O Corpo
ISSN: 2236-8221
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04.08.2013
ISSN: 2236-8221
Jornal de popularização científica
Edição n. 43, Abril de 2015
[email protected]
Vitória da Conquista, Bahia.
http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm
EXPEDIENTE DE O CORPO
Editores
George Lima
Nilton Milanez
Organizador
O corpo é discurso
Nilton Milanez
Nesta edição, O Corpo é discurso apresenta o que aconteceu nos primeiros encontros do
curso “O Lampejo do Sentido”, realizado pelo Labedisco. Além disso, o Corpo traz um
artigo de Adilson Ventura dos Santos, Professor Adjunto da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia. Ainda, o Corpo traz um artigo por Rilmara Rôsy Lima, pela Universidade Federal de São Carlos. O Corpo é Discurso traz também um Pocket Comix por Renato Lima e notícias ligadas ao universo acadêmico e da Análise do Discurso, no Brasil.
George Lima
Revisão
Ricardo Amaral
Editoração eletrônica
(MARCA DE FANTASIA)
Henrique Magalhães
CONSELHO EDITORIAL
Dr. Elmo José dos Santos
(UFBA)
Dra. Flávia Zanutto
(UEM)
Dra. Ivânia Neves
(UFPA)
Dra. Ivone Tavares Lucena
(UFPB)
Dra. Mônica da Silva Cruz
(UFMA)
Dr. Nilton Milanez
(UESB)
Dra. Simone Hashiguti
(UFU))
Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco
Abordando a trajetória da
(Labedisco/PPGMLS).
problematização arqueológica reivin-
O primeiro encontro, aconteci-
dicada por Michel Foucault, especial-
do no dia 22 de abril de 2015 às 18:30h,
mente na obra “Arqueologia do Sa-
foi ministrado pelo Prof. Dr. Nilton Mila-
ber” (1969), o curso “O Lampejo do
nez (Labedisco/UESB/ CNPq),
Sentido: arqueologia e corpo em Mi-
Doutoranda Samene Batista (PPGMLS/
chel Foucault” já realizou três encon-
CAPES) e pela Doutoranda Cecília Bar-
No terceiro encontro, aconte-
tros apresentando análises, problema-
ros-Cairo (PPGMLS/FAPESB), no qual
cido no dia 04 de maio de 2015 às
tizações e discussões a partir de
apresentaram reflexões e análises que
18:30h, inicialmente a Mestranda Rena-
apresentações de algumas produções
pensar a funcionalidade da Nova Histó-
ta Celina Brasil Maciel (Labedisco/
audiovisuais e conceitos essências da
ria frente a continuação da tradição
PPGMLS) mostrou o funcionamento do
arqueologia foucaultiana.
histórica, problematização constituinte
conceito de Formações das Modalida-
das reflexões foucautianas.
des Enunciativas. Logo em seguida, o
pela
No segundo encontro, acontecido no dia 30 de abril de 2015 às
18:30h, o Prof. Nilton Milanez, além de
explicar a formação dos objetos na análise arqueológica, deslocou essa premissa procurando entender a funcionaNesta edição, trazemos informações das apresentações realizadas
Mestrando Vinicius Lemos da Silva Reis
(Labedisco/PPGMLS) e Matheus Vieira
(IC/CNPq) pensaram com Foucault a
formação do corpo-objeto em vídeos
que circulam na web.
O curso “O Lampejo do Senti-
lidade discursiva de algumas materiali-
do: arqueologia e corpo em Michel Fou-
dades audiovisuais.
cault” tem continuação até o dia 14 de
por Nilton Milanez (Labedisco/UESB/
maio de 2015. Mais informações sobre
CNPq), Samene Batista (PPGMLS/
o curso e sua programação estão dis-
CAPES),
poníveis no blog do evento, acessando
Cecília
Barros-Cairo
(PPGMLS/FAPESB), Matheus Vieira e
Vinicius
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Lemos
da
Silva
http://lampejodosentido.blogspot.com.br/ .
