i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS DESTACADOS DA LEI N.º 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006. GABRIELA TATIANA DA CUNHA Itajaí, maio de 2008 i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS DESTACADOS DA LEI N.º 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006. GABRIELA TATIANA DA CUNHA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc Rogério Ristow Itajaí, maio de 2008 ii AGRADECIMENTO Primeiramente quero agradecer a Deus por iluminar meus caminhos e me conduzir a essa vitória. Aos meus pais, por terem compartilhado todos meus sonhos, alegrias e quando necessário minimizado minhas tristezas, dessa forma sempre me incentivando a nunca desistir dos meus objetivos ao longo dessa caminhada. Ao meu orientador, Professor Rogério Ristow, que, com muita dedicação e atenção, me orientou na realização da pesquisa e organização do presente trabalho monográfico. Aos mestres por todo conhecimento transmitido, pela dedicação e por me guiarem ao longo desses cinco anos na faculdade. A todos os amigos, sobretudo àqueles que me acompanharam durante toda a minha jornada acadêmica, pois juntos compartilhamos inesquecíveis vitórias e conquistas, e em especial à amiga Rafaella Rodrigues Machado Leitão, pelos momentos de descontração e pelo grande incentivo na busca de meus ideais,e por fim, a todas pessoas que fizeram parte da minha história ao longo dessa jornada. A todos vocês minha eterna admiração. iii DEDICATÓRIA Dedico este trabalho especialmente aos meus pais Mário e Suzete, os quais nunca mediram esforços para eu alcançar a minha felicidade. São pessoas incomparáveis, na medida em que sempre estiveram ao meu lado com muita dedicação e carinho, transmitindo confiança e amizade, a fim de que eu fosse em busca do meu próprio caminho sem medo de errar. Nunca me exigiram o melhor resultado, porém ensinaram-me que independente desse ser positivo ou negativo estaríamos sempre juntos, devido à força que une nossos corações. Aos meus irmãos Bárbara, Mara Juliana, Suzana e Mário Filho, aos meus sobrinhos João Pedro e Camila, pessoas especiais, pelo carinho, paciência e amizade demonstrados. À Maria da Penha Maia Fernandes, que transformou seu drama em uma bandeira de luta na esperança de construir um mundo melhor. iv TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e ao Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 30 de maio de 2008 Gabriela Tatiana da Cunha Graduanda v PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Gabriela Tatiana da Cunha, sob o título Aspectos Destacados da Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006, foi submetida em nove de junho do ano de dois mil e oito à banca examinadora composta pelas seguintes professores: Rogério Ristow (presidente da banca) e Guilherme Rehmer (examinador da banca), e aprovada com a nota [ ). Itajaí, junho de 2008 Prof. Msc. Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca Prof. Msc. Antônio Augusto Lapa coordenação da Monografia ] ( vi ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMPL. Ampliada ART Artigo ATUAL. Atualizada CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ED Edição N. Número P. Página ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2. Violência doméstica e familiar contra a mulher [...] toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra mulher (vítima certa) num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade) baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.3 Separação de Corpos Uma medida cautelar que consiste na suspensão autorizada do dever de coabitação por pequeno prazo, findo o qual deve ser proposta qualquer ação para extinção do casamento ou da união estável4. Unidade doméstica [...] espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança [...]5 Princípio da dignidade da pessoa humana [...] valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos 1 Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 40. 2 Conceito operacional [=cop] é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. Florianóplos: OAB/SC Editora, 2003. p. 56. 3 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 23. 4 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p.104. 5 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 30. direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.6 Família [...] conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar.7 Medida Cautelar São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional.8 Lesão Corporal O delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à integridade corporal ou à saúde, ou seja, como o dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental.9 Violência de gênero [...] a violência de gênero evidencia-se pela constatação da existência, em nossa sociedade, da discriminação entre homem e mulher, nas relações de convívio entre casais.10 6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2003. p. 50. 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil VI. 5 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2005. p. 18. 8 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 311. 9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal II. 23 ed ver e atual. São Paulo: Atlas, 2005. p. 103. 10 GENOFRE, Fabiano. Aspectos da Nova Lei de Proteção à Mulher – Lei Maria da Penha Lei n.º 11.340/2006. Disponível em <http://www.millenniumeditora.com.br/atualiza_livro.asp>, acesso em 13 de março de 2008. SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................. XII INTRODUÇÃO ............................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 1 ................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHAERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA CRIAÇÃO DA LEI N.º 11.340/2006ERRO! INDICADOR NÃO DEF 1.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI N.º 11.340/2006ERRO! INDICADOR NÃO D 1.3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA MULHERERRO! INDICADOR NÃO DEFIN 1.3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS ..........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.3.2 AÇÕES AFIRMATIVAS ..................................................................................... 14 1.3.1 FINS SOCIAIS ...................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.4 1.4 PRINCÍPIO CONSTUTIONAIS .............. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.4.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA .....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.4.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIAERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.4.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA....ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.6 CONFLITO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ERRO! INDICADOR NÃO DEF CAPÍTULO 2 ................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ..................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1 MULHER NA FAMÍLIA ......................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1.1 CASAMENTO ......................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1.2 UNIÃO ESTÁVEL ................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1.3 UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXOERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASILERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.2.1 CONCEITO DE GÊNERO .......................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4 ESTRUTURA JURÍDICA ....................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4.1 OBJETO TUTELA ................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4.1.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES ....................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4.2 SUJEITOS DO DELITO .........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4.3 ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA .......................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4.4 ÂMBITO DA FAMÍLIA ...........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.5 FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ......ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 3 ................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR................................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1 MEDIDAS PROTETIVAS ....................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1.1 MEDIDAS GERAIS PROTETIVAS ............................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1.2 ATENDIMENTO POLICIAL ESPECIALIZADO.............ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS .........................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2.1 ASSISTÊNCIA À MULHER .....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2.2 REMOÇÃO PRIORITÁRIA OU AFASTAMENTO SEMESTRAL DO TRABALHOERRO! INDICADOR NÃO DEF 3.3 MEDIDAS DE NATUREZA POLICIAL E MINISTERIALERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO 3.4 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIAERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.5 3.4.1 MEDIDAS MINISTERIAIS ....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.6 3.4.2 MEDIDAS JUDICIAIS ..........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.6 3.4.3 ESPÉCIES DE MEDIDAS DE URGÊNCIA................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.6 3.4.3.1 SUSPENSÃO DA POSSE OU RESTRIÃO DO PORTE DE ARMAS57ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.4.3.2 AFASTAMENTO DO LAR, DOMICÍLIO OU LOCAL DE CONVIVÊNCIAERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO 3.4.3.3 DISTANCIAMENTO DO AGRESSOR .................59ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.4.3.4 IMPEDIMENTO DE COMUNICAÇÃO COM A OFENDIDA, SEUS FAMILIARES E TESTEMUNHAS ...........................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.3.3.5 GUARDA E VISITA ....................................................................................... 60 3.3.3.6 ALIMENTOS PROVISIONAIS E PROVISÓRIOS ...61ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.5 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA.............................. 63 3.5.1 TUTELA PATRIMONIAL .................................................................................... 63 3.5.2 PROIBIÇÃO DE CONTRATAR............................................................................. 64 3.5.3 PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO PROVISÓRIA ............................................................. 66 3.5.4 ALIMENTOS PROVISIONAIS E PROVISÓRIOS ...................................................... 66 3.5.5 COMUNICAÇÃO AOS CARTÓRIOS .....................66ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. RESUMO Esta monografia, realizada com base em pesquisa científica. Apresenta e analisa, sob o prisma da interpretação doutrinária, bem como da legislação pátria e específica, a atual situação de proteção à violência doméstica e familiar contra à mulher, enfocando as medidas protetivas concedidas à vítima, trazidas pela Lei n.º 11.340/2006. Destaca-se que o estudo do tema é importante, entre outros motivos, pela sua atualidade e relevância, devido aos constantes debates e questionamentos doutrinários e sociais sobre o assunto. O tema despertou interesse pelo fato de constatar que a proteção anteriormente dada pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 226, § 8º, não protegia de forma concreta a integridade ou a saúde corporal da mulher. A criação dessa lei, que é considerada um marco na defesa da mulher contra a violência doméstica, possui grande importância, especialmente quando se leva em conta o alto grau de violência contra a mulher no Brasil, tem sido alvo de questionamentos quanto a sua constitucionalidade, a qual será abordada no decorrer da presente monografia. