.O encontro O encontro Raquel Cristiny Eu acordei de um terrível pesadelo, eu tive-o todas as noites por toda uma semana. Tudo começou quando marquei um encontro com um estranho pela Internet sempre tive uma má impressão sobre ele, mas decidi deixá-la de lado, talvez devesse seguir mais minhas intuições... Para começar o local no qual ele marcou o encontro já foi bem incomum, em frente a um cemitério, estava uma lanchonete deserta e degradada, mas eu fui mesmo assim, talvez afinal eu seja a louca. Ele era pálido e suas vestes eram igualmente opacas, fazendo contraste com seu cabelo negro ele tinha um olhar sombrio. Do tipo que parece ler seus pensamentos. Em um encontro normal, ele me perguntaria coisas sobre mim e eu sobre ele, mas não, ele me perguntou como esta o mundo. — então as coisas mudaram muito por aqui — ele diz — como assim? Você por acaso é estrangeiro? — eu pergunto confusa — não... Apenas pode se dizer que eu já morei aqui e as coisas mudaram bastante — hum... — eu respondo sem saber o que dizer. E depois de muito tempo, de um silencio constrangedor ele diz. — você parece muito com ela... — ele sussurra baixinho, mas eu o escuto. — como? — eu digo — ah nada,... Esqueça por favor — hum... Talvez eu devesse ir, esta ficando tarde— eu digo, tentando escapar. — ah... Sim, não posso culpa-la de querer ir embora, não estou contribuindo para um encontro agradável — ele diz tristonho. Seu jeito de falar e sua misteriosidade mexeram comigo, mas também alertaram os meus sinais que diziam que ele era encrenca. Decidi dessa vez seguir minha intuição e ir embora, dei um sorriso e um pequeno abraço nele e me retirei, seria melhor assim. Depois daquele dia passei a ter pesadelos constantes, nele era outra época, parecia ate outro mundo de tão diferente, começava comigo em um amplo quarto em vestes antigas, eu estava deitada lendo um livro quando olhava para o lado estava ele o rapaz estranho me encarando, ele estava diferente, mais vivo, mais feliz, ele me abre um amplo sorriso e me puxa em seus braços mas depois a cena muda eu estou nessa mesma cama, mas agora pálida e sem vida. Ele entra no quarto me puxa em seus braços e diz que nos encontraremos de novo. Então o quarto é inundado com suas lágrimas. Então eu acordo mais uma vez, era sempre o mesmo sonho. Eu não aguentava mais, iria procurá-lo, precisava vê- lo de novo. [aou novamente em frente ao cemitério, na esperança dele esta lá, fico na lanchonete, por uma, duas horas, já estava para desistir quando vejo ao longe seus cabelos negros, dentro do cemitério, sinto um arrepio naquele instante. E então ele encontra meu olhar e vem em minha direção. Eu o aguardo e então quando ele chega em mim, me da aquele mesmo sorriso do sonho. — você por aqui? — ele fala como se não esperasse que eu voltasse — sim — eu digo — eu precisava ver você, pode ser estranho, mas... Eu ando sonhando com você, ou melhor, tendo pesadelos— falo de uma vez, antes de perder a coragem. Ele me observa atentamente então pergunta — o que acontece nesses sonhos? Então eu o conto tudo, cada detalhe, quando termino ele segura minha mão e me puxa em sua direção e me da um beijo inesperado nos lábios. — o que foi isso? — eu pergunto ofegante Ele da um sorriso e diz — nada, eu só queria me sentir vivo outra vez — ele fala todo alegre — você é ela, agora tenho certeza— ele diz ainda sorrindo. — ela quem? — eu falo confusa — eu disse que nos veríamos de novo, eu disse — ele fala agora histérico. E foi então que eu pergunto por fim — quem é você? Ao que ele me responde: — o seu passado. O gato Orfeu Lyra Assistindo à televisão em uma manhã de quarta-feira, uma menina ouve da janela uma batida de palmas. Abre a porta da sala. Ninguém. Ao fechar, olha uma cesta de palha no chão, envolta em um tecido leve e translúcido. Agarra-a e leva para dentro. Ao abrir, surpresa! Um gato! Um filhote de gato siamês, com pelo bege claro; as pontas das patinhas pretas, assim como a cauda, as orelhas e o meio da face. Contrastando com as cores neutras, um lindo par de olhos azuis, muito claros. A criança logo se encanta com o bicho e corre para mostrar para sua mãe, que está preparando o almoço na cozinha. - MÃE! MÃE! Olha o que eu achei! A mulher, com os olhos lacrimejados de cortar cebola, olha