Reis
O Corpo
Introdução
de certo modo, aquilo que não faz sentido,
um pouco das possibilidades que esta
Pensar sobre o que significam
ou é descartado pela maioria, isto é, mui-
área da Linguística possui.
as coisas é algo que acompanha a huma-
tas pessoas, ao não perceberem o sentido
em algo, não se interessam por ele; ou, ao
“há muitas possibilidades de se
pensar o sentido, já que vários
tentaram (e tentam) fazê-lo”
Semânticas
não fazer sentido, pode despertar a curio-
Quando falamos em Semântica
sidade de certas pessoas e assim tentar
temos a falsa impressão de que ela se
entender ou atribuir sentidos a alguma
coloca como única, então seria melhor
coisa.
falar em Semânticas, pensando que se
Por conta disso, há muitas possi-
diferem em aspectos teóricos, métodos
bilidades de se pensar o sentido, já que
de análise e no modo como consideram o
vários tentaram (e tentam) fazê-lo. Assim
que seja o sentido. Esta ciência tem início
temos que várias áreas diferentes do sa-
com Bréal, ou, pelo menos, este autor que
ber, tais como a Filosofia, a Religião, as
nomeia esta Ciência,
Artes, as Ciências, o Senso Popular buscam, em última medida, apontar o sentido
nidade, pelo menos desde oque os estu-
de algo. Então, por ser a Linguística uma
dos históricos nos podem mostrar. As-
ciência, ela também se preocupa com a
sim, saber o que significa tudo o que está
questão do sentido na Língua. A grande
a nossa volta sempre foi motivo de inqui-
questão é: como estudar o sentido na Lín-
etações, seja no que se refere a peque-
gua? Assim, uma área da Linguística se
nas coisas quanto até a questões funda-
apresenta com este propósito: estudar o
mentais e que não possuem repostas até
(s) sentido(s) na Língua. Esta área é a Se-
nossos dias, tais como: “de onde viemos?
mântica.
O que eu quis fazer foi traçar algumas grandes linhas, marcar algumas divisões, como um plano provisório, sobre um domínio ainda não
explorado, e que reclama o trabalho combinado de várias gerações
de linguistas. Peço ao leitor, então,
que veja este livro como uma simples Introdução à ciência que proponho a chamar de Semântica.” (BRÉAL, 2008, p. 20)
Mas, mais do que nomear, ele
traz algumas reflexões importantes na
Para onde vamos? O que é a morte?” e
Esse artigo busca apresentar
medida em que coloca como lugar central
várias outras. Podemos dizer então que
alguns destes caminhos que a Semântica
nos estudos do sentido a presença do
fazer sentido é intrínseco ao homem, na
trilha, com o intuito de despertar o inte-
homem na língua.
medida em que procura entender tudo e,
resse para pesquisas e, de se conhecer
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Em outra perspectiva, a SemânO Corpo
tica Formal considera a relação da Língua cam a continuidade que o enunciado deve
Brasil que é a Semântica do Acontecimen-
com o mundo, com um especial interesse ter. Assim, a título de exemplo, podemos
to. Iremos neste artigo somente apontar
na relação de Verdade ou Falsidade de pensar em um convite para passear e, na
algumas questões que esta Semântica
um enunciado. Assim a questão do senti- resposta, temos as seguintes possibilida-
leva em conta para que se desperte o
do se dá em saber em que medida o modo des:
interesse em conhecê-la melhor. Esta
de apresentar um objeto (referente) é 
O dia está bonito, mas meus pés
Semântica se interessa em saber o que
Falso ou Verdadeiro, num claro posicio-
estão doendo.
significa expressões em textos específi-
namento de uma Ciência Veritativa. Esta 
Meus pés estão doendo, mas o dia
cos, ou seja, nessa Semântica, observa-se
Semântica inicia-se com os estudos de
está bonito.
qual o sentido de palavras ou expressões
Frege (2009), porém possui vários desdobramentos posteriores.
Em outra vertente, temos a
Pragmática, que considera o sentido de
uma palavra como sendo o seu uso concreto, ou seja, para se saber o que signi-
que fazem parte de enunciados, mas en-
“Nessa Semântica,
observa-se qual o
sentido de palavras ou expressões
que fazem parte
de enunciados,
mas enquanto
enunciados de textos”
quanto enunciados de textos. Então, procura-se saber o que uma forma designa
em um texto. E a designação, para Guimarães é considerada:
Desse modo, para ele é essa apropriação os autores colocam que não são os fatos
Designação é o que se poderia
chamar de significação de um nome, mas não enquanto algo abstrato. Seria a significação enquanto
algo próprio das relações de linguagem, mas enquanto uma relação
linguística (simbólica) remetida ao
real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na
história. É neste sentido que não
vou tomar o nome como uma palavra que classifica objetos, incluindo
-os em certos conjuntos. Vou considerar, tal como considera Rancière (1992), que os nomes identificam
objetos. (Guimarães, 2002, p.9).
