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CADERNOS DE ESTUDOS JURÍDICOS MATER DEI
ÓRGÃO DE DIVULGAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO
CORPO DISCENTE DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE MATER DEI
ISSN 1677-3454
COMPOSIÇÃO
DIRETOR GERAL DA
FACULDADE MATER DEI : DR.
EDITOR :
GUIDO VICTOR GUERRA
PROF. FLORI ANTONIO TASCA
SUPERVISOR EDITORIAL : PROF. DIRCEU ANTONIO RUARO
CONSELHO EDITORIAL :
PROF. ALCIONE LUIZ PARZIANELLO
PROF. ANDREY HERGET
PROFª.ANGÉLICA SOCCA CESAR RECUERO
PROF. ANTONIO GERALDO SCUPINARI
PROF. CÁSSIO LISANDRO TELLES
PROF. CELIO ARMANDO JANCZESKI
PROF. EDGAR DOMINGOS MENEGATTI
PROF. ERLON ANTONIO MEDEIROS
PROF. FERNANDO ELEUTÉRIO
PROF. FRANCISCO ADILSON DE ALMEIDA FILHO
PROF. GENÍRIO JOÃO FÁVERO
PROF. GÉRI NATALINO DUTRA
PROF. JEDERSON SUZIN
PROF. JORGE DA SILVA GIULIAN
PROF. JUAREZ MATIAS SOARES
PROF. LEONARDO RIBAS TAVARES
PROFª.MAGDA DEMARTINI TASCA
PROF. NILSON DE FARIAS
PROF. NORIVAL JOÃO CENCI
PROF. RODRIGO CORONA MENEGASSI
PROF. RUDI RIGO BÜRKLE
PROFª.SILVANA DE MELLO GUZZO
SECRETÁRIA EDITORIAL : MARISOL TOMASINI DUTRA
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REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA : PROFª. SETEMBRINA ZUCCHI NUNES
VERSÃO DOS RESUMOS PARA A LÍNGUA INGLESA : PROFª. THELMA BELMONTE
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
EDITORIAL
IMUNIDADE PARLAMENTAR: TRIBUNOS DA PLEBE E CONGRESSISTAS
BRASILEIROS – ACADÊMICO DIRCEU DIMAS PEREIRA
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE : UMA LIÇÃO ROMANA – ACADÊMICA CLAUDIA
ZIPPIN FERRI
A PROPRIEDADE PARTICULAR
E O SEU FIM SOCIAL EM RELAÇÃO
À
PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE – ACADÊMICA ROSANI MARLY HADLICH
ULIANO
A CONDIÇÃO DA MULHER NO CASAMENTO – ACADÊMICA AQUILÉA
ADRIANA DE OLIVEIRA
FILIAÇÃO : VISÃO CRÍTICA A PARTIR DO DIREITO ROMANO – ACADÊMICA
RAQUEL TEIXEIRA DE LIMA
MERCOSUL E GLOBALIZAÇÃO – ACADÊMICAS RAFAELA CALGARO e
CLÁUDIA FRIGERI
O MERCOSUL INSERE O BRASIL NA GLOBALIZAÇÃO PELA PORTA DA
FRENTE? – ACADÊMICOS (AS) ELIZANGELA ROZANSKI, FERNANDO CALZA,
FRANCIELE DA ROZA COLA e LUIZ FERNANDO SCHUCHOVSKI
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APRESENTAÇÃO
A Faculdade Mater Dei apresenta com orgulho o primeiro volume dos
CADERNOS
DE
ESTUDOS
JURÍDICOS
MATER
DEI,
ÓRGÃO
DE
DIVULGAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO CORPO DISCENTE DO
CURSO DE DIREITO DA FACULDADE MATER DEI, publicado virtualmente na
home page da FACULDADE MATER DEI ( www.materdei.edu.br ), com inscrição
no ISSN de Brasília – DF, sob número 1677 – 3454, com periodicidade anual.
A publicação demonstra o compromisso da Faculdade Mater Dei com a
Educação Jurídica de qualidade, que proporcione aos Acadêmicos sólida
formação profissional, conjugando no processo educativo atividades de ensino,
pesquisa e extensão.
Ao lado da REVISTA JURÍDICA MATER DEI – ÓRGÃO DE
DIVULGAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO CORPO DOCENTE DO
CURSO DE DIREITO DA FACULDADE MATER DEI – a presente publicação
retrata o propósito do CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO DA
FACULDADE MATER DEI, de transpor o modelo tradicional de Curso Jurídico
que “reproduz o saber”, incentivando a “construção” e a “reconstrução” diuturna
do conhecimento jurídico.
A FACULDADE MATER DEI confia que a semente hoje plantada
renderá bons frutos, pois o compromisso de nossa Instituição extrapola a mera
formação de técnicos para o “mercado de trabalho”, sendo missão de nossa
Instituição “moldar o caráter cívico” dos Acadêmicos, ensejando a iniciação
científica, ferramenta indispensável na construção do conhecimento.
DR. GUIDO VICTOR GUERRA
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DIRETOR GERAL DA FACULDADE MATER DEI
EDITORIAL
Para além do simples “Ensino Jurídico”, o Curso de Bacharelado em
Direito da Faculdade Mater Dei objetiva proporcionar a seus Acadêmicos o
acesso a uma sólida “Educação Jurídica”, comprometida com o aprendizado
fundada em pesquisa, marca distintiva desta Instituição de Ensino Superior.
“Cadernos de Estudos Jurídicos Mater Dei” é a publicação que sintetiza
a produção dos Acadêmicos do Curso de Bacharelado em Direito,
desenvolvida durante as Disciplinas ofertadas como requisitos de avaliação e
incentivo à iniciação científica.
Os
trabalhos
são orientados
e selecionados
pelos respectivos
Professores das Disciplinas, servindo como exemplos das atividades docentes
desenvolvidas no Curso.
O “Órgão de Divulgação da Produção Científica do Corpo Discente do
Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Mater Dei” tem Conselho
Editorial (composto por todos os Docentes do Curso), com competência para
apreciar os textos indicados a publicação, dentre outras funções regimentais.
Com tal iniciativa, a Faculdade Mater Dei demonstra estar comprometida
com a excelência da Educação, concretizando os ideais enunciados no Projeto
do Curso que tramitou no MEC.
O Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Mater Dei é a prova
de que é possível aliar o ensino à pesquisa; é possível vencer o desafio da
busca de um processo educativo dinâmico e eficiente, no o Acadêmico seja
“construtor de seu próprio conhecimento”.
PROF. DR. FLORI ANTONIO TASCA
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PESQUISAS JURÍDICAS MATER DEI
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EDITOR DOS CADERNOS DE ESTUDOS JURÍDICOS MATER DEI
COORDENADOR DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO DA FACULDADE MATER DEI
ARTIGOS
IMUNIDADE PARLAMENTAR :
TRIBUNOS DA PLEBE E CONGRESSISTAS BRASILEIROS ( * )
DIRCEU DIMAS PEREIRA
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei. Vereador em Pato Branco-PR.
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Flori Antonio Tasca na disciplina Direito
Romano, do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O artigo trata da proteção dos parlamentares contra
possíveis abusos intentados contra ele pelos demais poderes do Estado
ou pelo próprio povo. O texto aborda aspectos históricos do tema,
analisando-o à luz do Direito Constitucional brasileiro. Fundado em
doutrina especializada, o autor ressalta a importância da Imunidade
Parlamentar para a garantia do processo legislativo, questionando seus
limites e sugerindo alternativas à sua aplicação, ressaltando que a
proteção é concedida aos representantes do povo, visando o melhor
exercício da função legislativa.
PARLIAMENTARY IMMUNITY : TRIBUNES OF COMMON PEOPLE
AND BRAZILIAN CONGRESSMEN – ABSTRACT - The article deals
with the protection of the legislative officers against possible abuses
intended against them by the other powers of the State or by the people
themselves. The text approaches historical aspects of the subject,
analyzing it under the light of the Brazilian Constitutional Law. Grounded
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on specialized doctrine, the author emphasizes the importance of the
Parliamentary Immunity for the guarantee of the legislative process,
questioning its limits and suggesting alternatives to its application,
pointing out that protection is granted to the representatives of the
people, aiming at the best exercise of the legislative function.
INTRODUÇÃO
A sociologia jurídica nos ensina que o direito acompanha a evolução das
sociedades e que nelas se insere como fato social capaz de influenciar a
evolução humana.
O homem, como ser socialmente organizado, tem necessidade de se
relacionar com seu semelhante e com o grupo ao qual se encontra vinculado. À
medida que esse grupo cresce, é necessário estabelecer-se um conjunto de
regras orientadoras dos comportamentos individual e social. Como todos tem o
direito de manifestar suas expectativas e opiniões, mas nem todos podem
participar
da
elaboração
da
norma,
que
não
permite
participação
excessivamente numerosa, elege-se representantes, em número razoável, que
em nome de seus representados têm legitimidade para legislar.
Na sociedade romana, no período da república, os plebeus viviam em
grande desvantagem em relação aos patrícios, tanto econômica como
politicamente. Em sinal de protesto organizaram uma grande greve e retiraramse da cidade. Sem mão-de-obra, a cidade ficou paralisada. Para solucionar o
problema, os patrícios enviaram um representante, para negociar a volta dos
trabalhadores às suas atividades. Como resultado, muitas reivindicações dos
plebeus foram atendidas pelos patrícios, nascendo daí, como uma das
conquistas mais importantes da época, a figura do tribuno da plebe, eleito para
representar o povo, no senado romano.
No início do século XIX, o pensador positivista francês Auguste Comte
prega a independência dos poderes do Estado. Devendo este compreender os
poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Aos poucos difundiu-se esta
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doutrina e hoje, a maioria dos Estados adota este sistema, incluindo-se entre
eles o Brasil.
O direito, atento à sua função reguladora dos interesses sociais, trata de
proteger esta relação que se estabelece entre representados e representantes
e destes com o poder ao qual está vinculado, assim como os demais poderes
do Estado.
Já no direito romano, os tribunos da plebe, que apareceram por volta do
século V a.C., gozavam de inviolabilidade e imunidade, o que se observa
atualmente, no direito brasileiro, que oferece imunidade parlamentar ao nosso
legislador.
No estudo do direito romano encontramos abordagens que mencionam a
distinção atribuída ao tribuno da plebe. O mesmo ocorre no direito brasileiro,
em relação ao nosso legislador.
Todavia, é preciso conhecer a finalidade de tal distinção. Interrogar a quem
ela interessa. Se tem sua origem no senso comum. Quais são os seus limites,
normativo e real. E por fim, qual a relação existente entre a concepção de
imunidade daquela época (República Romana) e da atual (Legislativo
Brasileiro).
Da mesma forma, um estudo completo do assunto exige uma abordagem
ampla, de todos os sistemas legislativos, que adotaram e adotam a imunidade
parlamentar como instrumento de proteção ao legislador, ao longo da história
até os nossos dias, assim como a evolução do entendimento jurídico no
período. Desta forma, optou-se pela delimitação do tema a dois períodos bem
determinados, assim como a pesquisa será restrita ao tribuno da plebe, no
período da república romana e ao legislador brasileiro a partir da Constituição
Federal de 05/10/1988.
De modo geral, a pesquisa busca a compreensão e a identificação das
normas e da doutrina relativa ao tema. Em seu desenvolvimento pretende
levantar minuciosamente as situações em que o representante do povo
encontra-se amparado pela lei, assim como aquelas em que está sujeito à lei,
destacando os pontos divergentes entre diversos autores e especialistas do
direito, como forma de contribuir para uma análise crítica do sistema.
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Especificamente, a pesquisa fixar-se-á
no estudo do direito romano,
especialmente em sua história política, limitada à atuação e às prerrogativas do
tribuno da plebe. Em relação ao direito constitucional brasileiro, procurará
concentrar-se nas imunidades parlamentares de deputados e senadores, a
partir da CF/88, na expectativa de estabelecer relação e identificar influência do
direito romano sobre nosso direito, nesse particular.
As informações obtidas através de referências bibliográficas consultadas,
dão conta de que o magistrado romano e o legislador brasileiro são invioláveis
em seus atos, palavras, opiniões e votos. Em função disso não podem ser
acusados, presos, ou punidos.
Nas disposições doutrinárias, ilustres autores defendem a relevância da
medida, levando em conta, além da segurança do legislador, a sua liberdade
para exprimir a vontade de seus representados, mesmo que para isso precise
transigir com o poder do Estado e que nesta função lhe seja imperioso
expressar opiniões fundadas em informações confidenciais, que lhe forem
confiadas. Renomados juristas discutem, em certa medida, os limites
determinados pela norma, apresentando uma perspectiva sobre a qual se pode
vislumbrar os aspectos positivos e negativos do dispositivo, permitindo em
tese, a propositura de alternativas para sua adequação.
No mundo contemporâneo, em que a grande maioria dos países adota o
sistema de governo composto pelos três poderes propostos por Comte, onde o
legislativo desempenha papel fundamental, pesquisar-se os aspectos da
imunidade parlamentar, é, sem dúvida, trazer à luz uma das mais antigas
preocupações do direito. Trata-se de descobrir, na norma positivada, a
manifestação da vontade popular, que deseja proteger seus representantes,
alcançando com isso objetivo bem maior: a proteção dos direitos coletivos.
O assunto interessa sobremaneira sob dois aspectos: enquanto se
propõe a estudar os aspectos jurídicos, depara-se ao mesmo tempo com o
processo
político
desenvolvido
pela
sociedade,
numa
convivência
interdependente, onde não se pode conceber a existência de um isolado do
outro.
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No exercício da cidadania, o homem precisa ter conhecimento de tudo o
que o direito coloca à sua disposição. Este, embora sendo dirigido ao
legislador, é também um direito do povo e como tal deve estar disponível ao
seu conhecimento. Como um dos objetivos da ciência do direito é estar em
constante evolução, a pesquisa pretende contribuir para a determinação da
necessidade de manutenção do sistema vigente ou da reformulação de
conceitos e modificação da norma.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O interesse pelo assunto fundamenta-se em duas premissas básicas,
quais sejam: a identificação da validade do Instituto como forma de proteger as
atividades dos parlamentares, e, a análise de seus atributos vinculados ao
questionamento
de
que
sua
existência
propicie
aos
beneficiados,
comportamentos nocivos à sociedade enquanto detentores de mandato,
mediante utilização em proveito próprio do benefício instituído.
Como não poderia deixar de ser, a base de sustentação teórica de um
trabalho desta natureza foi extraída de obras escritas por eminentes
doutrinadores, que se dedicam ao estudo da história do Direito, especialmente
do Direito Romano e suas relações com o Direito contemporâneo, assim como
estudiosos das relações dos poderes constituídos com os demais poderes e
com as pessoas de modo geral. Igualmente, buscou-se no Direito
Constitucional, brasileiro e comparado, especificamente na Carta Magna de
05/10/1988, a raiz da previsão legal determinada pelo legislador constituinte.
Para realização do trabalho procurou-se, inicialmente, identificar obras
que apresentassem referências à existência do Tribuno da Plebe, no sistema
político romano,
a forma pela qual eram conduzidos ao poder, suas
atribuições, prerrogativas e relações com os demais poderes e com o povo.
Referida pesquisa fundamenta-se na concepção de tratar-se o Tribuno da
Plebe, do primeiro representante do povo a gozar de inviolabilidade e
imunidade no desempenho de sua função. Na mesma trilha, buscou-se a
existência de obras que contemplassem o Instituto nos períodos do Império
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Romano e na Idade Média, encontrando referência ao mesmo apenas
superficialmente no final do Século XIV.
Aliás, tal referência sofre contestação, quando Wade afirma em sua obra
Direito Constitucional, que o exemplo aludido não se referia à Câmara dos
Comuns e que o mesmo “veio surgindo lentamente pela prática da política
inglesa, até afirmar-se definitivamente com o seu Bill of Rights de 1689”. A
partir daí,
constatou-se em diversas obras, referências às imunidades
parlamentares nos mais diversos países, entre eles a República Democrática
Alemã, a Bulgária, a União Soviética, a República Popular da China, entre
outros, fixando-se finalmente, no Direito Constitucional brasileiro, numa rápida
visão das constituições de 1824, 1891, 1934, 1967 e especialmente a de 1988,
cuja aplicação prática vivemos em nossos dias.
A pesquisa foi organizada através de fichamento das obras, análise de
pontos de vista dos autores e interpretação da idéia central dos textos,
objetivando identificar pontos convergentes e pontos divergentes, que
pudessem servir de base para a proposição de alternativas ao modelo vigente.
Em função das características do presente trabalho, até o momento não foi
possível a realização de pesquisa de campo, a qual poderá ser de grande valia,
notadamente se forem ouvidos ocupantes de mandato que estejam ou que
tenham estado no exercício dos mesmos e membros da comunidade que
expressem opinião devidamente embasada sobre o assunto. Convém ressaltar
que as informações encontradas e catalogadas são relativamente escassas,
porém, permitem a formação de um conceito sólido acerca do Instituto, bem
como a abertura de discussão em torno de sua aplicação e validade, de acordo
com as informações apresentadas a seguir.
ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E LEGISLATIVOS
Considerando o legado do Direito Romano, do qual o ocidente é herdeiro
cultural, extraímos da obra de CRETELLA JR., o seguinte:
“Situação da plebe e a figura do tribuno: ao passo que os patrícios
têm todas as regalias, a plebe, ao contrário, está em posição
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bastante desvantajosa, em Roma, principalmente, do ponto de
vista econômico e político. Como conseqüência, greve de grandes
proporções agita os plebeus, que se retiram, em massa, para o
monte sagrado. Sem a participação da parte mais numerosa e
trabalhadora da Cidade, esta entra em crise. Patrícios e plebeus
resolvem fazer um acordo, sendo atendidas diversas reivindicações
da plebe, a mais importante das quais é a criação do tribuno da
plebe, representante do povo, no senado romano. Criados em 494,
os tribunos da plebe eram magistrados plebeus, invioláveis,
sagrados, com o direito de veto contra decisões a serem tomadas.
Podem opôr-se até mesmo às decisões dos cônsules e dos
senadores. Não podem dormir fora de Roma e devem manter
sempre abertas as portas de suas casas, prontos para intervenção
imediata, a qualquer hora do dia ou da noite, a favor dos plebeus.
Têm a seu dispor o mesmo recurso que os cônsules – a intercessio
– podendo com esta colocar em crise a poderosa máquina do
Estado romano. O tribuno da plebe não pode ser acusado, preso,
nem punido. Tem imunidades totais, chamadas imunidades
parlamentares”. ( CRETELLA JR., 1988, p. 40 e 41).
Esta informação nos permite visualizar o Tribuno da Plebe no exercício
de seu mandato, na condição de representante do povo, revestido de
obrigações para com os seus representados, porém, gozando de prerrogativas
que lhe garantem proteção para o pleno exercício de suas funções. Ainda
acerca das características, atribuições e prerrogativas do Tribuno da Plebe,
encontramos em HARVEY:
"TRIBUNOS DA PLEBE: em Roma, originariamente em número de
dois, aumentados, posteriormente, para cinco e em seguida para
dez, eram magistrados de nascimento plebeu livre incumbidos de
proteger o povo, possuindo para isso o poder de veto, graças ao
qual podiam sustar a ação de qualquer ouro magistrado. Sua
pessoa
era inviolável. Esses tribunos tinham poderes para
convocar reuniões dos plebeus com o objetivo de discutir assuntos
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de interesse público a proporem mudanças na lei. Eram eleitos
anualmente , mas ignora-se o órgão que os elegia. Um patrício
podia tornar-se tribuno da plebe fazendo-se adotar por uma família
plebéia. Após a sua proeminência inicial, o tribunato perdeu sua
importância e passou a ser um instrumento do Senado, até reviver
em decorrência da ação dos Gracos.
Depois dessa fase ele
tornou-se uma fonte de grande inquietação para a classe
dominante. Sula reduziu-lhes os poderes restringindo o alcance do
veto e proibindo a promoção a cargos mais elevados de qualquer
cidadão romano que tivesse exercido o tribunato. Entretanto esses
privilégios foram restaurados, dentro dos dez anos seguintes à
morte de Sula, e os tribunos desempenharam um papel saliente na
proteção dos interesses de Júlio César, em Roma, durante sua
permanência na Gália, como governador. Na época imperial, os
imperadores receberam a tribunicia potestas, e os tribunos
propriamente ditos perderam toda a importância”. (HARVEY,
Dicionário Oxford de Literatura Clássica Grega e Latina, p.501).
Postas estas informações, é preciso encontrar, no Direito brasileiro
contemporâneo, o modelo de funcionamento dos poderes constituídos, quais
suas semelhanças e diferenças com o sistema político romano, notadamente
no que tange às imunidades. Inicialmente vamos encontrar referências na
Constituição da República, que em relação aos deputados e senadores
brasileiros, em seu Artigo 53, assim dispõe:
“Art. 53. Os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões,
palavras e votos.
[. . .]
§ 1º - Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua
Casa.
§ 2º - O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação
suspende a prescrição enquanto durar o mandato.
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§ 3º - No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão
remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que,
pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e
autorize, ou não, a formação de culpa.
§ 4º - Os Deputados e Senadores serão submetidos a julgamento
perante o Supremo Tribunal Federal.
§ 5º - Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar
sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do
mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam
informações.
§ 6º - A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores,
embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia
licença da Casa respectiva.
§ 7º - As imunidades de Deputados e Senadores subsistirão durante o
Estado de Sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois
terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos, praticados
fora do recinto do Congresso, que sejam incompatíveis com a execução
da medida”.
Tais disposições não permitem uma compreensão clara do propósito da
norma, estimulando o interessado a buscar em outras fontes, em especial na
doutrina, os elementos necessários ao seu entendimento. Importante
contribuição encontramos na obra de Luiz Roberto BARROSO, da qual
extraímos o seguinte:
“Imunidade material ou inviolabilidade:
a proteção constitucional
somente alcança os atos praticados pelo parlamentar no exercício de
seu mandato. A prerrogativa compreende, todavia, atos praticados fora
do Congresso, inclusive pela imprensa, desde que logicamente
vinculados com o exercício do mandato. Desde a expedição do diploma,
os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem
prévia licença de sua Casa. O depoimento prestado por membro do
14
Congresso Nacional a uma Comissão Parlamentar de Inquérito está
protegido pela cláusula de inviolabilidade.
Imunidade formal ou processual: a licença é a condição para instalação
do processo-crime. O indeferimento da licença ou a ausência de
deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato. No caso
de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos à Casa
respectiva, para que, pelo voto secreto resolva-se pela prisão e autorizese ou não a formação de culpa. Os deputados serão julgados pelo
Supremo Tribunal Federal. Os deputados e senadores não serão
obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em
razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações. A incorporação às Forças
Armadas de deputados e senadores, embora militares e ainda que em
tempo de guerra, dependerá de prévia licença de sua Casa respectiva.
