Tanatologia é a parte da Medicina Legal que estuda a morte e os fenômenos médico-legais dela decorrentes. Para se constatar a certeza da morte, é necessária a observação cuidadosa dos fenômenos cadavéricos, que são divididos em abióticos e transformativos. Os fenômenos abióticos, por sua vez, dividem-se em imediatos (devidos à cessação das funções vitais) e consecutivos. FENÔMENOS ABIÓTICOS IMEDIATOS: Perda da consciência; Perda da sensibilidade; Imobilidade e perda do tônus muscular; Ausência de respiração; Ausência de circulação. FENÔMENOS ABIÓTICOS CONSECUTIVOS: Resfriamento corporal: Cessada a função termorreguladora, o resfriamento ocorre na razão de 1 grau centígrado/hora, nas primeiras 12 horas, e 0,5 grau centígrado/hora nas 12 horas subseqüentes, equiparando-se à temperatura ambiente em 24 horas no adulto, e em 20 horas na criança. Rigidez cadavérica: A rigidez é provocada pela escassez de oxigênio nos tecidos e conseqüente aumento do teor de ácido lático e acidificação do músculo. Os músculos permanecem na posição em que estavam no momento da morte. Instala-se em torno da primeira hora, de cima para baixo, começando pela mandíbula e seguindo pela nuca, tronco, membros superiores e inferiores. Progride até atingir um máximo entre 8-12 horas após a morte, sendo que ao término de 24 horas principia a se desfazer, por ação da autólise e da putrefação, começando pela mandíbula e terminando pelos membros inferiores. Livores de hipóstase: Com a morte, a parada da circulação faz com que a pressão intravascular torne-se nula, o que leva o sangue a se deslocar, por ação da gravidade, para as partes mais inferiores do corpo, ou seja, aquelas que se situam mais próximas do solo. Aparecem, então, os livores (manchas púrpuras cutâneas) que se formam nas posições de maior declive do corpo devido à deposição do sangue nos vasos sanguíneos pela ação gravitacional. Essas manchas não se formam nas áreas onde a pele possa estar pressionada contra uma superfície dura, pois nesses casos há um impedimento à deposição de sangue local. Surgem entre a primeira e a segunda hora e, progressivamente, vão tornando-se mais pronunciados. Algumas horas após a morte, eles ainda podem se deslocar para outros pontos do corpo, desde que a posição do cadáver venha a ser modificada. A partir da décima hora estão fixos, sendo irremovíveis após esse tempo. FENÔMENOS TRANSFORMATIVOS DESTRUTIVOS: Com a cessação dos fenômenos vitais, os tecidos decompõem-se e o corpo transforma-se. Compreendem os fenômenos transformativos destrutivos a autólise e a putrefação. Autólise: As desordens bioquímicas resultantes da falta de oxigênio nas células levam a uma ruptura das membranas celulares e destruição dos tecidos por ação das suas próprias enzimas. As células da mucosa gástrica, da mucosa intestinal e do pâncreas são as que primeiro sofrem a destruição autolítica. Putrefação: É o prosseguimento da autólise devido à ação dos microrganismos e suas toxinas, que proliferam nos tecidos, procedentes do tubo digestivo, principalmente, onde existem em quantidades controladas durante a vida. As enzimas bacterianas decompõem os tecidos, produzindo grande quantidade de gases, dentre os quais metano, gás sulfídrico, gás carbônico e amônia (gases inflamáveis e de odor nauseante). Há quatro fases na putrefação: Fase cromática: Surge como uma mancha verde no quadrante inferior direito do abdômen (onde está o ceco), aparecendo cerca de 18 a 24 horas após a morte. A combinação de gases sulfurados com a hemoglobina é responsável por essa fase, que, normalmente, em 48 horas, compromete o tórax e abdômen, prolongando-se por uma semana, quando toda a pele assume uma coloração verde-enegrecida. Fase gasosa: Começa em 24 horas. O tecido subcutâneo é tomado por pequenas bolhas de gases sulfurados, aumentando de volume e dando uma sensação de crepitação ao toque. Os gases distendem as vísceras ocas e o abdômen, dando ao cadáver um aspecto gigantesco. A bolsa escrotal aumenta de volume, assim como há uma pseudo-ereção do pênis pela distensão dos corpos cavernosos pelos gases. O aumento de volume do conteúdo orbitário produz uma protrusão dos globos oculares. A língua aumenta e se projeta