da língua pelo locutor que dá o sentido na que argumentam, e sim a presença de
E o lugar para se realizar estes
língua. E dentro dos estudos enunciativos operadores argumentativos que, nesse
estudos é na enunciação, porém, conside-
do sentido, temos uma vertente que é a caso, é o mas.
ra-se a enunciação, tal como Guimarães
Semântica Argumentativa, elaborada por
(2002, p.8), “um acontecimento no qual se
Ducrot e Anscombre (1976), que coloca Semântica do Acontecimento
dá a relação do sujeito com a língua”. A
que a argumentação está na língua, ou
Partindo dos estudos enunciati-
partir dessa definição, temos que obser-
seja, a língua possui vários morfemas vos, temos também uma outra vertente
var como se dá essa relação e, para isso,
(operadores argumentativos) que indi- que é desenvolvida atualmente aqui no
duas coisas são centrais, o sujeito e
fica determinada palavra, temos que saber em qual contexto ela foi usada.
A Semântica da Enunciação
coloca que é na enunciação que se deve
observar o sentido. E a enunciação é
Os dois enunciados apresentam
considerada por Benveniste como o mo- os mesmos fatos, porém o primeiro parece
mento em que “permite a cada locutor autorizar uma continuidade que recusa o
apropriar-se da língua toda designando- convite, enquanto que no segundo a conse como eu.” (BENVENISTE, 1976, p. 288). clusão é o contrário. Por conta disso é que
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O Corpo
acontecimento.
então é importante observar, no texto, qual
minação (DSD). Ao constituir o DSD de
A questão do acontecimento é este lugar social do qual o locutor fala.
determinada expressão, podemos saber
remete diretamente à temporalidade, Este é o locutor-x, sendo x o lugar social,
quais os sentidos que esta expressão
porém, diferentemente de outros lugares assim temos locutor-presidente, locutor-
possui em um texto específico.
teóricos, aqui é o acontecimento que jornalista, locutor-poeta, etc. E o que faz
temporaliza, ou seja, a partir do aconteci- com que o Locutor não perceba que fala o
Considerações Finais
mento é que temos a relação de passado, que fala por ocupar um lugar social é ou-
Neste pequeno artigo procura-
presente e futuro. E isso significa, ao tra figura da Cena Enunciativa, que é o
mos apresentar o que são os estudos
mesmo tempo, que o tempo não é consi- enunciador.
semânticos, dando uma maior ênfase na
derado enquanto uma linha na qual se
Para as análises dos textos, utili-
Semântica do Acontecimento, para que se
sucedem os acontecimentos. E assim, zamos dois procedimentos, que são a re-
possa ter uma ideia de quais são as ques-
para se observar os sentidos de uma escritura e a articulação. A reescritura,
tões trabalhadas nas Semânticas. De um
expressão, temos que considerar que há para Guimarães, é “o procedimento pelo
modo geral, podemos dizer que o objetivo
um memorável funcionando. Memorável qual a enunciação de um texto rediz insis-
é descrever o sentido das palavras, sendo
este que é uma rememoração de enunci- tentemente o que já foi dito fazendo inter-
que cada uma das semânticas possui o
ações e não uma memória pessoal de
arcabouço teórico para que se possa
pretar uma forma como diferente de si.
alguém. E, a partir destes memoráveis, Este procedimento atribui (predica) algo
fazer esta descrição.
com relações do texto e a cena enunciati- ao reescriturado.”(GUIMARÃES, 2002, p.17).
REFERÊNCIAS
va, temos também o futuro como uma
Quanto à articulação, Guimarães
latência de futuro, na qual pode-se abrir
nos diz: “procedimentos de articulação
ANSCOMBRE,
a possibilidade de interpretações.
dizem respeito às relações próprias das
"L’Argumentation dans la Langue". In:
Outro ponto levantado aqui é contiguidades locais. De como o funciona-
J-C
e
DUCROT,
O.
