© Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular Moléculas Biológicas Francisco Carrapiço Departamento de Biologia Vegetal Secção de Biologia Celular e Biotecnologia Vegetal ([email protected]) Apesar da diversidade do mundo biológico, a linguagem química que caracteriza esse mundo é na maioria dos casos comum. Os organismos vivos são construídos por unidades ou entidades químicas, as quais podem ou não estar estruturadas sob a forma polimérica. No entanto, é sob a forma de polímeros que o seu papel é mais significativo na dinâmica da vida. Entre os polímeros que caracterizam um organismo salientam-se os polissacáridos (moléculas que armazenam energia química), as proteínas (moléculas estruturais que podem facilitar reacções químicas específicas) e os ácidos núcleicos (moléculas nas quais a informação hereditária é armazenada). Além destas macromoléculas, encontramos outros compostos, igualmente responsáveis pela construção dos organismos biológicos. Trata-se dos lípidos, nomeadamente fosfolípidos, componentes essenciais das membranas biológicas, e dos nucleótidos, como o transportador principal da energia química na célula, a adenosina-5'trifosfato ( ATP) (Fig.). NH P = O P 2 N O N O Adenina O- N P P Grupos fosfato P CH 2 N O Ribose H HO OH Dentro do grupo das proteínas encontramos uma classe especial de moléculas, as enzimas, que funcionam como instrumentos capazes de facilitar certas 1 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular reacções químicas que noutras circunstâncias nunca poderiam ocorrer. A energia (química) necessária para fazer funcionar estes instrumentos (enzimas) no sentido de ajudar a desenvolver a sua acção catalítica específica, é fornecida através de moléculas de ATP, que constituem pequenas unidades portáteis de energia química. Na sua grande maioria, as moléculas orgânicas são formadas a partir de grupos de átomos com propriedades químicas bem definidas. Estes grupos de átomos são designados grupos funcionais. Por exemplo, um átomo de hidrogénio associado a um átomo de oxigénio, - OH, forma o que se denomina de grupo hidroxilo. Assim, os principais grupos funcionais existentes nos compostos orgânicos, além do anteriormente referido, são os seguintes: acetilo, carboxilo, amina, fosfato, metilo, cetona e aldeído (Fig). 2 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Grande parte das reacções químicas que ocorrem num organismo envolvem a transferência de um grupo funcional de uma molécula para outra ou a quebra de uma ponte de carbono-carbono. Determinadas enzimas são responsáveis por essas transferências, como é o caso das cinases que juntam ou removem grupos fosfato de moléculas orgânicas. 3 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular Iniciaremos a abordagem dos vários grupos de compostos químicos pelos hidratos de carbono e lípidos, isto é, pelos que apresentam moléculas com grande capacidade de armazenamento de energia. Em seguida falaremos das proteínas e por fim dos ácidos nucleicos. 1. Hidratos de carbono Os hidratos de carbono são um grupo químico cujas moléculas contêm átomos de carbono, hidrogénio e oxigénio. Esta designação foi introduzida no século XIX, porque a fórmula dos hidratos de carbono mais simples apresentava a estrutura genérica Cn H n On ou Cn (H 2O) n e daí a sua designação. Em virtude de conterem elevado número de ligações carbono-hidrogénio, as quais libertam energia quando quebradas, os hidratos de carbono são de facto compostos adequados para o armazenamento de energia. 1.1. Monossacáridos Entre os hidratos de carbono mais simples encontram-se os monossacáridos. Estes são hidratos de carbono simples, cuja molécula é constituída por uma única unidade (monómero). Alguns destes açúcares desempenham um papel essencial no processo de armazenamento da energia. É o caso da glucose (Fig), um monossacárido com seis átomos de carbono, cuja fórmula é C6 H 12O6 . Em 1891, Emil Hermann Fischer (1852-1919), químico de nacionalidade alemã, anunciou a elucidação da estrutura desta molécula (βglucose), tendo em 1902 recebido o prémio Nobel da química pelo seu contributo para o estudo das estruturas dos hidratos de carbono e purinas. Hermann Emil Fischer (http://www.nobel.se/chemistry/laureates/1902/fischer-bio.html) Existem diversas representações estruturais desta molécula, estando na Fig. a molécula (β-D-glucose) representada na sua forma cíclica, designada projecção de Haworth. 