LEGITIMIDADE DAS NORMAS JURÍDICAS NO REGIME DEMOCRÁTICO, À LUZ DA RELAÇÃO ENTRE ÉTICA, MORAL E DIREITO [1] * Cristina Zanello RESUMO: O presente artigo analisa a questão da legitimidade das normas jurídicas no regime democrático, enfocando a influência do entrelaçamento entre os conceitos de ética, moral e direito. Ao final haverá a aplicação dos conceitos em casos práticos observando, no regime democrático, a relação entre a legitimidade da norma jurídica e a ética. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Ética. 3. Ética, Moral e Direito em Kant. 4. A Ética e a Fundamentação do Direito. 5. Legitimação dos Procedimentos Democráticos. 6. Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. 7. Análise dos Modelos Habermas e Luhmann. 8. Legitimidade e a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (o Simples Nacional). 9. Conclusão. PALAVRAS-CHAVE : Ética – Moral – Direito - Estado Democrático - Legitimidade 1. INTRODUÇÃO Existe uma necessidade de manter-se a conexão existente entre a Ética, o Direito e a Moral, tendo em vista que um ordenamento jurídico não pode ser nem excessivamente jurídico, o que gera problemas sociais e nem excessivamente político o que gera insegurança jurídica pela ausência da coerção. A Ética como base das regras de conduta é o alicerce tanto das regras jurídicas como das regras morais. Por sua vez, a Moral e o Direito se entrelaçam, se complementam, pois a regra moral necessita da forma da coercitividade jurídica para ser exigida de todos (ética universalista). A análise desta conexão é importante para enfrentar-se a questão da legitimidade das normas jurídicas frente a um Estado de regime democrático, pois quando se refere à dignidade da pessoa humana a norma jurídica está acolhendo princípios éticos fundamentais. Há vezes em que as normas jurídicas determinam a solução através do recurso às normas de ética, como por exemplo: segundo a boa-fé ou os bons costumes. A esse passo, se faz importante destacar que segundo José de Souza e Brito (1998, p. 149) “A democracia é precisamente uma exigência ética do Direito”. Esta assertiva leva à investigação da legitimidade da norma jurídica sob o aspecto da ética e da moral, o que será analisado no decorrer dos parágrafos seguintes. 2. CONCEITO DE ÉTICA No dizer de Alexandre Travessoni (2003), embora etimologicamente o termo Ética signifique “ciência do ethos”, pode-se muito bem conceituá-la como “a ciência do agir humano regulamentado por normas, naquilo que esse agir e essas normas têm de universal. Para Lima Vaz (apud, A. Travessoni Gomes, 2003, pg. 299), o termo grego ethos, cuja tradução literal é costume, tem os sentidos de costume-normatividade (ethos –objetivo), de prática individual de acordo com o costume e de aquisição estável do hábito de agir de acordo com o costume (hexis). Segundo este autor nestes sentidos dados, estariam a base semântica que tem marcado o objeto de estudo da Ética, desde a Grécia. No entanto, ethos no correspondente latino, é denominado mos, também é costume, mas não com o mesmo significado de costume que é encontrado na língua portuguesa. Pois aqueles caracterizam o costume com força coercitiva, que obriga, enquanto que na língua portuguesa engloba o termo engloba costume de meros usos sociais, sem força de exigibilidade. Na concepção de ethos e mos, a Ética e a Moral seriam sinônimos. Mas na modernidade, Ética e Moral adquiriram sentidos diversos. Esta não seria a ciência do agir regulamentado por normas como a Ética, mas sim “um tipo de normas do agir ou a ciência que estuda essas normas”.(A. T. Gomes, 2003, p. 299). 3. ÉTICA, MORAL E DIREITO EM KANT Em Kant, Ética é a ciência das leis da liberdade, a Moral é a norma interna do agir e a norma jurídica a norma externa do agir. Tanto a Moral como o Direito (conjunto de normas jurídicas) fundamentam-se na liberdade. Na verdade, ambas são regras de conduta humana com base na Ética, sendo que no caso do Direito a liberdade, como autonomia, é exteriorizada através da coação que inexiste na Moral, uma vez que esta é norma interna. Para Kant é possível forçar alguém a fazer algo, mas é impossível forçar alguém a fazer algo por suas próprias razões, porque na Moral a coação é interna e no Direito, é externa. Outra diferença entre o Direito e a Moral observada implicitamente em Kant, é que o Direito, enquanto conjunto de imperativos hipotéticos, permite a racionalidade estratégica, desde que dentro de limites moralmente aceitáveis. Ou seja, o Direito tolera que o sujeito de uma ação pense antes de adotar uma conduta e este seria o aspecto subjetivo do imperativo hipotético. O aspecto objetivo seria a expressão do dever agir de determinada forma, como por exemplo, a norma que estabelece pena de reclusão para aquele que matar alguém (Direito). Assim, segundo Kant (apud Alexandre T. Gomes, 2003, p. 302): “Enquanto as normas jurídicas formam um conjunto de imperativos hipotéticos objetivos, as normas morais, desprovidas de sanção, são imperativos categóricos. Sendo assim, o sujeito, para agir moralmente, não pode pensar hipoteticamente.” Esta é a teoria coativista que entre que o direito difere da moral pela característica da coercitividade, uma vez que o Direito nem sempre é cumprido espontaneamente, havendo a possibilidade do uso da força. 