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto aspectos destacados da Lei n.º 11.230 de 07 de agosto de 2006. Tem esta pesquisa, como objetivos: institucional, produzir uma monografia jurídica, para cumprir um dos requisitos de obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí; geral, destacar os aspectos destacados da Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006; e específico, efetuar uma análise das medidas protetivas concedidas em favor da mulher em virtude da lei em estudo, analisando os pressupostos necessários para concessão destas. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da origem história da lei, onde será abordado o incidente sofrido por Maria da Penha Maia Fernandes e sua luta pela criação da presente legislação. Neste mesmo capítulo será feito um estudo acerca dos direitos fundamentes da mulher, passando ainda pelos princípios constitucionais regentes da lei em estudo, ou seja, pelo princípio da isonomia, princípio da proteção e princípio da dignidade humana. Por fim será estudado o aparente conflito, objeto de discussões, acerca da constitucionalidade da lei. No Capítulo 2, tratando de violência doméstica propriamente dita, será feita a conceituação do termo família e a atuação da mulher inserida nela. Será estudado este aspecto juntamente com os conceitos de casamento, união estável e da união estável homoafetiva destacando alguns pontos polêmicos. Posteriormente neste Capítulo será abordada a violência contra a mulher no Brasil, conceituado o termo violência de gênero e ao final se estudará a violência doméstica e familiar contra a mulher em suas variadas formas. 2 No Capítulo 3, tratando da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, frisando das medidas protetivas inovadas e trazidas pela Lei n.º 11.340/2006. Tais medidas serão estudadas individualmente separadas em medidas administrativas, protetivas de natureza policial e ministerial, medidas protetivas de urgência e medidas protetivas de urgência à ofendida. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre aspectos destacados da Lei n.º 11.340 de 07 de agosto de 2006. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: A Lei n.º 11.340/2006 fere o princípio constitucional da isonomia por tratar diferentemente homens e mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. É constitucional a aplicação da Lei n.º 11.340/2006 nos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres nas uniões homoafetivas. A mulher agredida pode requerer a separação de corpos do agressor com o conseqüente afastamento do mesmo do lar conjugal. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos 3 destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema em estudo, notadamente no que concerne à aplicação das medidas protetivas em favor da mulher violentada no âmbito da família, da unidade doméstica ou em qualquer relação íntima de afeto. CAPÍTULO 1 ASPECTOS GERAIS DA “LEI MARIA DA PENHA” 1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA CRIAÇÃO DA LEI Nº 11.340/2006. O diploma legal é uma homenagem à biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica. Em 1983, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, Maria da Penha sofreu duas tentativas de homicídio por parte do então marido, Marco Antonio H. Ponto Viveiros. Começou com um tiro nas costas enquanto dormia. Ficou paraplégica. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda em recuperação, sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. O agressor foi julgado duas vezes pelos tribunais locais (1991 e 1996), e devido aos sucessivos recursos contra as decisões do tribunal do júri, sempre permaneceu solto1. Maria da Penha se mobilizou e procurou os organismos internacionais, sendo que no ano de 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, ao lado da vítima, enviaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pela demora injustificada em não se dar uma decisão definitiva no processo. Em 2001, após dezoito anos do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica e recomendou várias medidas em relação ao caso concreto de Maria da Penha e em relação às políticas públicas do Estado para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres brasileiras. 1 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 11-12. 5 Marco Antonio acabou sendo preso apenas em 2003, por força da pressão internacional de audiências de seguimento do caso na Comissão Interamericana e o processo no âmbito nacional foi encerrado. Foi, por essa razão, que se criou a lei, denominando-a simplesmente de Lei Maria da Penha. A preocupação altruística do legislador, no novel diploma, cinge-se a preservar a saúde física e mental e o aperfeiçoamento moral, intelectual e social da mulher contra a agressão masculina. Até porque, dentre as hipóteses de agressão no seio da família, a violência doméstica preponderante é aquela praticada pelo homem contra a mulher, eis que a legislação até então não era suficiente para coibir a violência doméstica, pois a Lei. 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, não mais atendia aos anseios da mulher. Esta lei pretendia facilitar o acesso da população à justiça e desafogar o judiciário que estava abarrotado de processos de infração de menor potencial ofensivo. Com isso pretendia-se ainda: a) reduzir a morosidade judicial; b) propor medidas despenalizadoras; e c) diminuir a impunidade. A lei objetivava assegurar, fundamentado no Direito Penal Mínimo, a mínima intervenção estatal com máximas garantias. A finalidade da Lei n. 9.099/95 foi alcançada, tornando a justiça mais rápida apesar de a pena ser mais branda, fundamentado nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (arts. 2º e 62 da Lei n. 9.099/95). Mas, no que tange a proteção da mulher contra a violência doméstica, as medidas adotadas (pagamentos de multa e entregas de cestas básicas de alimentos destinadas às entidades de caridade, por exemplo) não eram suficientes para punir o agressor adequadamente e nem servia como efeito pedagógico, razão pela qual se criou a presente lei com o fim de aumentar a pena e afastar a aplicabilidade da Lei n. 9.099/95. 1.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI 6 As normas são criadas para estabelecer regras com a finalidade de disciplinar, via de regra, as condutas humanas conflituosas. Só quando surge o conflito é que Poder Público intervém na sociedade com a finalidade de regulamentar condutas socialmente reprováveis. As pessoas precisam aprender a viver em sociedade e respeitar tais regras sob pena de se impor algum tipo de sanção. Assim, norma sem sanção é ineficaz e sanção sem regra é abuso. A Lei Maria da Penha tem como fundamento o disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, segundo o qual "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações." Embasa-se, outrossim, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1995. Como passo inicial à origem constitucional da Lei, verifica-se a modificação constitucional do até então adotado modelo de família, sendo que o qual era aquela constituída exclusivamente pelo matrimônio. A partir do atual retrato adotado pelo art. 226 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no qual dá-se o nascimento da família através de outras entidades além do casamento. Além de estabelecer outras entidades familiares, o disposto no Capítulo VII da Constituição Federal, equipara o homem e a mulher em direitos e obrigações em consonância com o princípio da isonomia do art. 5º do citado diploma legal, estabelecendo assim como paradigma o princípio da dignidade da pessoa humana, tornando presente os direitos fundamentais. Nessa linha de raciocínio, ensina LIMA2: 2 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Isonomia entre os sexos no sistema jurídico nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 24. 7 A linguagem generalizante utilizada pela Constituição de 1988 seja no art. 5º, em seu inciso I (Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição), seja também no § 5º, do art. 226, não permite duvidar de que a idéia central da Carta Magna é a igualdade, tão absoluta quanto possível entre homens e mulheres. Pensar diferente é agredir, a uma só vez, a letra da Lei Maior, seu espírito e a História. A Lei Maria da Penha está intimamente ligada à necessidade de concretização do princípio constitucional da igualdade, uma vez que procura diminuir a desigualdade da pessoa humana, diante do fato público e notório da quantidade de agressões sofridas pelas mulheres na intimidade doméstica. A lei adota medidas mais do que necessárias e adequadas na busca pela igualdade material entre homens e mulheres no âmbito das relações domésticas. Embasa-se, igualmente, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A lei foi publicada no dia 08 de agosto de 2.006 e por expressa disposição de seu art. 46, teve uma vacatio legis3 de 45 dias. Assim, a vigência do diploma se deu no dia 22 de setembro de 2.006. Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3 anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais (arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9099/95 (art. 41); d) cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida (arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através de Lei Estadual (art. 14). 3 Vacatio legis: tempo que medeia entre a publicação da lei e sua efetiva entrada em vigor. È o período destinado a dar amplo conhecimento da nova lei, estabelecendo a LICC, em seu art. 1.º, que tal prazo é de 45 dias senão houver disposição em contrário. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 320. 8 1.3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA MULHER Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação. Para tanto, costuma-se classificar os direitos fundamentais em dimensões diferenciadas, de acordo com sua abrangência, marcada pela mudança histórica. Deste modo os direitos fundamentais são divididos em três dimensões com: direitos fundamentais de primeira, de segunda e de terceira dimensão. Nesse sentido ensina SARLET4: Os chamados direitos fundamentais de primeira dimensão, no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direito de defesa. São estes os chamados direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Os arts. 2.º e 3.º da Lei em estudo, anunciaram a explicitação dos direitos fundamentais de qualquer mulher (direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária), independente de sua classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião. A redação de tão artigo é objeto de crítica de alguns doutrinadores como NUCCI5, para quem: 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.56. 9 O óbvio não precisa constar em lei, ainda mais se está dito, em termos mais adequados, pelo texto constitucional de maneira expressa e, identicamente, em convenções internacionais, ratificadas pelo Brasil, em plena vigência. De outro lado, o extenso rol de classificações realizado é, também, pueril, pois, quanto mais se busca descrever, sem generalizar, há o perigo de olvidar algum termo, dando brecha a falsas interpretações. Inseriu-se ‘independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião’. Omitiu o legislador, por exemplo, os termos ‘cor’ e ‘origem’ (existentes no art. 3.º, IV, CF) e a expressa ‘procedência nacional’ (art. 1.º, caput, da Lei n.º 7.716/89). Por acaso mulheres de ‘cores’ diversas gozam de direitos diversificados? No entanto, no caso presente (proteção da mulher) a obviedade tem razão de ser, como bem alertam FARIA e MELO6: É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher. Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamam a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre homens e mulheres. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram. E em virtude da grande pressão das entidades não governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena, em seu item 18 (dezoito) que: ‘Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais (...) 