4 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular Sir Walter Norman Haworth (http://www.nobel. se/chemistry/laureates/1937/haworth-bio.html) Sir Walter Norman Haworth, quimíco inglês, nasceu em 19 de Março de 1883 e faleceu no mesmo dia do ano de 1950. Foi responsável pela clarificação da estrutura em anel de diversos monossacáridos. Em 1933, conjuntamente com Edmund L. Hirst, foi o responsável pela síntese da vitamina C. Foi-lhe atribuído o prémio Nobel da química em 1937, em conjunto com Paul Karrer. 6 CH OH 2 O 5 H H H 4 OH 1 OH H 3 OH 2 H OH Projecção de Haworth No caso da α-D-glucose, ao carbono 1 desta molécula estão associados, de forma inversa, o átomo de hidrogénio e grupo hidroxilo. No entanto, a glucose não é o único açúcar a apresentar esta fórmula química. 5 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Outros açúcares como a frutose e a galactose apresentam idêntica fórmula. Assim, estes dois açúcares são considerados isómeros estruturais da glucose (Fig). 6 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Outros monossacáridos tem igualmente papel importante no metabolismo celular, apresentando ocorrência natural diversificada (Tabela) Monossacáridos Ocorrência Natural Papel Fisiológico Trioses Gliceraldeído Ampla distribuição O 3-fosfato é um importante intermediário na glicólise Ampla distribuição O 1-fosfato é um importante intermediário na glicólise Ampla distribuição no metabolismo O 4-fosfato é um importante intermediário dos hidratos de carbono Algumas plantas, bacilo de Koch Glicosidos vegetais; paredes celulares L- Arabinose Amplamente distribuído em plantas e bactérias Constituinte importante das paredes celulares; glicoproteínas vegetais D- Ribose Presente em todos os organismos Constituinte do RNA 2-Desoxiribose Presente em todos os organismos Constituinte do DNA D-Xilose Materiais lenhosos Constituinte dos polissacáridos vegetais D-Eritropentulose Numerosas plantas; tecidos animais Intermediário na fotossíntese e no metabolismo Ampla distribuição Constituinte do leite (parte da lactose); polissacáridos estruturais L-Galactose Agar-agar, outros polissacáridos Estruturas polissacarídicas D-Glucose Ampla distribuição Principal fonte de enrgia no metabolismo animal; constituinte da celulose D-Manose Polissacáridos vegetais, glicoproteínas animais Estruturas polissacarídicas D-Frutose Principal açúcar vegetal, parte da sacarose Intermediário na glicólise (fosfoesteres) Numerosos vegetais Intermediário no ciclo de Calvin Abacates Desconhecida Dihidroxiacetona Tetroses D-Eritrose Pentoses D-Arabinose Hexoses D-Galactose Heptoses D-Sedoheptulose Octoses D-Glicero-D-manooctulose 1.2. Oligossacáridos Em muitos organismos, em particular nos animais, a glucose circula no sangue sob a forma simples, isto é como monossacárido. No entanto, outros organismos, nomeadamente os vegetais, apresentam estes hidratos de carbono sob a forma mais complexa. Estes polímeros são constituídos por um número 7 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular não muito elevado de monossacáridos (entre 2 e 10 unidades) e tomam a designação de oligossacáridos, os quais são solúveis em água. Incluem-se neste grupo os dissacáridos, como é o caso da sacarose existente em grandes quantidades em diversos órgãos de vegetais, em particular no caule da cana de açúcar (Sacharum officinarum) e na raiz da beterraba (Beta vulgaris). A sacarose acumula-se nestes órgãos das duas plantas a nível dos vacúolos, variando a sua concentração entre 15 a 20%. Os dissacáridos funcionam como efectivos reservatórios de glucose, a qual não pode ser metabolizada directamente pelos enzimas responsáveis pela sua degradação, antes de um enzima específico desta reacção quebrar a ligação química que liga os dois monossacáridos. Na formação dos dissacáridos há dois aspectos que obrigatoriamente devem ser salientados. Trata-se da identidade dos monossacáridos e da natureza da ligação química existente entre eles. Assim, a glucose forma com outros monossacáridos (galactose, frutose), ou com a própria glucose, dissacáridos que apresentam propriedades distintas da dos monossacáridos que lhe deram origem. Por exemplo, quando duas moléculas de glucose estabelecem ligações glicosídicas entre o carbono 1 de uma delas com o carbono 4 da outra, os dissacáridos resultantes são a maltose e a celobiose (Fig). Outro dissacárido importante é a trealose , que resulta igualmente da condensação de duas moléculas de glucose através de uma ligação glicosídica, mas entre os carbonos 1 dos dois monossacáridos. Este dissacárido, ao contrário dos anteriores que existem apenas nas plantas como resultado da hidrólise do amido (maltose) e da degradação da celulose (celobiose), é o principal hidrato de carbono da hemolinfa dos insectos, e o oligossacárido característico dos fungos. Encontrase igualmente presente em alguns vegetais, nomeadamente em algas e pteridófitos. 