As imunidades de deputados e senadores subsistirão durante o estado
de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos
membros da Casa respectiva, nos casos de atos, praticados fora do
recinto do Congresso, que sejam incompatíveis com a execução da
medida.(BARROSO, 1998, p. 164 a 167)”.
Na mesma linha, encontramos valorosos comentários a respeito do
assunto, demonstrando de forma clara, o seu entendimento, acerca do
dispositivo constitucional, na obra de Pinto FERREIRA, cujo pensamento pode
ser assim transcrito:
“História: sobre a origem das imunidades parlamentares, alguns
doutrinadores apontam o ano de 1397, na Inglaterra. Entretanto, o
instituto veio surgindo lentamente da prática política inglesa, para
afirmar-se plenamente vitorioso com o seu Bill of Rights de 1689. Da
Inglaterra o instituto se propagou para os Estados Unidos. No Brasil o
instituto existe desde a Constituição de 1824.
Imunidades da Constituição de 1988:
assegura inviolabilidade e
imunidade dos deputados e senadores. Estes são invioláveis por suas
opiniões, palavras e votos. Os membros do Congresso Nacional não
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podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem
processados sem prévia licença de sua Casa. O indeferimento da
licença suspende a prescrição enquanto durar o mandato.
As
imunidades subsistem durante o estado de sítio, só podendo ser
suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa
respectiva.
Democracias Marxistas: nenhum deputado do Soviet Supremo podia ser
processado na justiça nem preso sem o consentimento do Soviet e sem
permissão
do
Presidium.
Diversas
constituições
das
chamadas
Democracias marxistas garantiam as imunidades formais e materiais.
Direito Constitucional Moderno: trata-se de um instituto que tem plena
atualidade; distinguindo-se entre imunidade e inviolabilidade que, a
imunidade é uma prerrogativa pertencente aos senadores e deputados
de só serem processados com autorização da Casa Legislativa
respectiva, já a inviolabilidade é a exclusão de punibilidade de certos
atos de difamação, injúria e calúnia. Os vereadores não gozam de
imunidade parlamentar, somente de inviolabilidade.(FERREIRA, 1998, p.
345 à 347)”.
Talvez, a obra mais interessante acerca do dispositivo constitucional,
seja “Comentários à Constituição do Brasil” de Celso Ribeiro Bastos e Ives
Gandra Martins, na qual encontra-se definido o conceito de imunidade
parlamentar como sendo “o elemento preponderante para a independência do
Poder Legislativo”. É o dispositivo que assegura ao parlamentar as condições
necessárias ao bom desempenho de suas funções, para as quais é imperiosa a
plena liberdade de expressão (do pensamento, das palavras, da discussão, do
voto). São privilégios ou prerrogativas imprescindíveis ao mister condicional de
representar interesses alheios, e, conseqüentemente conflitivos e antagônicos
e o exercício da normal vida parlamentar. Define ainda que:
“para a incidência do princípio da imunidade material é
necessária a satisfação de dois requisitos: em primeiro lugar, o
crime por ele praticado há de ser no exercício do mandato; em
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segundo lugar, haverá de ser um daqueles crimes passíveis de
materialização por via de opiniões, palavras e votos”.
O dispositivo legal trata tanto da imunidade material quanto da
imunidade formal, sendo ambas definidas da seguinte forma: a primeira trata
da tipificação do crime, ou seja, tudo aquilo que for realizado em função do
exercício do mandato, que seria crime para o cidadão comum, não o é para a
parlamentar; a segunda trata de impedir que o parlamentar seja preso ou
processado, a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável. Observa
também, que a sustação da ação processual na vigência do mandato,
determinada pela não concessão da licença para o seu prosseguimento,
suspende também a prescrição, que passa a contar, a partir do momento da
extinção do mandato.
De posse do material acima referido, assim como de outras obras que
serviram de apoio, procurou-se deflagrar um processo de compreensão e
síntese, capaz de oferecer um julgamento consistente da operação do Instituto
bem como, uma nova visão de sua aplicação, no mundo contemporâneo.
PRINCÍPIOS DO INSTITUTO E SUA APLICAÇÃO
Retomando os termos Inviolabilidade e Imunidade Parlamentar, é
necessário estabelecer-se, inicialmente, a diferença entre ambas: a primeira se
refere às funções parlamentares, ou seja, a latitude da imunidade material,
aquela que impede a própria formação do caráter delituoso do comportamento;
a Segunda, protege os congressistas contra a prisão ou processo, que contra
eles possa se intentar.
Já no período da República Romana, os Tribunos da Plebe eram
invioláveis em suas funções. Perderam, aos poucos, suas prerrogativas e
deixaram de existir, no período imperial. Com o aparecimento das Câmaras ou
parlamentos, no final da idade média, início da idade moderna, reapareceram
as imunidades parlamentares, que se observam até o presente, guardadas as
características próprias de cada Nação.
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A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Artigo 53, trata
da inviolabilidade dos (Congressistas) Deputados e Senadores, atribuindo-lhes
a prerrogativa em relação às opiniões, palavras e votos. Dispõe ainda em seus
parágrafos, que os mesmos não podem ser presos ou processados, a não ser
em situações especiais, atribuindo-lhes foro especial para julgamento, o qual
ocorrerá, durante o exercício do mandato, somente com autorização da
respectiva casa. Observa ainda que, a imunidade é preservada, inclusive
durante o Estado de Sítio.
O princípio fundamental, que norteia a medida, é o de que, se deve
assegurar ao parlamentar a mais ampla liberdade de expressão, no
desempenho de sua função, protegendo-o contra possíveis abusos por parte
dos outros poderes ou do próprio povo.
Voltando ao conceito defendido por Comte, de que o Estado deve se
desenvolver por meio da subdivisão do poder em três áreas distintas,
executivo, legislativo e judiciário, porém harmônicos entre si, o questionamento
que se levanta é: por que há necessidade de um poder buscar proteção contra
o outro? Teriam o Executivo e o Judiciário poder de império em relação ao
legislativo?
Já foi possível observar que, nos governos absolutistas desapareceram
as imunidades. Neste caso a ocorrência é evidente, levando-se em conta a
inexistência de parlamento. Entretanto, quando este existe, verificamos
também, ainda que simbolicamente, a existência da proteção institucional ao
representante do povo. Em análise correlata, observa-se a preocupação do
legislador em proteger igualmente os funcionários do governo, ocupantes de
cargos integrantes de atribuições exclusivas de Estado. Tal preocupação,
assim como, a que se manifesta através das imunidades parlamentares, visa
proteger o beneficiado contra ações, ameaças, coação ou qualquer forma de
constrangimento no exercício de suas funções. Daí se depreende que o
benefício existe em razão da função e não da pessoa. O Estado é constituído
pelo povo. Seus dirigentes, em todos os poderes, devem defender o povo. O
legislativo, em especial, na qualidade de Poder Fiscalizador, além de
Legislativo, é o que está mais próximo do povo e representa suas aspirações
18
na formulação de leis e na fiscalização do Executivo. Por isso, necessita de
proteção especial, além daquela à disposição do cidadão comum, para que
possa expressar-se livremente, com eloqüente veemência, usando de todos os
recursos para bem desempenhar seu papel. A prerrogativa que lhe dá a
imunidade formal, de não ser preso, nem processado sem autorização da
respectiva casa, não significa que ficará impune, pois não é esta a finalidade
objetiva do preceito legal. O ato continuará a configurar crime, aguardando tãosomente o momento oportuno para sofrer a sanção cabível.
A imunidade parlamentar, é, então, medida justa e válida dentro do
sistema de governo brasileiro. Segundo estudiosos do Direito, trata-se de
preceito constitucional dos mais modernos, restando apenas questionar seus
limites.
CONCLUSÃO
No mundo contemporâneo as transformações sociais acontecem muito
rapidamente e de maneira imprevisível, que se tornam difíceis de projetar
mudanças significativas planejadas a longo prazo.
O Direito, de modo geral, tende a ser conservador. Mesmo que se
verifique, na prática, uma evolução social tendente a modificar costumes e
procedimentos, as normas jurídicas tardam a assimilar os efeitos dos
comportamentos para se constituírem em instrumento regulador dessas
relações. O Direito, via de regra, não alcança os acontecimentos em transição,
ocupando-se de situações perfeitamente determinadas e devidamente
normatizadas.
O argumento acima pretende inferir na constatação da existência de
comportamentos intencionais ou não, lesivos ao Instituto das Imunidades
Parlamentares. No cotidiano dos brasileiros, tem sido comum observar-se
parlamentares, que se utilizam da proteção, na busca da defesa de interesses
particulares, no mais das vezes, escusos, para os quais o remédio não poderia
ser a imunidade, mas sim o contrário. O povo, ao eleger seus representantes,
muitas vezes desconhecem as verdadeiras intenções de seus candidatos, os
19
quais após a diplomação, já sob a proteção constitucional, demonstram seus
verdadeiros interesses.
Somos favoráveis à democracia e aos ideais democráticos. Acreditamos
na plena liberdade de defesa do acusado. Defendemos porém, que aqueles
que estejam respondendo a processo judicial, independente de sua natureza,
não possam ser candidatos a cargo eletivo. Compreendemos que, sobre eles
paira a presunção de inocência, mas por outro lado, em igual medida, pode se
presumir a culpa. Igualmente, se no curso do exercício do mandato, o
Congressista for acusado de cometimento de crime comum, deverá sujeitar-se
a julgamento na condição de licenciado, mesmo que, para isso, se estabeleça
rito de julgamento sumário, permanecendo efetiva a inviolabilidade material,
protegendo-o em relação aos atos praticados exclusivamente no desempenho
da função parlamentar. Essa conformação normativa, em nosso entendimento,
salvo melhor juízo, classificaria melhor os componentes do parlamento, dando
maior credibilidade aos seus membros e ao próprio Poder, representando
melhor e com maior justiça o povo.
Resta, ainda, como sugestão, a ampliação da pesquisa, com a oitiva de
parlamentares em exercício, ex-parlamentares e cidadãos do povo, para se
levantar melhor juízo das ocorrências reais verificadas no Congresso, bem
como as expectativas em relação ao futuro, o qual sabemos incerto e sempre
sujeito a mudanças velozes e surpreendentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 5.ª ed. Rio de Janeiro.
Forense, 1983.
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BARROSO, Luiz Roberto. Constituição da República Federativa do
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promulgada em 5 de Outubro de 1988. Celso Ribeiro Bastos/Ives Gandra
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CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito romano. 22.ª ed. Rio de
Janeiro. Forense, 1988.
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Saraiva, 1998.
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Horizonte. Del Rey, 1995.
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OLIVEIRA, Dr. Juarez de. PINTO, Antônio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia
Cristina Vaz dos Santos. Constituição da República Federativa do Brasil.
22.ª ed. São Paulo. Saraiva, 1999.
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE : UMA LIÇÃO ROMANA ( * )
CLAUDIA ZIPPIN FERRI
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Flori Antonio Tasca na disciplina Direito
Romano, do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O artigo aborda o tema em perspectiva crítica, ressaltando o
valor da liberdade e exemplificando a dominação pelo instituto jurídico
da escravidão. Analisando historicamente a servidão, a autora estuda o
tema à luz do Direito Romano, destacando a importância do status
libertatis e tratando de outros aspectos de relevância. Cuida também o
texto da escravidão na Idade Moderna e na Idade Contemporânea,
afirmando o valor da liberdade como essencial à dignidade dos seres
humanos.
SLAVERY AND FREEDOM : A ROMAN LESSON – ABSTRACT - The
article approaches the subject under a critical perspective, pointing out
the value of freedom and exemplifying the domination by the legal
institute of slavery. Analyzing historically the servitude, the author studies
the subject under the light of the Roman Law, emphasizing the
importance of the status libertatis and dealing with other aspects of
21
relevance. The text also takes care of the slavery in the Modern and
Contemporary Ages, affirming the value of freedom as an essential
condition to the dignity of the human beings.
INTRODUÇÃO
O tema escravidão parece ficar incompleto sem abordagem ao tema
liberdade. Uma rápida visão histórica demonstra que, embora a primeira pareça
ter estado sempre presente no seio da humanidade a liberdade sempre foi a
regra e a escravidão só existiu em razão da força.
A dificuldade desta pesquisa, não se encontra em mostrar a escravidão
e suas formas, mas em conceituar e descrever a liberdade. Enquanto que a
escravidão apresenta-se como um fato material com conseqüências morais,
fruto da ambição e crueldade humana, a liberdade transcende a matéria, pois
não existe na simples destruição do cativeiro, dos grilhões ou na extinção da
servidão. Tomemos como referência os escravos brasileiros, após a libertação
em 13 de maio de 1888, embora livres da condição de escravos, continuavam
vítimas de preconceito racial e, considere-se ainda que, a vida em uma terra de
costumes, língua e religião completamente diferentes da realidade de seus
países de origem ,não favorecia esses negros libertos para que reconstruíssem
suas vidas no Brasil. Assim sendo, a abolição da escravatura não significou
necessariamente, a liberdade desse povo, mas o começo de sua luta pela
conquista da mesma.
Descrever a escravidão, é mostrar a face menos digna do ser humano, a
qual ultrapassa, constantemente, as fronteiras do bom-senso buscando atender
sua ganância desenfreada sem preocupações éticas e morais. Compreender o
sentido da liberdade é mergulhar na alma humana, buscando entender a sua
essência e seus anseios mais íntimos. Penetrando a história da humanidade, a
chaga moral mais deprimente, parece ser a instituição jurídica da escravidão.
Buscando conhecê-la em toda sua extensão, necessário pesquisar no seio do
povo romano, uma vez que, a constância das guerras entre Roma e outros
povos, culminou com o ponto máximo da escravidão, na história da
22
humanidade. Esta pesquisa tenta resgatar a história da escravidão entre os
romanos e os processos de humanização dessa instituição, de forma a se
reconhecer mais uma contribuição da sabedoria desse povo. Quanto à
liberdade, esta pesquisa busca conceituá-la e responder a questão: diante da
aproximação do terceiro milênio, são os seres humanos realmente livres? Os
fatos pesquisados podem ser surpreendentes, mostrando que, a realidade
parece, constantemente, superar a ficção.
A ESCRAVIDÃO
A escravidão é definida como a situação social do indivíduo, ou grupo,
obrigado sob coação a servir a outro indivíduo, ou grupo, que tem sobre ele
direito de propriedade, inclusive o de lhe atribuir valor de mercadoria. O senhor
pode apropriar-se, na sua totalidade, do produto do trabalho do escravo.
As origens da escravidão ligam-se à sedentarização e, portanto, à
revolução neolítica, de que advêm a pastorícia e a agricultura. Não se
encontram vestígios de escravidão, em muitas sociedades primitivas, e
contemporâneas. Os povos recoletores e caçadores não a praticaram, sendo,
além disso, diminuto seu papel na sociedade de pescadores. A primeira
referência histórica à escravidão data, de 5 mil anos, é uma inscrição suméria
conhecida como o "O Pecado do Jardineiro" a qual encontra-se no museu de
Antiguidades Orientais em Istambul. Os sumérios escravizavam seus
prisioneiros de guerras para trabalhar na lavoura. Nos relatos históricos das
escrituras, a escravidão é constantemente mencionada nas rotinas dos
diversos povos e em diferentes épocas, destacando-se no livro Gênesis a
história de José, filho predileto de Jacó, vendido como escravo pelos próprios
irmãos a mercadores de Madiam que o venderam no Egito a Putifar, chefe da
guarda real. O povo judeu também aparece escravizado na antiga Babilônia e
posteriormente no Egito. Segundo Aristóteles, alguns homens são escravos por
natureza, nascidos para servir, para fazer o que são mandados e
absolutamente incapazes de autogoverno. É impossível avaliar a importância
econômica do trabalho escravo para as civilizações antigas pré-clássicas por
23
falta de dados seguros, embora se possa imaginar ter sido de longe, inferior a
que se constatou na Grécia e em Roma. Na Grécia, eram abundantes os
escravos, e de baixo preço, devido a constância das guerras. Todavia, o
período de maior abastecimento de escravos ocorreu em Roma, na época da
conquista das regiões mediterrâneas, pelos romanos, o qual sofreu declínio no
período da paz de Augusto, para voltar a incrementar-se, a partir do século III
d.C., com as guerras de Roma contra os bárbaros. A escravidão atingiu seu
ponto máximo, em Roma, nos séculos II - I a.C., período em que se faz maior o
poderio dos latifundiários romanos e, no qual, se registram violentas revoltas no
braço servil. No final do império romano começou a formar-se a organização
feudal, convertendo-se o escravo em servo da gleba. A escravidão
transformou-se em servidão e o contingente de escravos na Europa, na Idade
Média, ficou limitado, período no qual o mundo muçulmano se torna o principal
utilizador de escravos. O Corão não condenava a escravidão, mas aconselhava
que os escravos fossem tratados com humanidade e considerava ato piedoso e
meritório sua manumissão. Em fins da idade média, a prática da escravidão
volta a surgir, no mundo, através das colônias européias da América, atingindo
proporções gigantescas com as explorações portuguesas no litoral africano. No
Brasil, a escravidão foi oficialmente abolida em 1888 e, após a Segunda Guerra
Mundial, a escravidão passou a ser reprovada e combatida em todos os
países, no entanto, os seres humanos insistem em escravizarem-se
mutuamente, contrariando todos os princípios da ética e da moral.
A ESCRAVIDÃO EM ROMA
Na civilização romana antiga, o Status Libertatis era o maior bem, mas a
escravidão parecia uma necessidade social para sustentar uma população
ociosa. O escravo era res-persona, despojado, portanto, de personalidade
jurídica por encontrar-se em poder de alguém, de quem integrava o patrimônio.
Não havia entre o escravo, sua mulher e os filhos, relações de parentesco,
para quaisquer fins. Os escravos eram essenciais para o desempenho de
trabalhos domésticos e atividades agrícolas. Eram utilizados também para
24
desempenhar funções de secretários, pedagogos e médicos, quando eram
inteligentes e cultos, principalmente os escravos gregos. Os escravos faziam
parte da família e muitas vezes se afeiçoavam aos seus senhores, sobretudo
quando eram bem tratados. Um exemplo clássico de bondade e solicitude do
amo para com o seu escravo, é o de Cícero em relação ao seu escravo Tirão.
Por outro lado, sabe-se que o povo romano era, por natureza, muito cruel. Os
romanos não conheciam a virtude da humanidade e os escravos eram
utilizados, também, para espetáculos e jogos, dentre os quais destacavam-se
as lutas de gladiadores, organizadas com grande luxo. As mais cruéis cenas
divertiam o povo romano nas lutas para as quais os gladiadores eram treinados
na arte de se matarem mutuamente. Haviam ainda as lutas contra feras e as
corridas de carros.
A população escrava era muito grande e as fontes de escravidão eram
principalmente, o nascimento e o cativeiro. Filhos de escravas eram escravos
também e todo o prisioneiro de guerra, quando não era morto, convertia-se em
escravo. As guerras Púnicas que ocorreram entre os romanos e cartagineses
foram grande fonte de escravidão, especialmente a terceira guerra, na qual os
romanos destruíram completamente Cártago e transformaram mais de 40.000
cartagineses em escravos. Além das condições mencionadas, perdiam a
condição de liberdade, os soldados romanos desertores; os que não se
inscreviam no censo; o devedor que não saldasse sua dívida era convertido em
escravo do credor e a prisão em flagrante daquele que praticasse furto
culminava na venda do mesmo como escravo, pela vítima do furto. No período
do império, tornam-se escravos os condenados a trabalhos forçados e às feras
do circo. Mais tarde, tornava escrava a mulher livre, que houvesse mantido
relação com escravos, convertendo-se a mesma em escrava do senhor do seu
amante. Assim também se procedia com o homem que se fazia vender como
escravo por um cúmplice, no intuito de mais tarde usufruírem do dinheiro da
venda, esse era entregue como escravo ao comprador, como forma de castigo.
O liberto ingrato recaia também na escravidão.
A prática da escravidão, na Roma antiga, durou mais de um século, e,
assim sendo, evoluiu a ponto de se humanizar. A medida que o tempo passa, é
25
permitido ao escravo, representar seu senhor em certos atos jurídicos, desde
que, com o objetivo de aumentar o patrimônio, nunca de diminuí-lo. Permite-se
também, que o senhor confie aos cuidados do escravo a gestão de pecúlio,
cuja propriedade, porém, continua com o primeiro. No final da república, sob a
influência do cristianismo, a situação do escravo se modifica para melhor.
Proíbe-se aos senhores abandonar seus escravos recém-nascidos, velhos e
doentes; apenas com ordem do magistrado pode o senhor atirar seus escravos
às feras; não se permite que o escravo seja maltratado ou morto sem motivo e
não se atiram mais os escravos aos tanques para serem devorados pelas
moréias.
O escravo podia adquirir o status liberatis pela manumissão, a qual
poderia se dar de forma solene ou não solene. A manumissão ou alforria era o
ato jurídico pelo qual o senhor outorgava a liberdade a seu escravo. O escravo
que adquiria a liberdade era chamado liberto ou libertino. Essa situação jurídica
era diferente da situação do ingênuo, representada pelo ser humano, que
jamais esteve em situação de escravo. As formas solenes de manumissão
ocorriam pelo censo, pela vindicta e pelo testamento. Pelo censo o escravo
passava a ser liberto quando o senhor lhe permitia inscrever-se nos registros
do recenseamento, o qual ocorria de 5 em 5 anos, não sendo portanto uma
forma eficiente de manumissão devido a sua limitação pelo longo período; o
senhor podia determinar em testamento, que seu escravo fosse liberto; a
terceira forma consistia em uma espécie de encenação, na qual, o escravo, o
senhor e um amigo do mesmo dirigiam-se ao magistrado e em sua presença, o
amigo tocava o escravo com uma varinha dizendo: "declaro este homem livre".
O senhor calava-se e, desta forma o magistrado declarava livre o escravo sob
o raciocínio, de que, o silêncio do senhor representava o consentimento do
mesmo.
Outras formas de manumissão podiam ocorrer sem nenhum processo
formal. Uma forma não solene ocorria diante de amigos, depois da ceia na qual
o escravo tomasse assento à mesa. Através de uma carta dirigida ao escravo,
comunicando-lhe que estava livre, também se dava a manumissão e, por
influência do cristianismo surge, mais tarde, uma nova forma de manumissão
26
realizada nos templos, por meio de uma declaração solene do sacerdote,
diante do proprietário do escravo e dos fiéis, os quais serviam como
testemunhas.
O certo, historicamente, é que a escravidão foi o fator fundamental da
decadência do mundo romano, o qual só pôde prosperar na medida em que lhe
foi possível abastecer-se de escravos.