para o lado, surpresa. - Onde você achou isso? - Deixaram na nossa porta. Podemos ficar com ele? - Nem pensar! Já tenho muito trabalho nessa casa, não vou ficar limpando sujeira de gato. - Mãe, por favor! - Já disse que não, Sabrina. A menina começa a chorar baixinho, olhando para o filhote. - Mas então.. O que vamos fazer com ele? - Quando seu pai chegar, dê para ele levar em uma loja dessas que vendem animais. Desanimada, a criança pega a cesta e volta para a sala. Durante muitos minutos, fica a olhar, com a cesta no colo, o gatinho. Tão bonitinho! Queria tanto ter uma companhia pra ficar em casa! Sua mãe, sempre triste, parecia não gostar muito da vida. Coitada. Barulho de automóvel e da porta da garagem abrindo. Era seu pai. Ouvia o mesmo som todos os dias na hora do almoço. Como quase sempre, seu pai chega em casa cansado e abatido. - Bom dia, filha! - Oi paizinho! Olha só o que eu achei. Leva a cesta até seu pai e alcança o gato com a mão para ele pegar. - Um gatinho. Que lindo! - Podemos ficar com ele, pai? Por favor! - Claro que sim. Já deu nome a ele? - Ainda não. Gosto de “Fofinho”. O que você acha? - Legal. Fofinho, agora você vai ser da nossa família. Nesse instante, a mulher entra segurando uma panela de arroz quente, com uma cara de poucos amigos. - Mas não vai mesmo! Já disse à Sabrina. Quero esse gato fora da minha casa ainda hoje! - “Nossa casa” você quis dizer, certo?! rebate o homem com ironia. - Tanto faz! O fato é que esse gato não fica aqui. - Mas mãe.. - Nada de mas! Eu que limpo a casa. - E eu que sustento. A mulher olhou bem para os olhos do marido. Sentiu gana de esbofeteá-lo. Maldito! Como ousa jogar na sua cara que era sustentada por um homem! Sentiu-se humilhada e precisava revidar, tinha essa necessidade. Sua mãe sempre lhe disse que não devia se rebaixar para homem nenhum. - Vendeu algum carro hoje, Paulo? Ela sabia que ele não havia vendido, pois quando vende é a primeira coisa que diz quando chega em casa, sempre gritando orgulhoso. “- Na-Não, Mônica. Não vendi nenhum carro hoje.” responde, exitante e com um semblante envergonhado. Pronto. Era o que precisava para ferir o orgulho de macho provedor dele. Era a carta na manga que ela sempre usava em situações que tinha necessidade de fazê-lo se sentir diminuído. - Como eu pensei. E ainda acha que temos condições de criar um gato. - Não acredito que vai custar muito. Tão pequeno. - Vai crescer e eu não vou cuidar desse bicho. Já tenho a casa e vocês dois. É o bastante! - Bem.. Estou cansado. Discutimos isso depois. Agora vou tomar um banho antes de almoçar. Toma filha. Paulo passa o gato para a menina e dirige-se ao banheiro. Minutos depois, a mãe termina de pôr a mesa e chama o marido e a filha para comer. Depois do almoço, como sempre, Sabrina vai se arrumar para a aula e Mônica vai para a cozinha lavar a louça e preparar o lanche da filha. Paulo fica na sala vendo televisão. O homem toma o gato nas mãos e começa a brincar com o bichano. A esposa, indo e vindo com as panelas, olha de relance o marido com o gato. Naquele momento, vê nos olhos do marido o brilho de felicidade que já não via há tantos anos. É só um bicho! Como um bicho pode tornar uma pessoa feliz? Não consegue compreender. Uma hora e meia da tarde. O pai chama a filha para irem. - Vamos, querida. Senão, nos atrasamos. - Já vou, mais um minuto. O homem olha para o lado. A mulher imóvel, segurando a lancheira da filha. Há quanto tempo não lhe dá um beijo? Nem se lembra. A última vez que tentou beijá-la, recebeu indiferença. Sexo? Há mais de um ano sem fazer. Quando sentia desejos de se satisfazer, ia para o banheiro se aliviar. Apesar de tudo, gostava dela, a amava! Ela sempre fora uma boa mulher, boa mãe e por que não dizer boa esposa?! Não acordava cedo para fazer café da manhã para ele? Não lavava e passava suas roupas? Não deixava a casa limpa e cheirosa todos os dias? Definitivamente, era uma boa esposa! Onde se perdeu o amor? Não sabia dizer. A rotina lhe cegou os olhos do coração. Agora eram duas pedras em frente à porta da casa esperando a filha. A menina vem correndo, com a mochila nas costas, quase do tamanho dela. A mãe lhe passa a lancheira, lhe deseja boa aula e lhe dá um beijo na testa. O marido se despede da