8 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular CH OH 2 O H H CH OH 2 O H OH HO OH HO + OH HO H H H OH H OH H β-D-Glucose CH OH 2 O H H H H H H O 2 OH CH OH 2 O H 1 OH H H H OH H OH H H OH OH HO OH H α-D-Glucose H OH CH OH 2 O H H H O 2 OH CH OH 2 O H HO OH H H OH OH CH OH 2 O H OH H H OH β -D-Glucose - O- OH H H OH H O 2 H 1 CH OH 2 H HO CH OH 2 O H OH H H HO CH OH 2 O H OH H H OH H OH H 4 CH OH 2 O OH H OH H H OH CH OH 2 O H H H - O- 2 1 OH H H OH β -D-Frutose + HO HO OH OH α-D-Glucose H H H H MALTOSE + HO OH H H H β-D-Glucose CH OH 2 O H H 4 OH LACTOSE + HO - O- β-D-Galactose CH OH 2 O H H CH OH 2 O H H H HO OH CH OH 2 H SACAROSE OH H H O 2 H HO β-D-Glucose CH 2 OH O H 1 - O- OH H H OH H CH OH 2 O H H 4 OH H H OH OH H CELOBIOSE A glucose pode, de igual modo, formar dissacáridos com os seus isómeros. São os casos da sacarose e da lactose (Fig). O primeiro resulta da condensação de dois monossacáridos - glucose e frutose - ligados entre si por uma ponte glicosídica entre os carbonos 1 da glucose e o carbono 2 da frutose. Este dissacárido é um dos mais importantes compostos acumulados no decurso do processo fotossintético e é sem dúvida o açúcar com maior significado no metabolismo vegetal e uso na alimentação humana. Quanto à lactose, um dissacárido existente sobretudo no leite dos mamíferos, resulta da ligação da glucose com o seu isómero - a galactose - através de uma ponte ß-glicosídica estabelecida entre os carbono 1 e 4 dos dois monossacáridos. Na Tabela estão sumarizados as características dos dissacáridos mais representativos, referenciando a sua estrutura, ocorrência e função. 9 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 1.3. Polissacáridos São polímeros de monossacáridos, mas formados por um número elevado de unidades (superior a 10). A sua solubilidade na água é em geral reduzida. Existem dois tipos distintos de polissacáridos: homopolissacáridos e heteropolissacáridos. a) Homopolissacáridos - constituídos apenas por monossacáridos de um único tipo. Por exemplo, o amido, o glicogénio e a celulose são polímeros da glucose. 10 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular b) Heteropolissacáridos- constituídos por monossacáridos de mais de um tipo (exs. hemiceluloses, pectinas, gomas e as mucilagens vegetais). Nas plantas, o polissacárido de reserva mais comum é o amido, formado por dois componentes, a amilose e a amilopectina. A amilose é constituída por centenas de moléculas de glucose associadas entre si de forma não ramificada. Cada ligação efectua-se entre o carbono 1 de uma molécula de glucose e o carbono 4 da molécula seguinte. A existência de ligações glicosídicas do tipo α1,4, confere à cadeia de amilose uma característica especial - o seu enrolamento em hélice -. De certa forma, podemos considerar a amilose como uma forma especial de maltose. No caso da amilopectina, este composto é formado por cadeias principais de glucose com ligações do tipo α-1,4 e cadeias laterais ramificadas constituídas a partir de ligações glicosídicas do tipo α-1,6. (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) O amido difere dos restantes polissacáridos pelo facto de existir sobre a forma de grãos que são sintetizados no interior de plastos. A dimensão e a forma destes grãos são bastante variáveis, apresentando características específicas que podem ser utilizadas na distinção de espécies afins. O processo de formação destes grãos envolve a deposição do amido em camadas concêntricas à volta de um ponto central denominado hilo. Estas camadas são constituídas por complexos cristalinos de amilose e amilopectina arranjados radialmente. Nos animais, a glucose de reserva encontra-se estruturada em polissacáridos que apresentam estrutura e composição semelhantes às da amilopectina. Este polissacárido que se encontra armazenado no fígado e nos músculos, embora também possa ser encontrado em algumas algas e na maioria dos fungos, denomina-se glicogénio. Embora a sua estrutura se aproxime da amilopectina difere dela, quer pela natureza e dimensão das cadeias que o constituem, quer pela maior dimensão da sua molécula. A sua solubilidade é maior do que a do amido e apresenta coloração vermelha pela solução de lugol. 