4. A ÉTICA E A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A Filosofia do Direito é a última instância de justificação do Direito. Dedica-se ao estudo dos fundamentos de validade do Direito, tendo por questão principal a Justiça ou a legitimidade do Direito. (Alexandre T. Gomes, p. 303). Em Kant a Filosofia do Direito é uma parte da Ética, uma vez que esta, dedica-se ao fundamento do direito e também à fundamentação de outras normas do agir (moral). A Ética é a base da Moral e do Direito e ambas são necessários ao convívio em sociedade. A Moral, apenas, não basta uma vez que o homem, por vezes só age mediante coação. No entanto, o Direito ainda deve evoluir para garantir um convívio pacífico em sociedade pois se faz necessária a efetividade das normas jurídicas orientadas no princípio democrático. 5. LEGITIMAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DEMOCRÁTICOS Na Democracia, todos participam da produção do ordenamento jurídico, assim baseia-se na autonomia, ou seja, na liberdade do homem que dá a sim mesmo sua própria lei. Segundo José Souza e Brito, a Democracia é uma exigência da ética no direito, sendo que da articulação entre os princípios da igualdade e da liberdade, orientadas no sentido da dignidade humana, nasce o princípio do governo do povo pelo povo (“todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”). Ainda segundo esse autor (1998, p.149), a decisão majoritária , como único meio de dar valor á participação livre de cada um, “é uma exigência ética sempre que uma nova decisão é o resultado necessário da ação coletiva”. No entanto, no regime democrático a participação na produção legislativa através dos representantes escolhidos pelo povo, trata-se de uma legitimidade formal apenas, que não é suficiente para assegurar o caráter democrático. Para falar-se em um Estado Democrático é necessário um mínimo de conteúdo que devem ter as normas. A Constituição Federal apresenta, em seu conteúdo material, uma série de Direitos Fundamentais que se forem retirados do ordenamento jurídico, apenas porque foram cumpridos os procedimentos formais para tanto, implicaria em um retrocesso. Assim, é incontroverso o fato de que se necessita de um mínimo de conteúdo para que o Estado seja realmente Democrático. Para Souza Brito (1998, p. 150), “o sufrágio universal está na origem de toda a decisão democrática, mas não assegura o caráter democrático da decisão”. Caso contrário todas as decisões do povo tomadas direta ou indiretamente teriam caráter democrático o que não verdade, como comentado anteriormente. O referido autor conclui que “o caráter democrático de uma decisão depende, por um lado, da sua adoção direta ou indireta pela maioria, mas depende também da sua conformidade com as razões do próprio princípio democrático, isto é, da democracia como sistema de princípios”. Então, a conformidade com as razões do princípio democrático, seria o conteúdo mínimo, para que as normas possam ser legítimas, em um Estado dito democrático? Para a teoria kantiana, não basta que o direito seja produzido por um órgão que represente a vontade popular, deve haver legitimidade no imperativo categórico, pois nem toda a norma elaborada por um legislado democraticamente eleito, é uma norma jurídica justa. A norma deve passar pelo teste da universalização, ou seja, não suprimir os direitos de uma minoria, ainda que aprovados por uma maioria. A crítica ao conteúdo mínimo elaborado por Kant, concerne na impossibilidade de distinguir-se, em princípio, o justo do injusto, pela razão pura prática. Por seu turno, para superar os argumentos da Ética da liberdade kantiana, Apel e Habermas, defendem uma racionalidade comunicativa, atacando a liberdade como autonomia monológica. A autonomia deve ser dialógica, ou seja, através de um médium lingüístico onde todos possam dar seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais (Habermas, 1997). Assim para Habermas, sob o princípio