1.3.1 Políticas públicas 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 861. 6 FARIA, Helena Omena Lopes de; MELO Mônica de. Série Estudo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 11, out. 1998, p. 373. 10 O Estado brasileiro, depois de ratificar os documentos internacionais de proteção à mulher, assumiu obrigações no plano internacional, comprometendo-se a adotar medidas para garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, resguardando-as de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. CUNHA e PINTO7 entendem que, para que isso se torne efetivo o Estado deve “traçar políticas de prevenção, bem como investigar diligentemente qualquer violação, assegurando recursos para efetivar a finalidade desta lei”. A omissão do Estado, em qualquer das frentes, configura publicidade negativa na comunidade internacional. 1.3.2 Ações afirmativas Bem observam OMENA e MELO8 que a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher prevê a possibilidade de adoção, pelo Estado, de medidas afirmativas visando acelerar o processo de obtenção da igualdade entre a mulher e o homem, pela qual os Estados podem adotar medidas especiais temporárias, visando acelerar o processo de igualização. Tais medidas cessarão quando alcançado seu objetivo. São medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório em desfavor à mulher. 1.3.3 Fins sociais Ao ressaltar que o intérprete da lei deve levar em conta os fins sociais, o legislador tomou de empréstimo idéia contida na Lei de Introdução 7 CUNHA, Rogério Saches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 26. 8 OMENA, Helena; MELO, Mônica. Série Estudo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 11, out. 1998, p. 381. 11 ao Código Civil (Decreto lei n.º 4.657/42), que em seu art. 5.º dispõe que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige (...)”. Para CUNHA e PINTO9: (...) trata-se da chamada interpretação sociológica, cujo método se baseia na adaptação do sentido da lei às realidades sociais, cabendo ao intérprete acompanhar as mudanças que o cercam, os impactos que tais alterações causam na sociedade, enfim, conferir à norma um significado que a insira no contexto em que seja concebida. Cumpre ressaltar que a interpretação da lei deve ser feita de forma que, a simples análise do alcance da palavra na forma de interpretação gramatical, pode levar a um entendimento defeituoso, cabendo desta forma ao intérprete enfrentar o desafio da interpretação adequada. 1.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Entende-se que princípios implicam em idéias e podem incidir como uma analogia geral, por apresentarem a mesma ratio legis10, tendo em vista expressarem força de convicção a eles inerente. Caracteriza-os SARLET11: Os princípios jurídicos carecem de concretização e são estabelecidos em graus. No grau mais elevado, o princípio não tem nenhuma especificação de previsão e conseqüências jurídicas, enquanto os subprincípios têm, muitas vezes, expressa previsão e apresentam as referidas conseqüências. Tanto os princípios quantos os subprincípios são alicerces de um sistema com nítido caráter dedutivo, de forma que se trabalha de um enunciado geral para um em enunciado particular. 9 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 27. 10 Ratio legis: a razão da lei; o fim; o objetivo maior da lei. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 260. 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 39. 12 Os princípios gerais têm como função precípua a resolução do fenômeno da anomia jurídica (art. 4.º da LICC). A Constituição Federal de 1988, de maneira principiológica, enunciou uma série de paradigmas, no art. 226, referente à família. Isso porque o Capítulo VII da Carta Magna é composto por cinco artigos, sendo o primeiro, o que disciplina a relação familiar propriamente dita. O art. 227 disciplina a proteção prioritária e absoluta assegurada à criança ou adolescente nas suas mais diversas formas. O art. 229, por sua vez, disciplina o princípio da paternidade responsável e o princípio da proteção ao idoso, garantido pelo art. 230. 1.4.1 Princípio da isonomia 1.4.1.1 Evolução histórica do princípio da isonomia Através de sua evolução para que se chegasse à atual conceituação, o princípio da isonomia, pode-se dizer que sofreu algumas mudanças, no seu aspecto conceitual e na sua aplicação nas relações interpessoais. Acerca dessa evolução MELLO12 discorre: Exigido pelo sistema jurídico moderno, em razão do longo caminho até então feito pela humanidade através de séculos tratando os homens como desiguais, dividindo-os, por exemplo, entre livres e escravos, nobres e plebeus, negando a alguns o próprio status de pessoa. De forma que, todos os homens fossem tidos como iguais, independente de qualquer condição, tais como idade, sexo, raça, cor, entre outros, deu-se o passo inicial, no século XVIII, com a revolução francesa e as declarações de direitos humanos. Inserido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, com a seguinte redação: Art. 5.º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros 12 MELLO, Celso Antônio Bandera de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3º ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 13. 13 residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade. Assim a mulher que viu nascer o século como relativamente incapaz de gerir sua pessoa e seus bens, tutelada seguidamente pelo pai e pelo marido, sem direito a vez e voto, sujeita inclusive, no dizer no Código Civil de 1916, ao poder disciplinar do cônjuge varão, emancipou-se política, civil e socialmente, levando o constituinte, não a conceder uma igualdade, porém muito mais a reconhecer uma paridade conquistada a duras penas e com inumeráveis anos de atraso. Estabelece o § 5º do art. 226 da Constituição Federal que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O referido dispositivo esta presente no art. 1.511 do Código Civil de 2002, bem como implícito no 5º, caput, da Constituição Federal uma vez que a igualdade ali apresentada também se estende para a sociedade conjugal, para a união estável, de forma que a concessão de um direito para o homem ou para a mulher é sempre extensiva ao outro ou inaplicável por estar eivado de inconstitucionalidade. Porém, é necessário ressaltar que o princípio da isonomia, assim como os demais, é relativo, de forma que em algumas situações são possíveis direitos próprios concedidos ao homem ou à mulher. Trata-se de conceito simples, já que isonomia denota-se igualdade. Essa igualdade, adotada no sistema jurídico brasileiro, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de sua desigualdade. Para MELLO13: Imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção 13 MELLO, Celso Antônio Bandera de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3º ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 15. 14 religiosa (art. 5º, caput, da CRFB) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal etc. O texto constitucional equiparou o homem e a mulher em direito e obrigações, assim consoante com o princípio da isonomia, estabelecendo como paradigma o principio da dignidade da pessoa humana, não somente referendado no art. 226, § 7º, bem como no art. 1º, inciso III, da CFRB14, criando assim um pilar de todas as relações familiares. A Lei nº 11.340/2006, veio no sentido de harmonizar a proteção dos vulneráveis na medida em que inaugurou a vulnerabilidade da mulher em situação de violência doméstica e familiar de modo que está protegido grande parte dos chamados “vulneráveis” do sistema jurídico, como por exemplo: a criança e o adolescente protegidos pela Lei nº. 8.069/1990, o idoso pela Lei nº. 10.741/ 2003, o deficiente físico pela Lei nº. 10.098/2000, entre outros. 1.4.2 Princípio da proteção Segundo o § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Portanto, o principio da proteção é resguardar a integridade dos membros da família. Deste modo, torna-se evidente o baseamento da Lei nº. 11.340/2006 nesse dispositivo, tanto que o próprio art. 1.º da referida Lei, criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Observa-se que o texto constitucional não se refere apenas a violência contra a mulher, já que o § 8.º do art. 226 da Carta Magna, remete-se a todos os integrantes da família. Para tanto, destacam SOUZA e KÜMPEL15 o seguinte entendimento: 14 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 15 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 23. 15 Como no Brasil os casos de violência contra a mulher são costumeiros, e pela condição vulnerável da vítima, o legislador infraconstitucional focou a referida violência para criação da lei. Igualmente, na exposição de motivos da Lei n.º 11.340/2006, precisamente no item 6, assinala que: O projeto delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objetivo implementar ‘ações direcionadas e segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação a que foram expostas. Assim, se torna implícita a presença do princípio da proteção no diploma legal, uma vez que a lei tem como objetivo maior, a proteção da mulher no meio familiar e doméstico. 1.4.3 Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio em questão está previsto no art. 1.º, inciso III, da Constituição Federal e trata-se de um princípio que sobrepaira a todas as relações. Ele é um princípio informador de todos os demais princípios e valores constantes da Constituição, quer de caráter individual, quer de caráter social. A exposição de motivos da Lei Maria da Penha, no tem 17, estabelece: O artigo 6.º afirma que a violência doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, independente da penalidade aplicada. Conforme dispõe a Convenção de Belém do Pará, a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres. 16 Bem se vê que a dignidade da mulher é o esteio da legislação protetiva e vem resguardar outros princípios constitucionais, os quais estão afetados, quais sejam a construção de uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3.º, I, Constituição Federal) e a promoção do bem de todos sem qualquer ranço e preconceito de sexo (art. 3.º, IV, Constituição Federal), na medida em que a mulher protegida tem sua condição sexual equiparada à dos homens. E isso vem refletido na exposição de motivos no item 16: As desigualdades de gênero entre homens e mulheres advêm de uma construção sócio cultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza. Um sistema de dominação passa a considerar natural uma desigualdade socialmente construída, campo fértil para atos de discriminação e violência que se ‘naturalizam’ e se incorporam ao cotidiano de milhares de mulheres. As relações e o espaço intra-familiares foram historicamente interpretados como restritos e privados, proporcionando a complacência e a impunidade. Além desses, cabe assinalar o princípio da prevalência dos direitos humanos, destacado no art. 4.º, inciso II, da Constituição Federal, que vem prestigiado na Lei Maria da Penha, especialmente quando seu art. 6.º destacando que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, o que importa considerar que essa lei tem o condão ou pelo menos cria a possibilidade concreta de se dar efetividade à Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. Cumpre destacar que a Emenda Constitucional n.º 45, inseriu o § 3º no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, a chamada constitucionalização dos tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos. Essa inovação é explicada por KÜMPEL e SOUZA16: 16 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 28 17 Os Tratados ou Convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo em conseqüência entre estas e os atos de direito internacional público mera relação de paridade normativa. Nesse sentido ensina PIOVESAN17: A respeitável corrente doutrinária se posiciona no sentido de que os tratados versando sobre direitos humanos, uma vez subscritos pelo Brasil, se incorporam automaticamente e possuem caráter constitucional conforme disposto nos §§ 1º e 2º, do art. 5º da Constituição Federal. O art. 6.