Risco de modelo e as suas implicações na gestão de riscos, política macroprudencial e regulação financeira A previsão do risco é fundamental para a política macroprudencial, regulação financeira e as operações das instituições financeiras. Como consequência, a precisão das previsões dos modelos de risco, ou a análise do risco de modelo, deve ser uma preocupação fundamental para quem os utiliza. Surpreendentemente, este não parece ser o caso. As práticas atuais da indústria e a orientação regulatória negligenciam o risco que os modelos representam, ainda que o problema venha sendo tratado na literatura (ver, por exemplo, Hendricks 1996 e Berkowitz e O'Brien, 2002). Adicionalmente, a literatura existente sobre risco de modelo geralmente limita-se à análise de backtesting. Nossa pesquisa recente (Danielsson et al. 2014) avalia a precisão das metodologias comumente aceitas para a previsão de risco de mercado. A conclusão é de que os riscos de modelo das abordagens existentes para risco mercado são de fato significativos nos períodos de crise. Momentos em que a acurácia é extremamente necessária. Este diagnóstico aplica-se também à gestão de risco de mercado pelas instituições financeiras e às metodologias de previsão de risco sistêmico que se baseiam em dados de mercado. Modelo de análise de risco A prática mais comum para a apuração da eficiência dos modelos de risco é a análise de backtesting - uma maneira um tanto quanto informal para a avaliação do risco de modelo. Contudo, tal abordagem não é uma boa alternativa para se capturar o risco de modelo. Sendo altamente dependente de premissas duvidosas sobre a distribuição estatística das variáveis financeiras – das quais não se dispõe dados suficientes para verificar. Na prática, a análise tende a ser focada em critérios simplistas, como a frequência de exceções aos níveis de quantis, ao invés de estatísticas mais complexas, mas potencialmente importantes como a análise de clusters de volatilidade. Efetivamente, a análise de backtesting não permite a comparação entre os modelos. A maneira mais simples de fazê-la, sem entrar em atoleiros estatísticos ou armadilhas de dados, é olhar para o nível de desacordo entre os modelos considerados. Este nova abordagem, determinamos como risk ratios. Isto implica a aplicação de uma série de metodologias comuns de previsão de risco para determinados ativos em um mesmo momento, e, em seguida, calcular a razão entre o máximo e o mínimo risco das previsões. Como os modelos subjacentes passaram por algum critério de avaliação pelas autoridades e instituições financeiras e podem ser considerados como reputáveis para a previsão de risco, a abordagem fornece uma simples para se capturar o risco de modelo. Supondo a existência de um número verdadeiro que represente o nível latente de risco e que o mesmo possa ser previsto com base em uma série de bons modelos, o risk ratio deveria ser próximo a um. Quando o risk ratio diferir fortemente de um, este número captura o grau de discordância dos vários modelos, proporcionando uma medida sucinta de risco do modelo. Aplicação dos modelos de risco de mercado Comparamos seis metodologias que comumente são utilizadas para a apuração do risco: (1) simulação histórica, (2) média móvel, (3) média móvel exponencialmente ponderada, (4-5) duas variantes populares do modelo GARCH, e (6) modelo da teoria dos valores extremos. Os modelos podem ter comportamentos explosivos, especialmente durante as crises financeiras. Nesses momentos, quando utilizados os critérios de Basileia II para risco de mercado, o risk ratio excede muitas vezes a 10 e sob os critérios propostos por Basileia III podese elevar ainda mais. Isto significa que um analista de risco, utilizando dois modelos no estado da arte para previsão do risco de mercado, ambos aprovados pela análise de backtesting, poderia chegar a estimativas distintas como US$ 1 e US$10 para um mesmo portfólio. Implicações para a regulamentação do risco de mercado A constatação de que os modelos de previsão de risco funcionam na maior parte das vezes bem, mas tendem a exibir problemas nos períodos de turbulência, não é necessariamente tão importante quanto o objetivo original do uso dos modelos (gestão do risco de mercado). As instituições financeiras estão mais preocupadas com a gestão diária do que com o risco sistêmico e o do risco de cauda. Entretanto, níveis elevados de risco de modelo devem ser motivo de preocupação para os profissionais e reguladores. Afinal de contas, os resultados dos modelos de previsão de risco são utilizados como insumo importante nas tomadas de decisão, sejam elas de alocação de carteira ou alocação de capital. Em última análise, isso lança dúvidas sobre a conveniência de se confiar demasiadamente na sensibilidade ao risco na estruturação da regulamentação. Aplicação para modelos de risco sistêmico Uma grande classe dos métodos de previsão e identificação de riscos é fundamentalmente dependente dos modelos mais utilizados de risco de mercado e baseados nas informações de mercado. Assim, espera-se que os resultados empíricos sobre o desempenho dos modelos de risco de mercado possam ser aplicados igualmente a cada um