moral, a validação de normas depende da aceitação por todos os interessados, porque então exprimem a vontade universal. A fundamentação é de ordem pragmático-linguística, segundo (Manfredo Oliveira, 1993, p. 22): “as normas são justificadas num discurso público, a posteriori, conduzido de acordo com o princípio de validação normativa, pois a argumentação moral está fundamentalmente a serviço da solução consensual de conflitos na esfera de interações orientadas em normas que se radicam num consenso normativo rompido....Esse tipo de consenso exprime uma vontade comum: para chegar é necessário o esforço cooperativo.... A argumentação é tarefa comunitária...” Mas Alexandre T. Gomes (2003, p. 306), a linguagem não é suficiente para fornecer o conteúdo das normas morais ou jurídicas do agir humano. A linguagem não é capaz de definir o que são boas razões ou o que é um argumento racional. O autor não nega que a linguagem tem importante papel na ética. Mas afirma que ela sozinha não fornece o conteúdo das normas jurídicas. Ainda, Habermas em seus “Escritos sobre a Moralidade e a Eticidade” (1998, p. 131), sustenta que é possível haver a legitimidade por via da legalidade, uma vez que a automatização do sistema jurídico não pode significar uma desconexão completa entre Direito e Moral, por um lado e entre Direito e Política por outro. Muitas regras morais são positivadas como regras jurídicas ganhando coercibilidade externa. Os fins coletivos e as medidas políticas que os trazem à prática devem também, sua força vinculante, à sua forma jurídica. Desta forma, a moral se produz porque no Estado de Direito se faz uso do Direito Positivo como meio para distribuir cargas de argumentação e institucionalizar vias de fundamentação e justificação que se achem abertas em direção à argumentações morais. Para este autor: Um sistema jurídico só é autônomo na medida em que os procedimentos para a produção de normas e para a administração da justiça garantam uma formação imparcial do juízo e da vontade comum e por esta via permitam que penetre, tanto no direito como na política, uma racionalidade procedimental de tipo ético (Habermas, 1998. p. 168). No discurso do Estado Democrático de Direito o modelo habermasiano sustenta um entrelaçamento entre moral, política e direito, com ênfase em uma fundamentação moral, para que as normas jurídicas não ofendam princípios de justiça universais. Outro modelo de legitimação procedimental no Estado Democrático de Direito é fundamentado na Teoria dos Sistemas de Nicklas Luhmann. 6. TEORIA DOS SISTEMAS DE NIKLAS LUHMANN Luhmann (apud Habermas, 1980, p.112) classifica o sistema jurídico em sistema legal e sistema jurídico propriamente dito. O sistema legal é um sistema normativamente fechado, enquanto que o sistema jurídico é cognitivamente aberto, ou seja, estimulado pelas informações do ambiente. Isto não quer dizer que pelo fato do sistema legal constituir um sistema fechado, não mantém conexões com o meio ambiente. Para Luhmann, o sistema legal é aberto porque é fechado e é fechado porque é aberto. Com tal paradoxo o autor quer dizer que o sistema legal tem seu componente e sua própria forma de expressão na norma e opera determinando o que é lícito e ilícito, podendo haver influência política na legislação (sistema aberto), mas somente a lei pode modificar a lei (sistema fechado). Por conseguinte, segundo Luhmann (apud Habermas, 1980, p. 113), somente dentro do sistema legal a mudança das normas legais pode modificar a lei e é sempre a norma que decide quais fatos têm relevância legal ou não. É neste sentido que o sistema legal é fechado. Um sistema fechado não significa dizer que esse sistema não mantenha contatos com o ambiente. A sustentação de um sistema fechado sem suporte do ambiente não é a preocupação do estudo de Luhmann, mas sim, que tipo de operação interna capacita um sistema a formar uma rede que auto-reproduz seus elementos que se coliga a informações auto-geradas pelo sistema e que é capaz de distinguir sua necessidades internas daquilo que vê como problemas do ambiente (função do sistema). A visão sobre função do sistema para Luhmann é diversa da tradicional em que considera o sistema social com um todo composto por partes funcionalmente dispostas, de modo a manter o equilíbrio estável do sistema. Para Luhmann a unidade do sistema é produzida pelo fechamento operacional que não significa isolamento do ambiente, ele é condição para sua própria abertura. Os sistemas têm estruturas e elementos específicos que não encontram correspondentes no ambiente que os circunda. E é isto que permite a cada sistema construir sua complexidade interna (independência). Vale dizer: a autopoiese dos sistemas jurídico e político nada tem a ver com o isolamento lógico ou analítico do conceito de sistema. Logo, segundo Niklas Luhmann e Raffaele de Giorgi (apud Maturana, 1995, p. 21), sistemas autopoiéticos são aqueles que produzem não só suas estruturas, mas também os elementos de que se compõem, a partir da rede desses próprios elementos. Isto, significa a autonomia operativa do sistema. 