Langages, 42, 1976.
quanto ao sujeito. Aqui também temos mento de certas formas afetam outras que
BENVENISTE. E. Problemas de Linguística
uma questão primordial, que é não reme- elas não redizem.” (2004, p.18). Ou seja, a
Geral I. São Paulo, Companhia Editora
ter a significação a uma centralidade do articulação é o procedimento pelo qual se
Nacional, 1976.
sujeito, isto é, não se pensa que o sentido observa as relações de determinada pala-
BRÉAL, M. Ensaio de Semântica. Campi-
é algo que o sujeito quis significar, do vra (ou de suas reescrituras) com outras
nas: Editora RG, 2008.
mesmo modo do que nas pragmáticas. palavras em um enunciado, sendo que deve
GUIMARÃES, E. Semântica do Aconteci-
Assim, para resolver esta questão, há -se considerar este enunciado como fa-
mento. Campinas: Pontes, 2002.
uma divisão do Locutor, levando em conta zendo parte de um texto. Através desses
GUIMARÃES, E. História da Semântica –
aquele que se apresenta como a fonte do procedimentos, poderemos dizer o que um
Sujeito, Sentido e Gramática no Brasil.
dizer, que é L. Mas temos que considerar nome designa, o que é, para Guimarães,
Campinas: Pontes, 2004.
que este Locutor fala de um lugar social, constituir o Domínio Semântico de DeterPágina 5
O Corpo
Renato Lima
é graduado em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFRJ. Para saber mais sobre o autor e
suas produções, acesse também o site Pockets - Histórias de Bolso ou a página de Facebook Pocketscomics.
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O Corpo
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O Corpo
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O Corpo
têm a ver com o fato de que o historiador é um leitor e, portanto,
como é crença em nossos dias, no
seu encontro com os fatos, ajuda a
dar-lhes significado. Além disso,
preocupados com a abrangência da
atividade humana, os novos historiadores procuram ser interdisciplinares, aprendendo a colaborar com
antropólogos sociais, economistas,
críticos literários, psicólogos, sociólogos, etc. Vemos, então, que é
preciso ampliar nossa visão do que
seja um elemento histórico dentro
do discurso literário.
O limite entre os discursos lite-
vação e prioriza a objetividade da recons-
rário e histórico é um assunto polêmico,
trução dos fatos, enquanto a segunda prio-
pois esses dois tipos de discurso têm, à
riza a subjetividade, a imaginação do dis-
primeira vista, objetivos definidos e dis-
curso literário por meio da fonte histórica
tintos. Enquanto um é marcado pelo esta-
ou não, buscando uma verossimilhança
tuto da ficção, invenção e imaginação, o
com o real. Entretanto, a despeito dessa
outro reivindica o estatuto da verdade
oposição precípua, Benedito Nunes (1988,
em relação aos acontecimentos e, para
p. 11-2), também argumenta em favor de
tanto, recorre a dados e comprovantes
um elo entre o universo ficcional e históri-
documentais que legitimem suas afirma-
co e, para isso, respalda-se em Paul Veyne
ções. Entretanto, vale perguntar até que
e em Collingwood ao comentar que a Histó-
Para Linda Hutcheon (1991), o
ponto o discurso ficcional não pode estar
ria e a ficção estão entrosadas enquanto
estudo da relação entre História e ficção
entremeado com o discurso da verdade,
formas de linguagem. Ambas têm por obje-
tem-se concentrado mais naquilo que as
ou vice-versa.
to a atividade humana, pois, tal “como o
duas formas de escrita têm em comum do
romance, a História seleciona, simplifica e
que em suas diferenças. Ambas são mar-
organiza, resume um século numa página”.
cadas pela verossimilhança mais do que
Em relação aos novos historiado-
por qualquer verdade objetiva. Ambas são
res, Guacira Leite (2000, p. 79) comenta
também identificadas como construtores
que
linguísticos, altamente convencionados
em suas formas narrativas e nada trans-
Benedito Nunes discute a relação entre História e ficção, afirmando
que a primeira recorre às fontes
(documentos, manuscritos, monumentos)
como método de investigação e comproPágina 9
Quando nos voltamos para a disciplina História, vemos que durante todo
esse século, ela sofreu profundas
modificações, tornando-se largamente receptiva aos fenômenos
culturais, afastando-se dos acidentes de superfície, dessas pequenas
bolhas que são os ‘acontecimentos’,
para sondar a espessura, a profundidade do corpo social [...]. Importante lembrar que muitas das transformações sofridas pela História
parentes em termos de linguagem ou
estrutura, além de parecerem ser igualmente intertextuais, desenvolvendo os
textos do passado com sua própria textualidade complexa.
