A catedral, a escola, a praça, a mesa
«Apesar do admirável crescimento das programações de carácter
pedagógico nas instituições culturais, não é possível desmentir que pesa
sobre a validade do setor educativo o gume dos números de público, peso
desigual à compreensão dos programas educativos pelas direções.
Note-se, no entanto, que depende muitas vezes do setor educativo a vida afetiva de
algumas instituições, no seu espírito alheadas da vizinhança e da sociedade,
traduzindo-se em atividades de animação desalinhadas ou impondo erradamente esse
rótulo a experiências educativas verdadeiramente intensas e inovadoras.
Na verdade, a aprendizagem dá-se a todo o tempo e lugar, idade e condição,
com maior ou menor consciência. A aprendizagem, ou melhor, as aprendizagens,
acontecem, com maior ou menor intervenção educativa. À revelia dos adultos, as
crianças aprendem: umas com as outras, com os objetos e com os animais, com a
televisão e os jogos de computador, na rua, no sofá. À revelia da falta de tempo e da
normalização dos dias, os adultos continuam a aprender.
Assim, todo o ato de programação estabelece um mapa que é oferecido para uso do
espectador ou do visitante, todo o ato de programação, diria, é potencialmente
educativo. A divisão entre A Programação e o programa educativo não me parece,
atualmente, necessária. Mais fecunda parece ser a coerência relacional que estabelecem
as várias dimensões de um mesmo programa institucional, na diversidade dos seus
conteúdos e formas de se manifestar, estabelecendo um referente plurissignificativo
capaz de ser lido por sujeitos e grupos diferentes. A perda de espaço vivencial em casa e
na escola, dificilmente será compensada pela riqueza das experiências culturais que as
instituições possam oferecer - às instituições culturais, aliás, tal como à escola,
não pode ser reclamada a felicidade dos indivíduos nem da sociedade.
Não se afigura sustentável que as instituições culturais continuem a lutar pelo tempo
de indivíduos em permanente circulação entre acontecimentos, sob pena de uns e
outros saírem exangues e isolados dessa espécie de frenesim. Num presente
transitivo, em que surgem novas referências, substituindo ou colidindo com as
referências anteriores, as instituições culturais podem apesar de tudo almejar fazer
parte desse movimento. De que modo?
Imaginemos uma catedral. Mesmo não sendo crentes, instala-se no nosso corpo e
no nosso olhar a gravidade das pedras, a leveza da luz. Instala-se o silêncio e dilata-se
o tempo, tão necessários à aprendizagem.
Imaginemos agora a escola (aquela sonhada). O bulício da curiosidade toma forma
em exercícios de leitura em voz alta, problemas geométricos desenhados no chão,
debates nas escadas, perguntas e respostas atravessando portas abertas. Neste lugar
o pensamento não se alheia do corpo, eles são um só, em movimento.
Imaginemos ainda uma praça. O espaço é atravessado por diferentes tempos,
figuras e densidades e a sua organização é definida por quem o ocupa
sucessivamente, inspirado pelo recorte singular do horizonte.
Imaginemos por fim uma mesa. Em volta dela, pessoas diferentes reencontram-se
a um nível horizontal. Braços atravessam o ar para colher ou oferecer iguarias,
palavras deslocam-se com intensidade proporcional aos líquidos consumidos.
Creio que estas quatro figuras, em articulação, poderão inspirar um
pensamento renovado sobre a organização e o papel das instituições
culturais. Olhadas como espaços multitextuais, que relacionam o conhecimento
culturalmente aceite com o conhecimento em devir, as instituições serão mais
capazes de se inscrever no presente e de acolher pessoas com diferentes níveis
de fluência em diferentes sistemas culturais, sejam de baixa ou de alta cultura, de
raiz literária ou oral, científica ou artística. Isto não significa a indiferenciação dos
espaços e das ações propostas, pelo contrário, sugere uma cuidadosa e rigorosa
proposta de relacionamento entre elementos habitual e historicamente não
relacionados entre si.
Esta espécie de centros educativos seriam também centros comunitários, por
permitirem a livre circulação e a livre aprendizagem de pessoas de diferentes origens
e gerações, desejantes de partilhar o que sabem, o que não sabem e o que gostariam
de saber.
Por Elisabete Paiva, programadora do Serviço Educativo d’A Oficina
(Guimarães)
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