esposa. - Tchau, querida. “- Tchau” responde, seca. Mônica, fechando a porta, lembra-se do gato. Rapidamente, abre e grita. - Ei, Paulo. Esqueceu do gato. - Me desculpe, querida. Agora não posso. Sabrina vai se atrasar pro colégio e eu pro trabalho. O homem fecha a porta do carro e dá a partida. A mulher, furiosa, bate a porta com força. O gato desperta com a batida e começa a miar. - Que ótimo! Agora esse bicho vai ficar fazendo barulho a tarde toda.. Dirige-se ao banheiro para se lavar. Tira a roupa, olha-se bem no espelho. Ainda mantinha a beleza da juventude. Já não tinha a pele tão suave e os cabelos tão sedosos, mas ainda era uma mulher bonita, alta, com traços delicados. Lembra-se dos 18 anos de idade, quando venceu um concurso de beleza na sua cidade. Sentiu-se tão bem naquele momento. Sempre teve a beleza elogiada por todos. Por que não ouviu a mãe? (Minha filha, quero que você seja modelo, você nasceu para ganhar o mundo!) Mas qual.. Apaixonou-se por um rapaz alegre e brincalhão da faculdade. Perdeu a oportunidade de ir para Paris e se casou com ele. Não tinha um dia que não se arrependia disso. Sua vida poderia ter sido completamente diferente. Entra no box e liga o chuveiro. Sente-se tão solitária! Sua mãe sempre fora sua única amiga verdadeira. Agora estava morta. Lembra-se nesse momento que deve levar flores para o túmulo dela. Não conseguiu ir mês passado. Gosta do aroma suave do sabonete que usa. Ensaboa-se por todo o corpo, ao mesmo tempo que sente o calor da água percorrer sua pele. Adora tomar banho! O momento do dia que se sente mais confortável. Ao sair do banheiro, ouve novamente o gato miando. Será que está com fome? Pega um pires, derrama um pouco de leite e oferece ao bicho. Ao tirá-lo de dentro da cesta, se dá conta de quanto tempo não segura um animal nas mãos. Lembra-se do único bicho de estimação que teve, ainda criança. Uma adorável cadelinha Basset, sempre tão faceira com suas orelhas imensas e seus grandes olhos tristes contrastando com sua alegria de viver! Sente um aperto ao lembrar dela, enquanto coloca o gatinho em frente ao pires. Voraz, o animalzinho esvazia o recipiente em poucos instantes. - Nossa, quanta fome! Parece que nunca comeu. Sorri ao dizer isso para o gato. Sente-se estranha. Se dá conta de que fazia muito tempo que não sorria. Após se lamber por uns instantes, o gato levanta a pequena cabeça e, com seus expressivos olhos azuis, encara a mulher. Por um instante, ela tem a impressão de que ele quer falar com ela. Será que quer me agradecer? Como que sente internamente a mensagem que o bicho quer lhe transmitir. “Você me alimenta e me dá proteção. Sou-lhe grato por isso. Você é importante para mim.” De repente, o gato se aproxima da mulher, que está sentada de joelhos no chão, e lhe esfrega a cabeça em uma de suas mãos. Esse carinho faz tão bem a ela! Sente-se como se tivesse recebido uma injeção de serotonina. Olhos lacrimejando. Choro. Quanto tempo não chora? Não, agora não por cortar cebola. Agora é o amor que recebe de um ser minúsculo, de outra espécie, mas que parece entendê-la melhor do que seus próprios semelhantes. Ela retribui o carinho afagando o pescoço frágil do bicho. “-Obrigada, Fofinho”, agradece em voz alta, na esperança de que ele possa compreender a importância que tem para ela. Os nove trilhões de nomes de Deus Arthur C. Clarke 1953 — Esta é uma petição um tanto incomum — disse o doutor Wagner, com o que esperava ser um comentário plausível. — Que eu recorde, é a primeira vez que alguém pediu um computador para um monastério tibetano. Eu não gostaria de me mostrar inquisitivo, mas me custa pensar que em seu. . . hum. . . estabelecimento haja aplicações para semelhante máquina. Poderia me explicar o que tentam fazer com ela? — Com muito prazer — respondeu o lama, arrumando a túnica de seda e deixando cuidadosamente a um lado a régua de cálculo que tinha usado para efetuar a equivalência entre as moedas. — Seu computador Mark V pode efetuar qualquer operação matemática rotineira que inclua até dez cifras. Entretanto, para nosso trabalho estamos interessados em letras, não em números. Quando tiverem sido modificados os circuitos de produção, a máquina imprimirá palavras, não colunas de cifras. — Não compreendo. . . — É um projeto em que estivemos trabalhando