para fora do limite das arcadas dentárias. Esses gases fazem pressão sobre o sangue que foge para a periferia e, pelo destacamento do epiderma, esboça no derma um desenho vascular de coloração pardo-esverdeada conhecido como circulação póstuma de Brouardel. O período gasoso atinge o máximo em 3-4 dias e dura até 3 ou 5 semanas. Fase de liquefação: Começa no fim da primeira semana, podendo variar de 5 dias a 2 meses. A pele se rompe, os orifícios naturais se entreabrem, as partes moles começam a se desmanchar, liquefazendo-se, e os insetos necrófagos proliferam. A ação de larvas necrófagas, surgidas originalmente da deposição de ovos pelas moscas, destrói rapidamente os tecidos moles. Fase de esqueletização: Tem início entre a terceira e quarta semana, quando os ossos vão ficando expostos pela destruição completa das partes moles. Essa fase pode durar vários meses ou anos (18 meses em média). CRONOTANATOGNOSE: É a parte da tanatologia que estuda a data aproximada da morte. Os principais elementos de estudo para determinação do tempo de morte, no nosso meio, são: Rigidez cadavérica: Ela está presente na mandíbula e nuca nas primeiras 2 horas, nos músculos tóracoabdominais em 2-4 horas, nos membros superiores em 4-6 horas, nos membros inferiores em 6-8 horas. Desaparece progressivamente, também, de cima para baixo, com o início da putrefação. Livores de hipóstase: Começam a ficar visíveis entre 1 e 2 horas após a morte, e atingem sua coloração máxima entre 8 e 12 horas post mortem, período em que se tornam fixos. Mancha verde abdominal: Quase sempre localizada, inicialmente, na fossa ilíaca direita. Surge entre 18 e 24 horas, estendendo-se, paulatinamente, para todo o abdômen, tórax e o resto do corpo. Conteúdo gástrico: A digestão ocorre em torno de 5-7 horas. A identificação de alimentos reconhecíveis em suas diversas formas pode determinar que o indivíduo faleceu 1-2 horas após a última refeição. Alimentos em fase final de digestão sugerem um intervalo de 4-7 horas. Estando o estômago vazio, sugere-se um óbito há mais de 7 horas. Fauna cadavérica (entomologia médico-legal): Ainda no início do período cromático, certas espécies de moscas procuram o cadáver para depositar seus ovos, em especial nas fendas palpebrais, narinas, boca, condutos auditivos e orifícios provocados por traumas. As larvas penetram nesses orifícios em busca de alimento e crescem rapidamente. Como são muito numerosas, há destruição rápida das partes moles e vísceras do cadáver. Orifícios provocados por PAF e feridas por instrumentos pérfuro-cortantes podem ser logo descaracterizados. Não são apenas os dípteros (moscas) que chegam ao cadáver. Coleópteros e lepidópteros também se servem dos corpos em decomposição. Foi Mégnin quem estabeleceu com segurança como surgem os “legionários da morte”. Eles preparam o terreno aos outros grupos, sendo as etapas das diversas turmas distintas e em número de OITO. A primeira legião é composta dos dípteros da espécie Musca domestica e Muscina stabulans, cujo tempo de aparecimento é de 8-15 dias, até surgirem os ácidos graxos. A segunda legião está integrada pela Lucilia caesar (díptero) e Sarcophaga carnaria, que permanecem por 15-20 dias e aparecem tão logo o odor cadavérico seja despertado. A terceira legião encerra as espécies Dermestes frischi (besouro) e Aglossa pinguinalis (mariposa), desenvolvendo-se num período de 20-30 dias, permanecendo por 2 meses após a morte. A quarta legião surge depois da fermentação butírica das matérias graxas, 3-6 meses post mortem. São os coleópteros do gênero Necrobia. A quinta legião aparece na fase de liquefação enegrecida das substâncias que não foram consumidas pelas legiões anteriores, 7-8 meses após a morte. São os coleópteros da espécie Hister cadaverinus. Na sexta legião, 6-12 meses post mortem, aparece a Uropoda nummularia, que deixa o cadáver completamente dissecado, absorvendo todos os humores ainda restantes. Na sétima legião, 1-3 anos post mortem, temos a Tineola bisselliela (mariposa), que destrói os ligamentos e os tendões. Na oitava legião, 3 anos após a morte, as espécies Tenebrio obscurus e Tenebrio molitor consomem os últimos detritos deixados pelos outros insetos.