Análise da provável desvalorização gradual do metical em 2026, no âmbito de um novo programa de ajustamento financeiro acordado entre Moçambique e o Fundo Monetário Internacional (FMI) Laurindo Américo Chival [email protected] Resumo Este artigo analisa a provável desvalorização gradual do metical em 2026, enquadrada nas negociações de um novo programa de assistência financeira entre Moçambique e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nos últimos anos, o metical manteve-se artificialmente estável em torno de 63 MZN/USD, graças à intervenção do Banco de Moçambique, o que ajudou a conter a inflação, mas criou distorções profundas: escassez crónica de divisas no sistema bancário formal, racionamento de moeda estrangeira e expansão de um mercado cambial paralelo, onde o dólar é transaccionado com um prémio significativo. A análise identifica como principais causas desta desvalorização esperada: a redução das reservas internacionais e dos fluxos de financiamento externo; a elevada dependência de importações; choques externos recentes; a política de “congelação cambial”; o comportamento especulativo de agentes que antecipam a correcção do câmbio; e as condicionalidades associadas a um novo programa do FMI, que exige maior flexibilidade cambial e uma taxa de câmbio mais alinhada com os fundamentos económicos. São discutidas as consequências económicas, financeiras e sociais do ajustamento cambial. Entre os efeitos de curto prazo, destacam-se o aumento da inflação, a perda de poder de compra, o agravamento momentâneo do rácio dívida/PIB e a necessidade de apertar a política monetária. Em contrapartida, a médio prazo, a desvalorização poderá corrigir desequilíbrios externos, eliminar incentivos ao mercado paralelo, reforçar a competitividade das exportações, melhorar a disponibilidade de divisas e contribuir para restaurar a confiança de investidores e parceiros internacionais, desde que acompanhada por consolidação fiscal, reformas institucionais e medidas de protecção social. Palavras-chave: Desvalorização cambial. Metical. Fundo Monetário Internacional (FMI). Política cambial. Abstract This paper examines the likely gradual depreciation of the Mozambican metical in 2026, in the context of negotiations for a new financial assistance programme between Mozambique and the International Monetary Fund (IMF). In recent years, the metical has been kept almost fixed at around 63 MZN per US dollar, despite a formally floating exchange rate regime. This de facto peg, sustained by the Bank of Mozambique, has helped to keep inflation relatively low but has generated serious distortions: a chronic shortage of foreign currency in the formal banking system, severe rationing of foreign exchange and the expansion of a parallel market in which the dollar trades at a substantial premium. The paper identifies several key drivers of the anticipated depreciation: declining international reserves and reduced external financing; a high dependence on imports; recent external shocks; the domestic policy of “exchange rate freezing”; speculative behaviour by agents who expect a future correction; and the conditionalities attached to a new IMF programme, which call for greater exchange rate flexibility and a more market-consistent currency value. The analysis then discusses the main economic, fiscal and social consequences of the exchange rate adjustment. In the short term, the depreciation is expected to raise inflation, erode real incomes, increase the domestic currency value of external public debt and force a tightening of monetary policy. In the medium term, however, a more realistic exchange rate may help to correct external imbalances, reduce incentives for the parallel market, strengthen export competitiveness, improve access to foreign currency and gradually restore investor and donor confidence, provided it is accompanied by fiscal consolidation, institutional reforms and well-targeted social protection measures. Keywords: Currency depreciation. Metical. International Monetary Fund (IMF). Exchange rate policy. Introdução A moeda de Moçambique, o metical, pode enfrentar uma desvalorização significativa em 2026, de acordo com análises recentes, especialmente