Dessa forma, quando um escrito
recorre ao passado em busca de fontes
O Corpo
históricas, ele faz isso em busca de um Pedro II; c) passar em revista um capítulo
episódio da Independência (no capítulo “O
recurso que confira veracidade a sua da história nacional para redimensionar a
grito auriverde”), por exemplo, longe de
narrativa. Segundo Maria Teresa de Frei- “dívida” do país para com a Casa Real por-
glorificá-lo, apenas reforça a imagem de
tas (1989, p. 13),
tuguesa (que no séc. XIX trouxera a Corte,
displicência, vulgaridade e imoderação
depois fora instrumento da Independência
que trespassa o texto inteiro. O grito do
e, com o segundo imperador, conseguira
Ipiranga não resulta de visão política, de
salvaguardar a unidade territorial).
coragem heróica ou de senso de naciona-
quando um escritor se volta para o
passado, e tenta ressuscitar representações e ideologias anteriores
àquelas que predominam em sua
época, mas que sobrevivem, na
memória e no inconsciente coletivo,
aos momentos histórico-sociais em
que foram criadas, ele vai visar a
exprimir desse passado aquilo que
ainda não foi dito, aquilo que dele
está reprimido ou latente, para
assim explorá-lo em todas as suas
virtualidade e prolongá-las.
Aluísio Azevedo, assim, retoma a
época de D. Pedro I como forma de desprestigiar o regime monárquico. Para isso,
enfatiza ao longo de toda a narrativa as
falhas de caráter e os atos ilícitos do primeiro imperador, que chega a cometer um
Para o autor do romance-
crime: o estupro da personagem Branca,
folhetim O esqueleto, o recurso a um
jovem pura e inocente, realizado dentro da
passado não é tão longínquo destina-se a
própria casa paterna, residência que D.
diversos objetivos, entre eles: a) falar da Pedro I invadiu com a ajuda de dois capanrealidade brasileira recorrendo a perso- gas depois de ter tentado, sem sucesso,
nagens e eventos verídicos; b) dar voz ao subornar a governanta.
espírito republicano, desmistificando a
D. Pedro I desempenha, portanto,
figura (ideal) do soberano justo, íntegro, o papel de personagem negativa, de malresponsável, que eventualmente os parti- feitor. E sua participação na história brasidários do regime monárquico, derrubado leira é apresentada no romance igualmenem 1889, ainda identificassem com D. te sob um viés profundamente crítico. O
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lismo, mas apenas do mero acaso e improvisação:
D. Pedro e Satanás falavam de
Marta, da peixada de escabeche, da
beleza de Maria. [...] - Homem, por
falar em peixada... fez D. Pedro, e
disse uma cousa que fez o outro rir
muito. O príncipe riu também, e
levantando-se entrou numa moita.
[...]. O comandante do regime foi
procurar o príncipe. Encontrou
apenas o Satanás, sentado numa
pedra, cotovelos sobre os joelhos,
face sobre os punhos, pensando. Onde está o príncipe? [...] O Satanás levantou os olhos e disse gravemente: - Espere um pouco. Está
ocupado. Foi apanhar uma parasita.
Quando o príncipe veio, não o surpreenderam as notícias. [...] O
governo português [...] dispunha-se
a mandar uma esquadra para o
Brasil, para reprimir a revolução.
Era preciso agir, com a máxima
urgência. D. Pedro não pestanejou.
Chamou o comandante. [...] - A
O Corpo
cavalo! Forme o regime! E arrancou do chapéu o pendão azul e
branco. Depois, tirou de uma árvore uma folha verde, listrada de
amarelo, e, substituindo-a ao pendão, montou também a cavalo. O
regime esperava, em linha, a voz
de marchar. O príncipe estendeu o
braço: - A caminho! E, com uma voz
que ecoou longamente, na tarde
radiante, pelas quebradas da serrania, soltou o seu grito de guerra
– Independência ou morte! (LEAL,
2000, p. 61-2).
recebe é Satanás; o Príncipe está ausente.