º da legislação em estudo dispõe, expressamente, que a violência doméstica e familiar contra a mulher, constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Porém, entende-se necessário salientar que qualquer tipo de violência representa um atentado aos direitos humanos, seja a vítima homem ou mulher, a par disso colhe-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Desta forma pode-se concluir que, para que seja configurado um atentado aos direitos humanos, basta somente que seja humano, sendo desta forma irrelevante o sexo da vítima. Para CUNHA e PINTO18 torna-se desta forma desnecessária a inserção da redação do art. 6.º, a menos que a intenção do legislador era de 17 PIOVISAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 111. 18 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 36. 18 concentrar a competência para julgamento deste crime na Justiça Estadual, como explicam: O art. 109, V-A, da Constituição (com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 45 de 2004), prevê que as causas relativas a direitos humanos sejam julgadas pela Justiça Federal. Para Tanto, é preciso que o Procurador-Geral da República provoque um incidente de deslocamento de competência, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte. Desta forma, torna-se mais compreensível a redação do art. 6.º da lei. 1.5 CONFLITOS ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Questiona-se acerca da constitucionalidade da lei, vez que, num primeiro momento, parece discriminatória, tratando a mulher como eterno sexo frágil, deixando desprotegido o homem, presumidamente imponente. Tal diferenciação, como se sabe, há muito foi estampada pela Constituição Federal que, no seu art. 226, § 5.º, equipara ambos os sexos em direitos e obrigações, garantindo aos dois sexos, no § 8.º, proteção no caso de violência doméstica. No artigo elaborado por SOUZA e FONSECA19 ressalta-se que: não é preciso muito esforço para perceber que a legislação infraconstitucional acabou por tratar de maneira diferenciada a condição de homem e mulher e o status entre filhos que o poder constituinte originário tratou de maneira igual criando, aí sim, a desigualdade na entidade familiar. Na mesma esteira, SANTIN20 afirma que: 19 SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio; FONSECA, Tiago Abud da. A aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra a mulher. Boletim do IBCCrim, n. 168, Nov/2006, p.4. 19 a diferença de tratamento entre homem e mulher afronta o sistema democrático, os seus fundamentos e objetivos. Sustenta ainda que, todos os integrantes da família merecem garantia e proteção por meio de assistência e de coibição de violência. Conclui desta forma, que a lei é inconstitucional salientando que: Como se vê, a pretexto de proteger a mulher, numa psdeudopostura ‘politicamente correta’, a nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento entre homem e mulher, ao prever sanções a uma das partes do gênero humano, homem, sexo masculino, e proteção especial à outra componente humana, mulher, pessoa do sexo feminino, sem reciprocidade, transformando o homem num cidadão de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica, ao proteger especialmente a mulher, numa aparente formação de casta feminina. Segundo ABATE21 em seu artigo publicado no site Gazeta Mercantil, alguns juízes e tribunais têm afastado a aplicação da lei por reputar alguns de seus artigos inconstitucionais em virtude, principalmente, de suposta afronta ao princípio da igualdade previsto no artigo 5.º, inciso I da Constituição Federal. Ou seja, no entendimento de alguns membros do Judiciário brasileiro, a Lei Maria da Penha, especialmente o seu artigo 1.º, seria inconstitucional em virtude de conferir especial proteção às mulheres, não o fazendo em relação aos homens. Explica também a autora, que há entendimentos de que o legislador adotou a doutrina da proteção apenas de forma unilateral, ou seja, da mulher, não oferecendo proteção integral a toda a família, inquinando a lei com a eiva da inconstitucionalidade, por conta do resguardo dado. 20 SANTIN, Valter Foleto. Igualdade Constitucional na Violência Doméstica. Disponível em <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1594>, acesso em 15 de abril de 2008. 21 ABATE, Alessandra. Maria da Penha: A Lei ao lado da mulher. Disponível em <http://www.gazeta.com.br/integraNoticia.aspx?Param=408,0,+,1605848,UIOU>, acesso em 15 de maio de 2008. 20 Em razão de tais decisões, ABATE22 confirma que o presidente da República, Exmo. Sr. Luis Inácio Lula da Silva, representado pelo advogado geral da União, propôs uma ação declaratória de constitucionalidade perante ao Superior Tribunal Federal (Ação Direta de Constitucionalidade n.º 19) – a fim de obter a suspensão dos efeitos de quaisquer decisões que direta ou indiretamente neguem vigência à lei e a declaração de constitucionalidade da mencionada lei. Tal tipo de ação é um meio processual previsto em nosso ordenamento jurídico que visa garantir a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo federal. Apesar de haverem muitos entendimentos e defesas acerca da tese de inconstitucionalidade, cumpre acrescentar que a sociedade está cansada de ver as mulheres serem molestadas, pressionadas, agredidas e oprimidas, como exigem as estatísticas que demonstram a situação de verdadeira calamidade pública que assumiu a agressão contra as mulheres. Assim, para esta corrente de entendimento, ainda que se considere que a lei faça distinção de tratamento, esta é plenamente justificada em razão da situação social a que as mulheres estão sujeitas. O que não se justifica é que tantas mulheres como Maria da Penha, que lutou durante vinte anos para ver seu agressor condenado, permaneçam sem proteção na preservação de suas vidas. A mulher em situação de violência doméstica se vê em regra desvalorizada (desprestigiada) no seu árduo trabalho doméstico, agredida nesse mesmo espaço sem ter a quem socorrer, pois, muitas vezes, depende do agressor, seja afetiva, familiar ou financeiramente. Na aplicação da lei cabe ao intérprete, necessariamente, voltar os olhos para essa realidade. Esclarecem, FARIA e MELO23 que: 22 ABATE, Alessandra. Maria da Penha: A Lei ao lado da mulher. Disponível em: <http://www.gazeta.com.br/integraNoticia.aspx?Param=408,0,+,1605848,UIOU>, acesso em 15 de maio de 2008 23 FARIA, Helena Omena Lopes de; MELO, Mônica. Direitos humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de 21 O sistema de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial. Neste sentido, ensinam SOUZA e KÜMPEL24: Por ser o Brasil signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e também da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, em caso de violência é absolutamente constitucional a presença de regramento próprio para a proteção da mulher, de forma que a Lei 11.340/2006 não fere, de forma alguma, o princípio de isonomia ora retratado, visto que em caso de violência instaura-se a vulnerabilidade da mulher. Não sendo caso de violência e não havendo outro bem jurídico superior a proteger, resta resguardada a isonomia em direitos e obrigações para o casal. Entretanto, denota-se na própria Exposição de Motivos da Lei, precisamente em seu item 17, é reconhecida e justificada a sua legalidade e o espírito que norteou o legislador na sua elaboração, dispondo o seguinte texto: As desigualdades de gênero entre homens e mulheres advêm de uma construção sociocultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza. Um sistema de dominação passa a considerar natural uma desigualdade socialmente construída, campo fértil para atos de discriminação e violência que se naturalizam e se incorporam ao cotidiano de milhares de mulheres. Precisamente, trata a lei de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de ações não Discriminação Contra a Mulher e a Convenção Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. São Paulo: Centro de Estudos, 1998. p. 373. 24 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 31. 22 governamentais usando a política pública de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme descrição contida no seu art. 8.º e explicitada no parágrafo primeiro, do art. 3.º, quando dispõe que: O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Com isso, argumentos relativos à inconstitucionalidade da Lei n.º 11.340/2006 são diferentemente interpretados e possuem entendimentos diferentes entre os operadores do direito. Portanto encerra-se o primeiro capítulo da presente monografia, no qual se trata os aspectos gerais da Lei Maria da Penha, principalmente elencados os seus princípios formadores. No próximo capítulo aborda-se os conceitos de família, como entidade familiar e a possíveis maneiras de formação juntamente com os conceitos de violência de gênero e as formas individualizadas e de violência doméstica e familiar que são tuteladas pela Lei n.º 11.340. 23 CAPÍTULO 2 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 2.1 A MULHER NA FAMÍLIA Neste item e capítulo, trata-se do papel exercido pela mulher na família em si, das diversas maneiras de formação destas entidades e da violência doméstica e familiar sofrida pela mulher. Para evolução histórica da mulher na família, adota-se para a presente monografia, o entendimento de VENOSA25 que ensina que Historicamente, a mulher sempre esteve numa situação de inferioridade em relação ao homem. Até pouco tempo atrás ele era o chefe familiar e possuía o controle do lar. A luta da mulher foi longa e sua conquista foi reconhecida internacionalmente pelos inúmeros tratados, convenções e declarações que foram sendo inseridos na legislação interna de cada País. Pode-se entender que família é uma reunião de pessoas vinculadas e que vivem muito próximas de si. 25 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 23. 24 O legislador do Código Civil de 1916 ignorou a família ilegítima, fazendo apenas raras menções ao então chamado concubinato unicamente no propósito de proteger a família, nunca reconhecendo direitos à união de fato. O estudioso tradicional de nosso direito de família sempre evitou, no passado, tratar do casamento ao lado da união concubinária. Silvio Rodrigues26 ao comentar o disposto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal ensina que: A despeito da indiferença do legislador no passado, a família constituída fora do casamento de há muito constituía uma realidade inescondível. Reconhece o Estado com a Constituição de 1988, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Para a elaboração da lei em estudo, entende-se que esta ultrapassou o âmbito do que o legislador entende por família e o próprio conceito disposto nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Nessa ótica SOUZA e KÜMPEL27 consideram que: Não há qualquer inconstitucionalidade na lei, uma vez que a extensão se dá nos limites da vulnerabilidade da mulher, de forma que não altera a noção constitucional de família, apenas concedendo à mulher, sob estado de violência, proteção extensiva. Em relação da inovação da Lei Maria da Penha, pode-se afirmar a existência da nova conceituação de família. É a posição de DIAS28: No momento em que as uniões de pessoas do mesmo sexo estão sob tutela da lei que visa a combater a violência doméstica, isso significa, que são reconhecidas como uma família, estando sob a 26 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 268. 27 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 33. 28 DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica e as uniões homoafetivas. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8985>, acesso em 29 de abri de 2008. 