A ESCRAVIDÃO NA IDADE MODERNA
Em fins da Idade Média, prepara-se o advento de uma época de
escravidão intensa nas colônias européias da América. O tráfico atingiu
proporções extraordinárias, a partir das explorações portuguesas no litoral
africano. Em 1444, os portugueses começaram adquirir escravos negros do
Sudão e, no século XVI, Lisboa e Sevilha atingem o desenvolvimento máximo
como mercados de escravos.
O indígena mostra-se indócil ao trabalho servil, no continente americano
e são defendidos pelos missionários. A maioria se revolta e foge para as
florestas, além de resistirem mal às doenças transmitidas pelos europeus e à
exploração a que estes o submetem. O escravo negro passou a ser a solução
para os colonizadores, os quais ligaram-se ao surto da economia açucareira. O
apogeu do tráfico negreiro é atingido no século XVIII, com o constante aumento
do uso de produtos tropicais na Europa. As principais regiões fornecedoras
eram o golfo da Guiné (Senegal, Gâmbia, Rios do Sul, Costa dos Grãos, Costa
de Marfim, Costa do Ouro, Ouidah e os Popo, Porto Novo e Badagry, Benim,
Calabar, Camarões, Gabão, cabo López), a região da Angola (Loango, Congo,
Luanda, Angola e Benguela) e Moçambique, na costa oriental.
Apesar do grande comércio surgido com a escravidão negra,
começaram a surgir movimentos contrários, tendo como trabalho pioneiro na
criação de uma opinião abolicionista a Society of Friends (Sociedade dos
Amigos), ou quacres, que em 1774 fundaram na Pennsylvânia, a primeira
associação contra o tráfico de escravos. Em 1787, na Inglaterra é fundada a
Society for the Abolition of the Slave Trade (Associação para a Abolição do
27
Tráfico de Escravos). Surge na França a Société des Amis des Noirs
(Sociedade dos Amigos dos Negros), mas o primeiro país a abolir o tráfico de
escravos foi a Dinamarca.
Entre os fatos de maior relevância, na evolução histórica do movimento
abolicionista pode-se citar: a revolta de escravos que levaria à independência
do Haiti, cuja repercussão na França culminou com a proclamação da abolição
da escravidão nas colônias francesas; a proibição do tráfico de escravos por
navios britânicos e a importação dos mesmos para as colônias inglesas; a
renúncia ao tráfico pela Suécia e pelos Países Baixos entre 1813 a 1814; a
aprovação da lei no Reino Unido em 1833, a qual libertou todos os escravos de
suas colônias; a proibição aos franceses de possuírem escravos, mesmo em
países estrangeiros; abolição adotada no México (1829), Portugal (1858), EUA
(1865). Em Cuba e no Brasil foram sendo tomadas diferentes medidas legais
de cunho abolicionista, respectivamente, entre 1880/1886 e 1871/1888.
A ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL
O primeiro negro no Brasil chegou com a armada de Martim Afonso e
em 1549, negros e mulatos acompanharam Tomé de Souza, na edificação da
cidade de Salvador. Esses indivíduos foram os precursores de milhões de
negros africanos, que foram trazidos para o Brasil por dois séculos e meio.
Na época do descobrimento, Portugal já estava na posse dos
arquipélagos da Madeira e do Cabo Verde, do litoral da Guiné, das ilhas São
Tomé e Príncipe, da embocadura do Zaire e Moçambique e, havia instalado
uma fortaleza na costa do Ouro (Gana), começando em seguida a conquistar
Angola. Várias tribos, que habitavam esses pontos vieram escravos para o
Brasil, desembarcados nos principais portos, para a lavoura e fábricas de
açúcar.
A sucessiva mudança de interesse econômico principal, do açúcar para
o ouro e do ouro para o café, impôs demorado e variado contato lingüístico,
religioso e sexual entre os brancos e negros das mais diversas nações
africanas.
28
Durante a escravidão, distinguia-se o negro boçal ou novo, recém
chegado da África, ainda sem conhecimento dos costumes do país; o negro
ladino, africano, mas já com experiência da sociedade brasileira, e o negro
crioulo, nascido e criado no Brasil. Uns e outros precisaram ajustar-se às
condições vigentes no Novo Mundo, e, essa adaptação forçada preparou o
caminho para sua ascensão social, com o estabelecimento de relações
primárias de confiança e respeito mútuos entre senhor e escravo.
O negro conquistava de muitas maneiras a liberdade, a qual era precária
e, constantemente, ameaçada pelo arbítrio dos brancos. Haviam negros forros,
beneficiados pelos senhores, em geral em testamento, e o negro liberto, o qual
comprava sua liberdade ou a obtinha em virtude da lei ou de promessa do
governo por serviços especiais. Em geral, a alforria contemplava velhos,
doentes e inabilitados. Algumas libertações foram fruto da bondade de
senhores, mas a grande maioria não passava de uma situação de conveniência
para os mesmos, os quais eximiam-se de alimentá-los e vesti-los quando sua
estabilidade financeira encontrava-se em risco. O certo é que as libertações
conseguidas no plano individual acabaram por motivar o plano coletivo.
Nos fins do império, o advogado João Marques argumentou habilmente
em favor de muitos negros de filiação desconhecida (o brasileiro só seria
escravo se nascido de ventre escravo), obtendo nos tribunais a libertação dos
mesmos. A grande maioria, no entanto não teve a mesma sorte, ficando a
mercê de seu senhor, o qual dispunha de sua vestimenta, alimentação,
moradia, do seu tempo e mesmo de suas relações sexuais. Castigos atrozes e
aviltantes eram impostos aos negros, tais como o tronco, vira-mundo, cepo,
libambo, peia, gonilha e as brutalidades mais terríveis, como pontapés no
ventre de escravas gestantes, olhos vazados e dentes quebrados a martelo,
emparedamento em vida, mutilações e outras. Esses abusos ocorreram
especialmente enquanto o tráfico não sofria limitações internacionais e a
mercadoria humana era abundante e barata. A vida útil do escravo era de
aproximadamente de 7 a 10 anos, uma vez que o trabalho estafante, de 14
horas diárias sob o sol e os maus tratos transformavam o negro em verdadeiro
trapo humano, mas, enquanto lhes restava alguma energia, organizavam-se
29
em quilombos, promovendo levantes locais e abandono em massa das
fazendas.
Além do negro de campo, havia o negro de ofício, que ocupava um
escalão ligeiramente superior. Surgiram os negros barbeiros, ferreiros,
pedreiros, marceneiros, seleiros, canoeiros e mulheres costureiras. Esses
negros eram poupados da enxada e dos castigos corporais. O negro começou
também a integrar a família dos senhores, desempenhando funções de pajem,
moço de recados, capanga, babá, cozinheira e outros. Eram as crias da casa,
afilhados, homens de confiança e outras denominações que refletiam relações
amistosas e serviam de ostentação do senhor, como sinal de riqueza e poder.
Muitos desses negros aprenderam a ler e reuniram pecúlio suficiente para uma
vida mais ou menos folgada.
Outra prática da época, além da venda, era o aluguel de escravos.
Segue como ilustração um anúncio de venda de escrava veiculado em 1850:
"uma linda parda muito prendada, perfeitíssima costureira de cortar e fazer
camisas de homem e vestidos de senhoras, de qualquer moda, que lhe
apresente, borda, marca e faz crivo com toda perfeição, enfeita chapéus para
senhora, como qualquer francesa, engoma o melhor possível, é boa doceira,
penteia e veste uma senhora com toda a delicadeza, enfim, é uma mucama
prendada no último ponto, por ter aprendido em um colégio...."
A partir de 1871, surge no Brasil, a campanha do abolicionismo, visando
a extinção do trabalho escravo. A maior figura dessa campanha foi Joaquim
Nabuco. Participaram ainda: Castro Alves, Tavares Bastos, Joaquim Serra,
José Mariano Carneiro da Cunha, Luís Gama, José do Patrocínio, André
Rebouças, entre outros. Incentivados pelo processo de urbanização, pela
expansão das atividades industriais e pela valorização do trabalho assalariado,
os abolicionistas publicavam jornais, promoviam comícios e organizavam
associações, como a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, a Associação
Central Emancipacionista e a confederação Abolicionista.
Data desse período o periódico veiculado em Salvador e Rio de Janeiro,
denominado O Abolicionista. As maiores conquistas desses abolicionistas
foram a lei do Ventre-Livre (1871) e a lei do Sexagenário (1885), culminando
30
com a lei nº 3.353, denominada lei Áurea (13 de maio de 1888). As duas
primeiras leis foram discutíveis, porque a primeira, embora libertasse os filhos
de escravas nascidos, a partir daquela data, limitava sua liberdade até a
maioridade: a segunda fazia pouco sentido, uma vez que, um escravo
explorado desde o nascimento dificilmente alcançava a idade de 60 anos. A lei
Áurea, por sua vez extinguiu oficialmente a escravidão no Brasil.
Com o passar do tempo, o negro influenciou sobremaneira os costumes
brasileiros, trazendo como resultado social uma miscigenação, que deu uma
característica especial e única a esse povo. Muito mais do que as leis, as
condições sociais e econômicas, ajudadas pelo esforço individual e coletivo
dos negros, propiciaram e prepararam a progressiva elevação do escravo a
cidadão. Tendo finalmente cessado a escravidão negra no Brasil, restou na
história uma nódoa, feita de muita luta, suor e sangue.
A ESCRAVIDÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA
Em 1945, com a fundação da ONU, a reprovação do princípio da
escravidão tornou-se mundial. Em 1948, o artigo 4º, da Declaração dos Direitos
do Homem, proclamava: "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a
escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas".
Assim sendo, a escravidão, ou qualquer tipo de submissão humana que se
assemelhe, é combatida em todos os países. No Brasil, a lei penal considera
crime contra a pessoa, reduzir alguém à condição de escravo (CP, art. 149). No
entanto, o Código Penal de 1890, o qual foi editado após a concretização do
ideal preconizado pelo movimento abolicionista, não cuidou expressamente do
delito, que só retornou ao ordenamento jurídico com a promulgação do Código
de 1940, ainda em vigor. Referido Código, em seu artigo 149 dispõe o
seguinte: "Reduzir alguém à condição análoga à de escravo: Pena - reclusão,
de 2 (dois) a 8 (oito) anos".
Falar sobre escravidão em vésperas do Terceiro Milênio parece uma
força de expressão para enfatizar condições adversas de trabalho legalmente
constituído, cujo salário seja considerado baixo ou insatisfatório. No entanto, de
31
quando em quando aparecem circunstâncias nas quais se comprovam a
subsistência de formas disfarçadas ou claras de escravidão e servidão
inclusive no Brasil. Esse tipo de escravidão, embora combatido, é real e
subsiste com características próprias para a época, em geral, praticado contra
pessoas analfabetas e desempregadas, iludidas com falsas promessas de
empregos. Essas pessoas, levadas a trabalhar em fazendas passam a sofrer
maus tratos, aprisionamento, castigos e muitas vezes são mortas.
O número de escravos existentes na Índia e Paquistão são exorbitantes.
Na Índia, estima-se que existam 10 milhões de pessoas em regime de
escravidão e, no Paquistão, o governo admite que há 20 milhões de escravos,
apesar de seus esforços para combater essa prática histórica no país. Calculase que no Nepal existam 100 mil escravos e, no Brasil, o ritmo da escravidão
amazônica vem até diminuindo, graças ao empenho do governo em estourar as
senzalas.
Com base em dados colhidos pelo Grupo Especial de Fiscalização
Móvel do Ministério do Trabalho, sabe-se que, de 1995 para cá, foram
libertados 777 (setecentos e setenta e sete) brasileiros do cativeiro e estima-se
que haja vários outros vivendo nessa situação aviltante. Esses brasileiros
libertados trabalhavam como escravos em fazendas em Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, sul do Maranhão e Pará, e eram homens, mulheres e crianças.
Considerando-se só os casos absolutamente comprovados, de gente
escravizada que foi libertada, o número total de 777 sugere que as pessoas
nessa situação, cheguem a alguns milhares. Existe ainda uma estimativa de
que entre os atuais escravos, 18% sejam assassinados.
Antônio Pereira da Silva, de 27 anos, tentou fugir da condição de
escravo em uma fazenda do sul do Pará. Após duas noites na mata amazônica
foi capturado e, de volta à fazenda, com os pulsos amarrados, levou uma surra
de cipó durante 30 minutos e um soco que rasgou-lhe o queixo. Antônio voltou
a fugir, mas, recapturado, passou três dias a pão e água, na cela de uma
delegacia, e dali, saiu de volta para a fazenda. Antônio foi libertado em
fevereiro de 1998. Ednaldo Silva Santos, de 32 anos, trabalhou como escravo
por mais de sete meses e foi libertado com mais doze homens, duas mulheres
32
e duas crianças. Ednaldo conta "Se o sujeito se negasse a trabalhar, o patrão
mandava matar e enterrar na fazenda mesmo". Guilherme Pedro Neto de 51
anos conta "Fui mais que um escravo, eu era um animal. Num ano, no início da
década de 70 eu fui vendido três vezes". A situação da mulher escrava é ainda
pior, uma vez que, além do trabalho em regime de servidão, a mulher sofre
abusos sexuais. Raimunda Chaves de 27 anos, passou mais de um ano
trabalhando numa fazenda em São Félix do Xingu, no Pará, em troca de dois
pratos de comida. Raimunda sofreu abuso sexual três vezes por parte dos
capangas. Pensou em suicídio, mas um dia conseguiu fugir, deixando para trás
o marido, do qual nunca mais teve notícias.
O exemplo mais recente de servidão no Brasil foi noticiado no dia 29 de
março de 2000, no programa Fantástico. A matéria mencionou 80 (oitenta)
pessoas descobertas por fiscais do trabalho e policias federais, em regime de
semi-escravidão. Esses trabalhadores recebiam 70 centavos por dia de
trabalho e foram libertados no dia 15 do mesmo mês e ano.
A LIBERDADE
A fortíssima influência da idéia de liberdade, através da história, tem
estabelecido, para tal assunto, uma posição privilegiada e constante no
pensamento humano. O relacionamento com a liberdade, encarada como um
dado essencial, tem sido tomado, freqüentemente, como critério para julgar
instituições, sistemas e formas de ordem.
A liberdade tem sido entendida em termos religiosos, metafísicos,
psicológicos e sociais. Discutiu-se exaustivamente, nos séculos XVII e XVIII
sobretudo, a relação da liberdade (livre-arbítrio) com o determinismo. Tem-se
tomado a liberdade, como inerente ao homem, como razão e finalidade da
história e como conteúdo fundamental da vida social.
O liberalismo ocidental moderno, conduzido e vivido pela burguesia,
colocou como um valor básico a liberdade. A liberdade individual seria algo
irrecusável e a partir dela, por via do consenso da lei, se edificariam o
progresso social, a justiça política e o equilíbrio das instituições. Assim sendo,
33
todos os problemas humanos passaram a ser discutidos sob esse aspecto,
desde a Revolução Industrial.
Sob o ponto de vista religioso, existem três conotações de liberdade na
Bíblia: liberdade como oposição à escravidão (de natureza espiritual), liberdade
no sentido de oposição à escravidão no sentido material (o cativeiro do Egito) e
a liberdade como libertação e salvação, formando uma carga afetiva elaborada
em torno da idéia nuclear de verdade: "A verdade vos libertará". Os textos
bíblicos, especialmente o Novo Testamento revelam uma hierarquia de valores,
como verdade, justiça, liberdade, fé, ciência, profecia e amor, sendo este
colocado no ápice, ou seja, na projeção do humano em direção do
transcendente. Compreende-se assim, na tipologia cristã, o amor como valor
superior à liberdade.
Em um sentido, compreende-se a liberdade como autodeterminação ou
autocasualidade, ou seja, liberdade como ausência de limitação; como
necessidade fundada na autocasualidade e, como possibilidade e opção. O
primeiro conceito é de Aristóteles, o segundo é espinosista e o terceiro, da
filosofia moderna, caracterizado como liberdade do querer, ou livre-arbítrio e
como liberdade de fazer. O livre-arbítrio está relacionado com a liberdade nos
seus critérios psicológicos e morais. Em sentido psicológico, se opõe ao
determinismo e a fatalidade, e, em sentido ético, é fundamento da
responsabilidade, a liberdade da consciência moral. Para São Tomás de
Aquino, a verdadeira liberdade é a que se eleva com a consciência individual e
social, ao mesmo tempo, em que, o homem se sente livre antes e depois da
ação. Segundo John Locke, "We are born free as we are born rational" (nós
somos nascidos livres assim como nascemos racionais); "And the liberty of
acting according to our own will, never from compulsion by the will of others, is
grounded on the possession of reason" (e a liberdade de agir, segundo nossa
própria vontade, jamais da compulsão pela vontade dos outros, é fundada pela
posse da razão). Define então a liberdade como um poder, o qual gera uma
ação, de acordo com sua vontade. Stuart Mill define o homem como um
"agente livre e inteligente" (free and intelligent man) e diz que ele está sempre
à procura da felicidade, tendo a razão por seu guia. Segundo Hegel, o conceito
34
de liberdade pode ser variado, dentro das idéias da racionalidade, da filosofia,
do direito, da moral e do espírito, terminando por conceituar que "o estado é a
realidade da liberdade concreta".
LIBERDADE, LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE
O mundo parece apontar ao homem, um assustador número de
possibilidades, tendo em vista sua enorme complexidade. Observando-se esse
conjunto de sistema de normas, imposição de caminhos, controle de
expectativas,
falta
de
horizontes,
violência,
dor,
medo,
repressão,
condicionamentos educacionais, sociais e morais, pergunta-se
o homem
consegue realmente ser livre.
Diante das oportunidades do mundo, o ser humano tem sempre que
procurar por alternativas a escolher, e é na consciência plena de si mesmo que
estabelece as condições básicas de sua libertação. A consciência, junto da
vontade, possibilitam a liberdade do homem e essa liberdade implica em
responsabilidade, ou seja, o homem é responsável por sua liberdade e por
causa dela.
A liberdade, compreendida como um fator existente, além das limitações
da matéria é patrimônio individual conquistado com esforços próprios, cabendo
a cada indivíduo determinar se é realmente livre.
A LIÇÃO ROMANA
A liberdade entre o povo romano era, na verdade, muito relativa e
restrita. Ser livre para esse povo era simplesmente a condição de não ser
escravo, não estando sob o domínio de outrem. Nas cidades antigas como
Roma, a onipotência do império tornava a liberdade individual praticamente
impossível. O cidadão estava submetido à cidade sob todos os aspectos. Nada
no homem era independente, até seu corpo pertencia ao estado, uma vez que
o serviço militar era obrigatório até os 46 anos. A fortuna do cidadão também
estava sempre à disposição do estado, e este, não tolerava cidadãos disformes
35
ou monstruosos, reservando-se o direito de exigir que, os pais matassem seus
filhos nascidos nessas condições. O corpo e a alma do cidadão eram
considerados propriedades do estado, mesmo porque, não havia liberdade
religiosa, de educação ou da vida privada. Como exemplo dessa realidade
pode-se citar uma lei criada em Roma, que permitia matar todo o homem que
tivesse intenção de tornar-se rei.
A crueldade também era uma constante na vida e nos costumes dos
romanos. A prática do suicídio era comum entre eles, especialmente a fim de
evitar os suplícios e as humilhações impostas aos vencidos. São exemplos de
suicídas: Aníbal, Demóstenes, Cleópatra, Marco Antonio e outros. Os romanos
não conheciam a virtude da humanidade e costumavam abusar da natureza
humana no trato aos seus filhos e seus escravos.
A escravidão, como já mencionada anteriormente, era uma instituição
juridicamente válida, mas apesar da natureza cruel do romano, a noção de
justiça parecia estar arraigada naquele povo. Somando-se a isso as idéias de
humanidade veiculada pelo cristianismo que acabaram por vencer os costumes
mais aviltantes e as hipóteses de manumissão foram gradativamente
aumentando.
A lição romana constitui-se exatamente neste fato: Se um povo cruel e
de costumes desumanos rendeu-se aos apelos de uma idéia nova e redentora,
passando a reconhecer a liberdade e valorizar a vida humana, os povos que o
sucederam não poderiam ter igualado-se a eles na prática da escravidão.
Ocorre ainda, que, afirmar que os povos da Idade Moderna igualaram-se aos
romanos, na prática da escravidão, é, no mínimo, uma generosidade, pois a
crueldade dos primeiros, parece ter, de longe, superado a dos romanos. Diante
do exposto, o que pensar dos indivíduos que na atualidade ainda se valem da
força para escravizar os mais fracos? Esta parece ser uma questão para que
se reflita a respeito e não para ser respondida, buscando, se necessário, o
modelo romano de justiça e progresso moral.
CONCLUSÃO
36
Sendo o homem um ser imperfeito e incapaz de distinguir precisamente
o certo do errado, necessários são os contrastes para que se perceba o valor
de certos bens. Com os erros cometidos no passado, adquire-se consciência
no presente, a fim de se construir um futuro melhor. O registro da escravidão
na história mundial, abre uma grande brecha, na consciência humana,
convidando os homens a se questionarem a respeito do valor da liberdade.
Infelizmente, a liberdade que é assegurada por lei, muitas vezes é
sufocada
pela
ambição
desenfreada dos
homens.
Anomalias
sociais
frequentemente, vêm à tona, mostrando que o uso da força ainda persiste no
comportamento humano e que o valor da palavra liberdade não é
compreendido por todos. A liberdade vai muito mais além de grilhões partidos,
de leis abolicionistas, de atos solenes de manumissão. A liberdade é a
condição na qual o ser humano tem preservada sua dignidade e seu direito de
exercer seu livre arbítrio. Segundo Adlai Stevenson, "Um homem faminto não é
um homem livre" e essa condição pode se estender ao homem analfabeto, ao
desempregado, ao enclausurado nos limites de seu próprio lar a fim de fugir da
violência urbana, ao trabalhador que precisa sobreviver com seu salário
mínimo e outros tantos.
Não há dúvidas que, a escravidão e/ou servidão, sempre estiveram
presentes entre os povos, que praticavam a crueldade e a força bruta como
forma de obtenção de vantagens, e para manterem seus estilos de vida sem no
entanto fazerem uso de seus próprios esforços. Essa prática representava a
vontade da maioria, mas sempre encontrou oposição e/ou reprovação nas
diversas épocas, como se luzes esparsas estivessem presentes no seio da
humanidade, tentando iluminar os períodos mais trevosos.
A consciência do valor da vida humana e da importância da liberdade
tem dado ao homem, a dignidade, que ele precisa para superar os obstáculos
materiais impostos pelas limitações naturais e sociais presentes no mundo. A
liberdade, quando acompanhada de responsabilidade, confere ao indivíduo, o
poder de fazer ou de deixar de fazer e de escolher, segundo sua própria
determinação, sem ferir a liberdade do próximo. O indivíduo, que se orienta
exclusivamente,
sob
inspiração
do
desejo,
não
é
livre,
pois
está
37
constantemente aprisionado pelos vícios e paixões, tornando-se um escravo de
si mesmo.