deles. Empiricamente, verificou-se que os modelos de riscos sistêmicos estão de fato sujeitos a um risco de modelo semelhantemente aos de risco de mercado. As previsões não só são dependentes do modelo subjacente de risco de mercado, mas também do risco de modelo das medidas de risco de mercado que é repassado para as medidas de risco sistêmico. Consequentemente, o risco de modelo nas abordagens para o risco sistêmico baseadas em dados de mercado é alto, especialmente durante os períodos de crise. É um motivo particular de preocupação que os métodos estatísticos explicitamente projetados para a análise de risco sistêmico, em momentos de turbulência, exibam de forma considerável risco de modelo. Em outras palavras, dados de mercado baseados nos métodos de identificação e previsão de risco sistêmico falharão no momento em que mais serão necessários. Razões para o mau desempenho Há duas razões regulamentares aprovadas por que esses modelos tenham uma má performance: • Em primeiro lugar, as crises financeiras são raras, e assim dificilmente podem transformar-se em uma amostra de dados. Isso significa que precisam ser feitas hipóteses fortes sobre os processos estocásticos que regem os preços de mercado e que muito provavelmente não são verificadas nos momentos em que a economia transita de um período calmo para um de crise. Pode-se usar uma crise particular para a calibragem – frequentemente utiliza-se a crise de 2008 – mas é improvável que uma única observação tenha um bom desempenho fora da amostra. Apesar de que as crises sejam onipresentes, os seus efeitos não são homogêneos. • Em segundo lugar, os modelos financeiros tendem a assumir que as crises são o resultado de choques exógenos - como se um asteroide atingisse os mercados e os seus participantes não tivessem nada a ver com isso. Talvez, esta seja a falha mais gritante. Como argumentado por Danielsson et al. (2009), o risco de fato é endógeno, criado pela interação entre os participantes do mercado e seu desejo de desviar dos sistemas de controle de risco. Como os tomadores de risco e os reguladores aprendem ao longo do tempo, a dinâmica dos preços muda, frustrando ainda mais previsão de riscos. Conclusão O arcabouço da regulação financeira e a gestão interna de risco das instituições financeiras cada vez mais se baseiam nos métodos estatísticos de previsão de risco. Surpreendentemente, dado o papel central atribuído aos modelos de previsão de risco, a precisão dos modelos tem sido frequentemente contestada, como por exemplo, a incapacidade deles em identificar a acumulação de risco no período anterior ao ano de 2007. Nossa pesquisa formal para o risco de modelo nas abordagens para risco de mercado dá suporte para tais críticas. Os modelos do “estado da arte” atuais estão realmente sujeitos a um grau significativo de risco de modelo. Esse risco é alto, especialmente durante os períodos de turbulência do mercado e crises financeiras. Os altos níveis de risco de modelo inerentes à previsão de modelos existentes de risco de mercado deixam aberta a possibilidade de que forma imperceptível o risco de mercado possa estar sistematicamente sub-ou superavaliado. Isso pode levar a erros dispendiosos, tais como níveis inadequados de tomada de riscos e o erro de cálculo do capital ponderado pelo risco. A lição para os gestores de risco, reguladores e formuladores de políticas é de que os modelos precisam ser encarados com ceticismo. A análise formal do risco de modelo deve ser uma parte do processo da concepção geral da regulação do risco de mercado. Tal análise deveria ser estendida para além da publicação da versão final das regulamentações como Basileia III, de modo que as metodologias fundamentais no processo de regulamentação devam ser atualizadas conforme haja o aprimoramento da metodologia da previsão de risco subjacente. Isso deve incluir a escolha de medidas de risco, níveis de probabilidade, o tamanho da amostra, da transformação da amostra, e de eventos condicionados de cauda em adição aos modelos estocásticos subjacentes. Jon Danielsson, Director of the ESRC funded Systemic Risk Centre, London School of Economics (LSE); Kevin James, Economist, UK Financial Conduct Authority; Research Fellow at the Financial Markets Group and the Systemic Risk Centre, LSE; Marcela Valenzuela, Assistant Professor, University of Chile; e Ilknur Zer, Economist, Board of Governors of the Federal Reserve System. Artigo originalmente publicado em http://www.voxeu.org/article/model-risk-risk-measureswhen-models-may-be-wrong , 08 de junho de 2014. Tradução e adaptação da Assessoria Econômica da ABBC. Referências Berkowitz, J and J O’Brien (2002), How accurate are value-at-risk models at commercial banks?, Journal of Finance, 57: 977–987. Danielsson, J, K James, M Valenzuela, and I Zer (2014), Model Risk of Risk Models, Federal Reserve Board Finance and Economics Discussion Series, 2014-34. Danielsson, J, H S Shin, and J-P Zigrand (2009), Modelling financial turmoil through endogenous risk, VoxEU.org, 11 March. Hendricks, D (1996), Evaluation of value-at-risk models using historical data, Technical report, Federal Reserve Bank of New York Economic Policy Review, April.