11 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Como verificámos, a composição básica do amido é a glucose. Na estruturação deste polissacárido a glucose está associada entre si através de ligações glicosídicas do tipo a-1,4. No caso da celulose (Fig) esta ligação faz-se através de ligações glicosídicas do tipo ß-1,4 e constitui, como sabemos, o componente principal da perede celular dos vegetais terrestres e de algumas algas, embora exista igualmente como constituinte do manto de invertebrados marinhos do grupo dos tunicados. Estes factos tornam este polissacárido o polímero mais abundante na biosfera. As cadeias de celulose associam-se lateralmente constituindo microfibrilas, as quais estão embebidas numa matriz não celulósica que contém uma mistura de outros polissacáridos dos quais ressaltam as hemiceluloses e as pectinas. Além destes polissacáridos, a parede celular dos vegetais contém proteínas estruturais ricas em hidroxiprolina e serina. As microfibrilas de celulose apresentam cerca 25 nm de diâmetro e cada uma é composta por cerca de 2000 cadeias de celulose. A estrutura química da celulose é semelhante à da amilose, embora as enzimas que degradam o amido não sejam capazes de quebrar as ligações glicosídicas do tipo beta. De facto, somente alguns organismos contêm a enzima celulase, salientando-se entre eles, fungos, bactérias e protozoários, os quais, em simbiose ou em vida livre, desempenham papel importante na reciclagem desta substância na natureza. 12 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Nos animais e fungos a celulose é substituída pela quitina, um polissacárido formado por unidades de N-acetilglucosamina associadas através de ligações glicosídicas do tipo ß-1,4 (Fig). Este polissacárido existe como constituinte principal das carapaças dos insectos e crustáceos, assim como elemento essencial da parede celular da grande maioria dos fungos. A quitina, como a celulose, é de degradação difícil, sendo igualmente poucos os organismos que dispõem de capacidade enzimática para o fazer. CH 3 C=O NH ..... O ..... NH C=O CH 3 2. Lípidos Estas moléculas que apresentam um maior número de ligações C-H do que os polissacáridos, são insolúveis ou de muita reduzida solubilidade em água em virtude da sua natureza não polar, apresentam, no entanto, grande solubilidade nos solventes orgânicos. Devido à sua heterogeneidade química, os lípidos 13 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular podem ser incluídos nas seguintes quatro fosfolípidos, esfingolípidos e esteróides. categorias: triglicéridos, 2.1. Triglicéridos Estas moléculas que constituem importante função como reserva energética, estão presentes quer em células animais, quer em vegetais. Nas plantas aparecem predominantemente em frutos e sementes ( podendo atingir os 50% do seu peso seco), embora a sua presença possa ser igualmente detectada em folhas, caules e raízes (até 5% do seu peso seco). São compostas por dois tipos distintos de subunidades: a) Um álcool de três carbonos - o glicerol - no qual cada um dos átomos de carbono contém um grupo hidroxilo. Os três carbonos formam a estrutura básica do lípido, à qual estão associados três ácidos gordos. b) Ácidos gordos, constituídos por longas cadeias de hidrocarbonetos com um grupo carboxilo terminal. Por cada subunidade de glicerol existem associados três ácidos gordos. Daí a sua designação de triglicérido ou triacilglicerol. O comprimento dos ácidos gordos é variável, sendo a sua dimensão função do número de átomos de carbono que os constituem. No entanto, esse número por cadeia situa-se normalmente entre 14 e 20. Outro aspecto importante associado aos ácidos gordos é a sua disponibilidade em receberem ou não átomos de hidrogénio. Assim, quando um ácido gordo possui, associado a todos os átomos de carbono, átomos de hidrogénio, diz-se que este ácido é saturado, em virtude de conter o número máximo de átomos de hidrogénio que é possível. No caso de existirem duplas ligações entre um ou mais pares de átomos de carbono sucessivos, as quais substituem algumas das ligações carbonohidrogénio, permitindo que estes compostos sejam hidrogeneizados, estamos então em presença de ácidos gordos insaturados. Se o número de duplas ligações existentes entre os átomos de carbono na cadeia é superior a um, dizem-se ácidos polinsaturados . Ao contrário das animais, as gorduras vegetais são tipicamente polinsaturadas, apresentando pontos de fusão baixos e consequentemente maior fluidez, tomando a designação usual de óleos. 