no contexto de um novo programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) em negociação para o país. Nos últimos anos, o metical manteve-se notavelmente estável face ao dólar norte-americano, apesar de um regime de câmbio teoricamente flutuante. Desde 2021, o Banco de Moçambique (BM) tem “congelado” a taxa de câmbio, mantendo-a praticamente fixa em torno de 63 meticais por dólar, numa tentativa de controlar a inflação importada (CIP, 2025). Essa estabilidade cambial artificial, embora tenha contribuído para manter a inflação anual baixa (cerca de 5% em 2024-2025), veio acompanhada de graves distorções económicas – nomeadamente uma escassez crónica de divisas no sistema bancário formal e o florescimento de um mercado cambial paralelo. Em meados de 2025, associações empresariais moçambicanas alertavam que a falta de moeda estrangeira se tornara um dos principais entraves aos sectores produtivos, causando reduções de produção, despedimentos e quebras nas receitas fiscais (CIP, 2025). Este cenário de pressão cambial e financeira tem lugar num contexto macroeconómico desafiante para Moçambique. O país vive as consequências de anos de endividamento elevado, atrasos no serviço da dívida interna e redução de apoios externos. A descoberta em 2016 de dívidas ocultas precipitou uma crise de confiança que levou à suspensão do apoio de doadores e do próprio FMI, afectando drasticamente as reservas internacionais e o valor do metical (World Bank, 2016). Mais recentemente, em 2025, a cessação do financiamento da USAID (agência de cooperação dos EUA), que representava cerca de 3% do PIB moçambicano, contribuiu para agravar a escassez de divisas no país (Fitch, 2025). Ao mesmo tempo, projectos de investimento em grande escala, como o de gás natural liquefeito liderado pela TotalEnergies, sofreram atrasos devido a desafios de segurança, adiando entradas substanciais de divisas que poderiam aliviar a pressão cambial. Neste contexto, o Governo de Moçambique recorreu a medidas administrativas para conter a crise: aumentou de 30% para 50% a parcela das receitas de exportação que os exportadores são obrigados a converter em moeda local, e impôs limites mais estritos à retenção de divisas pelos bancos comerciais, visando canalizar mais moeda estrangeira para o mercado formal (Fitch, 2025). Contudo, tais medidas paliativas não resolveram os desequilíbrios fundamentais. Persiste um desfasamento entre a taxa de câmbio oficial e a taxa praticada no mercado paralelo, indicando uma provável sobrevalorização do metical. Muitos detentores de dólares preferem retê-los ou vendêlos no mercado informal, onde obtêm um valor bem mais alto em meticais, em antecipação de uma futura depreciação do metical (CIP, 2025). Assim, forma-se um círculo vicioso: a expectativa de desvalorização leva à retenção de divisas, que por sua vez aprofunda a escassez de dólares no mercado oficial e aumenta a pressão por uma desvalorização. Diante desse quadro, o novo programa de assistência financeira em discussão com o FMI surge como uma oportunidade e ao mesmo tempo um desafio para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos. O FMI, após concluir a Missão do Artigo IV em Novembro de 2025, enfatizou que “acções decisivas” são necessárias para restaurar a estabilidade macroeconómica de Moçambique. Entre as recomendações chave do Fundo estão um ajustamento fiscal rigoroso (protegendo os mais vulneráveis) e “uma maior flexibilidade da taxa de câmbio” para aliviar os desequilíbrios externos (IMF, 2025). Isso sinaliza claramente que a instituição vê a actual rigidez cambial como insustentável. De facto, a missão do FMI notou que as pressões no mercado cambial estão a prejudicar o crescimento, e alertou que, sem medidas correctivas, as vulnerabilidades do país poderiam aprofundar-se, com impacto negativo sobre a estabilidade macroeconómica e o bem-estar da população (IMF, 2025). Este trabalho apresenta uma síntese analítica das causas e consequências prováveis da desvalorização do metical em 2026, no âmbito do novo programa do FMI para Moçambique. Na secção de desenvolvimento, discutiremos primeiro os factores causais que convergem para tornar necessária essa desvalorização, desde