Feliz, verdadeiramente, é o homem consciente, que orienta-se na busca
da liberdade olhando para seu interior. Feliz é aquele que compreende que
está ante e não sob os problemas e injunções da vida. Feliz é aquele que
consegue estar no mundo sem ser do mundo, edificando com dignidade seu
próprio destino e construindo sob a inspiração do amor sua liberdade.
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Paulo, SP, Saraiva, 1997.
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decadência. Saraiva. 1997.
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escravidão ao contrato de trabalho. Curitiba, PR: Juruá, 1990.
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busca do homem novo. Capivari, SP: EME.1992.
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Saraiva do Direito. Volumes 33 e 49. São Paulo: Saraiva. 1977.
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Vários autores. Enciclopédia BARSA, volume 7. Rio de Janeiro - São
Paulo: Melhoramentos. 1990.
38
•
Vários autores. Manual dinâmico do estudante. São Paulo: Edipar. 1998.
A PROPRIEDADE PARTICULAR E O SEU FIM SOCIAL EM
RELAÇÃO À PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ( * )
ROSANI MARLY HADLICH ULIANO
ACADÊMICA DE DIREITO
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Flori Antonio Tasca na disciplina Direito
Romano, do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O texto aborda o tema da propriedade privada e seu fim
social em relação ao meio ambiente, abordando as origens da
propriedade no Direito Romano e traçando a evolução do instituto até os
presentes dias. O artigo trata do tema à luz do Direito Constitucional
brasileiro, referindo-se a autora às Constituições anteriores e ao texto
constitucional vigente, com destaque para a submissão da propriedade
privada ao cumprimento de sua função social.
THE PRIVATE PROPERTY AND ITS SOCIAL AIM IN RELATION TO
THE PROTECTION OF THE ENVIRONMENT - ABSTRACT - The text
approaches the subject of the private property and its social aim in
relation to the environment, approaching the origins of the property in the
Roman Law and tracing the evolution of the institute until the present
days. The article deals with the subject under the light of the Brazilian
Constitutional Law, mentioning the previous Constitutions and the in
39
force constitutional text, with prominence to the submission of the private
property to the fulfillment of its social function.
INTRODUÇÃO
No final desse século, ocorreu uma grande valorização dos bens
ambientais, em todo o mundo. No Brasil, a Constituição Federal de 1988,
definiu no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente,
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Já o direito de propriedade é um tema bastante antigo. No estudo do
Direito Romano, a propriedade apresentava caráter absoluto e individualista,
passando, historicamente, a se vincular ao bem comum.
O homem convivendo e organizando-se em cidades, passa a normatizar
os comportamentos, estabelecendo, através do Direito, as condutas que regem
a vida em sociedade, de tal forma a garantir a sobrevivência dessa nova
estrutura.
É na relação do homem com o homem e com o uso que faz da sua
propriedade que, o homem manifesta a sua interferência direta no meio
ambiente.
É de todo errado, pensar que, o proprietário de parcela de terras, tanto
em área urbana como rural, tem sobre a coisa, o poder absoluto de usá-la
como bem entender, baseado no direito de propriedade. O atual sistema
jurídico brasileiro eleva o fim social da propriedade e a proteção do meio
ambiente à categoria de princípios constitucionais. Mesmo no direito romano, o
proprietário já estava sujeito às limitações legais impostas pelo Estado, em
função de motivos de ordem pública, higiênica e outras, como manter espaços
entre as construções, respeitar direitos de vizinhança e de aproveitamento de
águas.
A questão fundamental desse estudo é mostrar que, através do tempo
regularam-se limites no uso da propriedade privada, visando o bem comum.
40
Com o uso correto da propriedade, o homem atende a sua função social,
garante não só a convivência em sociedade, mas preserva o maior patrimônio
da humanidade: o ar, a terra e tudo o que sobre ela há: as matas, a
biodiversidade, os animais, e a água considerada maior riqueza natural do III
milênio.
Este estudo busca subsídios para esclarecer a origem da função social
da propriedade, baseado na avaliação do conceito de
uso da propriedade
privada e sua função social no Direito Romano.
Apresentar uma noção da evolução histórica do direito de propriedade
com fim social, nas constituições brasileiras, até garantir a todos o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
DIREITO DE PROPRIEDADE E MEIO AMBIENTE
Atualmente, o direito de propriedade está inserido num contexto social,
tratando-se de um tema bastante interessante e complexo.
O direito de propriedade 1 é o direito que o proprietário do bem possui
de usar, gozar e dispôr da coisa, e de reinvindicá-la de quem quer que
injustamente a possua, conforme disposto na CF: art. 5o , XXII a XXVI, e 170,
II; CC: art. 524.
O direito de propriedade, que é assegurado pela Constituição Federal
estabelece uma relação da propriedade com a sociedade (art. 5o ., XXIII e art.
170, III e IV, ambos da CF/88). A propriedade não fica constando simplesmente
como um direito e uma garantia individual, mas, no dizer de José Afonso da
Silva, citado por AGUIAR (1995, p.7), passa a ter uma função social como
“elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade, sendo princípio
1
Conforme Joaquim Castro Aguiar, “ o direito de propriedade, num sentido amplo, é direito patrimonial,
daí por que se costuma denominá-lo de direito ao patrimônio, reservando-se a expressão direito de
propriedade aos direitos relacionados com a propriedade real, a propriedade em sentido estrito como
utilizada pelo direito civil. Sendo chamado de domínio o direito de propriedade stricto sensu. Não é
tratado nesse estudo, o direito de propriedade lato sensu ou seja, o direito ao patrimônio. Nesse trabalho,
será utilizada a expressão direito de propriedade stricto sensu indicando domínio, ou seja a propriedade
como direito real”. AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da cidade. São Paulo: Renover, 1995. p. 02.
41
ordenador da propriedade privada, que incide no conteúdo do direito de
propriedade”. 2
A propriedade atenderá a sua função social (CF. art. 5 o , XXIII). Segundo
Marco Aurélio Greco, citado por AGUIAR (1995, p. 6), “a função social de um
bem não é algo abstrato, e hipoteticamente, aferível, nem está sujeito a
padrões indeterminados e genéricos, mas, ao revés, só é perceptível no caso
concreto, em razão das peculiaridades de cada situação, variando, portanto,
de local para local.” 3
Sendo, o Brasil, um país de tão diferentes realidades geográficas, sócioeconômicas e culturais, o entendimento jurídico das normas, que dispõe sobre
a matéria, podem gerar muitas interpretações.
Segundo, José Afonso da Silva, a propriedade não constitui uma
instituição única, mas várias instituições diferenciadas, em correlação com os
diversos tipos de bens e de titulares; há a propriedade rural e a urbana, a
propriedade pública e a privada. Por isso, o princípio da função social atua
diversamente, tendo em vista a destinação do bem do objeto da propriedade.
“O princípio da função social da propriedade tem sido mal definido, na doutrina
brasileira, obscurecido, não raro, pela confusão, que dele se faz com os
sistemas de limitação da propriedade. Não se confundem, porém. Limitações
dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário, enquanto a função social
interfere com a estrutura do direito mesmo”.4 e 5
Propriedade privada, função social e meio ambiente formam uma tríade
complexa, cujo resultado da soma deve garantir os interesses coletivos. Mas,
o que se observa é um conflito potencial de interesses entre direito de
propriedade e meio ambiente.
2
AGUIAR, Joaquim Castro. Obra citada. p.7.
AGUIAR, Joaquim Castro. Obra citada. p. 6
4
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 64-65.
5
“ A propriedade urbana está destinada ao exercício das funções urbanísticas, ou seja, para cumprir sua
função social deve propiciar habitação (moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e de
circulação humana, realizar em suma as funções sociais da cidade.” SILVA, José Afonso da. Obra citada.
p. 67. Já “a propriedade rural cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, os seguintes
requisitos: I - o aproveitamento racional e adequado; II - a utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente; III - a exploração que favoreça o bem estar dos
proprietários e dos trabalhadores”. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São
Paulo: Malheiros. 1997. p. 155. O autor complementa, esclarecendo que o aproveitamento racional e
3
42
Segundo, Paulo Afonso Leme Machado, considerado o pai do direito
ambiental no Brasil, “o conteúdo da propriedade não reside num só elemento.
Há, sem dúvida, o elemento individual, que possibilita gozo e lucro para o
proprietário. Mas outros elementos aglutinam-se a esse: além do fator social,
há o componente ambiental.”6
Em várias bibliografias, pode-se encontrar a seguinte afirmação:
“Reconhecer que a propriedade também tem uma função social é não tratar a
propriedade como um ente isolado na sociedade. Afirmar que a propriedade
privada tem uma função social, não é transformá-la em vítima da sociedade.
Evita-se assim a propriedade agressora das outras propriedades - pública ou
privada- pois inexiste, juridicamente, apoio para a propriedade, que agrida a
sociedade, que fira os direitos dos outros cidadãos.” 7
Assim como nas demais áreas, do atual sistema jurídico brasileiro, o
“direito de propriedade e direito do meio ambiente utilizam, pois, a lei para
definir seus contornos, suas necessidades e suas aspirações. Esses direitosdeveres podem ajustar-se e estar conciliados, mas se estiverem em colisão,
teremos que confrontar as normas jurídicas de cada um desses institutos, para
saber qual deles deverá ter a prioridade ou a supremacia .” 8
O problema porém, não está apenas na interpretação e aplicação das
normas jurídicas existentes. Há necessidade de implementar um processo mais
eficaz para garantir a convergência desses interesses. Nesse momento, é
fundamental a intervenção estatal, através de políticas públicas de meio
ambiente.
A integração dos órgãos ambientais federal, estadual e implantação nos
municípios dos Planos Diretores Físico Territoriais, incluindo a variável
ambiental, podem ser instrumentos na aplicação e eficácia dessas garantias
constitucionais.
adequado significa, em última análise, “o uso sustentável da terra agrícola, a prática de manejo agrícola
que preserve o solo como patrimônio natural desta e das futuras gerações”.
6
7
8
Idem ibidem. p. 127.
LEME MACHADO, Paulo Afonso. Estudo do Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 126.
43
“Cada indivíduo tem o direito de ter um patrimônio e de resguardá-lo,
embora esse direito não esteja imune à intervenção estatal.” 9
O direito de propriedade está limitado a disposições legais e a
condicionantes administrativas do poder público, a quem incumbe preservar o
meio ambiente, “bem de uso comum do povo, valor este
carregador de
interesse público, em seu grau máximo”.10
Dessa forma, se vê com clareza que inexiste, juridicamente, apoio
para a propriedade que agrida a sociedade, que fira os direitos dos outros
cidadãos”.11 Portanto, o uso da propriedade privada apresenta uma função
social no interesse da proteção ambiental.
O TEMA NO DIREITO ROMANO
No estudo da propriedade no Direito Romano, os romanos não definiram
o direito de propriedade. Só a partir da Idade Média é que os juristas , de textos
que não se referiam à propriedade, procuram extrair-lhe o conceito, deduzindo
que, a propriedade seria o ius udendi et abutendi re sua (direito de usar e
abusar da sua coisa).
Porém, no mundo romano, situa-se a propriedade no centro do sistema,
girando-lhe ao redor toda a ordem jurídica e econômica.12 Tratava-se o direito
de propriedade como o maior dos poderes permitidos por lei.
Inicialmente, a propriedade, um direito
absoluto e exclusivo, que
permitia ao proprietário utilizar a coisa como bem entender, inclusive de
destruí-la, em virtude do jus obutendi, que é o direito que o proprietário tem de
abusar da coisa, alterando-lhe a “substância rerum” (incendiar casas, matas;
9
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. São Paulo: Renovar, 1995. p. 2.
MILARÉ & BENJAMIN. Estudo Prévio de Impacto Ambiental: Teoria , Prática e Legislação. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 106.
11
LEME MACHADO, Paulo Afonso. Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p.
117.
11
LEME MACHADO, Paulo Afonso. Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p.
117.
12
CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano: o Direito Romano e o Direito Civil Brasileiro. 22.
ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999. p. 168.
10
44
abater árvores: matar animais). O caráter exclusivo significava que o
proprietário, e mais ninguém, podia dispôr da coisa. 13
O traço absoluto do direito de propriedade é posto em evidência através
dos três jura que o caracterizam: o direito de usar (“jus utendi”), de fruir (“jus
fruendi”- o direito de aproveitar os frutos e os produtos da coisa ) e de abusar
da coisa (“jus abutendi”).
Mesmo assim, na Lei das XII Tábuas, já se verificaram algumas
restrições, quanto ao uso do terreno, não permitindo sua utilização integral,
mas mantendo-se espaços livres - confinium - para a circulação. Sendo terreno
com uma construção, deveria haver em volta da casa, um espaço - ambitus. 14
“O traço individualista dos primeiros tempos, vai sofrendo contínuas
atenuações, cedendo lugar à penetração do elemento social. Do individual para
o social - eis o novo sentido inequívoco do direito de propriedade, no império
romano.”15
Durante o período em que vigorou o
direito romano, inicialmente, o
direito de propriedade era tido como um poder absoluto e ilimitado da pessoa
sobre a coisa, com sentido exclusivamente individualista,
até a concepção
justinianeia, arejada por um novo e altruísta sentido social. 16
Com o tempo, modifica-se essa noção de direito absoluto, influenciado
pelo cristianismo, e a propriedade é vista como um bem, que acarreta para o
titular, direitos, mas também, deveres e obrigações morais. Na época feudal,
o direito de propriedade adquire novos traços, o mesmo acontecendo no final
do séc. XVIII.17
Já, “no mundo contemporâneo, por força da evolução social e jurídica,
mais e mais os poderes derivados do direito de propriedade são estatuídos
pelas Constituições, leis e jurisprudência, de modo bem delimitado”.18
13
CRETELLA JUNIOR, J. Obra citada. p. 171
Idem ibidem.
15
Idem ibidem. p. 173.
16
Idem ibidem. p. 168.
17
Idem ibidem. p. 172-173.
18
BENJAMIN, Antônio Hermann V. Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da
Reserva Legal e das áreas de preservação permanente. In: 5 anos após a Eco 92 - Congresso
Internacional de Direito Ambiental, Anais Proceedings, 199- . p. 16.
14
45
“Em nossos dias, o direito de propriedade torna-se uma função social,
que interessa à coletividade, afastando-se, de uma vez por todas, a nota
absoluta, perpétua, exclusiva que, na concepção romana, tornava aquele
direito uma potestade quase soberana e inatingível”.
Segundo J Cretella Júnior, no Direito Romano, a propriedade é o direito
ou faculdade, que liga o homem a uma coisa, baseada nos atributos do
dominium ,direito que possibilita a seu titular extrair da coisa toda utilidade
que esta lhe possa
proporcionar. “Propriedade é o poder jurídico, geral e
potencialmente absoluto, de uma pessoa sobre uma coisa corpórea”.19
Essa idéia de que o titular tem o domínio absoluto sobre a sua
propriedade, se manifesta, ainda hoje, especialmente no que diz respeito à
área ambiental. Os bens ambientais, principalmente a terra, as matas e mesmo
os
animais
silvestres
são
entendidos
como
patrimônio
pertencente
exclusivamente ao seu titular, quando na verdade, há muitas limitações legais
nesse uso.
Pode-se confirmar isso através das palavras do Prof. Antônio Hermann
Benjamin: “Em regiões menos evoluídas (e até noutras já bem desenvolvidas),
o conceito popular de propriedade confunde-se com um hipotético direito do
seu titular de usar aquilo, que é seu como bem lhe convier ou aprouver ,
prerrogativa essa que lhe dá um poder intocável de desmatar onde e quando
pretender, de lotear o imóvel ou explorar o seu subsolo sempre que lhe for
oportuno, enfim, de aproveitar, livremente, os recursos naturais existentes na
propriedade”.20
Está profundamente arraigado em nossa cultura esse pensamento de
poder absoluto do titular sobre a propriedade, assim como, no Direito Romano,
quando a propriedade representava a verdadeira dominação da pessoa sobre
a coisa, permitindo ao proprietário utilizá-la
como bem entendia, inclusive
destruí-la. 21
Existe portanto, um entendimento equivocado. O uso da propriedade
privada está sujeito às limitações do poder público para garantir a proteção do
19
Idem ibidem. p. 169.
BENJAMIN, Antônio Hermann V. Obra citada. p. 16
21
CRETELLA JÚNIOR. J. Obra citada. p. 170.
20
46
meio ambiente. “Na perspectiva ambiental contemporânea - na esteira da
aceitação da tese de que o domínio não mais se reveste do caráter absoluto e
intangível, de que outrora se impregnava, é bom ressaltar que, entre os direitos
associados à propriedade, não está o poder de transformar o ‘estado natural’
da res ou de destruí-la. Nenhum proprietário tem o direito ilimitado e inato de
alterar a configuração natural de sua propriedade, dando-lhe características
que antes não dispunha, carecendo para tal do concurso do Poder Público.” 22
Quais são os limites no direito de propriedade necessários para justificar
a sua função social diante da atual perspectiva da tutela ambiental? Já que :
“a Constituição não confere a ninguém o direito de beneficiar-se de todos os
usos possíveis e imagináveis de sua propriedade... Além disso, se é certo que
a ordem jurídica reconhece ao proprietário o direito de usar sua propriedade,
nem por isso assegura-lhe, sempre, e, necessariamente, o melhor, o mais
lucrativo ou mesmo o mais aprazível uso possível”. 23
Sabe-se, hoje, que a função social da propriedade está na base da
proteção do meio ambiente. Surge daí a necessidade do entendimento da
evolução do direito de uso da propriedade privada e o seu fim social.
Portanto, a partir de que momento, a propriedade privada passa a
adquirir uma função social de interesse ambiental? E nesse contexto, até que
ponto o ordenamento jurídico, através da aplicação do direito urbanístico pode
representar um importante instrumento na regulação do uso da propriedade
privada urbana, na proteção do meio ambiente?
Demonstrar que as políticas públicas de meio ambiente, especialmente
as municipais, podem ter papel fundamental na eficácia da aplicação da função
social da propriedade na proteção do meio ambiente.
A idéia de aplicação dos limites dos direitos à propriedade, deve ser
inserida na legislação urbanística municipal para alcançar melhor eficácia na
aplicação do direito ambiental. 24
22
BENJAMIN, Antônio Hermann V. Obra citada. p. 18
Idem ibidem. p. 25.
24
Atualmente no Brasil, além dos preceitos constitucionais, a legislação ordinária é que regulamenta a
proteção ambiental. Algumas constituições estaduais já apresentam em suas cartas referências ao texto
ambiental. Porém, quanto aos municípios, as realidades geográficas e sócio econômicas são muito
diferentes. Nos grandes centros há toda uma legislação implementada no Plano Diretor Físico Territorial.
23
47
EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Nas leituras
preliminares de textos de direito romano, observa-se a
evolução de um direito de propriedade absoluto para um direito de propriedade
sujeito ao interesse público e ao bem comum. Mesmo nos tempos do Império
Romano, o direito de propriedade, já, caminhava do sentido individual para o
social.
Entre os nômades, não havia o sentimento da propriedade individual,
pois ela era coletiva e todos os membros da tribo possuíam os mesmos
direitos. Os homens utilizavam os bens para satisfazer suas necessidades
físicas imediatas. Apropriar-se de uma
parcela de terras
surgiu
progressivamente, como fato imperioso para vencer as adversidades
da
natureza. “
A concepção da propriedade era tida como direito natural coletivo, no
qual todos tinham o direito de possuí-la, e sem valor econômico individual.”
Com o passar dos tempos, a propriedade começou
a despertar o
interesse dos homens, que se aperceberam do aspecto econômico e
absorveram a idéia que aquela “coisa” representava poder, riqueza e status.
E no dizer de Clóvis Beviláqua, citado por Fabíola Santos Albuquerque
“originou-se, então, na sociedade humana, o phenomeno econômico-jurídico
da propriedade” (sic).25
Observa-se que, a partir do momento, em que o homem
vive
em
cidades e se relaciona com as demais pessoas e com o próprio ambiente, ele
passa a ter que aceitar, para a sua convivência, regras de conduta com função
social, inclusive com relação ao uso da propriedade privada.
“A Lei das XII Tábuas foi a primeira organização jurídica escrita entre os
romanos e contemplou diversos institutos, entre eles a propriedade. Tamanha
sua relevância, que se tornou fonte de todo direito público e privado”. A
estrutura familiar baseava-se na autoridade do pater familias, que detinha todo
o poder sobre pessoas e coisas, “daí alguns doutrinadores identificarem como
Enquanto que nos pequenos municípios, nem sequer existem Planos Diretores Municipais, disposições
com fim de proteção ambiental, ou mesmo toda essa preocupação de proteção ao meio ambiente inexiste.
25
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Direito de propriedade e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 1999.
p.23.
48
sendo este momento em que a propriedade adquiriu forma individual.”
26
A
propriedade quiritária, reconhecida pelo direito romano e concedida somente
aos cidadãos romanos, passou a ser instituição de direito civil, designada pelo
termo diminium, sendo proprietas um termo mais raro e bastante tardio.27
Na idade média, durante o predomínio do sistema feudal, no período do
absolutismo monárquico na
Europa,
caracterizava-se a coexistência de
proprietários sobre um único bem, propriedade comum e propriedade
individual do solo, o senhor tinha a posse legal e o servo a posse útil.28
Na Idade Moderna, com o início do movimento iluminista, houve o
ressurgimento do Direito romano, como direito do nascente Estado Moderno.
Os glosadores passaram a aplicar do direito romano, retomando os termos
com relação a propriedade e a definição pelo seu conteúdo: o direito de uso,
gozo e abuso, como oposição ao regime feudal.29
Em razão das codificações liberais, na formação do Estado liberal, a
concepção individualista de propriedade ressalta-se
e propriedade como
direito comum estatal cai em desuso. “O direito à propriedade privada, atrelada
à idéia de liberdade, tem uma conotação tão marcante com a pessoa que é tida
como corolário da própria personalidade.”
Ressurge a propriedade como direito absoluto e inviolável, passando a
nortear o novo arcabouço jurídico, reproduzido quando da Revolução
Francesa, absorvido como modelo de propriedade e consagrado pelo Código
Civil francês de 1804.
A propriedade passa ao mesmo plano da liberdade individual como
direitos naturais e imprescritíveis do homem, e tal liberdade consiste em poder
fazer tudo o que não prejudique a outro, sujeitando-se apenas aos limites
determinados por lei, mediante a garantia legal de que a desapropriação
somente é possível mediante justa e prévia indenização pelo poder público. A
idéia do direito de propriedade, como decorrente do direito natural serviu de
justificativa para seu caráter absoluto e individualista, que foi acolhido pelo
Código Civil Brasileiro.
26
Idem, p.23.
Idem, p. 25.
28
Idem, p. 27.