25 égide do direito de família. Não mais podem ser reconhecidas como sociedades de fato, sob pena de se estar negando vigência à lei federal. Conseqüentemente, as demandas não devem continuar tramitando nas varas cíveis, impondo-se sua distribuição às varas de família, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. Porém, não se pode com essas inovações, distorcer a conceituação de família, como bem salientam RABELO e SARAIVA29: Aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a família será destruída. Conceber apenas a família nuclear composta pelo casal heterossexual e filhos como o único modelo de família aceitável, é incompatível com a natureza afetiva da família. A noção de família como núcleo de afetividade e base da sociedade deve ser encarada, como de fato é, um fator cultural. E, dessa maneira, a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade, e conseqüentemente, dos arranjos familiares. Assim, de certa forma, deve-se interligar a inovação trazida pela lei, e a tradição trazida pelos vários doutrinadores, adequando-os tais conceitos para melhor entendimento do interpretador jurídico. 2.1.1 Casamento Inúmeras são as definições de casamento, sendo que por conseqüência, não há uniformidade de sua conceituação nas legislações e na doutrina. Washington de Barros30 define casamento de forma descritiva, como sendo: 29 RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911>, acesso em 29 de abril de 2008. 30 BARROS, Washington de. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 12. 26 A união permanente entre homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos. Entretanto Silvio Rodrigues31, declarando sua preferência pela natureza jurídica do fenômeno, baseando-se na lei e na palavra de Modestino32, define: Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência. Em uma visão moderna, o casamento é o vínculo jurídico que se estabelece entre um homem e uma mulher, de caráter temporário e litúrgico quanto a sua constituição, e que gera como efeito, direitos e obrigações regulados em lei. O casamento afora alguns princípios constitucionais já mencionados no capítulo anterior, como estatuiu o Código Civil, nas suas disposições gerais, acerca dos princípios informadores do casamento. 2.1.2 UNIÃO ESTÁVEL A união estável, basicamente, pode-se dizer que é aquela em que o casal vive como se casados de fato fossem, possuindo assim igualmente direitos e obrigações, porém em alguns aspectos, diferencialmente daqueles que são casados na forma estabelecida juridicamente. KÜMPEL e SOUZA33 conceituam como sendo: 31 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 18. 32 Jurista do período clássico que estabeleceu que as núpcias fossem a união do marido e da mulher e consorcio para toda a vida, pelo direito humano e pelo direito divino. LEITE, Gisele. Casamento no Direito Civil Brasileiro. Disponível em <http://www.giseleleite.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=740093>, acesso em 29 de abril de 2008. 33 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 29. 27 Um vínculo jurídico informal estabelecido entre um homem e uma mulher, de caráter duradouro, público e contínuo em que ambos desejam constituir uma entidade familiar produzindo efeitos jurídicos não só para as partes, mas também para terceiros. Diferencia-se do casamento não somente pela ausência de formalização e liturgia para a constituição, mas também por gerar conseqüências jurídicas diversas como já mencionado. Para VENOSA34 “o concubinato ou a união estável são fatos sociais e fatos jurídicos. E é sua natureza”. O art. 226 da Constituição Federal confere proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. A lei não define essa união, referindo-se apenas a alguns de seus elementos idôneos para galgar a juridicidade pretendida. No entanto a Lei n.º 9.278/96, no art. 1.º, dispõe que: É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Essa definição é mantida pelo Código Civil, em linhas gerais pelo art. 1.723. A união estável apresenta assim, como pressupostos, a estabilidade da união entre o homem e a mulher. 2.1.3 União Estável entre pessoas do mesmo sexo O inciso III, do art. 5.º da Lei em estudo, de forma ampla, tornando, ao que parece, dispensáveis os incisos anteriores, etiquetou como violência doméstica qualquer agressão inserida em um relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor etc. 34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 58. 28 Doutrinadores como NUCCI35, entendem de que a extensão do dispositivo (relação de intimidade) extrapolou o espírito dos tratados ratificados pelo Brasil, pois mais restritos, protegendo a mulher de forma diferenciada somente no seu ambiente doméstico. Nesse sentido escreve: Cremos ser inaplicável o dispositivo no inciso III do art. 5.º, desta lei, para efeitos penais. Na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher tem-se ocorrido ‘dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus tratos e abuso sexual’. Logo, é bem menos abrangente do que a redação do inciso III do art. 5.º, da Lei 11.340/06. Exige-se, no texto da Convenção, a existência de coabitação atual ou passada. Na Lei 11.340/06 basta a convivência presente ou passada, independente de coabitação. Ora, se o agressor e vítima não são da mesma família e nunca viveram juntos, não se pode falar em violência doméstica e familiar. Daí emerge a inaplicabilidade do dispositivo no inciso III. Muito embora tenham sido enunciadas a incidência de relações familiares deste tipo, o legislador fez incluir, expressamente, os homossexuais quando estabeleceu no parágrafo único do art. 5.º, ser irrelevante a orientação sexual para fins de proteção legal. Desta forma, torna-se notável a inovação trazida pela lei neste dispositivo legal, ao prever que a proteção à mulher, contra a violência, independe da orientação sexual dos envolvidos. Vale dizer, em outras palavras, que também a mulher homossexual, quando vítima de ataque perpetrado pela parceira, no âmbito da família – cujo conceito foi nitidamente ampliado, e será a seguir abordado - para incluir também as relações homoafetivas, encontra-se sob a proteção do diploma legal em estudo. 35 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 865. 29 Conforme bem anotado pela Desembargadora Maria 36 Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul : No momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção. Há dúvidas, por alguns doutrinadores, como bem ressaltam FARIAS e ROSENVALD37, acerca da proteção concebida pela lei aos transexuais: O transexual não se confunde com o homossexual, bissexual, intersexual ou mesmo com o travesti. O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico. Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duas posições como bem distinguem CUNHA e PINTO38: Uma primeira corrente, conservadora, entendendo que o transexual, geneticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de conformidade feminina), que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portadora de transexualismo transmute suas características sexuais (por cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua nova realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil. Ainda sobre o mesmo assunto GRECO39 explica: 36 DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica e as uniões homoafetivas. Disponível em <http://www.juristas.com.br/a_2089~p_1~Viol%C3%AAncia-dom%C3%A9stica-e-asuni%C3%B5es-homoafetivas>, acesso em 28 de abril de 2008. 37 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumem Iuris, 2006. p. 115. 38 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Atlas, 2006. p. 21. 30 Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em uma mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal. Porém tal inovação trazida pela nova lei faz-se concluir que, a Constituição vê a unidade familiar, basicamente, sob três ângulos, todos tratados no art. 226: aquela decorrente do casamento (§§ 1.º e 2.º), da união estável (§ 3.º) e da entidade monoparental (formada por um dos pais e os filhos, mencionada no § 4.º). A Constituição cidadã deixa claro, ainda, que casamento, família, entidade familiar, são conceitos privativos da união entre homem e mulher (§ 4.º), não concebendo, nem de longe, a possibilidade de qualquer união entre pessoas do mesmo sexo. Denota-se o conservadorismo mantido pelo Código Civil de 2002 , ao dispor no seu art. 1.723 que: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como o objetivo de constituição de família. Interessante anotar que o administrador andou à frente do legislador ao reconhecer o direito do homossexual em receber indenização decorrente de acidente de trânsito. Com efeito, dispõe a Circular 257, de 21 de junho de 2004, da Superintendência de Seguros Privados40, órgão do Ministério da Fazenda, em seu art. 1.º, que: o companheiro ou companheira homossexual fica equiparado ao companheiro ou companheira heterossexual na condição de dependente preferencial da mesma classe, com direito à 39 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Niterói: Impetus, 2006. p. 530. v. III. 40 Disponível em <http://www.susep.gov.br/textos/circ257.htm>, acesso em 20 de maio de 2008. 31 percepção da indenização referente ao seguro DPVAT41, em caso de morte do outro (...) Mas como a omissão legislativa não se presta de justificativa para que o juiz deixe de julgar (art. 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil) e tampouco para esconder uma realidade, cabe a jurisprudência, baseada nas decisões de primeiro grau, sempre mais próxima dos fatos e sensível às inovações, o papel de reconhecer uma série de direitos em prol dos homossexuais. A lei em estudo, portanto, de forma até então inédita, prevê que as medidas nela previstas, de caráter penal e civil, também, às uniões homossexuais entre mulheres, permitindo inclusive, que se determine o afastamento da agressora (art. 22, inciso II), a restrição de visitas ao filho eventualmente adotado (por analogia ao art. 22, inciso IV), a fixação de alimentos (art. 22, inciso V) entre outros. 2.2 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL A violência contra as mulheres no Brasil, também chamada de violência de gênero, principal objeto de estudo da presente monografia, tratase daquela conceituada e tratada na Lei n.º 11.340/2006 A ausência da perspectiva de gênero protegida no direito é responsável pelo encobrimento da violência doméstica contra as mulheres (violência conjugal). SOUZA42 a caracteriza como: (...) uma violação de direitos humanos, com a conseqüente negação do reconhecimento, por parte dos operadores de direito, dos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres. 41 Seguro obrigatório referente a Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre. 42 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 18. 32 Jorge WERTHEIN43, presidente da UNESCO, de uma forma muito sábia, denuncia alguns dados acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil: As denúncias sobre o quadro de violência contras as mulheres, como os terríveis dados sugerindo que no Brasil cerca de um terço das internações em unidades de emergência associam-se a casos de violência doméstica, e em 1993, cerca de 123.131 agressões contras as mulheres foram registradas nas Delegacias de Defesa da Mulher de todo o país. A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres44, de 1979, ratificada pelo Brasil em 2000, promulgada pelo Decreto nº 4316 de 30 de julho de 2002, considera direito de todo der humano, não somente a conhecer tal carta de princípios, como também de virem as mulheres a apresentar denúncia individualmente perante a Comissão para Eliminação da Descriminação Contra a Mulher, contra qualquer violação da Constituição por seus Governos. Tal Convenção faz com que os Estados-partes reconheçam a desigualdade de gêneros e a necessidade de acabá-la considerando que: A descriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana; dificulta a participação da mulher nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país; constitui um obstáculo ao aumento do bem estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao seu país e à humanidade (Título I, da 43 WERTHEIN, Jorge. De mãos dadas com a Mulher: A UNESCO como agente promotor da igualdade entre gêneros. Brasília: Unesco, 2002. p. 15. 