os indicadores económicos e financeiros atuais até às lições da história cambial do país e às condições impostas pelos credores internacionais. Em seguida, examinaremos as potenciais consequências dessa desvalorização, tanto no curto prazo (inflação, dívida, efeitos sociais) quanto no médio prazo (competitividade externa, reequilíbrio da balança de pagamentos e confiança dos investidores). A análise baseia-se em dados económicos recentes, estudos de instituições relevantes e antecedentes históricos. Desenvolvimento Causas da Provável Desvalorização do Metical em 2026. Vários factores económicos e institucionais apontam para a inevitabilidade de uma desvalorização do metical no ano de 2026, como parte das medidas de ajustamento sob um novo acordo com o FMI. Um dos factores imediatos é a grave escassez de reservas internacionais e de moeda estrangeira no mercado doméstico. Analistas da consultora Oxford Economics notam que as reservas de divisas de Moçambique atingiram níveis criticamente baixos em 2025, insuficientes para cobrir adequadamente as necessidades de importação do país (Oxford Economics, 2025). Essa escassez de dólares tem raízes em desequilíbrios estruturais, a economia moçambicana é altamente dependente de importações (combustíveis, alimentos, equipamento e outros) enquanto as exportações, concentradas em alguns recursos naturais e commodities, não geram entradas suficientes de divisas para equilibrar a balança corrente. Além disso, choques externos nos últimos anos (queda dos preços de produtos de exportação como carvão e alumínio, calamidades naturais afectando a agricultura, e a pandemia de COVID-19) pressionaram as contas externas. A redução dos apoios dos doadores após 2016 e, mais recentemente, a suspensão dos fundos da USAID em 2025 agravaram o défice de financiamento externo (Fitch, 2025). Consequentemente, as reservas internacionais líquidas do Banco de Moçambique diminuíram, situando-se em torno de 3.6 mil milhões de dólares no final de 2024 e projectadas em 3.9 mil milhões dólares até final de 2025, segundo estimativas internacionais, um nível modesto que tende a cair sem assistência financeira adicional (S&P, 2025, citado por Reuters, 2025). Com reservas tão limitadas, manter o metical artificialmente estável tornou-se insustentável, pois o banco central já não consegue fornecer divisas suficientes para satisfazer a procura ao câmbio oficial. Outro factor crucial é a política cambial interna adoptada desde 2021, que resultou numa taxa de câmbio de facto fixa, apesar de Moçambique declarar um regime flutuante. Estudos do Centro de Integridade Pública (CIP) revelam que, nos últimos quatro anos, o Banco de Moçambique interveio para ancorar o metical num valor estável em relação ao dólar, não permitindo a sua depreciação normal de mercado (CIP, 2025). Essa “congelação cambial” foi motivada pelo temor de um efeito pass-through elevado ou seja, de que a depreciação cambial se transmitisse rapidamente aos preços internos, alimentando a inflação num país fortemente dependente de importações. De facto, o histórico moçambicano mostra que a inflação reage fortemente às variações cambiais: quando o metical desvalorizou cerca de 42% em 2016, a inflação anual disparou para 25% em Outubro daquele ano (World Bank, 2016). Ciente dessa realidade, o BM optou por segurar o câmbio para manter a inflação sob controlo (que em 2023-2025 ficou em torno de 5%, dentro da meta implícita das autoridades). No entanto, tal estabilidade artificial cobrou um preço elevado: os bancos comerciais ficaram sem dólares para vender e começaram a racionar severamente a oferta de divisas aos clientes (CIP, 2025). Empresas com necessidades de importação enfrentaram crescentes dificuldades para obter moeda estrangeira via sistema bancário, levando muitas a recorrer ao mercado paralelo ou a suspender operações. O CIP documentou que, em meados de 2025, pelo menos 60 empresas reportaram incapacidade de pagar importações no valor de 23,2 mil milhões de meticais devido à falta de divisas, resultando em quebras de produção, subida de custos e até encerramento parcial de actividades (CIP, 2025). Esse estrangulamento da actividade económica reflecte-se também em perdas