27
49
Quando da codificação civil, fruto do Estado liberal, o estatuto jurídico
estava voltado à tutela dos direitos individuais da classe burguesa, regulando
as relações privadas, família, contrato e propriedade. Já no Estado social, a
proprieade está inserida em um viés de cunho igualitário, cujo exercício deve
ser condicionado às exigências legais e sempre em prol do bem comum. A
propriedade é integrante de um complexo de componentes políticos,
econômicos e sociais. “O advento do Estado social decorre exatamente da
ingerência do Estado nas relações individuais”.
Mas nem todos se sujeitam a aceitar o social sobre o particular,
especialmente na área ambiental. São exemplo do desseirtuamento contra a
ordem júridica a
justificativa conservadora de que as leis ambientais que
regulamentam o fim social da propriedade ferem esse direito absoluto,
ensejando, portanto, altas indenizações mediante desapropriação indireta,
alegando prejuízos causadados ao seu titular por restrições no uso da
propriedade tanto urbana quanto rural.
Verifica-se que, em todos os momentos, o direito de propriedade está
sujeito às transformações sociais e
esse uso tem uma repercussão não
somente individual, mas coletiva.
Com a revolução industrial o processo de degradação ambiental
intensificou-se de tal forma que muitos, hoje, pensam apenas em efeito estufa,
camada de ozônio e degelo das geleiras dos pólos, esquecendo-se de que a
propriedade é o primeiro bem sujeito às nossas ações de interferência, no meio
ambiente.
Que não são somente as fábricas, as indústrias e os grandes
empreeendimentos que causam interferências ambientais, mas o próprio
crescimento das cidades, com todo o seu afluxo de matéria e energia gera
impactos ambientias muito mais profundos e de difícil controle. A certificaçao
ambiental internacional da série ISO 14.000 já alcançou os grandes meios de
produção no Brasil. Porém, os centros urbanos crescem incontroláveis, com a
degradação do ambiente e há perda da qualidade de vida.30
29
30
Idem ibidem.
Idem, p. 55.
50
DIREITO
DE
PROPRIEDADE
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
E
PROCESSO
LEGISLATIVO
NAS
31
Constituição de 1824
Prevê garantias individuais à liberdade, à segurança
individual e à
propriedade. Garante o direito de propriedade, em toda a plenitude, definido
que, somente por lei, serão designados casos em que esta possa sofrer
indenização.
Constituição de 1891
Garante a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, mantendo-se este em toda a plenitude,
salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante
indenização prévia;
Constituição de 1934
Ressalta as garantias do Estado social, sendo a primeira constituição
que coloca o interesse social ou coletivo como uma nova dimensão da
propriedade privada: (art. 113, 17) “É garantido o direito de propriedade, que
não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma em que
a lei determinar...”
Constituição de 1937
Apesar de ser uma constituição de origem ditatorial, não deixou de
reconhecer que, o direito de propriedade devia ter seu conteúdo e limites
definidos nas leis.
Constituição de 1946
No título V, Da Ordem Econômica e Social, encontra-se o art. 147 que
diz, na primeira frase: “O uso da propriedade será condicionado ao bem estar
social”.
Constituição de 1967
O art. 157 diz: “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social
com base nos seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade."
51
Emenda Constitucional n. 1/ 1969
O art. 160 diz: “A ordem econômica e social tem por fim realizar o
desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:
(...) III- função social da propriedade”.
Constituição Federal de 1988
O direito de propriedade passa a ter seu conteúdo e seus limites
expressos pelo Poder Legislativo e não mais pelo poder executivo como nas
outras constituições anteriores. O direito de propriedade é matéria reservada `a
lei. No título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, encontramos: XXII –
“é garantido o direito de propriedade";
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”.
Essa valorização
do emprego do processo legislativo, isto é, da lei,
ocorreu também no capítulo do meio ambiente. Aliás, é a primeira constituição
que apresenta um capítulo dedicado, exclusivamente, ao meio ambiente.
Portanto, direito de propriedade e direito do meio ambiente utilizam a lei para
definir seus contornos.
“O conteúdo da propriedade não reside num só elemento. Há, sem
dúvida, o elemento individual, que possibilita gozo e lucro para o proprietário.
Mas outros elementos aglutinam-se a esse:
componente ambiental”.
além do fator social, há o
32
A ninguém cabe o direito de poluir ou desmatar. As ações individuais
sobre o meio ambiente estão sujeitas às limitações sobre a propriedade
privada, previstas em lei, autorizadas pelo poder público e fiscalizadas pelo
Ministério Público e coletividade em geral.
O DIREITO DE PROPRIEDADE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira, que dedica um capítulo ao
meio ambiente, expressa no caput do art. 225, que todos têm direito ao meio
ambiente, ecologicamente, equilibrado, bem de uso comum do povo e
31
LEME MACHADO, Paulo Afonso. Estudo de Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 120126.
32
Idem p. 127.
52
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se a Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Comparado ao direito romano, atualmente, “a função social da
propriedade é princípio basilar
da ordem econômica e social., o que é
esclarecido através da seguinte citação: “Ao afirmar que a função social da
propriedade é princípio basilar da ordem econômica e social, a Carta do País
deixou explícito que, a propriedade e que, portanto, todas as suas expressões
naturais - o uso, o gozo e a disposição do bem - não só podem, mas devem,
ser regulados de maneira tal que, se assujeitem às conveniências sociais e que
se alinhem nesta destinação, de tal modo que, a propriedade cumpra
efetivamente, uma função social”. 33
Cabe a cada um cumprir a sua parte, na preservação ambiental, mas
está nas mãos do governo
a responsabilidade da aplicação da legislação
ambiental brasileira para que se cumpram os preceitos constitucionais de a
propriedade atender a sua função social.
Não está porém, nas mãos do governo, a maior parcela de terras. As
terras têm dono, a propriedade é privada. Portanto,
a ação primeira no
cumprimento do preceito constitucional fundamental para a proteção do meio
ambiente, está nas mãos dos particulares. A responsabilidade individual de
cada proprietário é muito maior do que se pensa. O papel do Estado como
interventor nesse processo, tornou-se imprescindível, exatamente, porque o
proprietário usou e abusou dos seus “direitos”, 34 durante séculos.
O correto manejo no uso dos recursos naturais é o que se busca. O
desenvolvimento sustentado, cujo princípio fundamental é usar o meio
ambiente sem prejudicar ou inviabilizar o seu uso pelas futuras gerações, é o
modelo de desenvolvimento ideal perseguido por todas as nações do mundo.
É urgente portanto, a adoção de práticas públicas de administração
ambiental, em todas as esferas do governo.
33
34
35
A aplicação da legislação
BENJAMIN, Antônio Hermann V. Obra citada. p. 24
Entenda-se “direitos” como uso abusivo da coisa, jus abutendi.
Atualmente é bastante complexa a questão das competências. A Constituição Federal de 1988 previu
dois tipos de competência para legislar com referência a cada um dos membros da Federação: a União
35
53
ambiental constitucional e ordinária, a qual, a maioria dos proprietários não
quer se sujeitar, gera conflitos de interesses, ensejando prevalecer o interesse
do particular sobre o interesse coletivo.
Esse fato, repetidamente, termina em litígio, com discussões jurídicas
acerca do interesse que deve prevalecer: o interesse particular ou o fim social?
Tal fenômeno ocorre, não nas altas esferas do governo, mas no dia-adia dos cidadãos, desconhecedores do nosso direito brasileiro, leigos no
assunto, tendo enraizado em suas mentes o direito de propriedade absoluta, e
que, ao governo, só lhe interessa
cercear tal direito. Tal conflito ocorre
justamente no município, onde as relações entre o uso da propriedade privada
e o fim social se manifestam e se concretizam. É ali que o homem vive seu
dia-a-dia, e é o poder público municipal quem lhe presta o primeiro serviço,
normalmente, através
de um ato administrativo como uma autorização ou
licença36 para a prestação de algum serviço ou execução de benfeitoria, que
invariavelmente, interfere na qualidade ambiental.
Por isso, uma das soluções para esses conflitos de interesses pode
estar na criação e aplicação da legislação ambiental municipal, inserida no
plano diretor físico territorial, instrumento básico e imprescindível para o
desenvolvimento da cidade, visando aperfeiçoar
e definir a sua expansão,
conforme previsto no art. 182 da C.F., obrigatório para todos os municípios com
mais de 20.000 (vinte mil) habitantes.
É através da aplicação da legislação urbanística municipal que, o
proprietário se submete aos procedimentos básicos, que garantem o fim social
da sua propriedade. Quando o proprietário deseja construir uma indústria,
fábrica, galpão, ou comércio; promover parcelamento do solo (loteamentos),
tem competência privativa e concorrente; os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente e
suplementar; e os Municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para
suplementar a legislação federal e estadual. LEME MACHADO, Paulo Afonso. Estudo do direito
ambiental . São Paulo: Malheiros. 1993. p. 138.
36
Os termos licença e autorização têm sentidos diferentes. Segundo SILVA.(1997), “licença” é
pertinente quando pré-existe o direito subjetivo ao exercício da atividade, desde que atendidas as
exigências impostas em leis; é um ato que pressupõe que aquele em favor de quem é liberada seja titular
de direito. Já a autorização é ato precário e discricionário, ato administrativo unilateral quando o direito
ao exercício da atividade vai nascer com o ato da autoridade. Também conforme LEME MACHADO,
1996.
54
deve cumprir os procedimentos de licenciamento,
37
que em muitos municípios
brasileiros já incluem a análise de viabilidade para implantação de atividades
de acordo como o seu potencial de degradação ambiental, procurando conciliar
sempre o desenvolvimento econômico-social com a proteção ao meio
ambiente.
No direito ambiental, o princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado radicaliza-se”. É com base nesse princípio que a disciplina
ambiental vem criando uma
série de instrumentos de controle do uso e
38
aproveitamento da propriedade.
E é nesse momento, quando da
obrigatoriedade dos municípios de
cumprirem o art. 182 da CF. na elaboração do seu plano diretor, que deve-se
viabilizar a implementação da legislação urbanística voltada para o fim social.
O plano não deve resumir-se meramente num plano de ordenamento físico
territorial, como é verificado na maioria dos municípios brasileiros, mas deve
incluir a variável ambiental para efetivamente disciplinar o uso da propriedade
privada para o fim social e a proteção ambiental.
Tal fenômeno observa-se principalmente na região do extremo oeste
catarinense, onde normalmente os municípios são novos, colonizados por
famílias de madeireiros, e cuja formação se deu, praticamente, em função da
exploração dos recursos florestais, especialmente, do pinheiro brasileiro, a
Aracucária angustilfolia, hoje protegida por lei específica, tal foi sua
devastação.
De todo o Estado de Santa Catarina, a região do extremo oeste é a mais
desflorestada. A ocupação primeira, portanto, dá-se pela exploração dos
recursos naturais, na qual o homem apropria-se de tudo que lhe possa trazer
lucro imediato, seguindo-se uma cultura com falta de técnicas de uso e manejo
do solo agrícola.
37
O licenciamento ambiental para implantação de atividades potencialmente poluidoras está previsto no
art. 225, caput e parág. 1.o , IV da C.F. A avaliação de impactos ambientais é um dos instrumentos da
Política Nacional do Meio Ambiente, (Lei 6.938/81). Trata-se do EIA - Estudo Prévio de Impacto
Ambiental, que o legislador constitucional brasileiro, pela primeira vez na história do constitucionalismo
mundial, deu assento, em sede de Constituição nacional. MILARÉ & BENJAMIN. Estudo Prévio de
Impacto Ambiental: Teoria, Prática e Legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.99.
38
Idem ibidem. p.107.
55
Atualmente, esses pequenos e médios municípios, com uma agricultura
mais centralizada e especializada, procuram a faceta da industrialização,
buscando atrair indústrias para incremento da arrecadação e possibilidade de
absorção de mão de obra desqualificada.
Nessa fase do processo, porém, é fundamental a implantação
concomitante de princípios básicos de urbanização, que levem em conta a
manutenção ou mesmo a melhoria da qualidade ambiental, especialmente da
água e do ar. Não criando, simplesmente, as
zonas industriais, mas
adequando o espaço físico do município à sua conformação geográfica,
levando-se em conta a escassez dos recursos hídricos, a disposição adequada
dos resíduos domiciliares e agro industriais e a manutenção de áreas verdes,
cumprindo- se o disposto na lei 6.766/79, que regulamenta o uso e a ocupação
do solo urbano.
A preservação ambiental passa, necessariamente, pelo fim social da
propriedade privada. Portanto, o presente estudo partiu do princípio que, a
obrigação de resguardar
o meio ambiente não infringe o direito de
propriedade, e que a conservação do
meio ambiente é bem de interesse
coletivo e riqueza dos povos.
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ambiente. Curitiba: Juruá, 1999.
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ocupação do solo urbano no município de Blumenau. Itajaí, 1998. 117
p. Monografia (Especialização em Direito Ambiental), Universidade do Vale
do Itajaí.
57
A CONDIÇÃO DA MULHER NO CASAMENTO ( * )
AQUILÉA ADRIANA DE OLIVEIRA
ACADÊMICA DE DIREITO DA FACULDADE MATER DEI DE PATO BRANCO – PR
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Flori Antonio Tasca, na Disciplina Direito
Romano do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O artigo trata da condição da mulher no casamento em
perspectiva histórica a partir do Direito Romano, destacando os
princípios do ius naturalis e as normas do ius civile. O texto expõe as
desigualdades entre as pessoas no sistema familiar (e social) romano,
descrevendo as diversas modalidades de casamento e tratando de
outros aspectos relevantes da organização da família. A autora traça
paralelo entre aspectos históricos e atuais do casamento, esboçando o
novo modelo de Direito de Família brasileiro a partir da vigente
Constituição.
THE CONDITION OF THE WOMAN IN THE MARRIAGE – ABSTRACT
- The article deals with the condition of the woman in the marriage under
a historical perspective from the Roman Law, focusing on the ius
naturalis principles and the ius civile rules. The text exposes the
inequalities among the people in the Roman familiar system (and social),
describing the several modalities of marriage and conferring attention to
other relevant aspects of the family organization. The author establishes
a parallel between historical and current aspects of the marriage,
58
sketching the new model of the Brazilian Family Law from the in force
Constitution.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem a finalidade de acrescentar às discussões em
torno do tratamento social dispensado à mulher casada, as interferências
ocorridas ao longo da história, envolvendo a análise jurídica do período de
formação do Direito Romano e da era atual.
Os momentos do Direito Romano, nos quais a figura feminina surge
como integrante da sociedade são apresentados, definindo as diversas
condições impostas à mulher naquela sociedade patriarcal.
A família romana era uma comunidade política em miniatura. Seu chefe,
juiz, sacerdote era o “paterfamilias” que exercia um poder quase absoluto sobre
a mulher, os filhos, os clientes e escravos e o domínio sobre todo o patrimônio
e um pequeno território. E o Estado, pelo menos até a época clássica, não
interferia senão, esporadicamente, na família, sendo sua jurisdição paralela à
jurisdição doméstica. A unidade política correspondia a unidade doméstica e a
família romana visava, antes de tudo, a impetrar objetivos que interna e
externamente, se assemelhavam ao do Estado, visão esta, que a pesquisa
pretende expor através dos fatos pesquisados.
No estudo, serão analisados os direitos e deveres concernentes à
mulher casada, na atualidade, e as disposições legais que as regulam.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, contemplou a família
instituindo normas, que subsidiária ou indiretamente tratam de seus interesses,
porém, o constituinte foi precipitado, quando, tratou da igualdade dos direitos e
deveres do marido e da mulher, na sociedade conjugal ao revolucionar
complexa tradição com texto tão simplista e auto-aplicável.
Tradicionalmente, homem e mulher têm sido analisados separadamente,
dentro de uma visão dicotômica, há séculos instalada e, a condição hodierna
59
da mulher, no casamento, revela que, a igualdade prevista na Carta Magna não
dissolve plenamente as diferenças existentes.
Mesmo que, superficialmente, pretende-se, através desta pesquisa,
relatar a evolução condicional da mulher no casamento, social e juridicamente.
HISTÓRICO
O Direito moderno reconhece a igualdade de direitos, prevista no Artigo
5º da Constituição da República Federativa do Brasil: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição.”. No entanto, ao se analisar a história do Direito Romano
surge a figura feminina submissa ao homem.
Conhecer a origem do Direito, exige, dos estudiosos, buscar, através
das pesquisas, o conhecimento das lutas e ideais dos povos na Antiguidade. É
através da compreensão das regras utilizadas pelos grupos sociais para definir
o comportamento dos indivíduos que, se pode entender o desenvolvimento e a
aplicabilidade do Direito.
Embora se conheça o Direito, na história dos povos da Antigüidade e
que estes eram governados por um sistema de Leis, a importância que o
Direito Romano tem, na formação do Direito aplicado em nossa época, é
fundamental, tendo em vista que, os institutos romanos são fontes constantes
do Direito atual.
No pensamento romano, encontra-se a idéia da existência de um Direito,
baseado na natureza humana, como ser individual ou coletivo, daí haver dito
Justiniano: “Vejamos antes as pessoas, pois é conhecer pouco o Direito se
desconhecemos as pessoas, em razão das quais ele foi constituído” ( “Et prius
de personis videamus. Nam parum est jus nosse, si personae, quarum causa
constitutum est, ignorentur.” – Institutas, I, 2, 12).
60
Também Hermogeniano, ensina que, toda ordem jurídica é estabelecida
por causa dos homens ( “Omne jus constitutum est causa moninum.” –
Digestas, I, 5, 2), embora nem todos os homens tenham capacidade jurídica,
tendo em vista que no Direito Romano a condição de homem não basta para
atribuir a capacidade, diferentemente, do que ocorre no Direito moderno.
Para o Direito Romano, no entanto, não há paridade jurídica a todos os
seres humanos e a desigualdade entre homens e mulheres é definida já na
constituição da família, caracterizada pela figura patriarcal.
É compreensível, por exemplo, que o código romano, a fim de restringir
os direitos das mulheres, invoque “a imbecilidade, a fragilidade do sexo”, no
momento em que, pelo enfraquecimento da família, ela se torna um perigo para
os herdeiros masculinos. É compreensível que, no século XVI, a fim de manter
a mulher casada sob tutela, apele-se para a autoridade de Santo Agostinho,
declarando que “a mulher é um animal que não é nem firme nem estável”,
enquanto à celibatária se reconhece o direito de gerir seus bens. Montaigne
compreendeu muito bem a arbitrariedade e a injustiça do destino imposto à
mulher: “Não carecem de razão as mulheres, quando recusam as regras que
se introduziram no mundo, tanto mais quanto foram os homens que as fizeram
sem elas. Há, naturalmente, desentendimentos e disputas entre elas e nós”. A
fim de provar a inferioridade da mulher, os antifeministas apelaram não
somente para a religião, a filosofia e a teologia, mas ainda para a ciência.
Desde os primórdios, ao investigar a sociedade, na Grécia antiga, a
ciência da economia doméstica tem três ramos – um trata das relações entre
senhor e escravo, outro das relações entre pais e filhos e outro das relações
entre marido e mulher, pois fazia parte da economia doméstica o comando da
mulher e dos filhos pelo chefe da família ( dela e deles como criaturas livres,
embora não com a mesma forma de comando, mas o da mulher de maneira
democrática e o dos filhos monarquicamente); com efeito, o macho era
naturalmente mais apto para o comando do que a fêmea. As qualidades das
mulheres eram reconhecidas, porém, consideravam que elas não possuíam
autoridade plena para comandar.
61
A MULHER CASADA NO DIREITO ROMANO
A constituição da família romana tem sua base no casamento que é
definido naquele Direito por De Francisci, citado por Leite, Eduardo de Oliveira
(1991, p.57),
como sendo “a convivência do homem e da mulher com a
intenção de ser esposo e esposa, de Ter filhos e constituir uma sociedade
íntima e perpétua” e Costa, citado também por Leite, Eduardo de Oliveira(1991,
p.57) informa: “Entre as relações de submissão familiar, se destaca mais que
qualquer outra, a existente entre o homem e a mulher unidos para procriar
filhos e continuadores, por meio, precisamente, do casamento”.
A fundação da família romana (esponsais) se dava na concretização de
promessas recíprocas de casamento futuro. Era realizado no Direito antigo
entre o “paterfamilias” dos noivos, se eles fossem “alieni juris”, entre o noivo e o
tutor do noiva se fossem “sui juris”, ou , tivessem qualidades diferentes, entre
um dos noivos e o “paterfamilias” do outro. O consentimento dos próprios
noivos era relevante, pois o filho podia discordar da escolha paterna
amplamente, mas a filha apenas quando pudesse alegar indignidade ou
torpeza. A “sponsalia” era, por meio de um contrato verbal efetuada. A partir
desta gerava-se a obrigação de contrair o casamento, ocorrendo em caso de
inadimplência de uma das partes a
condenação por ação de “sponsu” a
ressarcir o dano causado pelo rompimento iníquo. No
Direito clássico os
esponsais contudo, não geram qualquer vínculo jurídico, a cláusula que obriga
o noivo a pagar a indenização, na hipótese de dissolver o noivado (stipulatio
poenae) é nula, visto como se deve resguardar a pureza dos consentimentos.
No
Baixo
Império
obrigatoriedade, devido à
os
esponsais
voltam a
adquirir
uma
certa
introdução no Direito romano de um instituto de
origem oriental, as “arrhae sponsaliciae”. São quantias que os noivos trocam
entre si e que se destinam a garantir a promessa de matrimônio e servir de
pena no caso de inadimplemento. O inadimplemento perde as "arras" que deu
62
e restitui as que recebeu no quádruplo e, mais tarde, no dobro do valor, mas se
tem motivo justificado , limita-se a restituir as recebidas.
O matrimônio romano foi sempre
monogâmico. O casamento era
considerado pelos romanos como a união entre o homem e a mulher com o fim
de estabelecer uma comunhão de vida íntima e duradoura. No modo jurídico
era um
estado de fato que não surgia, como o atual, da troca inicial de
consentimentos , mas da permanência da união com características
matrimoniais. Essas características eram a convivência e a intenção de ser
marido e mulher.
A colocação da mulher à disposição de seu marido era indispensável
sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a melhor prova.
Para que o casamento fosse válido, o Direito romano exigia requisitos. O
primeiro, concernia à idade. O homem deveria ser pubes (púbere), e a mulher
viripotens (núbil). No direito romano a puberdade e a nubilidade verificavam-se
na base do desenvolvimento físico, ou “habitus corporis”. Mais tarde Justiniano,
seguindo a opinião dos Proculianos, determinou que a puberdade datasse dos
catorze anos e a nubilidade dos doze anos. Quanto a idade máxima , as leis
caducárias haviam aconselhado os sessenta e os
cinqüenta anos
respectivamente para homens e para mulheres. O direito Justiniano não
admitiu limite máximo de idade.