14 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Sob o ponto de vista energético, os lípidos são compostos muito energéticos em virtude do elevado número de ligações C-H, atingindo o dobro da capacidade dos hidratos de carbono (cerca de 9 kcal por grama, comparativamente com os 4 kcal pelo mesmo peso de hidratos de carbono). Quanto mais saturado for um lípido, maior a sua riqueza em energia, pelo que as gorduras animais contêm maior número de calorias que as vegetais, e daí todas as suas implicações na dieta humana, em particular nos casos em que as doenças cardio-vasculares podem ser um risco. 2.2. Fosfolípidos Um dos constituintes básicos das membranas biológicas são os fosfolípidos, cuja estrutura é semelhante à dos triglicéridos de reserva e que constituem uma matriz onde estão incorporadas proteínas. Embora a sua estrutura apresente semelhanças com os triglicéridos, os fosfolípidos membranares são moléculas compostas constituídas por quatro unidades (Fig. ): 15 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 1. Uma molécula de glicerol, forma o núcleo central deste composto estando a outras três unidades ligadas a ela. 2. Duas cadeias de ácidos gordos, não obrigatoriamente iguais, normalmente constituídos pelos ácidos palmítico e oleico. 3. Um álcool fosforilado, que existe na posição do terceiro ácido gordo dos triglicéridos. Este álcool é normalmente representado pela serina, etanolamina, colina, glicerol ou inositol. Como todos estes álcoois possuem grupos polares, os fosfolípidos apresentam, assim, uma zona polar, em contraste com outra, representada pelos ácidos gordos, de natureza não polar. No caso do álcool fosforilado ser a colina, o fosfolípido resultante é a fosfatidilcolina ou lecitina um dos componentes mais importantes das membranas biológicas dos organismos superiores. Como referimos, os fosfolípidos apresentam uma característica peculiar em relação aos outros compostos, a existência simultânea de duas áreas com polarização diferenciada. Assim, encontramos uma zona polar ou hidrofílica, em oposição a uma região não polar ou hidrofóbica. Estas moléculas que apresentam duas regiões terminais, uma polar e a outra não polar, denominamse anfipáticas . Esta característica explica o comportamento dos fosfolípidos em solução aquosa. Nestas circunstâncias, as regiões não polares destes compostos têm tendência a agregar-se, formando micelas quando a sua dimensão é pequena. Quando as suas cadeias são formadas por mais de 16 carbonos, as regiões não polares aderem, formando-se espontaneamente uma camada bilípidica . Esta camada bimolecular é, de facto, a estrutura básica das membranas biológicas. Embora os lípidos constituintes das membranas biológicas não estejam associados entre si através de ligações covalentes, as membranas são estruturas bastante estáveis, devido, sobretudo, à existência de forças hidrofóbicas a nível das regiões não polares da camada bimolecular. Por outro 16 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular lado, a existência de pontes de hidrogénio e cargas eléctricas, entre os grupos polares dos lípidos e as moléculas de água, contribuem igualmente para a estabilidade dessas membranas. Na realidade, nenhuma destas forças depende da existência particular de uma dada molécula de fosfolípidos ocupando uma posição rigida na estrutura, sendo apenas importante a sua orientação. Assim, as moléculas individuais de lípidos são livres de se deslocar no interior da membrana, embora sem poderem sair dela. Nestas circunstâncias, as membranas biológicas comportam-se verdadeiramente como estruturas fluidas. A mais importante propriedade da camada bilípidica membranar é que esta é impermeável aos iões, assim como à grande