Janeiro de 2016
FLIPALMA
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Garimpando a internet
Amor de acidentado
Conto de
Rachel de Queiroz
ACONTECEU ultimamente
um caso que tem chamado
atenção. Estava um moço noivo, de
casamento marcado para daí a poucos dias,
quando de repente, ao atravessar aquela
avenida de mau agouro a que por isso
mesmo teimam em chamar Getúlio Vargas,
caiu-lhe em cima um automóvel desabrido,
desses que não procuram saber se o cristão
à sua frente é noivo ou é nada – querem é
passante jeitoso para derrubar, como de
fato este o derrubou. O mundo não é assim
mesmo, incerto e enganoso? De nada vale
um homem alimentar no seu coração
qualquer espécie de sonhos preciosos ou
de esperanças; nem vale o alto juízo que ele
faça de si ou sequer o juízo que dele façam
os outros; o destino está aí na sua frente, de
boca aberta e dentes afiados, na figura de
um automóvel, de um micróbio, de uma
onda de mar, e tanto vai para o buraco o
sonhador rico de promessas como o pobre
desesperado para o qual a morte já chegou
tarde.
Felizmente o nosso moço não chegou a ir
para o buraco. Andou perto nas primeiras
horas, rebentou muito osso e deitou muito
sangue – mas foi socorrido a tempo, e
parece que com bastante gaze, gesso e
paciência acaba ficando tão perfeito ou
quase tão perfeito quanto antes do
desastre.
E agora chegando à parte que chama
atenção e que todo mundo acha bonito:
segundo foi dito antes, estava a vítima de
casamento justo, juiz apalavrado, padre
tratado. A noiva de vestido feito, os doces
no forno e o champanha na geladeira. Em
vista disso, achou o noivo que, acidentado
ou não acidentado, não seria um simples
capricho do chofer que iria inutilizar tantos
preparativos. E pois não desdisse nada, não
adiou os convites: apenas transferiu a
cerimônia para a enfermaria do hospital, e
em torno do seu leito de dores se procedeu
ao enlace, completo e sem atraso de um
minuto.
Bem fazem os que se admiram e acham
bonito, porque nestes tempos cínicos e
desesperados um caso assim é um sinal
tangível de que o amor ainda existe no
mundo na sua forma mais pura; e passados
nove séculos sobre os túmulos de Abelardo
e Heloísa, ainda os encontramos
reencarnados na mesma fortaleza de paixão
e na mesma integridade de sentimento.
Porque diante daquele homem incógnito,
enfaixado, todo revestido de gesso, a moça
não hesitou em encontrar o seu amado, o
seu escolhido, o único que lhe serve e lhe
apela à alma no meio dos bilhões de seres
do planeta. Afinal, com isso se prova que o
que ela amava não era o simples corpo que
o automóvel massacrou – não eram aquelas
pernas agora entaladas, aquelas costelas
em colete de gesso, o rosto, os lábios, os
olhos que a gaze está encobrindo, e que ela
não pode jurar que sairão os mesmos da
aventura. De tudo que havia dentro ou fora
daquele corpo e desse corpo fazendo parte,
é evidente que ela amava especialmente o
escondido coração dentro do peito, ou a
flama imortal e imponderável que sob o
nome de alma costumamos dizer que mora
dentro do coração.
Ele, por seu lado, ninguém pode dizer que
amasse menos. Porque um indivíduo que
sofreu tal subversão corpórea, mesmo que
retorne à vida sem aparente alteração no
seu aspecto físico, não é possível que
ressurja para a vida com as mesmas
disposições de espírito que costumava usar
antes. O lógico é que o rapaz atrevido que
caiu debaixo das quatro rodas assassinas
saia do hospital um senhor morigerado, que
olha duas vezes para cada esquina antes de
a atravessar. E no entanto esse homem
novo está pronto a endossar os
compromissos do homem antigo, e não
hesita e corre para o que deseja, sem faixa
ou tala que o prenda – por quê? Só porque
ama, porque acima da dor, e do receio físico
e da preocupação com o conserto que lhe
estão fazendo os doutores no triste corpo,
estão as necessidades, as exigências da
alma.
Vivemos em terra de muitos acidentes, e
pois o problema do amor com acidentado
deve estar entre nós constantemente se
propondo; por isso damos publicidade ao
caso do casamento no hospital e o
apresentamos à meditação dos
interessados. Todos nós poderemos, mais
cedo ou mais tarde, estar na situação do
moço ou da moça da história: e se a
meditação não nos ajudar a fugir da sanha
matadora do automóvel desconhecido, pelo
menos nos ensinará a não perder as
esperanças, e até – quem sabe – no meio da
desilusão e da tristeza, de repente ver brotar
um milagre.
