CURSO DO MÊS DA BÍBLIA 5ª aula – Aula final Uma despedida inesquecível – Mt 26,17-19 / Mc 14,12-17 / Lc 22,7-13 / Jo 13,1 Jesus sabe que suas horas estão contadas. Mesmo assim, não pensa em esconder-se ou fugir. O que faz é organizar uma ceia especial de despedida com seus amigos e amigas mais próximos. É um momento grave e delicado para ele e para seus discípulos: Jesus quer vivê-lo em toda a sua profundidade. Consciente da iminência de sua morte, Jesus precisa compartilhar com os seus a sua confiança total no Pai inclusive nesta hora. Quer prepara-los para um golpe tão duro; sua execução não deve mergulhá-los na tristeza ou no desespero. Precisam compartilhar juntos as interrogações que nascem em todos eles: o que vai ser do reino de Deus sem Jesus? O que devem fazer seus seguidores? Onde irão alimentar daí por diante sua esperança na vinda do reino de Deus? Ao que parece, não se trata de uma ceia pascal. É verdade que algumas fontes indicam que Jesus quis celebrar com seus discípulos a ceia da Páscoa, na qual os judeus comemoram a libertação da escravidão egípcia. No entanto, ao descrever o banquete, não se faz uma única alusão à liturgia da Páscoa, nada se diz do cordeiro pascal nem das ervas amargas que se comem nessa noite, não se recorda ritualmente a saída do Egito, tal como estava prescrito. Por outro lado, é impensável que nessa mesma noite em que todas as famílias estavam celebrando a ceia mais importante do calendário judaico, os sumo-sacerdotes e seus ajudantes largassem tudo para ocuparse com a detenção de Jesus e organizar uma reunião noturna com a finalidade de ir formalizando as acusações mais graves contra ele. Parece mais verossímil a informação de outra fonte que situa a ceia de Jesus antes da festa da Páscoa, porque nos diz que Jesus é executado à véspera da Páscoa. Assim, portanto, não parece possível estabelecer com segurança o caráter pascal da última ceia. Provavelmente Jesus peregrinou até Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus discípulos, mas não pôde levar a cabo seu desejo, pois foi detido e justiçado antes de chegar essa noite. No entanto, teve tempo sim para celebrar uma ceia de despedida. Em todo caso, não é uma refeição comum, mas uma ceia solene, a última de tantas outras que eles haviam celebrado pelas aldeias da Galileia. Beberam vinho, como se fazia nas grandes ocasiões; cearam reclinados para poder conversar mais tranquilamente após a refeição, e não sentados como faziam todos os dias. ................. Nessa noite Jesus não se retira para Betânia (onde costuma se hospedar na casa de Lázaro, Marta e Maria, seus amigos) como nos dias anteriores. Permanece em Jerusalém. Sua despedida deve ser celebrada na cidade santa. Os relatos dizem que celebrou a ceia com os Doze, mas não precisamos excluir a presença de outros discípulos e discípulas que vieram com ele em peregrinação. Seria muito estranho que, contra seu costume de compartilhar sua mesa com todo tipo de pessoas, inclusive pecadores, Jesus adotasse de repente uma atitude tão seletiva e restrita. Comunhão fraterna – Mc 14,22-25 / Lc 22,1-20 Jesus vivia as refeições e ceias que fazia na Galileia como símbolo e antecipação do banquete final no reino de Deus. Todos conhecem essas refeições animadas pela fé de Jesus no reino definitivo do Pai. É um de seus traços característicos enquanto percorre as aldeias. Também nesta noite, aquela ceia leva-o a pensar no banquete final do reino. Dois sentimentos invadem Jesus. Primeiro, a certeza de sua morte iminente; não o pode evitar: aquela é a última taça que irá compartilhar com os seus; todos o sabem: não devem alimentar ilusões. Ao mesmo tempo, sua confiança inquebrantável no reino de Deus, ao qual dedicou sua vida inteira. Fala com clareza: “Asseguro-vos: já não beberei mais do fruto da videira até o dia em que o beber, novo, no reino de Deus”. ................................................. Um dia Jesus sentar-se-á à mesa para celebrar, com uma taça nas mãos, o banquete eterno de Deus com seus filhos e filhas. Beberão um vinho “novo” e compartilharão juntos a festa final do Pai. A ceia desta noite é um símbolo. Movido por esta convicção, Jesus