de empregos e aumento dos preços de certos bens no mercado interno, contribuindo para a deterioração das condições de vida. A consequência directa dessa política cambial rígida foi a proliferação de um mercado negro de divisas. Enquanto o câmbio oficial permanece estável (aproximadamente MZN 63 = USD 1 em finais de 2025), no circuito informal o dólar é transaccionado a uma taxa significativamente superior, revelando a magnitude da desvalorização implícita. Embora números exactos variem e não sejam oficialmente publicados, relatos indicam que a taxa paralela do metical chegou a superar em 20-30% a taxa oficial em 2025 (Diário Económico, 2025). A economista Teresa Boene, do CIP, explicou que agentes económicos e pessoas com posse de dólares “retêm a moeda estrangeira e especulam”, guardando os dólares à espera de uma futura desvalorização do metical para então vendê-los com lucro (CIP, 2025). Esse comportamento é racional num contexto em que todos antecipam que a taxa oficial mais cedo ou mais tarde terá de se alinhar com a realidade do mercado. O metical encontra-se sobrevalorizado, sustentado apenas por controlos administrativos que criam escassez. Esta situação tornou-se insustentável e requer correcção ou através de um ajuste ordenado (depreciação controlada via política cambial) ou de maneira desordenada (pela pressão do mercado, caso as reservas se esgotem completamente). Exigências do FMI e as condições de um novo programa de ajuda financeira. Após vários anos sem um programa activo (o último Extended Credit Facility iniciado em 2022 foi interrompido prematuramente em 2025 devido ao incumprimento de critérios por parte do Governo), Moçambique solicitou um novo programa ao FMI, cujas negociações decorrem desde finais de 2025 (Reuters, 2025). Para o FMI, qualquer acordo de financiamento requer reformas e medidas de ajustamento macroeconómico que assegurem a sustentabilidade futura. Entre essas medidas, uma das principais é precisamente a reformulação da política cambial. O FMI deixou claro que espera “maior flexibilidade cambial” por parte de Moçambique, ou seja, que o país permita ao metical depreciar-se ao nível ditado pelos fundamentos do mercado (IMF, 2025; Reuters, 2025). Essa condição alinha-se com a visão de vários analistas de que uma desvalorização gradual do metical em 2026 será inevitável e até desejável no contexto do programa de ajustamento (Oxford Economics, 2025). De acordo com a consultora Oxford Economics, “o Governo deverá desvalorizar gradualmente o metical em 2026 para enfrentar a severa escassez de reservas de moeda estrangeira”, sendo esta medida provavelmente uma das condicionantes para um novo acordo com o FMI (Oxford Economics, 2025). Em outras palavras, os parceiros internacionais só estarão dispostos a injectar recursos (empréstimos concessionais do FMI, possivelmente reactivação de apoios bilaterais) se Moçambique mostrar compromisso em corrigir distorções e a taxa de câmbio é uma distorção central a ser corrigida. Ademais, precedentes históricos demonstram que programas de ajustamento anteriores em Moçambique incluíram correcções cambiais profundas. Por exemplo, no ano de 1987, ao iniciar o Programa de Reabilitação Económica apoiado pelo FMI e Banco Mundial, o Governo moçambicano desvalorizou o metical de 40 para 290 meticais por dólar, uma depreciação de mais de 600%, com o objectivo de eliminar a diferença enorme que havia entre a taxa oficial e a do mercado negro (Cruz & Mafambissa, 2020). Essa acção drástica marcou a transição do antigo regime de câmbio fixo (vigente de 1975 a 1986) para um regime mais realista, e foi acompanhada de outras reformas estruturais. Embora dolorosa em termos inflacionários, a desvalorização de 1987 era necessária para reequilibrar a economia após anos de economia planificada e guerra civil. Décadas depois, em 2016, Moçambique viveu outra brusca desvalorização do metical, dessa vez provocada pelo colapso de confiança relacionado com as dívidas ocultas. Entre Janeiro e Outubro de 2016, o metical perdeu 42% do seu valor face ao dólar, levando a que a inflação anual atingisse 25% e os preços dos alimentos subissem cerca de 40% (World Bank, 2016). Esse episódio, embora ocorrido fora