7. ANÁLISE DOS MODELOS DE HABERMAS E LUHMANN Segundo Marcelo Neves, o conceito de legitimação procedimental está mais adequado na modernidade com relação aos modelos de Habermas e Luhmann, porque ambos associam a positividade do direito à realização do Estado Democrático de Direito. Nestes modelos , a positividade côo autonomia do direito só é aceitável mediante o desaparecimento da moral (que é enfatizada no modelo habermazeano). Tendo reconhecido a pluralidade dos valores, Habermas interpreta a racionalidade discursiva ou procedimental do Estado Democrático de Direito como forma de construção de consenso na esfera pública. Por sua vez, Luhmann “interpreta os procedimentos eleitora, legislativo,judicial e administrativo do Estado de Direito como mecanismos funcionais de seleção, filtragem e imunização das influências contraditórias do meio ambiente sobre os sistemas político e jurídico” (Marcelo Neves, 2001 ,p. 143). Mas os valores e interesses provocam um dissenso que influenciam os procedimentos democráticos do Estado de Direito (princípio da legalidade) uma imposição e uma exigência normativa da sociedade moderna. Ao analisar as afirmativas e as objeções dos modelos de Habermas e Luhmann, Marcelo Neves conclui que: O Estado Democrático de Direito, diante de uma esfera pública pluralista, legitima-se enquanto é capaz de, no âmbito político-jurídico da sociedade supercomplexa da contemporaneidade, intermediar consenso procedimental e dissenso contenudístico e, dessa maneira, viabilizar e promover o respeito recíproco às diferenças, assim como a autonomia das diversas esferas de comunicação (2001, p. 154). Assim, ao intermediar consenso e dissenso com relação ao conteúdo, o Estado Democrático de Direito viabiliza a convivência diante das diferenças no campo jurídico-político em razão da complexidade da sociedade. 8. LEGITIMIDADE E A LEI GERAL DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (O SIMPLES NACIONAL) A esse passo após, a exposição teórica do tema observe-se o enfoque interessante sobre a legitimidade das normas jurídicas no regime democrático tomando-se uma norma tributária. Em 14 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei Complementar nº 123, denominada Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas que dentre outras disposições criou o Simples Nacional. O Simples Nacional reúne todos os impostos federais, estaduais e municipais num só, reduzindo a burocracia e a carga tributária para micro (com faturamento bruto anual até R$ 240 mil) e pequenas empresas (com faturamento bruto anual entre R$ 240 mil e R$ 2,4 milhões). Estão no Simples Nacional, atualmente, 3,2 [2] milhões de empresas . A Lei Geral levou quase três anos entre a elaboração e a sanção e foi discutida amplamente em quase todo o País em fóruns organizados por entidades de classe empresariais. Alguns Secretários de Fazenda dos Estados-membros e o Conselho de Política Fazendária – CONFAZ, foram contrários ao Simples Nacional sob o argumento de que implicaria na perda de receita dos Estados. O mesmo com relação aos Municípios. Em verdade, na prática, com o decorrer de mais de um ano de aplicação do Simples Nacional, também chamado de Super-Simples, demonstrou-se que, ao contrário do que previam as Secretarias das Receitas Estaduais e Municipais, a arrecadação aumentou. Dados da Receita Federal mostram que o recolhimento de tributos pelas empresas do Simples, assim como o restante da economia, teve crescimento em 2007. Após a partilha dos tributos, a União ficou com R$ 15,4 bilhões dos R$ 17,8 bilhões da arrecadação total do Super[3] Simples do ano passado, enquanto os estados ficaram com uma parcela de R$ 2,36 bilhões. Assim, a redução da carga tributária e da burocratização foi bom não só para os contribuintes, mas também, para a União, os Estados-membros e os Muncípios. No entanto, no aspecto formal a Lei Complementar 123/2006, ao instituir o Super-Simples, violou o art. 150 da Constituição Federal que fala sobre as limitações do poder de tributar quando dispõe que à União Federal é vedado instituir isenções sobre tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Apenas o poder que