O segundo se baseava no consentimento. Era indispensável o
consentimento dos esposos e,
se não fossem “sui juris”, o consentimento
daqueles que os tivessem sob poder, “in potestate”. Para “filius familias” era
obrigatório o consentimento do “paterfamilias”, mas para a “filia familias”
bastava o consentimento tácito, ou subentendido. Em caso do veto por parte de
um “paterfamilias” com conseqüente insatisfação de um ou dos noivos era
previsto em lei o ato de
recorrer ao pretor , que intervinha para obter o
consentimento necessário. Em caso de deficiência mental do “paterfamilias”,
era dispensado o consentimento para as filhas.
No casamento no Direito clássico, caso o pai fosse prisioneiro de guerra,
o filho podia casar-se sem o seu consentimento, enquanto no Direito justiniano
essa possibilidade se estendeu a todos os casos, mas o filho e a filha somente
63
poderiam matrimoniar-se antes de esgotado o
prazo de três anos se com
alguém digno da aprovação paterna.
O terceiro requisito era o “connubium” ou faculdade de contrair
casamento válido segundo o “jus civile”. Essa faculdade desapareceu por
motivos oriundos do parentesco , da afinidade, da diferença de condição social
ou de outra natureza.
No Direito antigo, o matrimônio é também proibido entre parentes em
linha colateral até o sexto grau. No Império essa proibição se atenua, pois é
permitido o casamento entre primos-irmãos (quarto grau), com dispensa
imperial; esse casamento foi mais tarde vedado e depois permitido na época de
Justiniano, mesmo sem dispensa. Não era permitido casamento entre tio e a
sobrinha ou entre sobrinho e tia. A afinidade é impedimento ao matrimônio.
Impossibilita o casamento entre sogra e genro, sogro e nora, padrasto e
enteada, madrasta e enteando. Na época cristã a proibição alcança a linha
colateral, vale dizer , o casamento entre cunhados e cunhadas.
Era proibido o casamento entre patrícios e plebeus e entre ingênuos e
libertos. Mas essas leis desapareceram com a Lei da Canuléia e esta, com a
Lei Iulia de “maritandis ordinibus”.
Uma “oratio” de Marco Aurélio e Cômodo determinou que, o tutor e
seus dependentes não poderiam casar-se com a pupila antes de prestadas as
contas da tutela e de decorrido o prazo da “restitutio in integrum” em favor do
menor; no direito Pós-clássico, desaparecia o impedimento, quando o
matrimônio tivesse sido desejado pelo pai.
O casamento, como é de conhecimento geral, não excluía a mulher
de sua família de origem, se ela fosse “alieni juris”, ou do poder dos tutores,
enquanto ele existiu, se ela fosse “sui iuris”. O homem adquiria nenhuma
“potestas” sobre a mulher, mas o marido podia repudiar a adúltera e promover
sua condenação criminal. O pai podia matar a filha adúltera e o cúmplice
surpreendido em flagrante. Os filhos procriados durante o casamento eram
filhos legítimos e cidadãos romanos e ingressavam na “patria potestas” do
marido ou do “pater” deste. A mulher prendia-se aos filhos pelos elos da
cognação, que não derivavam propriamente do matrimônio. O casamento se
64
dissolvia pela morte de um dos cônjuges, pelo desaparecimento do
“connubium”, pela superveniência do impedimento e pelo divórcio.
Dissolvia-se o matrimônio com o desaparecimento da intenção dos
cônjuges de serem marido e mulher. Nota-se que o casamento romano tinha
base nitidamente consensual. Sendo
fundado num acordo, que se devia
sempre renovar e permanecer, extinguia-se quando esse acordo cessasse . O
divórcio decorria , portanto , da natureza consensual do matrimônio e exigia
igualmente o firme propósito de separação definitiva. Pode-se definir o
“divortium” como a dissolução do casamento provocada pela vontade de um
dos cônjuges ou de ambos.
Os divórcios eram, no Direito antigo, muito pouco freqüentes. O repúdio
da mulher pelo marido era autorizado, quando a mulher era adúltera, bebia
vinho ou abortava. Durante o Direito clássico, não se chegou a estabelecer um
elenco de causas permissíveis e
punitivas do divórcio. Apenas no Império
cristão é que se iniciam as tentativas de combate ao divórcio.
As pessoa sujeitas a um único poder por nascimento ou por um ato
jurídico constituíam a família romana. O ato jurídico, em virtude do qual,
alguém podia entrar numa família era a “conventio in manum”.
Ingresso da mulher na família romana – A mulher, pela “conventio in
manum”, ingressava na família do marido, sujeitando-se à “manus”(poder
marital) deste, ou, se ele fosse “alieni juris” (pessoa que se submetia ao
domínio de outra), de seu “pater”.
A “conventio in manum” ocorria por um dos três seguintes modos:
- “confarreatio” – cerimônia religiosa, com formalidades complexas,
realizada na presença do Supremo Sacerdote de Júpiter, do Sumo Pontífice e
de dez testemunhas, na qual, em síntese, os noivos, simbolizando sua vontade
de viverem em comum, dividiam e comiam um bolo, havendo a prolação de
certas palavras solenes e a observância de determinados ritos religiosos;
- “coemptio” – cerimônia em que, utilizando-se dos ritos da “mancipatio”,
se celebrava uma venda fictícia, provavelmente da mulher, por si mesma, ao
marido;
65
- “usus” – modo de aquisição da “manus” que se assemelhava ao
usucapião, pois o marido, pela “usus”, adquiria a “manus” sobre a mulher se
vivesse em comum com ela durante um ano inteiro; a mulher, porém, podia
evitar a “conventio in manum” pelo “usus” se, durante o ano, se afastasse da
casa do marido três noites consecutivas.
Desses modos de aquisição da “manus”- e os autores divergem
profundamente sobre a ordem em que eles surgiram – o primeiro a cair em
desuso foi o “usus”, que no tempo de Gaio, já era simples reminiscência
histórica; a “confarreatio” persistiu mais tempo, possivelmente, até a
implantação do Cristianismo, como religião oficial do Império Romano e a
“coemptio” desaparece inteiramente no século IV d.C..
Os efeitos da “conventio in manum” - A “conventio in manum”, pela
qual se adquiria o poder marital, produzia efeitos quanto à pessoa da mulher e
quanto aos seus bens.
Quanto à pessoa da mulher, eram esses:
-
A mulher ingressava na família do marido “in loco filiae”(como se
fosse filha dele, e, conseqüentemente, com relação aos seus próprios filhos,
é considerada como irmã deles “in loco sororis”, tornando-se assim, para
todos os efeitos, sua parenta agnada; em virtude disso, ela se desvincula da
família de origem, deixando de ser agnada, também para todos os efeitos,
dos membros desta, embora continue cognada deles (e isso porque o
parentesco consangüíneo não se extingue com a “conventio in manum”).
-
Assim sendo, a mulher sofre uma “capitis diminutio minima”
(desvalorização de seu status): se é “sui juris”, torna-se “alieni juris”; se
“alieni juris” continua a sê-lo, porém, na família do marido.
-
O marido adquire a “manus” passando a ter sobre a mulher
poderes semelhantes aos que possui com relação aos seus filhos:
a) “ius vitae et necis” – direito de vida e de morte;
b) “ius vendendi” – direito de vender;
c) “ius noxae dandi”- a mulher poderia sofrer abandono moral.
A extinção da “manus” – A manus é independente do casamento,
portanto, embora nos termos romanos não haja referência direta a essa
66
conseqüência, é de supor-se que o divórcio dissolvesse o matrimônio, mas não
extinguisse a “manus”, o que só ocorria quando se verificasse modos diretos
ou indiretos.
A condição patriarcal submete a mulher à submissão ao marido a partir
do casamento, o qual determina que a esposa deve pertencer à família do
marido a fim de dar continuidade aos descendentes, tem caráter monogâmico e
prevê sanção à prática de adultério.
Nota-se que, inicialmente, o casamento não era previsto juridicamente,
havia somente a intenção das pessoas em viver maritalmente e a convivência
confirmava esta intenção. Os princípios do casamento, como união do homem
e da mulher, garantindo a legitimidade dos descendentes são definidos no
“Corpus Juris Civilis” de Justiniano, apesar de não depender da intervenção
dos poderes públicos.
A sociedade romana considerava a dignidade feminina, através do
esposo, ou seja, de sua condição de esposa. É o homem que garante uma
posição social e a mulher apenas colabora com o sustento da família através
do dote, que entrega ao marido.
O ato do casamento era particular e mesmo com a noção imposta pelo
Cristianismo de ser uma união divina e humana somada as formalidades
religiosas, não deixou de ser um ato informal. A negociação dos casamentos
normalmente, dava-se entre os pais de famílias e produzia efeitos de Direito
mas não havia um ato jurídico. Na realidade, a sociedade procedia
informalmente,
mas
reconhecia
a
validade
dos
acordos
a
fim
de,
principalmente, garantir a sobrevivência da família através da procriação.
A respeito da posição da mulher na família romana, percebe-se a
submissão em relação ao marido. Dentro da família todos os poderes irradiam
da pessoa do “sui juris”, do “pater” (pessoa com poder, domínio sobre os bens
e demais membros da família).
Ao continuar a análise da história do Direito Romano aparece a figura
feminina no campo abrangido pelos institutos da tutela e curatela, a qual é
considerada incapaz.
67
José Cretella Junior relaciona as seguintes pessoas “sui juris”(pessoas
que não se encontram submetidos a nenhum poder doméstico) que ficavam
sob tutela e curatela em Roma : sob tutela (impúberes dos dois sexos e as
mulheres púberes, em tutela perpétua)... e também cita a Lei das XII Tábuas
que previa os seguintes tipos incapazes de fato : ... 2º - as “ feminae”,”
mulieres” (em razão do sexo são incapazes perpétuas).
O instituto da tutela para as mulheres púberes só veio a desaparecer no
Baixo Império, apesar de, a tutela das mulheres não se desenvolver como
ocorreu com a tutela dos impúberes.
No Direito Romano, a capacidade de fato implica, necessariamente, à
capacidade jurídica; à recíproca, entretanto, não é verdadeira.
A regra geral é a de que as pessoas físicas são capazes de fato, porém,
há fatores que acarretam a incapacidade e entre eles citamos:
-
a idade
-
o sexo
-
a alienação mental
-
a prodigalidade
O sexo influiu na capacidade de fato até o século IV d. C., época em que
as mulheres passaram a ser capazes. É o conflito entre a família e o estado
que define a história da mulher romana, no instituto do casamento.
O caráter arcaico do poder que o “paterfamilias” tinha sobre seus
descendentes era revelado pela total, completa e duradoura sujeição destes
àquele, sujeição esta que tornava a situação dos descendentes semelhante à
dos escravos, enquanto o “paterfamilias” vivesse. A organização familiar
romana repousava na autoridade incontestada do “paterfamilias” em sua casa
e na disciplina imposta que nela existia.
Do ponto de vista patrimonial, o pátrio poder implicava a centralização
de todos os direitos patrimoniais na pessoa do “paterfamilias”. No direito
clássico, este era a única pessoa capaz de ter direitos e obrigações.
A união duradoura entre marido e mulher, como base do grupo familiar,
é a idéia fundamental no direito romano, mesmo assim, há grande diferença
entre as concepções romanas e modernas a respeito. O poder marital, por
68
exemplo, era um reflexo eventual, mas não absoluto, do matrimônio, ou seja,
desde os tempos antigos havia a possibilidade de haver uma união sem o
poder marital ( “manus”), no entanto, o marido exercia certa autoridade sobre a
mulher, cabendo-lhe a chefia na direção da vida familiar. Era ele quem
estabelecia o domicílio da família e a ele cabia, também, a obrigação de prover
o sustento dos seus. Tinha o marido meios judiciais para defender a mulher
contra atos injuriosos de outrem e podia, por outro lado, exigir o retorno da
mulher ao lar conjugal.
A MULHER CASADA NO DIREITO MODERNO
O Código Civil atual, abrange as relações entre pessoas unidas pelo
matrimônio ou pelo parentesco – relações pessoais, compilando-as no
chamado Direito de Família. O casamento é, indubitavelmente, o centro de
onde irradiam as normas básicas do direito de família, que constituem o direito
matrimonial. Este abrange normas concernentes à validade do casamento
(como as que disciplinam os impedimentos matrimoniais, a celebração, prova,
nulidade e anulabilidade do casamento); as relações pessoais entre os
cônjuges, com a imposição de direitos e deveres recíprocos, bem como as
suas relações econômicas, que chegam até a constituir um autêntico instituto,
que é o regime de bens entre os cônjuges; e à dissolução da sociedade
conjugal e do vínculo matrimonial.
O moderno Direito de família rege-se pelos seguintes princípios:
a) Princípio da “ratio” do matrimônio, segundo o qual o fundamento
básico do casamento e da vida conjugal é a afeição entre os
cônjuges e a necessidade de que perdure completa comunhão de
vida, sendo a separação judicial e o divórcio uma decorrência da
extinção da “affectio”, uma vez que a comunhão espiritual e material
de vida entre marido e mulher não pode ser mantida ou reconstituída.
b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, no que atina ao
exercício de seus direitos, que revolucionou o governo da família
69
organizada sobre a base patriarcal. Com esse princípio desaparece o
poder marital e a autocracia do chefe de família é substituída por um
sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo
entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que a mulher
e o marido exerçam igualmente os direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal. Juridicamente, o poder do marido é substituído
pela autoridade conjunta e indivisa, não mais se justificando a
submissão legal da mulher, ante o que dispõe a Lei nº 4.121, de 27
de agosto de 1962, a respeito da situação jurídica da mulher casada,
e a Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 5º.
A análise da situação sócio-econômica das famílias, atualmente, revela
a participação mais freqüente da mulher no mercado de trabalho, situação esta
que tem como conseqüência a incorporação da mulher casada aos deveres
familiares, à frente do sustento e manutenção da família.
Evidentemente,
que
os
dados
estatísticos,
que
comprovam
a
participação da mulher como “chefe de família” não analisam em que
condições enfrentam esta responsabilidade.
Com base em acontecimentos recentes ocorridos na Europa em
referência às medidas de discriminação positiva, em favor das mulheres, para
que estas venham a ocupar o mesmo espaço que os homens no mercado de
trabalho discute-se não a questão de capacidade, mas sim, o que está
evidente, é que existe uma real desigualdade no mercado de trabalho causada
por motivos biológicos. A diretiva 76/207/CEE (Comunidade Econômica
Européia – União Européia) estabelece que, o princípio de igualdade de
tratamento entre homens e mulheres não impede a adoção ou manutenção de
medidas, visando a promover a igualdade de chances entre homens e
mulheres. Esta diretiva autoriza certas derrogações a igualdade de tratamento,
como por exemplo, quando se fala da proteção a maternidade. O Estado pode
favorecer as mulheres em virtude de sua condição biológica e por ocasião da
relação particular entre a mãe e a criança no período após o parto. No Brasil, a
Lei nº 9504/97, estabelece em seu artigo 10, parágrafo 3º, que trinta por cento
e no máximo setenta por cento das vagas serão destinadas para candidaturas
70
de cada sexo. A Lei não diz qual o sexo seria o privilegiado, mas ela o induz à
interpretação como “reserva feminina”. De tal interpretação resulta a existência
de uma discriminação positiva em favor das mulheres. As regras sobre a
discriminação positiva visam reservar às mulheres o uso de certos direitos
tendo em vista o seu papel atual de compartilhar com o homem as mesmas
obrigações no casamento.
Com a evolução do direito, depreende-se que o matrimônio não é
apenas a formalização ou legalização da união sexual, mas a conjunção de
matéria e espírito de dois seres de sexo diferentes para atingirem a plenitude
do desenvolvimento de sua personalidade, através de companheirismo e amor.
Para que se configure esta concepção foram necessárias transformações
sociais e jurídicas, no que diz respeito à mulher e sua posição no casamento.
O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) outorga à mulher a
condição de colaboradora do marido, que ainda mantém a chefia na direção
material e moral da família, tendo em vista o interesse comum do casal e dos
filhos; estabelece o exercício conjunto do pátrio poder; confere à mulher o
direito de colaborar na administração do matrimônio comum; autoriza a mulher
a exercer a profissão que quiser; dá à mulher que exerce profissão fora do lar
autonomia econômica e franqueia-lhe constituir um patrimônio reservado,
livremente administrado por ela, permitindo-lhe dispor, como bem entender, do
produto de seu trabalho, podendo até defender a sua parte, no acervo comum,
contra credores do marido; permite que a mulher escolha o domicílio conjugal
de acordo com o marido; determina que a mulher não necessita de autorização
marital para praticar atos que o marido sem a sua outorga pode realizar; dispõe
que a mulher, qualquer que seja o regime de bens, concorra para o sustento da
família; prescreve que a mulher pode administrar os bens dos filhos, se assim
for deliberado pelo casal.
Consentini, em “Droit de famille” (p. 501), já observava que estas
transformações
não
são
suficientes;
outras
reivindicações
tornam-se
necessárias para compor o quadro da equiparação e da autonomia da mulher,
quadro este, que não se completará sem a dupla regulamentação de relações
pessoais e patrimoniais, mediante participação mais direta e intensa nos
71
direitos e obrigações inerentes ao pátrio poder, à tutela, e uma ingerência
maior na economia doméstica.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 226, parágrafo 5º, estabeleceu
a igualdade no exercício dos direitos e deveres do homem e da mulher na
sociedade conjugal, que deverá servir de parâmetro à legislação ordinária, que
não poderá ser antinômica a esse princípio. Os cônjuges deverão exercer
conjuntamente, os direitos e deveres relativos à sociedade conjugal, não
podendo um cercear o exercício do direito do outro.
Não se vislumbra, porém, na nova Constituição Federal, ante o artigo 5º,
inciso I, que propugna a igualdade de direitos e obrigações entre homens e
mulheres, que é uma norma geral, uma isonomia entre marido e mulher relativa
aos seus direitos e deveres, pois o artigo 226, parágrafo 5º, da Lei Maior,
sendo uma norma especial que prevalece sobre a geral, refere-se ao igual
exercício dos direitos e deveres do marido e da mulher, na sociedade conjugal,
arrolados no Código Civil, artigos 233 a 240, ainda vigentes. Logo, não nos
parece que tais normas contidas no nosso Código Civil tenham perdido o seu
sentido, fazendo, por exemplo, com que não haja diferença na idade núbil, com
que o marido passe a ter o direito de adotar os apelidos de sua mulher, com
que a mulher perca a reserva de bens e ante o caráter de especialidade do
preceito constitucional, não se poderá afirmar que não há mais discriminação
em separado dos direitos e deveres da mulher e do marido, em face de a Carta
Magna não tê-los igualado em direitos e deveres e sim no exercício desses.
Enfatize-se a desnecessidade de haver uma norma específica quando a
Constituição já determina no seu Título II – Dos Direitos e Garantias Individuais
– artigo 5º que: “Todos são iguais perante a Lei... I – homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Seguindo-se
um elenco protetor da igualdade em geral. São quase uma centena de itens
exaustivos da atividade humana, garantida pela proibição de qualquer
discriminação.
A tradição é o grande obstáculo para a boa exegese da norma jurídica,
por ser inibidora da percepção das inovações. É enraizado na tradição que o
marido continua exercitando, como sempre o fez e com o habituado consenso
72
comunitário, o seu costumeiro – mas agora caduco – poder/dever de
representar a família
e de administrar os bens comuns do casal e os
particulares da mulher. Por isso, grande parte da comunidade, sequer se deu
conta da guinada constitucional que extinguiu qualquer representação isolada,
no entanto, a ausência de parâmetros norteadores para o Direito, encontra
nesse desconhecimento, o tempo necessário para adequar-se legalmente.
CONCLUSÃO
No Direito Romano, a figura do “pater” estabelece, na esfera social e
familiar, que a posição de domínio prevalece por tantos períodos da história,
pela concepção histórica criada desde a Antiguidade, em face do homem
representar a disciplina, dotar de coragem para enfrentar o inimigo, possuir o
poder financeiro e o privilégio da sabedoria.
Na atualidade, após revoluções feministas e o reconhecimento de
igualdade pelo Direito moderno, parece ainda perdurar um sentimento
discriminatório em relação à ascensão feminina na sociedade.
Encontrar o elo que justifica ainda perdurar as diferenças sociais
existentes e a distinção conjugal entre indivíduos considerados iguais perante a
Lei, através da explanação histórico-social das transformações ocorridas e da
concepção pré existente da autoridade masculina, é essencial para reconhecer
a influência permanente do Direito Romano em nosso sistema jurídico.
É válido rever o princípio de que toda pessoa física tem personalidade
jurídica, mas nem sempre, no entanto, ela pode, por si mesma, adquirir e
exercer direitos ou contrair obrigações. Para isso é preciso que ela tenha o
que, modernamente se denomina capacidade de fato, isto é, aptidão para
praticar, por si só, atos que produzam efeitos jurídicos.
Poderíamos atacar a questão da “condição jurídica da mulher” através
do novo texto constitucional, ou seja, determinar em que medida dois preceitos
– o Artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal e o Artigo 226, parágrafo 5º do
Código Civil Brasileiro, irão influenciar na legislação ordinária, seja para
modificá-la, seja para complementá-la, tendo em vista que ambos tratam da
73
igualdade entre homens e mulheres, como citado anteriormente, no entanto,
entendendo que a nova Constituição do Brasil, mais realista, consagrou os
princípios da absoluta igualdade entre os cônjuges e entre os filhos, bem como
o princípio da pluralidade de entidades familiares, que romperam, de forma
definitiva, a estrutura da família patriarcal e inauguraram a tão desejada
adequação do Direito à realidade social, podemos compreender, revendo à luz
da filosofia existencial, os dados históricos e da etnografia, como a hierarquia
dos sexos se estabeleceu.
Certa ou errada, a norma igualitária está vigente e exigível. Mesmo que
sepulte toda uma tradição que impregna as relações conjugais e muitos dos
usos e costumes. Mesmo que a sociedade teime em não aceitar novas regras
e alterar a concepção de desigualdade entre marido e mulher. Não adianta
temer pelas conseqüências, pois a oportunidade da discussão no mérito se
esvaiu com sua promulgação. Derrogou a disciplina legal diversificadora dos
direitos e deveres na sociedade conjugal.
Se a sociedade e a tradição são obstáculos para a efetiva aplicação de
igualdades de direitos e deveres entre homens e mulheres, há de perdurar o
pensamento de que “se um é privilegiado, domina o outro e tudo faz para
mantê-lo na opressão”.
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- GONTIJO-FAMILIA.ADV.BR
75
FILIAÇÃO : VISÃO CRÍTICA A PARTIR DO DIREITO ROMANO (*)
RAQUEL TEIXEIRA DE LIMA
ACADÊMICA DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE MATER DEI
(*) Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Flori Antonio Tasca na Disciplina Direito
Romano do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O artigo aborda a filiação com base nas noções
fundamentais do Direito de Família, analisando aspectos relevantes da
família antiga (romana) e da família moderna. O núcleo do estudo é a
filiação, trabalhando o tema à luz do Direito Romano, com ênfase para
as modalidades de filiação, cuidando a autora, ainda, de outros institutos
jurídicos importantes, como a legitimação. A filiação no Direito Civil
brasileiro é objeto de considerações, em especial a antiga classificação
dos filhos em legítimos e ilegítimos, culminando o texto com a exposição
do tema à luz da Constituição Federal e de outras leis esparsas.