de um programa formal do FMI (na verdade, a ajuda do FMI foi suspensa nessa altura), ilustra a rapidez com que a moeda pode depreciar-se quando as pressões externas e internas se acumulam. Em ambos os casos históricos, a lição é clara: quando o metical se torna insustentavelmente valorizado, uma correcção abrupta acaba por ocorrer, seja por via de um programa coordenado ou pelo próprio mercado. Em 2026, espera-se evitar uma crise desordenada implementando uma desvalorização orientada no âmbito do novo acordo com o FMI, de forma faseada e acompanhada de políticas de mitigação. As prováveis causas que levarão a desvalorização do metical em 2026 advêm de uma combinação de factores: a) Fundamentos económicos adversos, incluindo escassez de divisas, défices externos e redução de financiamento externo; b) Políticas internas que congelaram o câmbio, criando desalinhamento e mercado paralelo; c) Pressões do mercado e comportamento especulativo, com agentes antecipando a desvalorização e; d) Condicionalidades da ajuda internacional, com o FMI a exigir uma taxa de câmbio realista e flexível como pré-condição para assistência. Todos estes elementos convergem para tornar a desvalorização não apenas provável, mas uma medida necessária para restaurar o equilíbrio macroeconómico. Consequências Esperadas da Desvalorização. A implementação de uma desvalorização significativa do metical em 2026, ainda que de forma gradual e coordenada, trará impactos multifacetados à economia moçambicana. Um dos efeitos imediatos mais previsíveis é uma aceleração da inflação interna. Como referido, o metical está estável há vários anos, o que manteve a inflação de bens transaccionáveis (especialmente produtos importados) relativamente baixa. Ao permitir que a moeda enfraqueça, o custo das importações irá aumentar em termos de meticais, pressionando os preços domésticos. A experiência de Moçambique e de outros países similares, mostra que o pass-through cambial para a inflação é alto e rápido. Portanto, mesmo se a desvalorização for gradual ao longo de 2026, cada ajustamento sucessivo da taxa de câmbio terá efeitos inflacionários. Os analistas da Oxford Economics alertam que a depreciação do metical “colocará pressão ascendente sobre os preços” devido aos efeitos de transmissão cambial (Oxford Economics, 2025). Estes prevêem que, para conter essa nova pressão inflacionária, o Banco de Moçambique terá de reverter o curso da sua política monetária expansionista. Depois de ter vindo a reduzir a taxa de juro de política monetária (MIMO) ao longo de 2024-2025 – chegando a 9,5%, o valor mais baixo em muitos anos, o banco central provavelmente será forçado a voltar a subir os juros. A previsão apontada é que a taxa MIMO atinja cerca de 10% até ao final de 2026, à medida que a autoridade monetária tenta “controlar a instabilidade de preços” resultante da desvalorização (Oxford Economics, 2025). Esse aperto monetário encarecerá o crédito interno e poderá arrefecer a demanda agregada, num momento em que a economia já cresce abaixo do potencial, mas será considerado necessário para evitar uma espiral inflacionária. Consequências Esperadas da Desvalorização do Metical sob o Ponto de Vista das Finanças Públicas e Dívida. Do ponto de vista das finanças públicas e dívida, a desvalorização terá efeitos mistos. Por um lado, agravará o peso da dívida externa quando medido em meticais. Moçambique tem grande parte da sua dívida pública denominada em moeda estrangeira (estima-se que cerca de 77% do stock da dívida total esteja em moeda externa, segundo Fitch, 2022). Assim, um metical mais fraco significa que, ao converter a dívida externa para a moeda nacional, a razão dívida/PIB em meticais aumentará automaticamente. Isso pressiona as contas públicas, podendo exigir um esforço fiscal adicional para estabilizar a dívida. Por outro lado, se o programa do FMI for bem-sucedido, Moçambique poderá beneficiar de alguma forma a reestruturação da dívida ou maior concessionalidade nos novos empréstimos, bem como de ingressos de capital (por exemplo, desembolsos do FMI e talvez de outros parceiros), o que mitigaria parcialmente o impacto negativo inicial. Além disso, um câmbio mais desvalorizado aumenta a