criou o tributo (Poder tributante) pode dar benefícios fiscais sobre ele. Art. 151 É vedado à União: .................................................................... III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Por este motivo a FEBRAFITE – Federação Brasileira de Associações de Fiscais Estaduais moveu, junto ao Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI / 3910). Caso o Super-Simples seja julgado inconstitucional haverá um retrocesso nas questões de reforma tributária. É certo que o Projeto de Lei antes de ser aprovado deveria ter buscado o consenso de órgãos representantes dos Estados (o CONFAZ) e dos Municípios. Por outro lado, consenso neste caso seria difícil porque jamais os Estados e Municípios acreditaram que a redução na carga tributária incorreria no aumento da arrecadação. Eticamente a legitimidade de tal norma tributária exigiria o cumprimento formal e material expressos na reunião e no consenso entre todos os envolvidos. No entanto, apesar de não ter ocorrido o cumprimento de nenhum dos aspectos, a aplicação da Lei do Super-Simples apresentou dados cumprem os direitos fundamentais previstos na Ordem Econômica e Social, como o tratamento adequado às micro e pequenas facilitando a concorrência, a busca pelo pleno emprego e o desenvolvimento econômico (art. 170 da Constituição Federal de 1988). Neste caso, é possível dizer-se que não há legitimidade em qualquer aspecto? Ou será que a legitimação da norma tributária em questão está ocorrendo a posteriori à publicação da norma, com os efeitos de sua aplicação? Há solução para o impasse causado? Acreditamos que não há dúvida de que a norma em exame é inconstitucional por violar o art. 151 da Constituição Federal de 1988. Mas é possível reverter a situação regularizando-a através da manifestação formal de órgãos que representem a maioria dos Estados – membros como o CONFAZ e dos Municípios, pois comprovando-se o aumento da arrecadação não há porque referendar a criação do Simples Nacional. Assim estariam sanados os vícios formais e o mínimo de conteúdo exigidos pelo Estado Democrático. 9. CONCLUSÃO A legitimidade tem por base a Ética por ser também fundamento das regras de conduta, como o Direito. E um Estado Democrático de Direito não basta o respeito à forma do procedimento legislativo para reconhecer – se a legitimidade de uma norma jurídica, há que ter um mínimo de conteúdo originário do consenso de todas as partes envolvidas. Para tanto, faz-se necessário o esforço para a participação de todos os cidadãos interessados direta e indiretamente, especialmente em assuntos que envolvam direitos fundamentais. A falta de legitimidade da norma em um Estado de regime democrático, além de descaracterizar a democracia, implica na ausência de ética que é a base das regras de conduta. REFERÊNCIAS: GOMES, Alexandre Travessoni. Ética, Direito e Paz Perpétua. In: MERLE, Jean-Christophe e MOREIRA, Luiz (orgs.). Direito e Legitimidade. São Paulo: Landy, 2003. pp. 298-308. HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia. Entre Faticidade e Validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vol. I. cap. III. ___________ ¿Como es posible la legitimidad por via de legalidad? In: HABERMAS, Jürgen. Escritos sobre moralidad y eticidad. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1998. (pp. 131-172.) MATURANA, Humbert. Teoria della Societá. 7 ed. Milano: Franco Angeli, 1995. NEVES, Marcelo. Do consenso ao dissenso: o Estado democrático de direito a partir e além de Habermas. In: SOUZA, Jessé (org.). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Editora Universidade de Brasília (UnB), 2001, pp. 143. OLIVEIRA, Manfredo A. de. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993. (A ética do discurso: KO. Apel e J. Habermas, pp. 09-39.) SOUSA E BRITO, José de. Razão Democrática e Direito. In : ALVES, João Lopes (coord.). Ética e o Futuro da Democracia. Lisboa: Edições Colibri, 1998. p. 143-150. [1] Advogada, mestranda em Direito Negocial na Universidade Estadual de Londrina-PR, graduada em Direito pela PUC-PR, graduada em Economia pela UFPR, pós – graduada em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC e em Processo Civil pela PUC-PR, Membro do Instituto de Direito Tributário de Londrina. [2] Site : http://www.estadao.com.br/economia/not_eco215209,0.htm. Jornal O Estado de São Paulo 31 de julho de 2008, 15:03 . Acesso em03/08/2008. [3] Por Alexandro Martello - G1-Economia e Negócios, site: http://www.administradores.com.br/noticias/arrecadacao_do_simples_sobe_para_r_17_8_bilhoes_em_2007/13824/ - 18 de janeiro de 2008 – acesso em 03/08/2008.