Detalhes como a folha verde e amarela
(escolhida ao acaso), a conversa sobre a
refeição de escabeche ou ainda a menção
à ausência de condições de higiene
(parasita) introduzem uma nota prosaica e
oposta a qualquer heroísmo. É uma perspectiva que Bakhtin chamaria de destronamento dos reis, destronamento do poder
Como se vê, essa passagem oficial.
revela-nos o intuito de desmascarar o
D. Pedro não aparece ridiculari-
discurso oficial, à medida que a Indepen- zado apenas para conduzir ao riso puro e
média de costumes), as expressões irôni-
dência do Brasil é mostrada de forma simples, mas para que seja desmascarado
cas para veicular o seu conteúdo crítico”.
irônica – com um D. Pedro mais preocu- o discurso oficial. Desse modo, estamos
Em estudo sobre O riso, Bergson
pado em comentar sua noitada com a diante de um texto que não apenas recorre
personagem Maria do que precisamente e elementos históricos, mas faz isso sob
balhando com conteúdos (que se aproxi-
não há comicidade fora do que é
propriamente humano. Para compreender o riso, impõe-se colocá-lo
no seu ambiente natural, que é a
sociedade; impõe-se sobretudo
determinar-lhe a função útil, que é
uma função social. O riso deve
corresponder a certas exigências
da vida em comum. O riso deve ter
uma significação social.
mam do grotesco e do híbrido, daí seu
Portanto, o riso pode, na sátira,
sentido de “mistura”). A sátira desenvolve
servir à crítica social e política por meio
uma ironia militante na proporção em que
da ridicularização de algo ou alguém, que
procura mudar a sociedade e o homem.
o escritor quer mostrar como insuficiente
Massaud Moisés afirma que a sátira tem
ou inadequado.
em suas atividades políticas; mais dedi- forma de sátira.
cado a satisfazer suas necessidades
Segundo Hansen (1990, p. 8),
físicas do que a traçar planos para resol- etimologicamente a sátira tem o sentido
geral de mistura de gêneros e de vozes.
Ela atua em um dado contexto social, tra-
“A sátira desenvolve uma ironia
militante na proporção em que
procura mudar a
sociedade e o
homem”
ver a tensão e o momento conturbado
pelo qual estava passando o país na época. Quando chega o comandante, quem o
Página 11
(1983, p. 12-4) enfatiza que
como alvo criticar as instituições ou pes-
Quando nos concentramos no
soas, os males da sociedade, etc. Para
trecho do grito do Ipiranga, percebemos
tanto, conforme Volobuef (1991, p. 161),
ainda que a ridicularização do evento
recorre a “técnicas de deformação e de
histórico recorre ao grotesco, principal-
reunião de elementos heterogêneos do
mente pela associação de elementos for-
grotesco, os tipos caricaturados (na co-
mando pares que carregam algum tipo de
O Corpo
são, repugnância), outros agem de forma
atenuante, estimulando efeitos cômicos
ou ridículos” (1991, p. 102).
Conforme a estudiosa, o efeito
hilariante surge do esforço em combater
o medo ao desconhecido, mediante a ajuda do cômico: a ridicularização e a atitude
geral de menosprezo agem no sentido de
causar o decréscimo de potencial nocivo
de um ser, objeto ou situação. Com isso
alcança-se o desarmamento da fonte
contraste ou que fogem do padrão estéti- ruptura com a tradição clássica, o grotes-
causadora de horror. Por outro lado, o
co tradicional (que determina à literatura co torna-se um estandarte da literatura
elemento de características nocivas, cho-
a utilização apenas de temas “nobres”): romântica, principalmente de Victor Hugo
cantes, aterradoras ou repugnantes atua
beleza de Maria (sublime) / escabeche (conforme exemplifica o personagem Qua-
em sentido contrário, procurando provo-
(prosaico); comida / excrementos; gran- símodo de Notre-Dame de Paris).
car e exacerbar o efeito desagradável, de
deza do “grito de guerra” / trivialidade
Enquanto recurso estético, o
da situação; D. Pedro abrindo um novo grotesco caracteriza-se pela monstruosicapítulo na História do Brasil / D. Pedro dade e distorção, pela heterogeneidade e
preocupado com suas necessidades fisio- hibridismo, pela degradação e estranheza.
lógicas (sexo, fezes).