durante os últimos três séculos; de fato, desde que se fundou o lamaísmo. É algo estranho para seu modo de pensar; assim espero que me escute com mentalidade aberta enquanto o explico. — Naturalmente. — Na realidade, é muito singelo. Estamos fazendo uma lista que conterá todos os possíveis nomes de Deus. — O que quer dizer? — Temos motivos para acreditar — continuou o lama, imperturbável — que todos esses nomes se podem escrever com não mais de nove letras em um alfabeto que idealizamos. — E estiveram fazendo isto durante três séculos? — Sim; supúnhamos que nos custaria ao redor de quinze mil anos completar o trabalho. — Oh! — exclamou o doutor Wagner, com expressão um tanto aturdida. — Agora compreendo por que quiseram alugar uma de nossas máquinas. Mas qual é exatamente a finalidade deste projeto? O lama vacilou durante uma fração de segundo e Wagner se perguntou se o tinha ofendido. Em todo caso, não houve indicação alguma de zanga na resposta. — Chame-o ritual, se quiser, mas é uma parte fundamental de nossas crenças. Os numerosos nomes do Ser Supremo que existem: Deus, Jehová, Alá, etcétera, só são etiquetas feitas pelos homens. Isto encerra um problema filosófico de certa dificuldade, que não me proponho discutir, mas em algum lugar entre todas as possíveis combinações de letras que se podem fazer estão os que se poderiam chamar verdadeiros nomes de Deus. Mediante uma permutação sistemática das letras, tentamos elaborar uma lista com todos esses possíveis nomes. — Compreendo. começaram com o AAAAAAA. . . e continuaram até o ZZZZZZZ. . . — Exatamente, embora nós utilizemos um alfabeto especial próprio. Modificando os tipos eletromagnéticos das letras, arruma-se tudo; e isto é muito fácil de fazer. Um problema bastante mais interessante é o de desenhar circuitos para eliminar combinações ridículas. Por exemplo, nenhuma letra deve fogurar mais de três vezes consecutivas. — Três? Certamente quer você dizer dois. — Três é o correto. Temo que me ocuparia muito tempo explicar porque, mesmo que você entendesse nossa linguagem. — Estou seguro disso — disse Wagner, apressadamente — Siga. — Por sorte, será coisa singela adaptar seu computador a esse trabalho, posto que, uma vez sendo programado adequadamente, permutará cada letra por turno e imprimirá o resultado. O que nos demoraria quinze mil anos se poderá fazer em cem dias. O doutor Wagner ouvia os débeis ruídos das ruas de Manhattan, situadas muito abaixo. Estava em um mundo diferente, um mundo de montanhas naturais, não construídas pelo homem. Nas remotas alturas de seu longínquo país, aqueles monges tinham trabalhado com paciência, geração após geração, enchendo suas listas de palavras sem significado. Havia algum limite às loucuras da humanidade? Não obstante, não devia insinuar sequer seus pensamentos. O cliente sempre tinha razão. . . — Não há dúvida — replicou o doutor — de que podemos modificar o Mark V para que imprima listas deste tipo. Mas o problema da instalação e a manutenção já me preocupa mais. Chegar ao Tibet nos tempos atuais não vai ser fácil. — Nos encarregaremos disso. Os componentes são bastante pequenos para se transportarem em avião. Este é um dos motivos de termos escolhido sua máquina. Se você a pode fazer chegar à Índia, nós proporcionaremos o transporte dali. — E querem contratar dois de nossos engenheiros? — Sim, para os três meses que devem durar o projeto. — Não duvido de que nossa seção de pessoal lhes proporcionará as pessoas idôneas. — O doutor Wagner fez uma anotação na caderneta que tinha sobre a mesa — há outras duas questões. . . — antes de que pudesse terminar a frase, o lama tirou uma pequena folha de papel. — Isto é o saldo de minha conta do Banco Asiático. — Obrigado. Parece ser. . . hum. . . adequado. A segunda questão é tão corriqueira que vacilo em mencioná-la. . . mas é surpreendente a frequência com que o óbvio se passa por cima. Que fonte de energia elétrica tem vocês? — Um gerador diesel que proporciona cinquenta kilowatts a cento e dez volts. Foi instalado faz uns cinco anos e funciona muito bem. Faz a vida no monastério muito mais cômoda, mas na realidade foi instalado para proporcionar energia aos alto-falantes que emitem as preces. — Certamente — admitiu o doutor Wagner. — Devia havê-lo