receita de exportações em meticais e as receitas fiscais denominadas em moeda local provenientes de sectores exportadores (como mineração, agricultura comercial e energia), o que pode melhorar a capacidade do Governo de arrecadar meticais para cumprir obrigações. No entanto, no curto prazo, o orçamento do Estado enfrentará pressões: subsídios a combustíveis ou alimentos (caso existam) tornar-se-ão mais caros, e poderá haver necessidade de medidas de apoio social para compensar a alta do custo de vida, sob pena de a população vulnerável sofrer desproporcionalmente. Consequências Esperadas da Desvalorização do Metical sob o Ponto de Vista Socioeconómico. No campo socioeconómico, a provável consequência negativa de maior relevo será a diminuição do poder de compra da população, especialmente das famílias urbanas e de renda fixa. Produtos alimentares importados, bens de consumo e mesmo alguns serviços indexados ao dólar ficarão mais caros em meticais. A inflação, particularmente de alimentos básicos, afecta de forma mais dura os mais pobres. Recorde-se que, em 20162017, durante a última grande desvalorização, Moçambique viu recrudescer a pobreza urbana e manifestações devido ao aumento acentuado do custo de vida (World Bank, 2016). Em 2026, para evitar tensões sociais, será fundamental que o Governo e o FMI acordem medidas de protecção social temporárias, por exemplo, reforço de transferências sociais ou subsídios direccionados para os grupos mais vulneráveis, amortecendo o impacto inflacionário. O próprio FMI tem enfatizado a necessidade de proteger os mais pobres durante o ajustamento fiscal e cambial (IMF, 2025), pelo que se espera que parte do programa contemple essa dimensão. Apesar das dificuldades de curto prazo, há também potenciais consequências positivas e correctivas associadas à desvalorização do metical. Uma delas é a correcção do desequilíbrio no mercado cambial: ao alinhar a taxa oficial com a taxa de mercado, elimina-se o incentivo para retenção e especulação com divisas. Isso significa que exportadores e outros detentores de moeda estrangeira terão menos motivos para fugir do mercado oficial, já que a taxa passará a reflectir mais adequadamente o valor real. Com a unificação do mercado formal e informal, espera-se um aumento na oferta de dólares no sistema bancário, o que beneficiaria importadores e empresas dependentes de insumos estrangeiros. Conforme salientado pelo CIP, a revisão da política cambial é urgente para repor a liquidez em divisas na economia e permitir a normalização das actividades produtivas (CIP, 2025). Assim, após o ajuste inicial, empresas actualmente sufocadas pela falta de moeda estrangeira poderão retomar a produção, evitando paragens e demissões. Em médio prazo, isso pode significar mais disponibilidade de produtos no mercado e menor pressão sobre alguns preços, contrastando com a situação presente em que a escassez de divisas leva à escassez de certos bens importados e alta dos preços. Outra consequência potencialmente positiva é o reforço da competitividade externa da economia moçambicana. Uma moeda desvalorizada torna os produtos de Moçambique mais baratos em dólares nos mercados internacionais. Sectores como a agricultura de exportação, as pescas, a indústria ligeira e o turismo podem tirar proveito de um metical mais fraco para ganhar mercado externo e atrair mais visitantes estrangeiros, respectivamente. Embora a elasticidade das exportações moçambicanas não seja muito alta no curto prazo (dado que incluem recursos naturais com volume fixo e alguns produtos agrícolas com restrições de oferta), ao longo do tempo poderá haver um estímulo à produção voltada para exportação. Além disso, investidores estrangeiros podem achar as oportunidades em Moçambique mais atractivas com custos em meticais mais baixos, especialmente se forem restabelecidas relações normais com instituições financeiras internacionais. Ou seja, a desvalorização integrada num programa FMI poderia sinalizar um retorno à ortodoxia e compromisso com reformas, restaurando gradualmente a confiança de investidores e doadores. Não por acaso, a agência Fitch projectava que um novo programa do FMI até ao final de 2025 ajudaria a aliviar a pressão