS), a heteronomia é a característica da Norma Jurídica, que esclarece ser esta imponível à vontade do destinador http://pt.wikipedia.org/wiki/Heteronomia 13 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? • A lei é imposta ao indivíduo, e exterior a ele. Podendo a mesma ser criada pelo estado que é considerado um ente iterno, por um bloco econômico (ente supraestatal) ou um ente internacional como a ONU. A consciência moral evolui da heteronimia para a autonomia, ou seja, começamos por interiorizar as normas e obedecemos-lhes por medo do castigo - Heteronomia - e esta situação evolui para um patamar mais elevado, ao qual nem todos chegam, que consiste em nos autodeterminarmos em função de princípios e valores morais justificados de forma racional - Autonomia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Heteronomia 14 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? • A heteronomia significa que a sujeição às normas jurídicas não está dependente do livre arbítrio de quem a elas está sujeito, mas, pelo contrário, se verifica uma imposição exterior de que decorre da sua natureza obrigatória. A heteronomia é, assim, a nosso ver, uma característica da ordem jurídica, por contraposição à autonomia, com significado oposto. http://pt.wikipedia.org/wiki/Heteronomia 15 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? “Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia afirma que o educador que trabalha com crianças deve "estar atento à difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a autonomia" (FREIRE, 2000a, p. 78). Este é um dos grandes temas que atravessam o pensamento de Freire. Ele não diz textualmente o que entende por autonomia e heteronomia, mas a partir de seu pensamento sócio-político-pedagógico podemos afirmar que autonomia é a condição sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha se libertado, se emancipado, das opressões que restringem ou anulam a liberdade de determinação. A autonomia tem a ver com o que Freire (1983, p. 108) chama de "ser para si" e no contexto histórico subdesenvolvido dos oprimidos para quem e com quem Freire escreve, autonomia está relacionada com a libertação.” 16 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? “Já heteronomia é a condição de um indivíduo ou grupo social que se encontra em situação de opressão, de alienação31, situação em que se é "ser para outro" (idem, p. 38). Segundo o que defendemos a partir de Freire, as opressões, em geral, vão configurar uma situação de heteronomia, e uma educação voltada para a libertação pode conduzir as pessoas a serem autônomas. Também destacamos que os escritos de Freire são uma denúncia aos sistemas social, político, econômico, educacional, que favorecem a perpetuação da heteronomia. Ele denuncia as realidades que levam a heteronomia e propõe uma educação que busca construir uma realidade social que possibilite a autonomia, propõe um processo de ensino que possibilite a construção de condições para todos poderem ser "seres para si”.” 17 Gislene Maia de Macêdo 3. O que é CIDADANIA? “Freire cria um pensamento engajado, pensamento que é práxis32 com e para o povo oprimido. Sua opção é pelos mais fracos, pelos esquecidos, em especial pelos povos chamados subdesenvolvidos, que historicamente mais foram oprimidos com o colonialismo, com os neocolonialismos, com as ditaduras militares e com o neoliberalismo. Sua opção é de professor democrático e progressista que busca a superação da heteronomia e construção da autonomia. Neste capítulo vamos ver quais as heteronomias a que ele se opôs com seu pensamento.” Zatti, Vicente. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007 18 Gislene Maia de Macêdo Psicologia, Cidadania, Educação e Políticas Públicas O estabelecimento de valores que se tornam referência para nossa conduta são repletos de significados que se legitimam a partir do nosso contexto sócio-histórico. Somos nós quem delimitamos e damos forma aos valores que pautam nossas ações no mundo. 19 Gislene Maia de Macêdo Psicologia, Cidadania, Educação e Políticas Públicas “Dessa forma a moralidade que pressupõe o exercício da cidadania se reconhece como sendo histórica, contingente, relativa e aberta. Sabendo-se evitável, trata de construir-se e garantir-se como um espaço de diálogo com o outro e de respeito pelo diferente. Uma moralidade plural que dispõe a dialogar com outras moralidades o tipo de mundo que queremos viver, fundando assim o espaço de uma formação ética na e para a igualdade, a democracia, a autonomia e a liberdade. [...] A partir e através desses princípios, a cidadania se constrói como uma práxis intersubjetiva, baseada numa ética pública que lhe atribui significado.” (Gentili, 2000) 20 Gislene Maia de Macêdo Psicologia, Cidadania, Educação e Políticas Públicas • Talvez, a única solidez que podemos encontrar nessa visão de educação e cidadania é considerar que a base de sustentação da natureza humana está no trabalho árduo do cotidiano, na permanente defesa da vontade autônoma dos sujeitos que assumem o desafio de ser protagonistas de sua própria história. • E, para isso, não há manual de instruções. Teremos que, coletivamente, construir diferentes formas de facilitar o processo de nascimento e criação do saber, que já está latente em cada um de nós. 21 Gislene Maia de Macêdo O que cabe à Psicologia? • Seu lugar na Educação • Seu lugar nas políticas públicas • Seu trabalho • Suas intervenções • Seus saberes • Como pensar exclusão/inclusão social e subjetividade 22 Gislene Maia de Macêdo Algumas Referências ARENDT, Hannah (1958) The Human Condition, Chicago: Chicago University Press. _________________ (1968) Entre o Passado e o Futuro, são Paulo: Perspectiva (4ª edição, 1997). AZEVEDO, José C., GENTILI, Pablo, KRUG, André & SIMON, Cátia (2000) Utopia e Democracia na Educação Cidadã, Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/Secretaria Municipal de Educação. DUARTE, André (2000) O Pensamento à Sombra da Ruptura: Política e Filosofia em Hannah Arendt, São Paulo: Paz e Terra. FERREIRA, Nilda Teves (1993) Cidadania: Uma Questão para a Educação, Rio de Janeiro: Nova Fronteira (4ª impressão). 23 Gislene Maia de Macêdo Algumas Referências FOUCAULT, Michel (1973) A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro: Nau. FREIRE, Paulo (1996) Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, São Paulo: Paz e Terra (28ª edição, 2003) (Coleção Leitura). KELSEN, Hans (1985) A Ilusão da Justiça, São Paulo: Martins Fontes (2 ª ed. Brasileira, 1998). MACEDO, Gislene M. de & MORETZSOHN, Ricardo F. (2001) Cidadania e ética, apostila do Curso de Formação e Capacitação de Agentes de Operação e Fiscalização de Trânsito, Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). PENNA, Antônio Gomes (1995) Introdução à Psicologia Política, Rio de Janeiro: Imago. 24 Gislene Maia de Macêdo