maioria das moléculas de natureza polar. No entanto, esta impermeabilidade seria quase total se estas membranas fossem apenas compostas por lípidos e assim a existência de vida seria impossível. De facto, uma impermeabilidade deste tipo não se verifica, em virtude da presença de passagens especiais localizadas ao longo e através da camada bilípidica, onde iões específicos e moléculas polares podem passar. Estas passagens são constituídas por moléculas proteicas, as quais se encontram embebidas na camada lípidica. Estas proteinas, que sofrem alterações estruturais quando interajem com outras moléculas, são responsáveis pela passagem dessas substâncias para o interior da célula, podendo, em alguns casos, o transporte necessitar de energia metabólica sob a forma de ATP. 2.3. Esfingolípidos Conjuntamente com os fosfoglicéridos, as membranas das células animais contêm um outro tipo de molécula biológica baseada, não no glicerol, mas num amino-diálcool em C18 a esfingosina. Nalguns casos, a esfingosina é substituída por um seu derivado saturado, a esfinganina, que nas plantas aparece sob a forma de 4-D-hidroxiesfinganina, derivando dela pela presença de mais um grupo oxidrilo. Os esfingolípidos são importantes componentes membranares, em particular nas células do tecido nervoso. Nos vegetais a sua presença também tem sido referenciada, nomeadamente em associação com os glicerofosfolípidos. 2.4. Esteróides Apesar destes compostos não serem verdadeiros lípidos, já que se incluem no grupo dos compostos isoprénicos apresentam, no entanto, algumas propriedades de solubilidade análogas às dos lípidos, daí a razão da sua inclusão nesse grupo no presente trabalho. Os esteróides apresentam estrutura cíclica semelhante à dos triterpenos, com um número de átomos de carbono variando entre os 27 e os 29. A sua distribuição é variada, indo dos animais aos vegetais, embora não tenham sido detectados em bactérias e cianobactérias. Os esteróides podem ser agrupados em: ácidos biliares, hormonas esteróides (como a testosterona), glicósidos esteróides e esteróis. Dentro deste último grupo encontramos o colesterol, cuja importância no metabolismo animal é enorme. Apesar de existir em maior quantidade nas células animais, a sua presença nos vegetais também tem sido detectada, nomeadamente nas Rhodophyta e em algumas angiospérmicas. 17 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 3. Proteínas Entre os compostos orgânicos existentes na célula, as proteínas ocupam um lugar de primazia, já que desempenham um papel crucial na estrutura e função dos seres vivos. Apesar das suas multiplas funções, as proteínas apresentam um estrutura básica comum: são constituídas por longas cadeias poliméricas de subunidades ligadas entre si. Estas subunidades são designadas aminoácidos. (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Todas as proteínas contêm quatro elementos essenciais: carbono, hidrogénio, oxigénio e azoto, embora muitas proteínas contenham também enxofre. Estes elementos estão associados entre si constituindo os aminoácidos, os quais contêm um grupo carboxilo (-COOH) e um grupo amina (-NH2 ) ligados ao mesmo átomo de carbono. Lateralmente o aminoácido apresenta uma cadeia que se designa por R (Fig). Embora o número de aminoácidos existente na natureza seja elevado e variado, apenas vinte fazem parte da constituição das 18 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular proteínas. Os grupos R de cada um destes aminoácidos conferem-lhe propriedades químicas distintas, apesar de não desempenharem papel na constituição do esqueleto das proteínas. Assim, baseados nos seus radicais, os 21 aminoácidos constituintes das proteínas estão agrupados em cinco classes distintas: a) Não polares ( p.e. leucina, alanina) b) Polares ( p.e. treonina) c) Ionizáveis (p.e. ácido glutâmico) d) Aromáticos (p.e. fenilalanina) e) Função específica (p.e. metionina, prolina, cisteína) Estas classes apresentam propriedades químicas bastante diferentes umas das outras, o que determina as características próprias das proteínas formadas por esses aminoácidos. Como já referimos, as proteínas são formadas por cadeias de aminoácidos, as quais se designam por polipéptidos. Estes aminoácidos estão associados entre si através de ligações covalentes chamadas ligações peptídicas, isto é, entre o grupo carboxilo (COOH) de um aminoácido