cambial e melhorar as perspectivas de financiamento do país (Fitch, 2025). A entrada de fundos do FMI (por exemplo, através de uma Linha de Crédito Expandido) aumentaria imediatamente as reservas internacionais do BM, proporcionando um amortecedor para gerir a transição cambial de forma ordenada. Contudo, é importante notar que os benefícios de médio prazo dependem da implementação coerente de políticas complementares. A desvalorização, por si só, não resolve problemas estruturais, pode até agravá-los se não vier acompanhada de disciplina macroeconómica. Um risco a considerar é a dinâmica inflacionária descontrolada, se a credibilidade da política económica não estiver firme, a desvalorização pode desancorar as expectativas e levar a uma espiral de preços e nova pressão de desvalorização (o chamado ciclo vicioso inflação-desvalorização). Para evitar isso, as autoridades precisará de comunicar claramente o programa, tomar medidas fiscais para controlar o défice (reduzindo a necessidade de emissão monetária) e continuar a gerir a liquidez. O timing e a dosagem da desvalorização também importam, um ajuste demasiado brusco poderia causar choque inflacionário agudo, enquanto um ajuste demasiado lento poderia falhar em reconquistar a confiança. O cenário ideal apontado é o de uma desvalorização “gradual” ao longo de 2026 (Oxford Economics, 2025), permitindo absorção faseada dos impactos, em combinação com o desembolso faseado do apoio do FMI e possivelmente de outros parceiros. Consequências Esperadas da Desvalorização do Metical no Sistema Bancário e Financeiro No curto prazo, a revalorização dos passivos em moeda estrangeira dos bancos (por exemplo, obrigações externas ou depósitos em moeda estrangeira) pode afectar os balanços. Porém, espera-se que o BM acompanhe de perto o sector financeiro para prevenir instabilidade, por exemplo, exigindo planos de capitalização se necessário. Por outro lado, a melhoria na disponibilidade de dólares no mercado formal será benéfica para os bancos retomar a actividade normal de intermediação cambial, possivelmente com um mercado interbancário cambial mais dinâmico e transparente após as reformas. O FMI costuma apoiar assistência técnica para aprimorar os leilões cambiais e a regulação do mercado de câmbio, o que deverá fazer parte do pacote. Fazendo uma síntese das consequências da provável desvalorização do metical em 2026 incluem: a) Inflação mais elevada e resposta de política monetária restritiva (alta de juros) para conter pressões de preços; b) Efeito na dívida e contas públicas, com aumento inicial do peso da dívida externa em moeda local e necessidade de ajustes fiscais, compensado parcialmente por maiores receitas em meticais de exportação e possível apoio financeiro externo; c) Impacto social adverso de curto prazo, com perda de poder de compra e necessidade de medidas de mitigação para grupos vulneráveis; d) Correcção de desequilíbrios cambiais, eliminando o mercado paralelo e aliviando a escassez de divisas para o sector produtivo; e) Melhoria da competitividade das exportações e potencial atracção de investimento, se a estabilidade macroeconómica for restabelecida e; f) Restauração gradual da confiança de investidores e parceiros, sinalizando que Moçambique está a enfrentar de frente os problemas macroeconómicos de longa data. As reformas estruturais associadas, incluindo possivelmente a melhoria da governação financeira, transparência e combate à corrupção exigidas pelo FMI, podem também gerar benefícios colaterais importantes para o ambiente económico no médio prazo. Conclusão A provável desvalorização do metical em 2026, no contexto de um novo programa do FMI para Moçambique, surge simultaneamente como um desfecho inevitável das pressões económicas acumuladas e como um instrumento central de política para corrigir distorções macroeconómicas. A análise desenvolvida permitiu identificar as principais causas deste fenómeno: a persistente escassez de moeda estrangeira e o esgotamento das reservas internacionais; a política de câmbio praticamente fixo adoptada internamente desde 2021, que levou ao desalinhamento entre a taxa oficial e a realidade do mercado; a consequente proliferação do mercado