O grotesco pauta-se no excêntrico e inco-
Quanto ao grotesco, Bakhtin mum, podendo chegar ao absurdo e sem
(1993, p. 34-5), traça um perfil dos dife- sentido. Devido a esses atributos, o grorentes significados desse vocábulo ao tesco, assim como a sátira, é instrumento
longo da história. Dessa forma, segundo muito utilizado para realizar críticas, para
“o grotesco, assim como a sátira, é instrumento muito utilizado para realizar
críticas, para denunciar máculas
e imperfeições”
ele, o grotesco foi empregado durante denunciar máculas e imperfeições. Segunbastante tempo como elemento da arte do Karin Volobuef, o grotesco caracteriza-
modo a anular o efeito cômico (VOLOBUEF,
popular e carnavalesca. Mas na época se pela presença do horror, do desconcer-
1991, p. 102-3).
pré-romântica e em princípios do Roman- tante, do desconexo, sendo originado pelo
Aluísio Azevedo explora ambos
“emparelhamento na obra de aspectos
os efeitos do grotesco, mas no romance O
para a expressão de uma visão estética com características muito diferentes ou
esqueleto sobressai-se o efeito cômico,
que privilegiava o mundo subjetivo e indi- mesmo opostas [dos quais] alguns provo-
ridículo. No caso da figura de D. Pedro, as
vidual. Utilizado como instrumento de cam efeitos desagradáveis (horror, aver-
situações grotescas criadas provocam
tismo, o grotesco ressurgiu, voltando-se
Página 12
O Corpo
notadamente o riso, pautando-se no intui-
outras palavras, o texto não busca apenas
BERGSON, Henri. O riso. Rio de Janeiro:
to de causar uma impressão de despres- causar um efeito hilariante sem maiores
Zahar, 1983.
tígio e desvalorização do monarca.
consequências, mas apontar, na figura de
FREITAS, Maria Teresa de. Romance e
Outro ponto a considerar em D. Pedro, os defeitos da monarquia. Aqui,
história. Uniletras. Ponta Grossa, n.11, dez,
relação à sátira grotesca no romance O
portanto, o propósito é um tipo de
p. 109-118, 1989.
esqueleto, é que ela se assemelha ao riso “destronamento”.
HANSEN, J. A. Anatomia da sátira (texto
medieval analisado por Bakhtin, à medida
Nesse sentido, vale a pena res-
inédito; conferência apresentada na Fa-
que ambos são destruidores, desmistifi- saltar o subtítulo de O esqueleto, que é
culdade de Ciências e Letras de Araraqua-
cadores e rebaixadores da ordem, da Mistério da Casa de Bragança. A levianda-
ra, em maio de 1990), 1990.
“Em Aluísio Azevedo, o que se
defende, implicitamente, é a
substituição da
monarquia pela
república”
de, devassidão e falta de escrúpulos de D.
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-
Pedro I haviam-no levado a cometer um
Modernismo: História, Teoria, Ficção. Rio
crime. Diante disso, o que o subtítulo faz é
de Janeiro: Imago, 1991.
generalizar a responsabilidade frente ao
LEAL, Victor. O esqueleto: mistérios na
ocorrido, uma vez que este é transformado
casa de Bragança. São Paulo: Casa da
em um mistério guardado pela família real
Palavra, 2000.
como um todo, que assim encobre coleti-
LEITE, Guacira Marcondes Machado. Sobre
vamente o ato cometido.
poesia, narrativa e tradução. Coletânea
Com isso tudo, o histórico ultrapassa as fronteiras do passado e vem
de estudos apresentados para o Concurso
de
Livre-Docência
–
FCL/UNESP/
hierarquia. Contudo, para Bakhtin (1993, debruçar-se sobre o presente (época da
Araraquara, 2000.
p. 19), “A degradação cava o túmulo cor- publicação do romance), e grotesco e sáti-
NUNES, Benedito. Narrativa histórica e
poral para dar lugar a um novo nasci- ra unem-se como formas de enfrentamen-
narrativa ficcional. In: RIELD, D. C. Narra-
mento. E por isso não tem somente um to de condições sociais e, principalmente,
tiva: ficção e história. Rio de Janeiro:
valor destrutivo, negativo, mas também políticas.