FILIATION: CRITICAL VISION FROM THE ROMAN LAW – SUMMARY
- The article approaches filiation on the basis of the fundamental notions
of the Family Law, analyzing relevant aspects of the old family (Roman)
and the modern family. The nucleus of study is filiation and it is analyzed
under the light of the Roman Law, with emphasis to the filiation
modalities. The author also approaches other important legal institutes,
as the legitimation. Filiation in the Brazilian Civil Law is object of
consideration, in special the old classification of legitimate and
76
illegitimate children; the text culminates with the exposition of the subject
under the light of the Federal Constitution and other scattered laws.
INTRODUÇÃO
Os filhos advindos de relações ilícitas, desde a época do Direito Romano
até poucos anos atrás, não tinham os mesmos direitos que os filhos legítimos e
eram discriminados, sendo até vistos como fruto do pecado e tidos como
impuros.
Com as transformações sociais, principalmente nas formas de
relacionamentos pessoais e sexuais, como também com os constantes
avanços da medicina, a precariedade da legislação era patente, pois ficaram
frágeis alguns princípios tidos como inabaláveis.
Para o Direito Romano, enraizado no patriarcado, o pater familias, o
estado de filiação era questão importante, por se projetar no Direito de
Sucessões. O Brasil foi também atingido pelo reflexo desse critério e até pouco
tempo atrás o Código Civil, nos artigos 332, 337 e 344, hoje revogados, ainda
estabelecia a legitimação de parentesco.
Atualmente há igualdade de tratamento e de direito entre os filhos embora mais didático que prático - mas deve-se lembrar que essa conquista é
muito recente e que a estrutura legal e os comportamentos das pessoas, desde
a época do Direito Romano, sempre foram patriarcais. Por isso a necessidade
de se acompanhar desde aquela época as mudanças ocorridas nessa matéria
jurídica.
Assim, esta pesquisa versará sobre as mudanças, desde o Direito
Romano, no que concerne à filiação. Porque mesmo que não mais vigore
certas considerações legais, tem-se que conhecer as antigas disposições, suas
origens, para se entender seus avanços.
Espera-se que este trabalho colabore para o estudo sobre a filiação,
suas raízes, evolução e efeitos, dando uma parcela de contribuição na tentativa
de desnudar preconceitos ainda tão cravados na sociedade. Preconceitos
77
esses que constrangem os filhos, embora sejam eles apenas frutos das
relações de seus pais.
CAPÍTULO
I -
FAMÍLIA E O
DIREITO
DE FAMÍLIA :
NOÇÕES
FUNDAMENTAIS
O DIREITO DE FAMÍLIA
É um ramo do Direito Civil de suma importância, gerando discussões
acaloradas. Essa relevância se dá porque aí se discute direitos e deveres da
base da sociedade: a família, conforme reza o artigo 226 da Constituição
Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Todas as pessoas estão ligadas e dependem de uma família, como diz
EDUARDO
DE
OLIVEIRA
LEITE:
“...
todos
nós
nos
encontramos,
irremediavelmente, dependentes de um grupo familiar, portanto, vinculados,
desde o nascimento até a morte, ao Direito de Família” (LEITE, 1997, p. 9).39
Segundo JOSÉ LAMARTINE CORREA DE OLIVEIRA E FRANCISCO
FERREIRA MUNIZ: “... o Direito de Família é um conjunto de normas jurídicas
que regulam as relações entre pessoas ligadas pelo vínculo do casamento, do
parentesco, da afinidade ou da adoção”. (OLIVEIRA et al, 1990, p. 9) 40
As discussões também decorrem da dinâmica de um direito que evolui
constantemente, tentando acompanhar os passos da evolução humana.
O TERMO FAMÍLIA
A palavra Família tem origem romana, do osco famel, famulus, servidor,
escravo, denominava os fammulus ou criadagem da casa.
Hoje significa a comunidade formada por pessoas unidas pelo sangue
ou afinidade.
É uma sociedade natural, pois preexiste ao Direito e ao Estado.
39
LEITE, Eduardo de Oliveira. Síntese de Direito Civil. Curitiba: JM Editora, 1997, pág. 9.
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1990, pág. 9.
40
78
A FAMÍLIA ROMANA
No Direito Romano família era o grupo de pessoas que vivia sob a pátria
potestas do paterfamilias. Só que pater, nesta expressão, não significava pai,
mas sim chefe. Sua base era patriarcal, tendo o paterfamilias o domínium in
domo em caráter vitalício. A sua patria potestas não acabava com o casamento
nem com a maioridade dos filhos.
O paterfamilias não necessariamente era o pai biológico, mas o chefe.
Assim um celibatário ou um impúbere poderiam sê-lo.
Submetiam-se à patria potestas do paterfamilias:
a) a materfamilias ou mulher casada sob o poder marital (manus);
b) o filusfamilias e a filiafamilia, nascidos do casamento do pater ou por
este adotados;
c) os descendentes do filiufamilias e a mulher deste, cum manu; e
d) os escravos e as pessoas em mancipio, assemelhados aos escravos.
O poder do paterfamilias era absoluto, tendo poder de vida e morte
sobre seus filhos.
A FAMÍLIA MODERNA
Antes da Constituição Federal de 1988, família era considerada a
comunidade formada pelo casal (sociedade conjugal) ou pelo casal e os filhos
(sociedade doméstica). Ao casar-se o filho, ou a filha, forma um nova família,
da qual se torna o chefe, de modo que os filhos não são subordinados ao avô,
mas ao pai.
O pátrio poder era exercido pelo marido, conforme art. 380, caput, do
Código Civil: “Durante o casamento, compete o pátrio poder aos pais,
exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento
de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade”.
79
A Carta Magna vigente, através do seu art. 226, deu maior amplitude ao
conceito de família, abrangendo a família havida fora do casamento, como
também aquela composta por um dos progenitores e seus descendentes.
Essa modificação foi importantíssima e assegurou os direitos dos filhos
até aqui chamados de bastardos, como também reconheceu como entidade
familiar a união estável.
O parágrafo 5º do mesmo artigo, veio a igualar os direitos e deveres do
homem e da mulher na sociedade conjugal, caindo por terra o pátrio poder que
era exercido pelo homem.
CONCEITO DE FILIAÇÃO
Segundo WALTER GASPAR “filiação é vínculo existente entre pais e
filhos.”
41
Também diz ele que “em sentido genérico traduz a descendência em
linha reta, como se dá quando alguém faz referência à filiação de uma pessoa
a seus ancestrais”. (WALTER, 1996, p. 179).42
CAPÍTULO II - A FILIAÇÃO NO DIREITO ROMANO
Para os romanos existiam dois tipos de parentesco: agnação, que era o
parentesco civil, aos olhos da lei e cognação, que era baseado na comunidade
de sangue.
Como este trabalho versa sobre filiação, não será mencionado aqui
qualquer outro parentesco, inclusive a adoção, restringindo-se apenas aos
filhos consanguíneos.
Para o Direito Romano a família era composta por pessoas sub unius
potestate aut natura aut iure subiectae, isto é, sujeitas a um único poder por
nascimento ou por ato jurídico.
ESPÉCIES DE FILIAÇÃO
41
GASPAR, Walter: Resumo de Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1996, pág
179.
42
GASPAR, Walter: Resumo de Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1996, pág 179
80
Pelo nascimento entravam numa família os filhos procriados pelo
paterfamilias e seus descendentes masculinos, sendo que os descendentes
das mulheres pertenciam à família dos pais delas. Para ser considerado filho a
criança deveria nascer cento e oitenta dias após o matrimônio ou então até dez
meses da sua dissolução. Fora disso a paternidade teria que ser provada.
Três são as categorias de filhos que se encontram no direito romano: os
iusti ou legitimi, os uulgo quaesiti (também denominados uulgo concepti ou
spurii) e os naturales liberi. Sendo a primeira considerada legítima e as duas
últimas ilegítimas.
OS IUSTI OU LEGITIMI
São os filhos nascidos de justas núpcias (iustae nuptiae), isto é, de
casamento legítimo, contraído de acordo com o direito civil. Seguiam a
condição do pai. Tinham, pais e filhos, direitos e deveres entre si.
OS UULGO QUAESITI
Também chamados de uulgo concepti ou spurii, são os filhos gerados de
união ilegítima. Não tinham eles juridicamente um pai, pois não era permitido o
reconhecimento ou legitimação desses filhos. Portanto, não havia direitos e
deveres entre pai e filho, uma vez que para o pai o filho era estranho. Seguiam
então, esses filhos, a condição da mãe, tendo os mesmos direitos que os filhos
legítimos dela.
OS NATURALES LIBERI
Eram os filhos naturais advindos do concubinato. Eram os únicos que
podiam entrar na família através da legitimação.
81
DA LEGITIMAÇÃO
Legitimação era a permissão dada pelos Imperadores Cristãos ao pai de
adquirir o Pátrio Poder de seu filho natural, nascido de concubinato.
A legitimação excluía os filhos incestuosos e os nascidos de pessoas
que não podiam se casar, devido a qualquer união legal ou temporária (uulgo
quaesiti).
Realizava-se a legitimação de três formas: por matrimônio subseqüente
(per subsequens matrimonium), por oblação à cúria (per oblationem curiae) e
por rescrito do príncipe (per rescriptum principis).
POR MATRIMÔNIO SUBSEQÜENTE
Às pessoas que viviam em concubinato, bastavam legitimar sua união
em iustae nuptiae. Se o filho fosse sui iuris ele teria que concordar, se fosse
menor, bastava não se opôr. Legitimada a situação dos pais, regularizada
estaria a dos filhos.
Com esta legitimação ficavam os filhos naturais em absoluta igualdade
com os filhos legítimos.
POR OBLAÇÃO À CÚRIA
Essa espécie de legitimação resultou da necessidade de angariar
cobradores de impostos, os decuriões.
Consistia no oferecimento do filho natural à cúria de sua cidade natal,
para que ele se tornasse um decurião. Como o cargo
exigia muita
responsabilidade, o pai dava ao filho vinte e cinco jeiras de terra para garantir o
cumprimento de seus deveres.
Caso se tratasse de filha, esta era oferecida a um futuro decurião ou um
já decurião, com a instituição de um dote equivalente.
O filho não se tornava parente dos membros da família do pai.
82
RESCRITO DO PRÍNCIPE
Era a legitimação do filho natural pedida pelo pai ao Imperador desde
que esse não tivesse filhos legítimos e o casamento subseqüente fosse
impossível. Considerava-se impossível o casamento subseqüente no caso de
morte, desaparecimento ou casamento da mulher com outro.
Também era requisito para o deferimento do Imperador, a anuência do
legitimado.
CAPÍTULO III - A FILIAÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
O Código Civil Brasileiro de 1916 fazia distinções entre parentesco,
estando este estruturado rigidamente e intransponivelmente em legítimo e
ilegítimo. A filiação ilegítima se subdividia em naturais e espúrios e este último
em incestuosos e adulterino.
FILIAÇÃO LEGÍTIMA
O Código Civil estatuía, em seu art. 337, que “são legítimos os filhos
concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou mesmo nulo,
se se contraiu de boa fé”. Portanto, filho legítimo é aquele advindo de justae
nuptiae.
FILIAÇÃO ILEGÍTIMA
São os filhos procriados por pessoas não casadas uma com a outra, ou
seja, decorrentes de relações extramatrimoniais (não derivadas de casamento).
Os filhos ilegítimos classificam-se em:
1)
Naturais: Filhos gerados por pessoas que, embora não casados
entre si, não estavam impedidas de casar uma com a outra no momento
da concepção; e
83
2)
Espúrios: filhos oriundos de pessoas que estavam impedidos de
contrair matrimônio na ocasião da concepção. Assim são os espúrios:
a) adulterinos: decorrentes da violação do dever de fidelidade, ou seja,
um dos pais já é casado com outra pessoa; nascem de casal
impedido de casar em virtude de casamento anterior (art. 183, VI do
CC), resultando de um adultério; e
b) incestuosos: nascidos de homem e mulher que não podiam convolar
núpcias, à época da concepção, devido ao parentesco natural, civil
ou afim. O impedimento, neste caso, decorre de parentesco próximo
dos genitores, ou de afinidade. Os casos são descritos no artigo 183
do Código Civil.
DA LEGITIMAÇÃO
Filhos legitimados são aqueles que adquirem o status de legítimo. A
esse instituto, previsto nos artigos 352 a 354 do Código Civil, chama-se
legitimação, tornando legítimos os filhos de pessoas que vieram mais tarde a
se casar.
Com a legitimação os filhos legitimados se equiparam com os legítimos.
Dá-se a legitimação de filho concebido ou depois de havido o filho.
Além de dar ao filho legitimado a mesma situação jurídica do filho
legítimo, a legitimação tinha por escopo ainda, estabelecer o parentesco
legítimo em linha reta.
Os filhos incestuosos não podiam ser legitimados, pois o impedimento
matrimonial subsiste o tempo todo.
DO RECONHECIMENTO DO FILHO ILEGÍTIMO
O Código Civil permitia o reconhecimento dos filhos naturais. Quanto
aos adulterinos e incestuosos era vedado esse diploma legal.
Em 1942, o Decreto-lei nº 4.737, veio a autorizar o reconhecimento da
prole oriunda de pessoas “desquitadas”, prescrevendo no seu artigo 1º que
84
após o desquite, o filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio, poderia ser
reconhecido ou demandar que declarasse sua filiação. Negava-se ao filho
incestuoso.
A Lei 883/49 estendeu a possibilidade do reconhecimento voluntário ou
judicial aos filhos adulterinos ou de ação para que se lhe declare a filiação,
quando for dissolvida a sociedade conjugal, sem especificar a causa. Assim,
não interessando a causa (morte, separação dos cônjuges, etc.), era possível
reconhecimento do filho adulterino. Continuava negando o reconhecimento ao
filho incestuoso.
A Lei 6.515/77, em seu art. 51, acrescentou um parágrafo único ao art.
1º da Lei 883/49, passando a vigorar com as seguintes declarações: “ainda na
vigência do casamento, qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho
havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois
do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável”.
Apesar de alguns entenderem que a expressão “filho havido fora do
casamento” englobava também os incestuosos, estes ainda não tinham o
direito de serem reconhecidos.
O Código Civil, em seu artigo 357, estabelecia que o reconhecimento do
filho natural se efetuava por:
a) no próprio termo de nascimento;
b) mediante escritura pública; e
c) por testamento.
Não admitindo ainda, aos filhos incestuosos, o reconhecimento.
Só acabou a discriminação e diferenças entre as filiações com a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
CAPÍTULO IV - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988
A matéria do reconhecimento dos filhos, de fundamental importância
antes da Constituição de 1988, perdeu praticamente seu interesse após a
promulgação dessa Constituição e da legislação ordinária que alterou
profundamente a filiação.
85
O disposto no artigo 227, § 6º da Constituição Federal estabelece: “Os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos
direitos
e
qualificações,
proibidas
quaisquer
designações
discriminatórias relativas à filiação”. Os princípios aí existentes de unidade de
filiação e de igualdade de tratamento entre os filhos, vem pôr fim a distinção
odiosa que havia no Brasil, adotando a concepção unitária, já existente em
outros países.
Esse dispositivo constitucional deu embasamento a criação de novas
leis, protegendo ainda mais o interesse do filho, não mais no propósito de
proteger a chamada família legítima.
LEI Nº 7.841/89
Revogou o artigo 358 do Código Civil, que proibia o reconhecimento
de filhos adulterinos ou incestuosos, colocando, dessa forma, igualdade em
seus direitos.
LEI Nº 8.069/90 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)
Em seu artigo 20, de igual teor ao art. 227, § 6º da CRFB, veio à reforçar
a anulação de diferença de tratamento entre filhos havidos dentro ou fora do
casamento.
Também em seu importantíssimo artigo 26, essa lei diz: “os filhos
havidos fora do casamento poderão ser reconhecimentos pelos pais, conjunta
ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante
escritura pública ou outro documento público, qualquer que seja a origem da
filiação”.
Acabava-se de vez com a impossibilidade dos filhos adulterinos ou
incestuosos de serem reconhecidos.
Segundo ainda seu artigo 27, o reconhecimento do estado de filho
é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
86
LEI Nº 8.560/92
Lei esta que veio a regular a investigação de paternidade dos filhos
havidos fora do casamento. Descreve que tal reconhecimento é
irrevogável e será feito das formas seguintes:
a) no registro de nascimento;
b) por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em
cartório;
c) por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
d) por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o
reconhecimento haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.
Proíbe o seu artigo 5º, fazer referência no registro de nascimento, à
natureza da filiação e o estado civil de seus pais. Proíbe também em seu
artigo 6º, fazer constar indícios de que a concepção é decorrente de
relação extraconjugal.
Portanto, está assegurado a todos os filhos, independente de quais
circunstâncias foram concebidos, garantindo-lhes o direito ao nome e a
um pai, assegurando-lhes através de segredo de justiça, a igualdade de
direitos sem discriminação.
Como bem mencionou PEREIRA, citado por LEITE (1197, p. 183):
“Uma das mais deploráveis hipocrisias naquele ramo de
Direito, de
efeitos perniciosíssimos, consiste em punir os filhos ilegítimos por eventos
no tocante aos quais não têm quaisquer responsabilidade”.43
CONCLUSÃO
A família é a célula básica da sociedade. Sendo o alicerce de toda a
organização social, é preciso conceder-lhe maior proteção e propiciar melhores
condições de vida às novas gerações.
43
LEITE, Eduardo de Oliveira. Síntese de Direito Civil. Curitiba: JM Editora, 1997, pág. 183.
87
O Estado, preocupado em salvaguardar a Família, sempre deu proteção
especial a ela. Mas eram poucas as disposições que se referiam à família
surgida à margem do casamento, proibindo inclusive o reconhecimento de
filhos incestuosos e adulterinos.
Conforme visto, o direito positivo brasileiro evoluiu acentuadamente no
sentido de maior proteção à “família ilegítima”, acompanhado pela renovadora
jurisprudência.
As mudanças sociais fizeram com que se mudasse a legislação, não
permitindo que crianças nascidas fora do casamento, tão normal hoje em dia,
fossem discriminadas por isso.
A pesquisa buscou acompanhar essas renovações legais, contribuindo
para a compreensão da terminologia usada pela população e também por
autores de livros de direito.
Hoje, pode-se reconhecer a paternidade de todos os filhos, sejam eles,
como antes se denominavam, legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios,
adulterinos ou incestuosos. Afinal, este direito de reconhecimento do estado de
filho é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
Embora não se admita mais distinções e discriminações entre os filhos,
essa proibição, como já exposto, é mais didática que prática. Muitas crianças
nascidas à margem do casamento ainda são e serão discriminadas,
principalmente as nascidas de adultério ou concebidas por uma única relação
sexual, não tendo seus pais compromisso amoroso. Essas crianças ainda
serão, por muito tempo, chamadas de bastardas, principalmente se a família de
um de seus pais não aceitá-las.
Infelizmente,
quem acaba
sofrendo as conseqüências
de atos
impensados são as crianças, que crescem sendo discriminadas, tendo muitas
vezes, que esperar durante muito tempo para que sejam reconhecidas como
filhas, o que acarreta traumas e dores que perduram pela vida inteira.
Esses filhos havidos fora do casamento, ainda tem que suportar durante
sua vida, pessoas de mentalidade pequena e sem qualquer vestígio de
humanidade, que no alto de sua ignorância, os discriminam.
88
Há que se salientar aqui, que essa discriminação tem origem nos
dogmas católicos e nos pecados que a Igreja sempre procurou apresentar a
todos como sendo diabólicos e repugnantes. Mas isso é outro assunto que se
fosse tratado, mesmo que superficialmente, originaria outro trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WALD, Arnoldo. Direito de Família. 11ª ed., São Paulo: Editora Revista dos
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89
MERCOSUL E GLOBALIZAÇÃO ( * )
RAFAELA CALGARO e CLÁUDIA FRIGERI
Acadêmicas do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Célio Armando Janczeski na disciplina Direito
Constitucional, do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000.
RESUMO – O artigo trata do fenômeno da globalização e do surgimento de
blocos econômicos, com a análise destacada de vários aspectos do
Mercado Comum do Sul e de outros blocos regionais. As autoras cuidam da
globalização como realidade econômica das empresas, tratando ainda das
conseqüências geradas para o Estado, como a alteração do papel
historicamente desempenhado. O texto desenvolve reflexão crítica acerca
de facetas positivas e negativas da globalização.
MERCOSUL AND GLOBALIZATION - SUMMARY - The article deals with
the phenomenon of globalization and the raising of economic blocks, with an
emphatic analysis of some aspects of the Common Market of the South and
of other regional blocks. The authors approach globalization as an economic
reality of companies, analyzing the consequences generated to the State, as
the alteration of the role historically performed. The text develops a critical
reflection concerning positive and negative aspects of globalization.
MERCOSUL
A associação de várias economias é vital para se obter tecnologias mais
90
avançadas por um preço menor, tornando os produtos mais baratos e
competitivos internacionalmente. Só assim colocamos nossos produtos à
disposição do resto do mundo, e aqui, também haverá uma “injeção” de
produtos estrangeiros com preços menores, obrigando os fabricantes a
melhorarem a qualidade e o preço de seus produtos para concorrerem com os
internacionais. Em razão disso, sem dúvida, os grandes beneficiados serão os
consumidores, que terão mais opções a preços menores, além de se tornarem
acessíveis a muitos consumidores de classe média e baixa.
O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) foi criado em 1991 pelo
Tratado de Assunção, com o objetivo de: implantar a livre circulação de bens,
serviços e fatores produtivos; coordenação de posições conjuntas em foros
internacionais; coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e
harmonização das legislações nacionais, para uma maior integração entre
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
O MERCOSUL segue uma nova tendência no mundo moderno, que é a
união de várias nações em grupos ou blocos, para fortalecê-los e melhor
competir com os outros países e blocos econômicos.
Passados quase dez anos, do Tratado de Assunção, muitos acordos,
protocolos, foram firmados, procurando solucionar as divergências existentes.
Os principais desafios estão entre as economias do Brasil e da Argentina. O
que vemos é um apego dos dois governos às suas posições, um excessivo
protecionismo. O primeiro período do bloco teve progressos significativos, mas
agora, observamos problemas no cumprimento da agenda negociada em 1995.