dispõe-se a animar a ceia transmitindo a seus discípulos sua esperança. Começa a refeição seguindo o costume judaico: põe-se em pé, toma o pão nas mãos e pronuncia, em nome de todos, uma bênção a Deus, à qual todos respondem dizendo “amém”. Depois parte o pão e vai distribuindo um pedaço a cada um. Todos conhecem aquele gesto. Provavelmente viram Jesus fazê-lo mais de uma vez. Sabem o que significa aquele rito da pessoa que preside a mesa: ao obsequiá-los com este pedaço de pão, Jesus faz chegar a eles a bênção de Deus. Como ficavam impressionados quando ele o dava aos pecadores, arrecadadores de impostos e prostitutas! Ao receber aquele pão, todos se sentiam unidos entre si e com Deus. Mas naquela noite Jesus acrescenta umas palavras que dão um conteúdo novo e insólito a seu gesto. Enquanto distribui a eles o pão, vai dizendo-lhes estas palavras: “Isto é meu corpo (Mc 14,22 – Corpo, em aramaico, significa a “pessoa concreta”, “eu mesmo”). Eu sou este pão. Nestes pedaços vede-me a mim entregando-me até ao fim, para fazer chegar a vós a bênção do reino de Deus”. O que sentiram aqueles homens e mulheres ao ouvir pela primeira vez estas palavras de Jesus? Surpreende-os muito mais o que Jesus faz ao acabar a ceia. Todos conhecem o rito costumeiro. Pelo final da refeição, aquele que presidia a mesa, permanecendo sentado, tomava na mão direita uma taça de vinho, mantinha-a a um palmo de altura sobre a mesa e pronunciava sobre ela uma oração de ação de graças pela refeição, à qual todos respondiam “amém”. Em seguida bebia de sua taça, o que servia de sinal aos outros para que cada um bebesse da própria taça. No entanto, naquela noite Jesus muda o rito e convida seus discípulos e discípulas a beberem todos de uma única taça: a sua! Todos compartilham essa “taça de salvação” abençoada por Jesus. Nessa taça que vai sendo passada e oferecida a todos, Jesus vê algo “novo” e peculiar que ele quer explicar: “Esta taça é a nova Aliança em meu sangue (Lc 22,20). Minha morte abrirá um futuro novo para vós e para todos”. Jesus não pensa só em seus discípulos mais próximos. Neste momento decisivo e crucial, o horizonte de seu olhar se torna universal: a nova Aliança, o reino definitivo de Deus será para muitos, “para todos”. Com estes gestos proféticos da entrega do pão e do vinho, compartilhados por todos, Jesus transforma aquela ceia de despedida numa grande ação sacramental, a mais importante de sua vida, a que melhor resume seu serviço ao reino de Deus, a que ele quer deixar gravada para sempre em seus seguidores. Que continuem vinculados a ele e que alimentem nele sua esperança. Que o recordem sempre entregue a seu serviço. Ele continuará sendo “aquele que serve”, aquele que ofereceu sua vida e sua morte por eles, o servo de todos. Assim ele está agora no meio deles naquela ceia e assim quer que o recordem sempre. O pão e a taça de vinho hão de evocar para eles, antes de mais nada, a festa final do reino de Deus; a entrega desse pão a cada um e a participação na mesma taça lhes trarão à memória a entrega total de Jesus. “Por vós”: estas palavras resumem bem o que foi sua vida a serviço dos pobres, dos enfermos, dos pecadores, dos desprezados, das oprimidas, de todos os necessitados... Estas palavras expressam o que vai ser agora sua morte: ele “desejou ardentemente” oferecer a todos, em nome de Deus, acolhida, cura, esperança e perdão. Agora entrega sua vida até à morte, oferecendo a todos a salvação do Pai. Foi assim a despedida de Jesus, que ficou gravada para sempre nas comunidades cristãs. Seus seguidores não ficarão órfãos; a comunhão com ele não ficará interrompida por sua morte; manter-se-á até que um dia bebam todos juntos a taça do “vinho novo” no reino de Deus. Não sentirão o vazio de sua ausência: repetindo aquela ceia poderão alimentar-se de sua lembrança e de sua presença. Ele estará com os seus, sustentando sua esperança; eles prolongarão e reproduzirão seu serviço ao reino de Deus até o reencontro final. De maneira germinal, Jesus está traçando, em sua despedida, as linhas-mestras de seu movimento de seguidores: uma comunidade alimentada por ele mesmo e dedicada totalmente a abrir caminho para o