44 Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a mulher foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução 34/180, em 18 de dezembro de 1979. É também conhecida pela sigla CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women). Foi assinada pelo Brasil, com reservas, em 31 de março de 1981, e ratificada pelo Congresso Nacional, com a manutenção das reservas, em 1.º de fevereiro de 1984. Em 1994, como reflexo da Constituição de 1988 (que prega a igualdade entre homens e mulheres), o governo brasileiro retirou tais reservas, ratificando plenamente toda a Convenção. Esta Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional, na íntegra, pelo Decreto Legislativo 26/1994, e foi promulgada pelo Presidente da República pelo Decreto 4.377/2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/2002/D4316.htm>, acesso em 15 de abril de 2008. 33 Convenção para Eliminação de Discriminação Contra as Mulheres). Todas as Formas de No mesmo aspecto, WERTHEIN45 explica que: Não é a família o lócus único de violência contra as mulheres, já que distintas instituições no mundo público são hoje palco de violações de direitos das mulheres a uma cultura de paz e também reprodutoras de uma educação omissa aos avanços quanto ao direito à igualdade. Desta forma exposta, o autor caracteriza como não sendo somente na família propriamente dita que a mulher sofre discriminação pelo homem, mas sim no convívio geral dos seres humanos, ou seja, na própria sociedade. 2.2.1 Conceito de gênero A palavra gênero se refere às diferenças sociais entre homens e mulheres. DEMERCIAN e MALULY46 esclarecem acerca do conceito da palavra gênero, ressaltando que esta: Evidencia-se esta pela constatação da existência da discriminação entre o homem e a mulher, nas relações de convívio entre casais. Tal modelo de violência, no âmbito da família, foi reconhecido legalmente pelo Brasil, primeiramente pela Constituição Federal de 1988, em seu Título I, Dos Princípios Fundamentais, como fundamento do inciso III, art. 1º, a dignidade da pessoa humana, e no art. 226, § 8º disponde que: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. 45 WERTHEIN, Jorge. De mãos dadas com a Mulher: A UNESCO como agente promotor da igualdade entre gêneros. Brasília: Unesco, 2002. p.16. 46 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 32. 34 Ainda sobre a conceituação da palavra gênero e seu significado na esfera jurídica, CUNHA e PINTO47 esclarecem: O termo gênero não substituiu o termo sexo, que se refere exclusivamente as diferenças biológicas entre homens e mulheres, de tal forma que gênero é usado para analisar as funções, responsabilidades obrigações e necessidades de homens e mulheres nos diferentes contextos sociais. Assim conceituado o termo gênero, passa-se a conceituar a chamada violência de gênero pela ótica do Juiz paulista Jayme Walmer de FREITAS48, que ao analisar a Lei nº 11.340/06, explica o Direito Penal de Gênero como: As relações de dominação entre os sexos, dando azo à constatação de que as mulheres vêm sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que se desenvolve das mais variadas formas e em diversos aspectos, sendo a violência física e sexual apenas algumas de suas manifestações. Sendo assim pode-se caracterizar a violência de gênero como aquela que se dá numa relação de subordinação da mulher em relação ao homem, numa posição hierarquizada onde ela é submissa a ele. Ainda nessa linha de raciocínio, considera-se o pensamento de KÜMPEL e SOUZA49 acerca da igualdade de gêneros, onde explicam que: Equidade de gênero, igualdade entre homens e mulheres, envolve o conceito segundo o qual todos os seres humanos, homens e mulheres, são livres para desenvolver suas habilidades pessoais e fazer sua escolhas sem as limitações determinadas por esteriótipos, funções de gênero e preconceitos. Isso não significa que homens e mulheres devam torna-se iguais, mas que seus 47 CUNHA, Rogério Sanche; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 36. 48 FREITAS, Jayme Walmer de. Impressões objetivas sobre a Lei de Violência Doméstica. Disponível em <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/220807.pdf>, acesso em 15 de abril de 2008. 49 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 45. 35 direitos, responsabilidades e oportunidades não devam depender do fato de terem nascido homem e mulher. Acerca deste assunto, discorre GENOFRE50: Tais distorções comportamentais e atritos na esfera familiar têm dimensões maiores na medida em que as mulheres assumem espaços tradicionalmente ocupados pelos homens no contexto profissional, social, político e econômico do país, gerando, destarte, inconformismo no segmento masculino, em face da superação no modelo patriarcal adotado pela sociedade brasileira até então. Diante dos ensinamentos acima destacados, pode-se dizer que a igualdade de gêneros pressupõe um tratamento justo para homens e mulheres de acordo com suas respectivas necessidades. KÜMPEL e SOUZA51 ainda destacam que: A chamada Análise de Gênero é uma ferramenta para que se identifiquem as diferenças entre homens e mulheres no que se refere às suas específicas atividades, condições, necessidade, acesso e controle sobre recursos. Assim, como acesso ao desenvolvimento de benefícios e tomadas de decisões, a análise de gênero estuda as relações entre esses e outros fatores no contexto social, econômico, político e ambiental. Ao abordar o tema da violência de gênero, da histórica desigualdade, da posição de subordinação da mulher, KARAM52 constata que: As relações de hierarquização e dominação ainda subsistem, assim subsistindo atos identificáveis como expressão da chamada violência de gênero, isto é, motivados não apenas por questões estritamente pessoais, mas expressando fundamentalmente a 50 GENOFRE, Fabiano. Aspectos da Nova Lei de Proteção à Mulher – Lei Maria da Penha Lei nº 11.340/2006. Disponível em <http://www.millenniumeditora.com.br/atualiza_livro.asp>, acesso em 13 de março de 2008. 51 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 46. 52 KARAM, Maria Lucia. Sistema penal e direitos da mulher. São Paulo: Boletim IBCCRIM, v.14, n.168, p.4-5, nov. 2006 36 hierarquização, estruturada em posições de denominação do homem e subordinação da mulher, e por isso se constituindo em manifestações de discriminação. Ao criar mecanismos para coibir a violência de gênero, a Lei n.º 11.340/2006 identifica em seu art. 5.º a violência de gênero, integrando-a na violência doméstica e familiar contra a mulher, dispondo que: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Essa diferenciação de gênero expressa pela Lei 11.340/2006, não é uma particularidade, como a seguir será exposta, mas o que fundamentalmente distingue a violência doméstica de outros crimes. Sobre essa diferenciação SOUZA53 explica: É exatamente a gravidade dos atos que conformam a violência doméstica que a tornam essa particularidade relevante, por si só, capaz de ensejar e justificar um tratamento legal diferenciado. Um olhar cuidadoso sobre a Lei 11.340/2006 permite observar que a lei cria um novo paradigma jurídico para o tratamento da violência de gênero baseado no respeito aos direitos humanos de vítimas e acusados. Nesse sentido, articula GRECO54: Os mecanismos de proteção propostos articulam, pela primeira vez na legislação doméstica, o processo penal para atender as necessidades das vitimas, estabelecendo um direito penal que responde às diversas demandas de uma mulher em situação de violência doméstica respeitando os direitos do acusado. Os documentos internacionais protetivos da mulher procuram 53 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 37. 54 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Vol. 3. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 213. 37 estabelecer mecanismos efetivos para a sua proteção contra a violência doméstica no seio familiar. Preocupa-se, portanto, com a criação e articulação de serviços e políticas destinados à prevenção da violência. A lei brasileira, no entanto, delimitou as formas de violência doméstica e familiar, como sendo: Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (art. 5º, caput, da Lei n.º 11.340/2006). O Projeto de Lei original (PL n.º 4559, de 2004), em seu artigo 5º, parágrafo único, definia relações de gênero como “as relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo.” Para uma melhor conceituação acerca dos limites da violência doméstica, SOUZA55 destaca: Não há dúvida que a violência doméstica e familiar abrange, não somente aqueles que vivem sob o mesmo teto, mas também aqueles que coabitavam antes da separação, os quais continuam a manter o vínculo familiar ou doméstico, especialmente se dessa coabitação advieram filhos. Essa proteção abrange somente a mulher, inclusive relações homossexuais afetivas femininas, como anteriormente foi mais bem abrangido. Vê-se, pois, que o bem jurídico protegido é a mulher que sofre todo e qualquer tipo de violência doméstica ou familiar. 2.3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Após ser tratada, no item anterior, a conceituação e caracterização de violência de gênero, expõe-se agora acerca da violência doméstica e familiar. 55 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 41. 38 Respaldada na Declaração dos Direitos Humanos56, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, e no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, o legislador instituiu a Lei n.º 11.340/2006, visando combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. Um melhor entendimento do termo violência doméstica é o 57 de GRECO no qual o simplifica: A expressão violência doméstica são aquelas condutas ofensivas realizadas nas relações de afetividade ou conjugalidade hierarquizadas entre os sexos, que submetem, subjugam e impedem ao outro o livre exercício da cidadania. O art. 5º e seus incisos da Lei 11.340/2006 reproduzem a conceituação da violência doméstica estabelecida na Convenção de Belém do Pará58. Para uma fácil caracterização GRECO59 destaca: A violência doméstica distingue-se da maioria dos crimes pela existência de pelo menos, três características fundamentais: hierarquia de gênero, relação de conjugalidade ou afetividade entre os envolvidos, habitualidade da violência. O mesmo autor60 conceitua a primeira característica citada: 56 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem. 57 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Vol. 3. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 215. 58 A Convenção de Belém do Pará define, em seu artigo 1.ºp, a violência contra a mulher como “ação ou conduta baseada no gênero, que cause dano, morte ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. 59 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Vol. 3. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 216. 60 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Vol. 3. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 216. 39 A hierarquia de gênero implica na supremacia de um dos atores na relação e tem como conseqüência a negação ou submissão do outro. As relações hierarquizadas de gênero são fundadas socialmente e revelam a assimetria dos pares. Um dos pólos da relação (em geral o feminino) é invisibilizado ou inferiorizado, tornando-se o alvo majoritário de uma violência que tem sido justificada social e juridicamente. A segunda característica que essa violência apresenta é a relação existente entre os fatores. Para SOUZA61 trata-se de: Diferentemente de outros tipos de crimes, a relação estabelecida entre os atores jurídicos é uma relação de conjugalidade ou afetividade, em geral, constituída a longo prazo. A particularidade da relação afetiva entre o autor e vítima tem, historicamente, caracterizada essa violência como ‘privada’, (portanto não um delito), justificando a ausência ou insuficiência de proteção jurídica. Assim, os crimes de lesão corporal, ameaças e até mesmo tentativas de homicídio tem sido sistematicamente desqualificados como menores. A habitualidade é outra particular característica da violência doméstica, ora explicada por CUNHA e PINTO62: Os inúmeros registros de ocorrência reportados pelas mulheres nas delegacias policiais demonstram um padrão sistemático de violência, por um lado, e a ausência de uma proteção efetiva por outro. A persistência da habitualidade de um padrão de relação violenta associada à relação afetiva entre as partes faz com que a resposta tradicional do ordenamento jurídico seja obscurer a existência de direitos (individuais) fundamentais das mulheres, demonstrando uma incapacidade de entender o caráter singular dessa violência. Outro aspecto a ser mencionado é que a Lei n.