e o grupo amina (NH2 ) de outro. A sequência de aminoácidos que constitui uma cadeia polipeptídica tem a designação de estrutura primária. (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) A configuração primária das proteínas é muito pouco comum in vivo, sendo as configurações globulares ou alongadas, resultantes de processos de enrolamento ou torção, as mais vulgares. Cada um dos radicais R dos polipeptidos interajem com os radicais R vizinhos, formando pontes de hidrogénio. Devido a estas interacções as cadeias polipeptídicas tendem a dobrar espontaneamente em forma de folha ou em espiral, originando configurações particularmente estáveis em determinadas regiões da cadeia polipeptídica, tomando a designação de estrutura secundária. 19 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Uma das características das proteínas é a sua interacção com as moléculas de água. A tendência é a das regiões não polares da cadeia polipeptídica se agregarem entre si, minimizando a ruptura das pontes de hidrogénio nas moléculas de água. Esta agregação provoca uma alteração da estrutura secundária da cadeia polipeptídica, originando configurações complexas e compactas do tipo globular, constituindo o que habitualmente se designa por estrutura terciária da proteína. A forma ou a configuração desta estrutura terciária depende em grande medida da ordem e natureza dos aminoácidos existentes na cadeia polipeptídica. Por isso, a alteração de um ou mais aminoácidos na cadeia, pode ter repercussões profundas na forma final da proteína. Aliás, esta característica é um dos aspectos importantes da sua plasticidade, o que as torna num dos mais efectivos compostos no domínio da química da vida. (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Frequentemente as proteínas mais complexas são formadas por diferentes subunidades, as quais, associadas, constituem uma unidade funcional com propriedades específicas. É o caso da catalase (Fig), uma proteína enzimática existente nos peroxissomas e que é constituída por quatro subunidades ou monómeros, sendo designada por tetramero ou proteína tetramérica. 20 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (http://jcbmac.chem.brown.edu/myl/testH/beefLiverCat.html) No entanto, outras proteínas de menores dimensões podem ser constituídas por duas ou três subunidades tomando, então, a designação de dímeros ou trímeros. A estas proteínas que apresentam uma estrutura particular, convencionou-se designar estrutura quaternária. (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 4. Ácidos nucleicos A informação genética característica da identidade de cada organismo é armazenada em compostos químicos especiais - os ácidos nucleicos -. Esta designação foi introduzida na terminologia científica pelo bioquímico suiço Johann Friedrich Miescher (1844-1895) em 1874, a partir de uma substância existente no núcleo dos leucócitos, a que Meischer tinha designado anteriormente nucleina (1869), a qual era de natureza fosfórica e apresentava reacção ácida. 21 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular Os ácidos nucleicos são estruturas poliméricas longas constituídas por subunidades que se repetem ordenadamente designadas nucleótidos. Cada nucleótido é composto por três partes (Fig.): (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) a) um açúcar com cinco átomos de carbono (pentose) b) um grupo fosfato c) uma base azotada (derivada da pirimidina ou da purina). As ligações entre os diversos nucleótidos é feita através dos grupos fosfato, por ligações -O-P-O, designadas ligações fosfodiéster. Dependendo da natureza do açúcar presente, assim temos dois tipos de ácidos nucleicos distintos: ácido desoxirribonucleico (DNA) constituído por desoxirribose e o ácido ribonucleico (RNA) formado por ribose. 4.1. Ácido desoxirribonucleico (DNA) (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) Neste ácido nucleico as bases azotadas são: adenina, guanina, citosina e timina -. As duas primeiras são compostos purínicos, de anel duplo, que apresentam maiores dimensões que as segundas, formadas por um anel simples e que constituem os compostos pirimidinicos. Estas bases estão associadas entre si através de pontes de hidrogénio, originando uma estrutura dupla de cadeias, formando a conhecida dupla hélice. O DNA aparece como constituinte principal do núcleo das células eucarióticas, estando associado a proteínas básicas - as histonas -, a outras proteínas e a RNA, embora também exista como material genético das mitocondrias e plastos. 