paralelo de divisas e o comportamento especulativo de agentes económicos; e, não menos importante, as exigências e recomendações do FMI, apoiadas por lições da história económica moçambicana, no sentido de que sem um ajustamento cambial, a estabilidade macroeconómica não será possível de recuperar. O metical encontra-se sobrevalorizado num patamar insustentável, e a desvalorização ordenada, embora difícil, desponta como a alternativa racional face ao colapso desordenado que ocorreria se nada fosse feito. Quanto às consequências da desvalorização, elas serão profundas e devem ser geridas com cuidado. No curto prazo, Moçambique terá de enfrentar um choque inflacionário e seus efeitos sociais negativos. Será crucial a coordenação de políticas, monetária, fiscal e social, para amortecer o impacto junto da população mais pobre e para evitar que a inflação fuja do controlo. A credibilidade do compromisso com reformas será testada: a autoridade monetária, por exemplo, precisará de demonstrar firmeza em controlar a liquidez e estabilizar as expectativas, enquanto o governo terá de implementar consolidações orçamentais responsáveis e reforçar a rede de protecção social. A confiança dos agentes internos e externos dependerá da forma como o programa de ajustamento for executado. No médio e longo prazo, porém, uma taxa de câmbio realista poderá recolocar Moçambique numa trajectória mais sustentável de crescimento. A eliminação das distorções cambiais deve permitir a retoma das actividades produtivas hoje estranguladas, melhorar a competitividade das exportações moçambicanas e atrair investimento, especialmente se conjugada com outras reformas estruturais. Um metical ajustado aos fundamentos reduzirá incentivos a práticas especulativas e poderá contribuir para uma alocação mais eficiente de recursos na economia. Ademais, o novo programa do FMI, ao qual a desvalorização estará atrelada, poderá desbloquear fluxos financeiros importantes e sinalizar aos mercados internacionais que Moçambique está novamente comprometido com a disciplina macroeconómica e a transparência, factores indispensáveis para restaurar a credibilidade perdida após a crise da dívida oculta. Contudo a desvalorização do metical em 2026, no âmbito do programa do FMI, representa um “remédio amargo” mas necessário para a economia moçambicana. As causas que a tornam praticamente inevitável foram plantadas ao longo dos anos de desequilíbrio, e as consequências embora duras no curto prazo, podem ser mitigadas e revertidas em oportunidades se houver vontade política e apoio internacional contínuo. A experiência passada mostra que Moçambique já enfrentou desafios similares e conseguiu recuperar quando as políticas corretas foram implementadas em conjunto com o suporte externo. Desta vez, o sucesso dependerá da execução coerente do pacote de reformas acordado, combinando ajuste cambial, consolidação fiscal, reformas institucionais e medidas de protecção social. Manter a coerência, a fluidez e o rigor na aplicação destas medidas será tão importante quanto o próprio conteúdo do programa, de modo a assegurar que a desvalorização cumpra o seu papel de restabelecer os equilíbrios fundamentais sem desestruturar o tecido económico e social. Assim, com coerência de políticas e ancoragem factual nas decisões, Moçambique poderá transformar a crise cambial actual numa oportunidade de renovação económica, pavimentando o caminho para um crescimento mais sólido e inclusivo nos anos que se seguem. Referências CIP (2025). Moçambique entre a estabilidade cambial e o mercado paralelo (Relatório de pesquisa preliminar, Agosto de 2025). Centro de Integridade Pública de Moçambique. [Citado em notícias MMO, 18/08/2025]. Cruz, A. & Mafambissa, F. (2020). Economic development and institutions in Mozambique: Factors affecting public financial management. WIDER Working Paper 2020/133. Helsínquia: UNU-WIDER. Fitch Ratings (2025). Mozambique Credit Update – Foreign Currency Shortage and IMF Program Prospects. Resumo citado em 360 Mozambique, 04/08/2025. Fitch Ratings, Londres. IMF (2025). Press Release No. 25/387 – IMF Staff Completes 2025 Article IV Mission to Mozambique. 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