º 11.340/2006 ao impedir a incidência da Lei n.º 9.099/199563 sobre comportamentos que 61 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 146. 62 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 28. 63 Conhecida como Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 40 caracterizam a violência doméstica devolveu ao acusado de tais atos, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Como afirmado por CAMPOS e CARVALHO64: O instituto da transação penal, pelos efeitos que produz, seja no caso de cumprimento, seja de descumprimento, traz consigo inerentes limitações aos direitos fundamentais, dados os deveres de contraprestação assumidos. Assim, fundamental seria a definição das condições razoáveis para o pleno exercício do contraditório. Portanto, muito mais do que aumentar a pena nos casos de violência doméstica, a Lei Maria da Penha restabelece os princípios constitucionais penais usurpados pelos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo. 2.4 ESTRUTURA JURÍDICA A estrutura jurídica de qualquer instituto do direito compreende os seus sujeitos, o objeto tutelado e o vínculo jurídico. Aqui será analisado em primeiro lugar o objeto tutelado e em seguida os sujeitos – ativo e passivo. 2.4.1 Objeto Tutelado e seus Elementos Caracterizadores Em decorrência da nova legislação, algumas alterações foram introduzidas no estatuto penal vigente, e, assim, necessário se faz proceder uma abordagem sobre alguns conceitos básicos do referido diploma, de suas formas e espécies. A Lei Maria da Penha criou um binômio para a incidência do objeto tutelado, composto de um elemento formal e de um elemento espacial. No que diz respeito à forma, SOUZA65 entendem: 64 CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. REVISTA DE ESTUDOS CRIMINAIS: Violência doméstica e juizados especiais criminais: análise desde o feminismo e o garantismo, Porto Alegre: Notadez, v. 5, n. 19, p. 53-63, Jul./Set. 2005. 41 Para que incida a norma jurídica, é imprescindível a ocorrência do efeito morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano patrimonial ou moral em relação à mulher. Observa-se que o art. 5.º, caput, da Lei em estudo, não se preocupa com a causa, tanto que a lei é expressa ao dizer “qualquer ação ou omissão”. Basta o efeito anteriormente citado para que incida formalmente a Lei 11.340/06 para a defesa da mulher. Neste sentido, KÜMPEL e SOUZA66 ensinam que: O bem jurídico tutelado pela Lei 11.340/06, como se vê, é a integridade da mulher, física, moral e econômica, abarcando desde a tutela mais gravosa, correspondente a morte, passando pela lesão corporal e culminando com qualquer espécie de sofrimento. Entretanto, é necessária a existência do elemento da natureza espacial. A Lei, no art. 5.º, caput, considera violência doméstica e familiar contra a mulher, para os efeitos da legislação, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual e psicológico e dano moral e patrimonial ocorrida no âmbito na unidade doméstica, da unidade da família e em qualquer relação íntima de afeto. FREITAS67 entende que: O legislador fixou o referido âmbito espacial para incidência da tutela e que compreende as relações de casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, família adotiva, vínculos de parentesco em sentido amplo e ainda introduz a idéia de família de fato, compreendendo pessoas que não têm vínculo jurídico familiar, mas que se consideram aparentadas, como amigos muito próximos e até pessoas que se agregam para fins outros como o caso de repúblicas, casas de abrigo e albergues. 65 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 123. 66 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 69. 67 FREITAS, André Guilherme Tavarez de. Estudo sobre as Novas Leis de Violência Doméstica contra a Mulher e de Tóxicos. Rio de Janeiro: Lumes Juris, 2007. p. 108. 42 Os elementos de natureza espacial, presentes especificamente na lei, são a seguir tratados e explicados individualmente. 2.4.2 Sujeitos do delito Por se tratar de crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, de ambos os sexos como já explicado anteriormente, em função da admissão do crime de violência doméstica e familiar em relações homoafetivas. Para caracterização do pólo passivo, adota-se o ensinamento de SOUZA68: No pólo passivo, o crime é próprio, exigindo uma qualidade especial do sujeito passivo; assim, define a lei que podem figurar como vítimas. Desde modo afirma-se que o pólo passivo neste crime pertence única e exclusivamente à mulher no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto. 2.4.3 Âmbito da Unidade Doméstica Para melhor entender-se tal elemento espacial, adota-se o conceito de CUNHA e PINTO69: Agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro envolvendo pessoas como ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança. Insere-se na hipótese de agressão do patrão em face da empregada. Com efeito, segundo Fabrício de Mota Alves70, assessor parlamentar do Senado, com a experiência, portanto, de quem acompanhou a discussão legislativa no Parlamento conclui que: 68 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 130. 69 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p. 30. 43 Essa definição abrange, inclusive, os empregados domésticos, ou seja, os ‘esporadicamente agregados’ – assunto, aliás, muito debatido no Congresso Nacional. O termo ‘esporadicamente’ aqui dá uma noção de relacionamento provisório, típica da relação de emprego doméstico. 2.4.4 Âmbito da Família A violência no âmbito da família engloba aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo ser conjugal, parentesco (em linha reta e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção). Assim pode-se dizer que violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n.º 11.340/2006, é qualquer forma de violência, por ação ou omissão, baseada no gênero e praticada no âmbito da família, do convívio doméstico ou na relação íntima de afeto, atual ou pretérita, ainda que ausente a coabitação, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (arts. 5.º e 7.º). 2.5 FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A legislação em questão, no art. 7.º, enumera as formas de manifestação de violência levando o operador a interpretá-la de maneira aberta, isso porque estão apontados entre outros no dispositivo, sempre presumindo em favor da mulher, criando regras orientadoras das principais condutas. A violência física é entendida pela lei, como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal. SOUZA71 bem explicam este termo: Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras etc, 70 ALVES, Fabrício de Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764, acesso em 28 de abril de 2008. 71 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 131. 44 visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes. A chamada violência psicológica, tipificada no inciso II, do art. 7.º da Lei, é entendida como: (...) qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradas ou controlar o das ações, comportamento, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Por violência psicológica entende-se a agressão emocional. CUNHA e PINTO72 explica que: (...) o comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído. Pode-se então colocar que, a violência psicológica é nada mais que aquela que inferioriza a vítima psicologicamente em relação ao seu agressor. O inciso III, do art. 7.º da lei em questão, de forma muito ampla, entende por violência sexual qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada. KÜMPEL e SOUZA73 discorrem acerca desse assunto explicando que: 72 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 87 73 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 89. 45 Agressões que forcem a realização de relação sexual provocam nas vítimas, muitas vezes, culpa, vergonha e medo, o que as faz decidirem, quase sempre, por ocultar o evento, desta forma protegendo o companheiro, mesmo que sem intenção de fazê-lo. Entende-se por violência patrimonial (art. 7.º, inciso IV), qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. CUNHA e PINTO74 denotam que: A violência patrimonial raramente se apresenta separada das demais, servindo desta maneira, quase sempre, como um meio para agredir, física ou psicologicamente, a vítima. Assim fazendo-se ter como verdadeiro o fato de esta, e as demais violências tipificadas no art. 7.º, estarem interligadas. A violência moral (inciso V, art. 7.º) é entendida como qualquer conduta que consista em calúnia (imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso, art. 138 do Código Penal), difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso, art. 139 do Código Penal) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas, art. 140 do Código Penal). Normalmente esse tipo de violência se dá em conjunto com violência psicológica. Entretanto cumpre ressaltar o ensinamento de MIRABETE e FABRINNI 75 no que tange a existência da violência doméstica em que não basta a ocorrência de tal fato no âmbito doméstico ou familiar e que a vítima seja mulher: Podem não caracterizar, portanto, violência doméstica e familiar contra a mulher determinadas condutas, ainda que praticadas no âmbito doméstico ou familiar, que não estejam relacionadas com o fato de ser a vítima do sexo feminino, tal como pode ocorrer, 74 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 38. 75 MIRABETE, Julio Fabrinni; FABRINNI, Renato N. Código Penal Interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 1043. 46 eventualmente, em furto cometido pela empregada doméstica, em calúnia contra esta praticada pela empregadora, em lesão corporal praticada por irmã da vítima etc. Diante do anteriormente exposto, torna-se mais clara a conceituação dos termos caracterizadores para configuração da violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei Maria da Penha trouxe uma série de medidas para proteger a mulher agredida, a que está em situação de agressão ou aquela cuja vida corre riscos. Entre essas medidas, constam a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações feitas em nome do agressor a quais serão separadamente abordadas no presente trabalho. 47 CAPÍTULO 3 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR 3.1 MEDIDAS PROTETIVAS Estabelecida no Capítulo I, do Título III da Lei Maria da Penha, dispõe o art. 8.º, caput, acerca das medidas integradas de prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher. O legislador criou providências emergenciais que dotam o juiz criminal ou do juizado de violência doméstica de competência amplíssima. Estas, denominadas de medidas protetivas de urgência têm o fim precípuo de preservar a integridade física e psicológica da mulher e, no mais das vezes, da prole, contra toda e qualquer espécie de violência estudada acima e perpetrada pelo agressor. É desse aspecto da proteção da dignidade que se trata neste capítulo. 3.1.1 Medidas gerais Protetivas 48 O art. 8.