imaginado. A vista do parapeito era vertiginosa, mas com o tempo se acostuma a tudo. Depois de três meses, George Hanley não se impressionava pelos dois mil pés de profundidade do abismo, nem pela visão remota dos campos do vale semelhantes a quadros de um tabuleiro de xadrez. Estava apoiado contra as pedras polidas pelo vento e contemplava com displicência as distintas montanhas, cujos nomes nunca se preocupou de averiguar. Aquilo, pensava George, era a coisa mais louca que lhe tinha ocorrido jamais. O “Projeto Shangri-Lá”, como alguém o tinha batizado nos longínquos laboratórios. Desde fazia já semanas, o Mark V estava produzindo acres de folhas de papel cobertas de galimatias. Pacientemente, inexoravelmente, o computador ia dispondo letras em todas suas possíveis combinações, esgotando cada classe antes de começar com a seguinte. Quando as folhas saíam das máquinas de escrever electromáticas, os monges as recortavam cuidadosamente e as pregavam a uns livros enormes. Uma semana mais e, com a ajuda do céu, teriam terminado. George não sabia que escuros cálculos tinham convencido aos monges de que não precisavam preocupar-se com as palavras de dez, vinte ou cem letras. Um de seus habituais quebra-cabeças era que se produzisse alguma mudança de plano e que o grande lama (a quem eles chamavam Sam JaUe) anunciasse de repente que o projeto se estenderia aproximadamente até o ano 2060 da Era Cristã. Eram capazes de uma coisa assim. George ouviu que a pesada porta de madeira se fechava de repente com o vento, enquanto Chuck entrava no parapeito e se situava a seu lado. Como de costume, Chuck ia fumando um dos charutos puros que lhe tinham feito tão popular entre os monges; parece que eles estavam completamente dispostos a adotar todos os menores e grande parte dos maiores prazeres da vida. Isto era uma coisa a seu favor: podiam estar loucos, mas não eram tolos. Aquelas frequentes excursões que realizavam à aldeia abaixo, por exemplo. . . — Escuta, George — disse Chuck, com urgência. — Soube algo que pode significar um problema. — O que aconteceu? Não funciona bem a máquina? — Esta era a pior contingência que George podia imaginar. Era algo que poderia atrasar a volta e não havia nada mais horrível. Tal como ele se sentia agora, a simples visão de um anúncio de 4 televisão lhe pareceria maná caído do céu. Pelo menos, representaria um vínculo com sua terra. — Não, não é nada disso. — Chuck se instalou no parapeito, o que não era habitual nele, porque normalmente lhe dava medo o abismo. — Acabo de descobrir qual é o motivo de tudo isto. — O que quer dizer? Eu pensava que sabíamos. — Certo, sabíamos o que os monges estão tentando fazer. Mas não sabíamos por quê. É a coisa mais louca. . . — Isso já o tenho ouvido — grunhiu George. — . . . mas o velho me acaba de falar com clareza. Sabe que acode cada tarde para ver como vão saindo as folhas. Pois bem, esta vez parecia bastante excitado ou, pelo menos, mais do que está acostumado a estar normalmente. Quando lhe disse que estávamos no último ciclo, me perguntou, se eu tinha pensado alguma vez no que tentavam fazer. Eu disse que eu gostaria de sabê-lo. . . e então me explicou. — Segue; vou captando. — O caso é que eles acreditam que, quando tiverem feito a lista de todos os nomes, e admitem que há uns nove trilhões, Deus terá alcançado seu objetivo. A raça humana terá acabado aquilo para o qual foi criada e não haverá sentido algum em continuar. Certamente, a ideia mesma é algo assim como uma blasfêmia. — Então que esperam que façamos? Suicidar-nos? — Não há nenhuma necessidade disto. Quando a lista estiver completa, Deus entra em ação e simplesmente acaba com todas as coisas! — Oh, já compreendo! Quando terminarmos nosso trabalho, terá lugar o fim do mundo. Chuck deixou escapar uma risadinha nervosa. — Isto é exatamente o que disse ao Sam. E sabe o que ocorreu? Olhou-me de um modo muito estranho, como se eu tivesse falado alguma estupidez na classe, e disse: “Não se trata de nada tão corriqueiro como isso”. George esteve pensando durante uns momentos. — Isto é o que eu chamo uma visão ampla do assunto — disse depois. — Mas o que supõe que deveríamos fazer a respeito? Não vejo que isso signifique a mais mínima diferença para nós. Ao fim e ao cabo, já sabíamos