Somente um sistema arbitral, neutro e confiável é capaz de solucionar as
controvérsias existentes. Diante de um panorama de crescente marginalização
econômica, política e estratégica, causada sobretudo pelas mudanças na
estrutura e no funcionamento do sistema econômico mundial, e em face de
uma evidente perda de espaço comercial, de redução do fluxo de investimentos
e de dificuldades de acesso à tecnologias de ponta, Brasil e Argentina viram-se
diante da necessidade de redefinirem sua inserção internacional e regional.
Dentro dessa nova estratégia, a integração passa a ter papel importante na
criação do comércio, na obtenção de maior eficiência com vista à competição
91
no mercado internacional e na própria transformação dos sistemas produtivos
nacionais.
Em 20 de julho de 1986, foi assinada a “Ata de Integração BrasileiroArgentina”, que estabeleceu os princípios fundamentais do “Programa de
Integração e Cooperação Econômica — PICE “. O objetivo do PICE foi o de
propiciar a formação de um espaço econômico comum, por meio da abertura
seletiva dos mercados, brasileiro e argentino. A partir de 1995, com o
estabelecimento da União Aduaneira, a tarifa externa comum foi implantada em
níveis, que inibem a transformação do MERCOSUL em um agrupamento
econômico isolado, o que fugiria ao objeto principal da integração, que é o de
promover a inserção competitiva do Grupo dos Quatro, no mercado
internacional, em sintonia com sua condição de bloco regional aberto.
Atualmente, a Tarifa Externa Comum, que varia de 0% a 20%, tem patamares
médios de cerca de 15%, o que coloca o MERCOSUL entre os espaços
econômicos mais abertos do mundo. Miguel Anacoreta Correia disse que, a
longo prazo o MERCOSUL é um mercado mais promissor até do que o
chinês, que encabeça, hoje, as pretensões empresariais no cenário
internacional. “O único caso que supera o MERCOSUL é o chinês. Mas o
MERCOSUL tem uma sustentabilidade superior e ultrapassará os chineses
com o tempo”, afirmou Correia, destacando que o Brasil desponta como líder
real desse processo. Para o diretor da Comissão Européia, o Brasil, agora, está
no leme de sua economia. “O Brasil vai dar certo”, garantiu.
Quanto ao Chile, este, inicialmente, não se interessou pelo MERCOSUL,
já que não queria perder suas vantagens comerciais no intercâmbio com o
NAFTA e a Bacia do Pacífico, mas as coisas mudaram, hoje, é um parceiro não
membro do MERCOSUL.
Já, a Bolívia, solicitou a adesão gradual ao MERCOSUL, sendo que este
faz parte do Pacto Andino e o Tratado de Assunção e não pretende deixar
estes blocos. Apesar disso, as relações estão se estreitando, especialmente
com a construção de um gasoduto Brasil-Bolívia.
Entre as vantagens do Brasil no MERCOSUL está um parque industrial
grande e desenvolvido, o maior potencial turístico – especialmente em Santa
92
Catarina que atrai um grande número de Argentinos. Há possibilidade de
grandes empresas brasileiras expandirem seus mercados, maior interesse dos
investimentos estrangeiros. Mas precisamos sanar algumas falhas graves
como a desvantagem da agricultura e das rodovias e portos que, na Argentina
e Chile estão em melhores condições.
Já os obstáculos à implantação da livre concorrência do MERCOSUL,
estão na existência de economias fechadas e protecionistas, principalmente no
Brasil e Argentina; dificuldades na competição empresarial, inexperiência e
falta de cultura de concorrência; divergências jurídicas; dependência do Estado
para a tomada de decisões e políticas econômicas como o tabelamento e
congelamento de preços e inflação elevada.
DOS BLOCOS ECONÔMICOS
Os blocos econômicos são associações de países, geralmente de uma
mesma região geográfica, que procuram estabelecer relações comerciais, com
zonas de livre comércio.
UNIÃO EUROPÉIA
O primeiro bloco econômico, foi a Comunidade Econômica Européia
(atual União Européia), que surgiu em 1957, e hoje, conta com 15 países
membros.
Todos os países, que estão nesse mercado, abriram suas fronteiras
alfandegárias, unificaram suas economias e avançaram muito, politicamente.
Com a unificação da Europa, as empresas estão ocupando um mercado mais
amplo, mas devem prioritariamente adquirir produtos/insumos que são
fabricados dentro da união.
O grande problema deste bloco é o desemprego, onde a mão-de-obra
ociosa é enorme. Mas, devemos lembrar que o União Européia tem quase
meio século de ajustes e que muitos obstáculos foram ultrapassados.
93
NAFTA
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte, composto por
Estados Unidos, Canadá e México, surgiu em 1992, e tem como objetivo
eliminar as barreiras alfandegárias e proteger os produtos ali fabricados.
Este bloco econômico está esbarrando em muitas diferenças sociais,
especialmente no grande número de desempregados no México, que faz com
que o custo de mão-de-obra seja mais baixo e acaba atraindo empresas dos
Estados Unidos e do Canadá.
TIGRES ASIÁTICOS
Dos Tigres Asiáticos fazem parte o Japão, China, Formosa, Cingapura,
Hongkong e Coréia do Sul, tendo um PIB de 4,25 trilhões de dólares, e um
mercado consumidor de 1.295 bilhões de pessoas.
O Japão é a grande força, pois tem uma economia super competitiva e
destina recursos aos demais, com o objetivo de se tornar um bloco que tenha
competição na economia mundial e que ocupe parte dela.
As indústrias e exportações estão concentradas em produtos têxteis e
eletrônicos, cujo mercado consumidor está voltado para a Ásia, Europa e
América do Norte.
Este crescimento está sustentado na cultura formalista, que valoriza a
disciplina e a ordem, na intervenção do Estado em diversos setores
econômicos, na mão-de-obra barata, na estabilidade política. A política destes
países, onde a estabilidade é prioridade, atrai muitos investimentos
estrangeiros.
OUTROS BLOCOS ECONÔMICOS
-
Asean — Associação das Nações do Sudoeste Asiático, composto por sete
países, foi criado em 1967, e tem um PIB total de 541.075 milhões de
dólares.
94
-
Apec — Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, composto de 17
países e um território, foi criado em 1989 e tem um PIB de 14 bilhões de
dólares.
-
Caricom — Comunidade do Caribe e Mercado Comum, composto por 12
países e 03 territórios, foi criado em 1973.
-
Pacto Andino — formado pela Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e
Venezuela, foi criado em 1969;
ALCA
A Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, enfrenta problemas e
divergências entre países como Estados Unidos, Canadá e os do Mercosul.
A consolidação deste bloco dependerá de muitas negociações, afinal as
diferenças econômicas e sociais são enormes.
No plano mundial, as relações comerciais são reguladas pela
Organização Mundial do Comércio (OMC), que substitui o Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (GATT), criado em 1947. A organização vem promovendo o
aumento no volume de comércio internacional por meio da redução geral de
barreiras alfandegárias. Este movimento, no entanto, é acompanhado pelo
fortalecimento dos blocos econômicos, que buscam manter maiores privilégios
aos países-membros.
GLOBALIZAÇÃO
A globalização é um fenômeno econômico ligado às empresas e não aos
países. Traz vantagens e desvantagens, nos países desenvolvidos, as
demissões estão cada vez mais freqüentes, pois o componente, matéria-prima,
mão-de-obra é muito caro, o que era feito nesse país passou a ser feito em
vários outros países.
A globalização forçou a formação de blocos econômicos para tornar os
custos mais baratos e manter a economia dos países desenvolvidos, dentro de
um padrão normal de crescimento.
95
Possivelmente, a primeira noção, que nos vem à mente, ao falarmos da
globalização econômica é a da sempre crescente expansão dos fluxos
financeiros internacionais e de seu impacto sobre as políticas monetária e
cambial das economias nacionais. Os efeitos da dimensão financeira da
globalização são de certa forma controversos. Se, por um lado, a mobilidade
dos fluxos financeiros, através das fronteiras nacionais, pode ser vista como
uma forma eficiente de destinar recursos, internacionalmente, e de canalizá-los
para países emergentes, por outro, a volatilidade dos capitais de curto prazo e
a possibilidade de seu uso para ataques especulativos contra moedas são
considerados como uma nova forma de ameaça à estabilidade econômica dos
países. Noutras palavras, o movimento virtualmente desimpedido de grandes
volumes de capitais ,cria, ao mesmo tempo, oportunidades e riscos.
O acirramento da competição entre as nações não excluiu, contudo, a
cooperação, que pode assumir várias formas. A principal delas tem a
integração regional. A criação de mercados ampliados, seja sob a de zona de
livre-comércio, seja, num patamar mais avançado, de unificação aduaneira,
transformou-se
num
instrumento
fundamental
para
os
países
em
desenvolvimento, no quadro da globalização. No caso do Brasil, o MERCOSUL
tornou-se, no espaço de menos de uma década, no principal projeto da
diplomacia nacional. O MERCOSUL atrai, hoje, para a região, um volume
crescente de investimentos de grande porte, com impacto muito importante na
geração de novos empregos. Assim, as políticas de integração regional são
mecanismos decisivos de combate aos efeitos mais danosos da globalização.
Também intimamente ligada à questão da globalização é a limitação que
se impõe à capacidade dos Estados de escolher estratégias diferenciadas de
desenvolvimento, de adotar políticas macroeconômicas, ou ainda, de sustentar
fórmulas rígidas na relação entre o
Capital e o Trabalho. Os mercados de
capital passaram a atuar como verdadeiros vigilantes das gestões nacionais:
qualquer medida, por mais correta do ponto de vista interno, que possa
sinalizar um passo em falso ou contrariar o interesse dos investidores externos
tem como conseqüência a revoada dos capitais de curto prazo, com sérios
efeitos para a saúde do sistema financeiro de determinado país.
96
A globalização está longe de ser um fenômeno, que avança de modo
uniforme no plano internacional. Seu ritmo financeiro, por exemplo, é diferente
do comercial e as conseqüências sociológicas da modernização induzida pela
globalização é a dispersão de interesses, a fragmentação do Trabalho e do
Capital.
A posição competitiva de um país em relação aos demais é, cada vez
mais, determinada pela qualidade dos recursos humanos, pelo conhecimento,
pela ciência e tecnologia aplicadas à produção.
A globalização também tem contribuído para alterar o papel do Estado: a
ênfase da ação governamental está agora dirigida para a criação e sustentação
de condições estruturais de competitividade em escala global. Isso envolve
canalizar investimentos para a infra-estrutura e para os serviços públicos
básicos, entre os quais educação e saúde, retirando o Estado da função de
produtor de bens, de repositor principal do sistema produtivo, sendo que este é
comprovadamente, ineficaz e não tem natureza essencialmente pública.
O Estado deve intervir menos e melhor, tendo opções cada vez mais
restritas em termos de política econômica, em decorrência das necessárias
disciplina fiscal e austeridade de gastos públicos.
É equivocado considerar que, a globalização seja resultante unicamente
das forças de mercado. Os contornos, dentro dos quais, o mercado atua, são
definidos politicamente. O jogo de poder entre as nações não está ausente,
assim como não está a possibilidade de cooperação econômica definida por
Governos. As negociações de comércio exterior ainda são conduzidas por meio
do diálogo entre Estados em foros por eles criados, em particular as que dizem
respeito à definição das regras que balizam a competição.
O poder econômico é um fator determinante nessas negociações, bem
como na solução de disputas comerciais bilaterais. Em alguns casos, as
potências econômicas invocam sua influência para desrespeitar as regras
multilaterais por elas próprias propostas. A questão dos subsídios à agricultura
ilustra este ponto. Por outro lado, os movimentos recentes de criação de
processos de integração regional, a que os anos 90 têm assistido, são também
iniciativas com as quais, os Governos tentam influenciar a direção da
97
globalização econômica.
É justamente o reconhecimento de que há “limites” ao mercado o qual
permite que os países em desenvolvimento, atuem politicamente na defesa de
seus interesses nacionais. No entanto, as formas de atuação, de regular o
processo
de
globalização,
variam
entre
os
diferentes
países
em
desenvolvimento.
Queiramos ou não, a globalização econômica é uma nova ordem
internacional. Precisamos aceitar este fato com sentido de realismo; do
contrário, nossas ações estarão destituídas de qualquer impacto efetivo. Isto
não significa inércia política, mas uma perspectiva inteiramente nova sobre as
formas de agir na cena internacional.
Temos de admitir que, a participação na economia global pode ser
positiva, que o sistema internacional não é, necessariamente, hostil. Mas, para
aproveitar as oportunidades, é preciso ir com cuidado. O sucesso da integração
na economia global depende, de um lado, da articulação diplomática e da
construção de parcerias comerciais adequadas, e, de outro, da realização de
reformas internas, em cada país, em desenvolvimento, democraticamente
conduzidas.
É certo que a globalização produziu uma janela de oportunidades para
que mais países pudessem ingressar nas principais correntes da economia
mundial. Os Tigres Asiáticos e mesmo o Japão são exemplos significativos.
Estes países souberam aproveitar as oportunidades dadas pela economia
mundial, através da adoção de um conjunto de políticas, que incluem, entre
outras, o desenvolvimento de uma força de trabalho bem treinada e qualificada,
aumento substancial da taxa de poupança doméstica, e implementação de
modelos voltados para a exportação e baseados na intervenção estatal seletiva
em alguns setores.
Para outros países em desenvolvimento mais complexos, como o Brasil,
a integração na economia global está sendo feita à custa de maior esforço de
ajuste interno e numa época de competição internacional mais acirrada.
A globalização significa competição com base em maiores níveis de
produtividade, ou seja, maior produção por unidade de trabalho. O desemprego
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resulta assim dos mesmos motivos que levam uma economia a ser competitiva.
Lidar com a complexa questão do desemprego é um desafio com o qual
se defrontam praticamente todos os países que participam da economia global.
A resposta a esse desafio, certamente, não deve ser encontrada numa reação
à globalização, seja mediante um fechamento da economia ao comércio com
parceiros externos, o que apenas agrava a marginalização de um país, seja
mediante o estabelecimento de regras muito rígidas nas relações de trabalho,
passo que, corre o risco de, em vez de estimular, dificultar a criação de
empregos.
Apesar de que dificilmente se poderia considerar a criação de empregos
uma responsabilidade direta dos Governos, estes dispõem de uma ampla
gama de possibilidades de ação para atacar o problema, como a promoção do
crescimento econômico sustentado, promover programas destinados ao retreinamento, tornar mais flexível o conjunto de regras relativas às relações de
trabalho, onde, empresas e trabalhadores negociassem livremente, concessão
de créditos pelos bancos estatais e a inclusão de incentivos na legislação
tributária e verificar como a economia informal gera empregos e qual a melhor
solução a ser adotada.
Como já foi dito, a globalização gerou a exclusão dos países pobres que
ainda não compartilham os benefícios do processo. Criou também a
marginalização, nos países ricos, e naqueles em desenvolvimento, que se
encontram integrados na economia mundial. Mas a globalização também
multiplicou a riqueza, desencadeando forças produtivas numa escala sem
precedentes. Não podemos renunciar aos elementos positivos da globalização,
às possibilidades de maior riqueza, por ela oferecidas, e reverter o relógio da
História, supondo que seja possível fazê-lo.
O MERCOSUL tem um grande desafio, unir seus membros e fortalecêlos para que possamos amenizar os aspectos negativos trazidos pela
globalização, mas ao mesmo tempo, nos fortalecermos para que consigamos
aproveitar todas as vantagens, que a globalização mundial nos traz. Sem
dúvidas, a médio e a longo prazo poderemos comemorar os beneficios que a
globalização trouxe para todos os países integrantes do MERCOSUL, assim
99
nos consolidaremos como um bloco forte e capaz de competir saudavelmente
com os demais blocos econômicos.
O MERCOSUL INSERE O BRASIL NA
GLOBALIZAÇÃO PELA PORTA DA FRENTE ? ( * )
ELIZANGELA ROZANSKI, FERNANDO CALZA, FRANCIELE COLA e
LUIZ FERNANDO SCHUCHOVSKI
Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei
( * ) Trabalho orientado pelo Prof. Célio Armando Janczeski na disciplina Direito
Constitucional, do Curso de Direito da Faculdade Mater Dei, no ano 2000
RESUMO – O texto parte da constatação da existência do fenômeno da
globalização e sua progressiva e veloz expansão no mundo moderno.
Os autores criticam as conseqüências nocivas da globalização, como a
redução da população menos favorecida à condição de “fonte de mão de
obra”. Temas como o “Consenso de Washington” e outros pertinentes
traçam cenário difícil para os países pobres no mundo globalizado,
principalmente em face do protecionismo dos países ricos a seus
mercados, assinalando os autores a necessidade do fortalecimento do
Mercosul para a competitividade global.
DOES
MERCOSUL
INSERT
BRAZIL
INTO
GLOBALIZATION
THROUGH THE FRONT DOOR ? - SUMMARY - The text starts from the
existence of the globalization phenomenon and its gradual and quick
expansion in the modern world. The authors criticize the harmful
consequences of globalization, such as the reduction of the less-favored
population to the condition of “source of manpower”. Subjects as the
100
“Consensus of Washington” and other pertinent ones establish a difficult
scenery for the poor countries in the globalized world, mainly in face of
the protectionism of rich countries to their own markets. The authors
emphasize the necessity of invigoration of the Mercosul for the global
competitiveness.
Independente da concordância ou não, da unanimidade ou não, a
globalização existe e ocorre em nosso meio, de forma veloz e progressiva,
reversível apenas com isolamento auto imputado pelo país que o desejar.
Assim, devemos entender o dito popular “para o que não tem remédio,
remediado está”, pois isolamento levaria a retrocesso. Se não vejamos: os
fabricantes de automóveis, de eletrodomésticos, de maquinários para indústrias
de transformação primária, são nacionais? Não. E os bancos, as empresas de
petróleo, de telecomunicações, a tecnologia, as patentes? Também não. São
internacionais, têm apenas sócios que visam basicamente os lucros.
A conseqüência é o caos social cada vez mais próximo, pois a busca
irracional da otimização da produção e da produtividade tem levado a geração
de trustes, articulações de dumping, e a formação de cartéis, deixando o ser
humano em último plano, que só interessa como fonte de mão-de-obra e como
mercado consumidor, principalmente em países subjugados como o nosso.
Nos ditos ricos, no grupo dos sete ( G-7 ), os governos impedem ações desta
natureza protegendo suas empresas.
Lembremo-nos um pouco da imposição que estes países fizeram, no
recente “Consenso de Washington”, quando então definiram lO pontos de
obrigatórios para os demais poderem manter relações com eles e com seus
mercados. Verdadeiras “pérolas”, afrontam desde a soberania pela exigência
de privatização e mudanças nos direitos trabalhistas, até alterações no sistema
financeiro e no previdenciário ( que mercado fabuloso pretendem abocanhar,
não?!)
Destacamos aqui, não sermos contrário à participação da iniciativa
privada em explorar telecomunicações, sistemas de saneamento, transporte
ferroviário, exploração do petróleo, energia elétrica, estradas e outros mais.
101
Apenas causa estranheza a forma como isto vem ocorrendo no Brasil. Quando
tudo está pronto, entrega-se a quem quiser, pagando o que quiser, esquecendo
os anos de capital empregado na abertura de fronteiras, de estradas, da
construção de barragens, na pesquisa e prospecções. Ora, quer-se explorar a
energia elétrica, ótimo! Defina o local, compense a sociedade pela interferência
à natureza e cave, construa, invista, produza e então venda, a preço razoável,
sua energia. Faça uma nova e moderna estrada e cobre seu pedágio. Mas nas
usinas e estradas que o imposto construiu, não. Nas telecomunicações que já
estão operando, não. Além do que, permitir fazê-lo é burrice, pois quem dará o
referencial ao preço cobrado de nosso povo? Uma “ANNEL”, uma “APEL” uma
“ANA”... Pura bazófia. Já implodiram o sistema cooperativo agropecuário para
eliminar referenciais! Se alguém pensa que será diferente, olhe o valor da
assinatura básica da linha telefônica, as obras X as taxas cobradas como
pedágio de estradas nossas. Em se permitindo explorar a atividade, privatizar
exige realmente vender? E a arrecadação que estas empresas dão ao governo
compensar-se-á com o quê? E, se serão lucrativas para particulares, por que
não assim fazê-las para o povo brasileiro?
Na realidade, temos que analisar profundamente o que disse o Dr.
Ministro das Relações Exteriores — Luiz Felipe Lampreia sobre essa onda de
globalização e de real liberalização comercial mundial. Há um descompasso
entre a retórica do livre comércio e a prática protecionista dos países
desenvolvidos, que impõe perdas àquilo que temos aptidões e condições
técnicas de produzir, até mesmo sem subsídios à produção e à exportação,
pelo constante expediente utilizado travestido de internacionalismo humanitário
(ambientais, trabalhistas ) e barreiras técnico-sanitárias .
Afinal, quem no mundo produz cana-de-açúcar, café, laranja, milho,
frango, suíno, bovino (a campo), entre outras, mais barato e de boa qualidade
como o Brasil? Mas não: “autorizam” a comercializar o que não prejudique suas
produções, e que não tenha valor agregado significativo, para que isto
aconteça no “benevolente” importador, onde então gerará empregos e divisas.
Para melhor entendimento, um simples exemplo: produzimos e exportamos
cacau, soja, açúcar, frutas tropicais, fios de seda – mas importamos finos
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chocolates suíços, ricamente embalados em laços de seda. E acrescente-se à
compreensão do exemplo: a média de valor agregado ao produto primário
brasileiro é de quatro vezes; na Holanda nove, ou seja: mais riquezas e mais
empregos lá.
Uma das maneiras de minimizar essa verdadeira opressão é a união
com nossos pares, iniciando pelo MERCOSUL: países latinos, agropecuária
similar, com um PIB de quase U$ 1,5 bilhão e um mercado de
aproximadamente 210 milhões de habitantes. Arestas vêm sendo amparadas,
pois o livre comércio pretendido exige mais de 8500 dos produtos sem taxas e
a definição destes produtos está ocorrendo. Concretizada a zona de livre
comércio, busca-se a união aduaneira, com uma tarifa externa comum, para a
seqüente eliminação de restrições a bens e serviços. Faltará, então, a reforma
legislativa, bastante delicada, à medida que, poderá confundir-se com
princípios de soberania.
Teremos então, perante o resto do mundo, um maior volume de
produção e com uma série de produtos com estratégica necessidade pelo
mercado mundial, o que deverá ampliar nosso poder de barganha.
Consolidada a pretensão destes objetivos do MERCOSUL, sem
necessidade alguma da moeda comum ( haja visto a crise do EURO como
moeda comum da CEE, e que pode levar ao colapso da economia mundial),
pela porta da frente poderemos vir a efetivar a participação no ALCA, até 2005
como pretendido, mas não para vivê-lo e sim com ele conviver, exigindo nos
acordos de seu estabelecimento a comercialização de produtos prontos, com
máximo valor agregado e não apenas como fornecedor de matérias-primas
básicas à geração de empregos e recursos pelos demais!
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virtude da lei