Imago, 1988.
positivo, regenerador: é ambivalente”, o
VALENÇA, Rachel. Apresentação. In: LEAL,
que garante, na Idade Média, a manutenção do sistema feudal, que não é de fato
abalada pelo riso popular e carnavalesco.
Já em Aluísio Azevedo, o que se defende,
implicitamente, é a substituição da monarquia pela república, de modo que o
rebaixamento não se reveste de um caráter regenerador da situação vigente. Em
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REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Aluísio. O esqueleto: mistério da
casa de Bragança. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1939.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. de Yara
Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1993.
Victor. O esqueleto: mistérios da casa de
Bragança. São Paulo: Casa da Palavra,
2000. p.7-8.
VOLOBUEF, Karin. A modernidade de E. T.
A. Hoffmann. Dissertação. Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, 1991.
O Corpo
IV Simpósio Nacional de Letras e Linguística e III Simpósio Internacional de Letras e Linguística
O Simpósio Nacional de Letras e Linguística e Simpósio Internacional de Let
ras e Linguística traz em sua quarta edição o tema
"Linguagem, Literatura e Ensino: desafios e possibilidades".
O evento será realizado na Regional Catalão da Universidade Federal
de Goiás, nos dias 25 a 28 de agosto de 2015 e receberá propostas de Grupos de Trabalhos (GT’s) e Mesas-redondas, dentro da temática proposta.
Contaremos, ainda, com várias atividades específicas como, conferências,
minicursos e atividades culturais.
Para saber mais a respeito do IV SINALEL Clique Aqui!
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O Corpo
Acesse o site clicando aqui!
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O Corpo
Dica de O Corpo
Leitura do Livro de Poesias “Bocoió”, escrito
por Alexandre Filordi
Bocoió é um livro de poesia de Alexandre Filordi.
Divide-se em quatro partes: Desnorteios, Sangas
sentimentais, Coisidades da natureza e Vária
pastagem, convidando o leitor a deslocar a sua
experiência com as coisas, os sentimentos, consigo mesmo e, sobretudo, com o modo de vida
absorvido pelas repetições do dia a dia. O livro
pode ser adquirido pelo site da Editora Patuá:
www.editorapatua.com.br.
Leitura do livro “Corpo de Memória”,
Escrito por Simone Tiemi Hashiguti
Corpo de memória trata de uma questão ao mesmo tempo delicada
e séria, que é a da composição heterogênea do(s) corpo(s) do sujeito brasileiro, atravessado por memórias discursivas que se materializam em gestos, movimentos, cadências, modos de olhar, de
andar e cumprimentar - e quem sabe, amar - que por herança o
constituem e assim vão significar nas condições contemporâneas,
em sua convivência e em seu desentendimento.
Simone Hashiguti elege, de modo feliz, neste estudo sobre a relação
entre corpo e memória discursiva, o corpo do imigrante japonês no
Brasil que, hoje transitando entre Estados Unidos, Brasil e Japão,
se vê designado por gestos de interpretação que tornam o sujeito
supostamente discernível pela singular visualidade de seu corpo.
Privilegiando a abordagem do tema pela Linguística e Análise do
Discurso, o estudo de Hashiguti transita e dialoga com saberes
discipr ares da Psicanálise, História, Psicologia, Medicina, Fisioterapia, Dança, Educação Física, Sociologia e Antropologia, podendo
assim a obra interessar também a esse público.
Colaboradores
O Corpo é Discurso
é o primeiro jornal
eletrônico de
popularização
científica da Bahia.
Popularização da Ciência
A pesquisa científica gera conhecimentos, tecnologias e inovações que beneficiam toda a sociedade. No entanto, muitas pessoas não conseguem compreender a
linguagem utilizada pelos pesquisadores. Neste contexto, a grande mídia e as novas
tecnologias de comunicação cumprem o papel de facilitadores do acesso ao conhecimento científico. Para contribuir com esse processo, em sintonia com o espírito
que anima o Comitê de Assessoramento de Divulgação Científica do CNPq, criamos
esta seção no portal do CNPq. Seja bem-vindo ao nosso espaço de popularização da
ciência e aproveite para conhecer as pesquisas dos cientistas brasileiros e os benefícios provenientes do desenvolvimento científico-tecnológico.
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O Corpo é Discurso - Nº 43