que estavam loucos. — Sim. . . mas não te dá conta do que se pode passar? Quando a lista estiver acabada e o plano final não der certo, ou não ocorra o que eles esperam, seja o que for, podem nos culpar do fracasso. É nossa máquina a que estiveram usando. Esta situação eu não gosto nem um pouco. — Compreendo — disse George, lentamente. — Faz sentido. Mas esse tipo de coisas ocorreu outras vezes. Quando eu era um menino, lá em Louisiana, tínhamos um pregador louco que uma vez disse que o fim do mundo chegaria no domingo seguinte. Centenas de pessoas acreditaram e algumas até venderam suas casas. Entretanto, quando nada aconteceu, não ficaram furiosas, como se poderia esperar. Simplesmente decidiram que o pregador tinha cometido um engano em seus cálculos e seguiram acreditando. Pareceme que alguns deles acreditam ainda. — Bom, mas isto não é Louisiana, se por acaso ainda não se deu conta. Nós não somos mais que dois e monges os há a centenas aqui. Eu lhes tenho afeto e sentirei pena pelo velho Sam quando vir seu grande fracasso, mas, de todos os modos, gostaria de estar em outro lugar. — Isto desejo eu há semanas. Mas não podemos fazer nada até que o contrato tenha terminado e cheguem os transportes aéreos para nos levar. Claro que — disse Chuck, pensativamente — sempre poderíamos recorrer a uma ligeira sabotagem. — Como? Isso pioraria as coisas! — Creio que não. Veja: funcionando as vinte e quatro horas do dia, tal como está fazendo, a máquina terminará seu trabalho dentro de quatro dias a partir de hoje. O transporte chegará dentro de uma semana. Pois bem, tudo o que precisamos fazer é encontrar algo que tenha de ser reparado quando fizermos uma revisão, algo que interrompa o trabalho durante um par de dias. Nós damos um jeito, certamente, mas não muito às pressas. Se calcularmos bem o tempo, estaremos no aeroporto quando o último nome for impresso. Então, já não nos poderão agarrar. — Eu não gosto da idéia — disse George. — Seria a primeira vez que abandonaria um trabalho. Além disso, provocaria suspeitas. Não; vamos ficar e aceitar o que venha. — Sigo sem gostar disso — disse, sete dias mais tarde, enquanto os pequenos mas resistentes cavalinhos de montanha os levavam para baixo, serpenteando pela estrada. — E não pense que fujo porque tenho medo. O que passa é que sinto pena por esses infelizes e não quero estar junto a eles quando se derem conta de quão tolos foram. Pergunto-me como o vai tomar Sam. — É curioso — replicou Chuck — mas quando lhe disse adeus tive a sensação de que sabia que nós partíamos de seu lado e que não lhe importava, porque sabia também que a máquina funcionava bem e que o trabalho ficaria muito em breve acabado. Depois disso. . . claro que, para ele, já não há nenhum depois. . . George se voltou na cadeira e olhou para trás, atalho acima. Era o último sítio de onde se podia contemplar com clareza o monastério. A silhueta dos achaparrados e angulares edifícios se recortava contra o céu crepuscular: aqui e lá se viam luzes que resplandeciam como as ponteiras do flanco de um transatlântico. Luzes elétricas, certamente, compartilhando o mesmo circuito que o Mark V. Quanto tempo seguiriam compartilhando?, perguntou-se George. Destroçariam os monges o computador, levados pelo furor e pelo desespero? Ou se limitariam a ficar tranquilos e começariam de novo todos os seus cálculos? Sabia exatamente o que estava passando no alto da montanha naquele mesmo momento. O grande lama e seus ajudantes estariam sentados, vestidos com suas túnicas de seda e inspecionando as folhas de papel, enquanto os monges principiantes as tiravam das máquinas de escrever e as pregavam aos grandes volumes. Ninguém diria uma palavra. O único ruído seria o incessante golpear das letras sobre o papel, porque o Mark V era por si completamente silencioso, enquanto efetuava seus milhares de cálculos por segundo. Três meses assim, pensou George, eram já de subir pelas paredes. — Ali está! — gritou Chuck, assinalando abaixo para o vale. — Não é belo!? Certamente era, pensou George. O velho e amolgado dc3 estava no final da pista, como uma miúda cruz de prata. Dentro de duas horas os levaria para a liberdade e a sensatez. Era algo assim como saborear um licor de qualidade. George deixou que o pensamento