22 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 4.2. Ácido ribonucleico (RNA) O RNA é estruturalmente semelhante ao DNA. Existem, no entanto, duas diferenças significativas (Fig): 1. As moléculas de RNA contêm ribose em vez de desoxirribose, no qual ao carbono 2 está ligado um grupo hidroxilo. No caso do DNA, o grupo hidroxilo é substituído por um átomo de hidrogénio. 2. A segunda modificação consiste na substituição da base azotada timina pelo uracilo, o qual apresenta estrutura semelhante à anterior, excepto o facto de um dos átomos de carbono não apresentar o grupo CH3 . (FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”) 23 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular Existem três tipos distintos de ácido ribonucleico nas células - 1) os RNA mensageiros (RNAm), 2) os RNA ribossomais (RNAr) e 3) os RNA de transferência (RNAt). Todos eles apresentam menores dimensões que o DNA e são formados por cadeias polinucleótidas simples. Vejamos, agora, algumas das características mais importantes desses ácidos ribonucleicos: 1) RNA ribossomal Este ácido ribonucleico aparece nos ribossomas (citoplasmáticos, cloroplastidiais e mitocondriais) associado a proteínas específicas (Fig) e pode constituir até cerca de 80% do RNA total celular. Até ao momento, a sua função parece não estar associada a qualquer processo informativo durante a síntese proteica, parecendo desempenhar apenas uma função puramente estrutural. Foram detectados quatro tipos de RNAr nos ribossomas citoplasmáticos de células eucarióticas, apresentando diferentes coeficientes de sedimentação – 25 S, 28 S, 18 S e 5 S -. Quanto às células procarióticas, assim como a cloroplastos e mitocondrias, os seus ribossomas apresentam três tipos de RNAr - 23 S, 16 S e 5S– extremidade 3' do ARN 5S S10 S19 extremidade 3' do ARN 5S L27 S13 S11 S7 S12 S14 L1 S3 L7/L12 S5 S4 S8 L17 S6 extremidade 3' do ARN 23S extremidade 3' do ARN 16S ribossoma 2) RNA mensageiro Este tipo de RNA é responsável pelo transporte da informação necessária à síntese proteica, fazendo a ligação entre o núcleo e o local de síntese. A sua formação ocorre essencialmente no núcleo durante o processo de transcrição, embora o RNAm possa igualmente ser sintetizado nos cloroplastos e mitocondrias a partir do DNA desses organitos. A percentagem deste RNA no computo total do RNA da célula é baixa sendo em geral inferior a 5%. Cada uma das proteínas existentes na célula é codificado por um RNAm específico, cujo período de vida é variável, indo das várias horas para os organismos superiores, até poucos minutos para alguns procariontes. 24 © Francisco Carrapiço, 2001 – Biologia Celular 3) RNA de transferência Estes ácidos ribonucleicos funcionam como transportadores específicos dos aminoácidos durante a síntese proteíca, constituindo cerca de 15% do total do RNA existente na célula. A sua estrutura assemelha-se a uma folha de trevo, permitindo o máximo de emparelhamentos entre bases complementares. Encontramos nesta estrutura regiões onde as bases emparelham de forma constante e que constituem os braços e regiões onde as bases não são complementares, formando as ansas da estrutura. Outra característica específica desta molécula é a existência, nas suas cadeias polinucleótidas, de um tripleto que é complementar dum tripleto de RNAm e que constitui o anticódão. Este tripleto tem um papel essencial na colocação do aminoácido na sequência correcta no decurso da formação da cadeia polipeptídica. 5. Referências bibliográficas BECKER, W. M., REECE, J.B & POENIE, M. F., 1996 - "The World of the Cell", 3ª ed.. The Benjamin / Cummings Publishing Company, Inc. (ed.), Menlo Park. FARABEE, M.J., 2001 - “On-line Biology Book”. http://gened.emc.maricopa.edu/bio/bio181/BIOBK/BioBookTOC.html MATHEWS, C.K. e VAN HOLDE, K.E., 1990 - “Biochemistry”.The Benjamin / Cummings Publishing Company, Inc. (ed.), Menlo Park (California). PURVES, W.K., ORIANS, G.H., HELLER, H.C. & SADAVA, D., 1998 - "Life: the Science of Biology", 5th. ed.. Sinauer Associates, Inc. & W.H. Freeman Company (eds). RICARDO, C.P. e TEIXEIRA, A.N., 1983 - “Moléculas biológicas - estrutura e propriedades”, 3ª ed. . Didáctica (ed.), Lisboa. 25