reino de Deus, numa atitude de serviço humilde e fraterno, com a esperança posta no reencontro da festa final. O Lavapés – Jo 13,4-17 Além de tudo isso, Jesus faz também um novo sinal convidando seus discípulos ao serviço fraterno. O evangelho de João diz que, num determinado momento da ceia, Jesus levantou-se da mesa e “pôs-se a lavar os pés dos discípulos”. De acordo com o relato, ele o fez para dar exemplo a todos e dar-lhes a entender que seus seguidores deveriam viver em atitude de serviço mútuo: “Lavando-vos os pés uns dos outros”. ...... O gesto é insólito. Numa sociedade onde o papel das pessoas e dos grupos está perfeitamente determinado, é impensável que o comensal de uma refeição festiva, e menos ainda o que preside a mesa, se ponha a realizar esta tarefa humilde reservada a servos e escravos. De acordo com o relato, Jesus deixa seu lugar e, como um escravo, começa a lavar os pés dos discípulos. Dificilmente se pode pintar uma imagem mais expressiva daquilo que foi sua vida e daquilo que ele quer deixar gravado para sempre em seus seguidores. Repetiu-o muitas vezes: “Quem quiser ser grande entre vós será vosso servidor; e aquele que quiser ser o primeiro entre vós será o escravo de todos”. Jesus o expressa agora plasticamente nesta cena: limpando os pés dos discípulos, está atuando como servo e escravo de todos; dentro de algumas horas morrerá crucificado, um castigo reservado sobretudo a escravos. Bibliografia: Texto extraído do livro “Jesus – Aproximação Histórica” – de José Antonio Pagola – 2010 - Editora Vozes. ____________________________________________________________________________________________________________________________ Conclusão Ao longo do nosso curso, refletindo as palavras do mestre Pagola, que nos ajudou a compreender melhor o significado de sermos discípulos missionários, pudemos descobrir um novo modo de ser cristão, não um cristão de rótulo, de faixa, que ostenta uma aparência muitas vezes austera e sisuda, que sabe repetir palavra por palavra muitos versículos bíblicos, mas que esconde uma embalagem vazia por dentro. Não, o verdadeiro cristão não ostenta nada, ele vive imerso na experiência do encontro com Jesus, que transformou sua vida e moldou o seu ser. Ele segue os passos de Jesus no seu dia a dia, sem duvidar ou titubear, ele simplesmente se entrega totalmente ao serviço ao próximo, seja esse próximo quem for. Ele não pede nada em troca, não faz nenhuma exigência, não espera nenhuma retribuição. Ele age movido por um único motivo: o amor pelo outro. Um amor diferente; um amor livre de convenções, livre de preconceitos, livre de expectativas; um incondicional, puro e verdadeiro. Um amor que vem de Deus. É esse amor, transformador, que vai moldando o cristão verdadeiro em discípulo missionário. É por esse amor que o discípulo assume a sua missão de servir, indo ao encontro do outro. É com esse amor que ele acolhe a todos sem distinção e se solidariza com os mais necessitados, sejam as necessidades econômicas, morais, sociais, psicológicas ou espirituais. É em nome desse amor que o cristão discípulo missionário se empenha no serviço ao próximo. Só pode se considerar verdadeiro discípulo missionário aquele que trilhou, passo a passo, o caminho que foi aberto por Jesus para todos. Finalizando este curso, deixo para vocês refletirem estas perguntas: 1. Meu encontro com Jesus foi um encontro verdadeiro, que despertou em mim a curiosidade de descobrir mais sobre Ele e seu modo de ser e de viver, ou apenas me contento em vê-lo passar ao largo e fico a olhar, apenas admirando sua pessoa? 2. A experiência do encontro com Jesus transformou a minha vida profundamente, moldando minha forma de viver e meu agir por meio da conversão cotidiana? 3. Essa conversão me animou a seguir os passos de Jesus, espelhando seu amor com meu testemunho de vida? 4. Vivo a comunhão fraterna que é fruto da comunhão com Jesus? 5. Assumo a missão cristã de ser discípulo missionário com disponibilidade e amor, fazendo transparecer a minha fé nas minhas atitudes e gestos, antes das palavras? Este é apenas o começo. Desejo a todos uma boa caminhada e uma feliz chegada. Maria Aparecida de Cicco