lhe enchesse a mente, enquanto o cavalinho avançava pacientemente. A rápida noite das alturas do Himalaia quase se lhes jogava em cima. Felizmente, o caminho era muito bom, como a maioria dos da região, e eles foram equipados com lanternas. Não havia o menor perigo, só certo desconforto causado pelo frio intenso. O céu estava perfeitamente iluminado pelas estrelas familiares e amistosas. Pelo menos, pensou George, não haveria risco de que o piloto não pudesse decolar por causa das condições do tempo. Esta tinha sido sua ultima preocupação. Começou a cantar, mas em pouco parou. O vasto cenário das montanhas, brilhando por toda parte como fantasmas brancos e encapuzados, não animava a esta expansão. De repente, George consultou seu relógio. — Estaremos ali dentro de uma hora — disse, voltando-se para Chuck. Depois, pensando em outra coisa, acrescentou: — Pergunto-me se o computador terá terminado seu trabalho. Estava calculado para esta hora. Chuck não respondeu; assim George se voltou completamente para ele. Pôde ver a cara do Chuck; era um oval branco voltado para o céu. — Olhe — sussurrou Chuck. George elevou a vista para o espaço. Sempre há uma última vez para tudo. Viram. . . sem nenhuma comoção. . . que as estrelas se apagavam. A viagem da mula sem cabeça Um conto de Jorge de Palma Embora este “conto” tenha meu nome como autor, não posso dizer que é exclusivamente de minha autoria. Os fatos me foram contados por um amigo, o Josivaldo, num bar, durante uma cervejada. Com a simplicidade de quem não teve muito contato com o mundo literário, ele falou: “Eu conto os fatos, que foram verídicos, você escreve, publica e depois, a gente divide os lucros”. Em seguida fez o relato do que vou narrar. João da Silva, aposentado de quase setenta anos tinha uma paixão na vida: o seu carro. Era um veículo de marca comum, um Corsa, mas João zelava muito dele e o estimava, porque o carro nunca apresentava problemas mecânicos graves e assim ele gastava pouco com oficina. Mantinha-o sempre bem limpo, sem ferrugens e com pneus novos. Usava o veículo para pequenos passeios ou então para levar a mulher ao médico, para suas consultas costumeiras, porque, ao contrário do carro, e devido à idade, ela sempre apresentava alguns problemas na máquina humana. Na maior parte do tempo, João mantinha o carro na garagem de sua casa, bem trancada com um cadeado. Por isso foi grande a sua surpresa, naquela manhã de outono, quando viu o cadeado estourado e não encontrou o veículo no lugar de costume. “Roubaram o meu carro”, pensou e decidiu procurar a polícia. Fez um boletim de ocorrência, mas não botou muita fé de que o Corsa seria encontrado. Dois dias depois João recebeu um telefonema. Um desconhecido lhe disse que encontraria o carro a centenas de quilômetros de sua cidade. Em seguida lhe deu o endereço exato de onde estaria o Corsa e até agradeceu cinicamente, pelo uso do veículo. Com raiva, mas ao mesmo tempo esperançoso, João pediu apoio a um filho que também tinha um carro e poderia dirigir até lá. O filho, por sua vez, mais precavido, lembrou-se que tinha um amigo investigador, que estava de férias. Por isso o convidou para a viagem, prometendo uma gratificação. Assim, os três viajaram juntos, aproveitando o “passeio” e para encurtar a estória, encontraram o carro no lugar prometido. João ficou feliz ao ver o carro intacto e com as chaves no volante. Fez uma vistoria geral e notou que estava tudo em ordem. O policial foi mais cauteloso, olhou pneus, lataria, por baixo do veículo, nas partes internas das portas, no porta-malas e constatou que até os assentos estavam em ordem. -Vai ver, eles usaram o carro apenas para uma viagem – disse João -Podem ter usado para trazer drogas, para fazer algum assalto, ou para transportar alguém foragido – comentou o policial e acrescentou – provavelmente deu tudo certo para eles e abandonaram o carro sem arranhões ou buracos de bala. - E, apesar de tudo, devem ter bom coração – afirmou João, porque tiveram a atenção de informar onde estava o carro. Mas o policial ainda comentou: -É muito estranho, porque depois de roubar o carro anotaram seu endereço e encontraram seu telefone na lista. Muito estranho… O investigador ligou para a delegacia onde trabalhava e pediu informações. Não havia