A MULHER
DO VIZINHO
Conto de
Fernando Sabino
Contaram-me que na rua
onde mora (ou morava) um conhecido e
antipático general de nosso Exército
morava (ou mora) também um sueco cujos
filhos passavam o dia jogando futebol com
bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a
bola no carro do general e um dia o general
acabou perdendo a paciência, pediu ao
delegado do bairro para dar um jeito nos
filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma chamada
no homem, e intimou-o a comparecer à
delegacia.
O sueco era tímido, meio descuidado no
vestir e pelo aspecto não parecia ser um
importante industrial, dono de grande
fabrica de papel (ou coisa parecida), que
realmente ele era. Obedecendo a ordem
recebida, compareceu em companhia da
mulher à delegacia e ouviu calado tudo o
que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado
tinha a dizer-lhe o seguinte:
— O senhor pensa que só porque o
deixaram morar neste país pode logo ir
fazendo o que quer? Nunca ouviu falar
numa coisa chamada AUTORIDADES
CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de
conhecer as leis do país? Não sabe que
existe uma coisa chamada EXÉRCITO
BRASILEIRO que o senhor tem de
respeitar? Que negócio é este? Então é ir
chegando assim sem mais nem menos e
fazendo o que bem entende, como se isso
aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o
senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex!
Seus filhos são uns moleques e outra vez
que eu souber que andaram incomodando o
general, vai tudo em cana. Morou? Sei como
tratar gringos feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado para
trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a
um canto. O sueco pediu (com delicadeza)
icença para se retirar. Foi então que a
mulher do sueco interveio:
— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu
marido?
O delegado apenas olhou-a espantado
com o atrevimento.
— Pois então fique sabendo que eu também
sei tratar tipos como o senhor. Meu marido
não e gringo nem meus filhos são
moleques. Se por acaso incomodaram o
general ele que viesse falar comigo, pois o
senhor também está nos incomodando. E
fique sabendo que sou brasileira, sou prima
de um major do Exército, sobrinha de um
coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve forças para
engolir em seco e balbuciar humildemente:
— Da ativa, minha senhora?
Diante da confirmação, voltou-se para o
escrivão, erguendo os braços desalentado:
— Da ativa, Motinha! Sai dessa…
Texto extraído do livro Fernando Sabino - Obra Reunida - Vol.01, Editora
Nova Aguiar - Rio de Janeiro, 1996, pág. 872.
Lamento do oficial por seu cavalo morto
Cecília Meirelles
Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas
mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em
séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas
ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem
explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que
pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que,
enganada,recebes.
Não te queixas. Não pensas. Não sabes.
Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?
Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos
decifravam...
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de
relinchos…
Como vieste morrer por um que mata seus
irmãos!
(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)
Poema
Mario Quintana
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
“Se nos comportarmos como filhos
de Deus, sentindo-nos amados por Ele,
a nossa vida será nova, cheia de
serenidade e de alegria”.
Papa Francisco
“Eu experimento muita melancolia. Eu assumo
minha tristeza, sem remédios, sem paliativos...
Mas uma coisa que aprendi é que eu não me
desespero com a tristeza. E acredito que essa
capacidade de se conectar com essa
sensibilidade é digna com a construção de uma
obra de arte”.
Letícia Sabatella
Atriz brasileira
É melhor andar mancando
pelo caminho do que correr
fora dele.
Santo Agostinho
O que fazemos para nós, morre conosco.
O que fazemos pelos outros
e pelo mundo,
continua e é imortal.
Albert Pine
Surpresa no acidente
Dois peões estavam caminhando pela beira de
uma estrada poeirenta, voltando de uma das
fazendas onde haviam trabalhado duro o dia
inteiro, quando o filho de um famoso juiz, que
vinha a toda a velocidade na sua picape
importada, atropela os dois com toda a
violência. Um deles atravessou o para-brisa e
caiu dentro do carro, enquanto o outro voou
longe.
Três meses depois eles saíram do hospital e,
para surpresa geral, foram direto para a cadeia.
Um por invasão de propriedade alheia e o outro
por se evadir do local do acidente.
O susto
Um motociclista ia a 140 km/h por uma estrada
e, de repente, deu de encontro com um
passarinho e não conseguiu esquivar-se: PÁ!!!
Pelo retrovisor, o cara ainda viu o bichinho
dando várias piruetas no asfalto até ficar
estendido. Não contendo o remorso ecológico,
ele parou a moto e voltou para socorrer o
bichinho. O passarinho estava lá, inconsciente,
quase morto. Era tal a angústia do motociclista
que ele recolheu a pequena ave, levou-a ao
veterinário, foi tratado e medicado, comprou
ma gaiolinha e a levou para casa, tendo o
cuidado de deixar um pouquinho de pão e água
para o acidentado. No dia seguinte, o
passarinho recupera a consciência. Ao
despertar, vendo-se preso, cercado por grades,
com o pedaço de pão e a vasilha de água no
canto, o bicho põe as asas na cabeça e grita: PUTA QUE O PARIU, MATEI O MOTOQUEIRO !!!
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