nada sobre o carro, a não ser o fato de que tinha sido furtado. Para voltar, eles decidiram que João voltaria com o filho, enquanto o policial dirigia o Corsa. A viagem transcorreu sem problemas. Finalmente, João colocou o seu carro na garagem e foi dormir feliz. A felicidade teve a duração de uma noite. Na manhã seguinte, ele teve novamente um choque ao notar que o carro tinha sido levado. Ficou desgostoso da vida. Quase chorou. Mas desta vez não teve que esperar muito. Naquela mesma manhã recebeu outro telefonema anônimo. Por isso chamou novamente seu filho e o investigador: - Disseram que o carro está aqui mesmo na cidade, ali na Avenida Brasil, quase no centro – explicou João. Encontraram o carro no local indicado. Colada ao volante estava uma nota de cem reais, com um bilhete dizendo: “Muito obrigado, desculpe o incômodo”. Desta vez eles notaram que um dos assentos do veículo estava rasgado e, no assoalho, havia um pó branco. E quem ficou branco e, depois, vermelho de raiva, foi o investigador: - Que droga, era droga mesmo ! Eu não usei a cabeça e fiz o papel de “mula”, a verdadeira mula sem cabeça! O carro tinha sido usado para trazer e não para levar a droga. E o policial não se conformava de ter dirigido o veículo por centenas de quilômetros transportando cocaína. O Josivaldo, que me contou estes fatos, não recebeu um tostão até agora pelos direitos autorais. Se alguém quiser fazer uma doação... Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta. Albert Einstein Há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia um dia ser admirado. Friedrich Nietzsche Pense por você mesmo e deixe que os outros aproveitem o direito de fazer o mesmo. Voltaire O caipira no médico O caipira vai a uma consulta e o médico pergunta: - O que senhor tem? O caipira responde: - Uma muié, uma vaca e uma galinha... - Não é isso... O que o senhor está sentindo? - Ah, tá! Vontade de largá a muié, vendê a vaca e comê a galinha com quiabo! O exame Um velhinho precisou fazer um exame de contagem de esperma. O médico deu a ele um potinho e disse: - Leve isso e me traga de volta amanhã, com uma amostra de esperma. No dia seguinte, o velho voltou ao consultório e devolveu-lhe o pote, que estava vazio como no dia anterior. O médico perguntou o que aconteceu e o velho explicou: - Bem, doutor, foi o seguinte… primeiro, eu tentei com a mão direita, e nada. Depois, tentei com a mão esquerda, e nada ainda. Daí, eu pedi ajuda à minha mulher. Ela tentou com a mão direita, com a esquerda, e nada. Tentou com a boca – primeiro com os dentes, e depois, sem eles, e nada. Nós chegamos a chamar a vizinha, e ela também tentou. Primeiro, com as duas mãos, depois, com o sovaco e, por último, espremendo entre os joelhos, e nada. O médico, chocado: -Vocês pediram ajuda à vizinha? O velho respondeu: - Foi. Mas nenhum de nós conseguiu abrir o potinho. Na delegacia O delegado para o genro da vítima: - Quer dizer que o senhor viu um homem agredindo sua sogra e não fez nada? E o genro, diz: - Eu ia ajudar, mas achei que dois caras batendo numa velha já era covardia demais. O português O português estava dirigindo em uma estrada, quando viu uma placa que dizia: "Curva perigosa à esquerda" Ele não teve dúvidas: Virou à direita. O Peixe Patativa do Assaré Tendo por berço o lago cristalino, Folga o peixe, a nadar todo inocente, Medo ou receio do porvir não sente, Pois vive incauto do fatal destino. Se na ponta de um fio longo e fino A isca avista, ferra-a inconsciente, Ficando o pobre peixe de repente, Preso ao anzol do pescador ladino. O camponês, também, do nosso Estado, Ante a campanha eleitoral, coitado! Daquele peixe tem a mesma sorte. Antes do pleito, festa, riso e gosto, Depois do pleito, imposto e mais imposto. Pobre matuto do sertão do Norte! Tem gente Dada Moreira Tem gente... Que sabe ler nosso interior Que consegue descrever em versos Em uma expressãode amizade e amor Tem gente... Que nos faz bem, nos engrandece Neste momento fico emocionada Agradeço a Deus em uma prece. Quando tudo parece perdido Ensaio em meu rosto um sorriso Vou buscar a felicidade Um abraço! O calor da amizade. Tem gente de voz aveludada Alma pura perfumadaFaz verso e poesia Faz magia tristeza vira alegria! Publicado no site: O Melhor da Web em 30/09/2010