º, nos seus incisos, traça algumas providências de natureza administrativa que devem ser adotadas, como integrar operacionalmente órgãos preventivos e repressores (inciso I). Com essa diretriz, pretende-se estabelecer uma integração operacional do Judiciário com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde e educação. Porém dentro de tais medidas, KÜMPEL e SOUZA76 alertam: Exige-se, pois, nova postura a ser adotada, que obrigará os órgãos públicos, especialmente o Ministério Público, a recolher dados já existentes e outros a serem confeccionados para que se tenha um retrato da realidade. Assim, fazendo entender a necessidade de um mapeamento atual dos principais focos de violência doméstica e familiar contra a mulher em nosso país. Ainda neste aspecto os mesmos autores esclarecem que: Esses dados confeccionados e compartilhados entre o Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias Civil e Militar e Poder Judiciário poderão ensejar medidas preventivas e repressivas, atingindo o desiderato da lei. Analisando de uma geral o disposto no art. 8.º denota-se a grande preocupação do legislador em criar mecanismos protetivos para a mulher. Interessante ressaltar a redação do incido III, onde muito bem explicam KÜMPEL e SOUZA77: O que se pretende nesse dispositivo não é coibir totalmente a violência doméstica e familiar nos meios de comunicação social, pois isso feriria a liberdade de criação e expressão e até a utilidade resultante da própria exposição do problema. O que proíbe terminantemente é “coisificar a mulher”, ou seja, criar figuras e situações estereotipadas em se legitime, idolatre ou se exacerbe a violência contra a mulher. 76 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 78. 77 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 80. 49 Em outras palavras, pode-se dizer que com a lei procura-se evitar a promoção da violência contra a mulher em meios de comunicação social. CUNHA e PINTO78 esclarecem a necessidade de tal dispositivo: Uma das causas que se identifica como maior responsável do combate à criminalidade em nosso País é, exatamente, a falta de integração entre os diversos órgãos componentes do aparelho estatal. Em suma pretendeu o legislador romper essa barreira que se coloca entre os diversos órgãos responsáveis pelo combate à violência doméstica contra a mulher. 3.1.1.2 Atendimento policial especializado Outro aspecto, o qual se entende necessária abordagem, é a criação de delegacias especializadas de atendimento à mulher, regrado por disposições e procedimentos próprios, de modo a tornar efetiva a tutela. Porém SOUZA79 salienta que: A implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher, requer que se escolham pessoas que revelem aptidão para o trato da mulher e sensibilidade para abordagem dos problemas por ela suportados. Revelando-se assim, necessária essa ressalva no sentido de que possa se dizer que seja preferencial que estes profissionais especializados, sejam do sexo feminino em face ao constrangimento natural que se verifica cotidianamente. 3.2 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS 78 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 41. 79 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 135. 50 Ainda no Título III – Da Assistência à mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, o Capítulo II enuncia as medidas administrativas gerais. 3.2.1 Assistência à mulher Após fixar medidas preventivas, anteriormente mencionadas, há a necessidade de implementação de medidas repressivas para tutela do objetivo da lei. Podendo-se citar inicialmente o § 1.º, do art. 9.º que estabelece a inclusão de um cadastro de programas assistenciais do governo. Para melhor entendimento deste dispositivo, adota-se a explicação de KÜMPEL e SOUZA80: O dispositivo prevê que o juiz poderá determinar, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal, devendo haver a criação e manutenção de programas assistenciais da espécie. Fazendo-se com que o intérprete, desta forma, entenda a existência da necessidade de que a mulher seja inserida no programa assistencial por tempo certo, sendo esta a efetividade que se espera. 3.2.2 Remoção prioritária ou afastamento semestral do trabalho No inciso I, do § 2.º, do art. 9.º, a servidora integrante, tanto da Administração Direta como na Indireta, tem facultada para si, a remoção prioritária para local que a preserve tanto física como psicologicamente da violência doméstica e familiar. SOUZA81 o simplifica: Este dispositivo significa, por exemplo, que uma funcionária do Poder Judiciário que seja lotada numa determinada Comarca e que ali sofra qualquer tipo de violência poderá, requerer, junto à Presidência do Tribunal respectivo, sua remoção para outra Comarca que garanta plena integridade física e psicológica. 80 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 82. 81 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 137. 51 Desta forma, nota-se que os interesses da Administração são subsidiários em relação ao interesse do Estado em preservar a mulher, ou seja, é a dignidade da mulher que sobrepaira aos outros interesses. No inciso II, denota-se a uma preocupação com as mulheres trabalhadoras que não são servidoras da Administração Pública. Com efeito, este dispositivo garante a elas o afastamento do local do trabalho por um período de até seis meses, mantido o vínculo e o salário. KÜMPEL e SOUZA82 defendem que: É indiscutível a possibilidade de afastamento do local do trabalho quando derivada de violência praticada contra a mulher, inclusive podendo ensejar a vítima, a reparação do dano material ou moral na rescisão do vínculo trabalhista, se assim a mulher o pretender, e, nesse caso ainda, poderá a mulher pleitear a indenização cumulada com a percepção semestral de salários. Desta forma configurando responsabilidade civil objetiva do empregador. Outro aspecto relevante é a garantia de emprego a ser dada pelo juiz, mantendo a relação jurídico-laboral, a exemplo do estipulado no art. 471, da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe: Ao empregado, afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa. Feita essa observação, cumpre suscitar a preocupação do legislador com a fonte de trabalho da mulher. 3.3 MEDIDAS DE NATUREZA POLICIAL E MINISTERIAL Ao tomar conhecimento de situação de violência doméstica ou familiar, a autoridade policial e/ou o Ministério Público podem adotar as providências legais cabíveis à mulher agredida ou em vias de o ser. Impende 82 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 83. 52 ressaltar que ambas as autoridades têm legitimidade para tanto, inclusive no caso de descumprimento pelo agressor de alguma das medidas impostas (art. 10 e parágrafo único). Medidas policiais, ou seja, o atendimento feito pela autoridade policial à mulher vítima de violência doméstica ou familiar, resumem-se naquelas descritas no Capítulo III da lei. Como forma de proteção policial tem-se a redação no inciso IV, do art. 11 o qual dispõe “se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada e seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar”. Porém acredita-se que há certa dificuldade para garantir esta chamada proteção policial a vitima, pois como é de conhecimento geral, sabe-se que há falta de proteção para a própria polícia. Outra medida dessa mesma natureza é garantir o encaminhamento da ofendida ao hospital, ou outra instituição do gênero, bem como ao Instituto Médico Legal, e, o transporte da mesma, de seus dependentes e familiares para abrigo com o intuito de restabelecer a segurança, prestando assim, todo o acompanhamento que a lei indica. O amplo direito à informação, dado pela redação do inciso V, do art.11, resume-se como sendo dever da autoridade informar à vítima os direitos a ela conferidos pela Lei, seus efeitos e serviços disponíveis. 3.4 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA Elencadas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei em estudo, podem ser concedidas de ofício ou dependem de pedido do Ministério Público ou da ofendida, facultando à esta, não almejar a adoção de nenhuma dessas medidas. A par dessa prerrogativa, exemplificam CUNHA e PINTO83: A vítima teve sua honra atingida por ato do marido, fato que configura uma violência moral (art. 7.º, V), a merecer, portanto, a 83 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 62. 53 proteção da lei. Conquanto tenha experimentado essa espécie de violência, pode a ofendida entender desnecessário seu afastamento do lar conjugal ou o do marido. Com isso, desnecessária seria, também, a fixação liminar de alimentos. Tampouco haveria lugar para qualquer restrição de acesso do agressor aos filhos. Surge, a partir desse entendimento, aparente conflito com o disposto no art. 19 da lei, quando este afirma que as medidas protetivas de urgência podem ser concedidas a pedido da vítima e mediante requerimento do Ministério Público. Contudo aos autores do exemplo acima citado, entendem que84: Para harmonizar ambos os dispositivos, parece mais adequada a conclusão de que, em um primeiro momento, perante a autoridade policial, cumpre à ofendida manifestar sua vontade no sentido de se adotar, ou não, as medidas urgentes. Nada impede, contudo, que mais adiante, possa o parquet, já em juízo, agir ex officio, pleiteando a adoção das medidas cabíveis, sobretudo quando em defesa de eventuais filhos incapazes advindo do conflituoso relacionamento. De uma forma sintetizada, pode-se dizer que cabe à vítima, segundo seu livre discernimento e após a devida orientação estipulada pelo art. 11, V, auferir da necessidade das medidas de proteção. 3.4.1 Medidas Ministeriais Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, poderá o Ministério Público fazer: requisição de força policial para evitar ou fazer cessar atos que impliquem violência contra a mulher; requisição de serviços de saúde como encaminhamento de exames já realizados ou a sua realização; requisição de serviços de educação como a matrícula de familiares da ofendida na rede pública de ensino, requisição de serviços de assistência social e de segurança como encaminhamento da ofendida à rede de assistência, fiscalização 84 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 62 54 de estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica, elaboração de cadastro e requerimento de medidas administrativas de natureza urgente. 3.4.2 Medidas Judiciais De uma forma geral, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, poderá o Juiz estabelecer medidas administrativas imediatas, como aquelas citadas no item 3.2 deste Capítulo; decidir as medidas protetivas de urgência, o qual serão abordadas neste item; encaminhamento da ofendida para assistência judiciária (vide item 3.2.1); comunicar ao Ministério Público mediante vista dos autos para adoção de outras providências e fiscalização do feito. 3.4.3 Espécies de medidas de urgência Dispostas nos incisos do art. 23 e analisando-se as mesmas como medida cautelar em geral. Acerca do termo “cautelar” salienta FERNANDES85: São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional. Tradicionalmente, para concessão das medidas cautelares, esta deve preencher dois pressupostos: periculum in mora86 e fumus boni iuris87. Destaca NOGUEIRA88: 85 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 311. 86 Trata-se de um dano potencial, uma situação de fato que pode sofrer um dano irreparável se não tomada uma providência imediata. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 229. 87 Fumo do bom direito. Expressão muito usada no mundo jurídico a significar certa atitude que parece estar em consonância com as regras jurídicas. LUIZ, Antônio Filardi, 2002. p. 127. 88 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Notas e reflexões sobre a Lei 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8821>, acesso em 21 de maio de 2008. 55 Sem que haja pelo menos um começo de prova e uma situação de inconfortável urgência, em tese amparada pelo direito positivo, o magistrado não tem como deferir nenhuma das medidas previstas. Fazendo assim, com que o juiz analise a presença de tais pressupostos para concessão das medidas. 3.4.3.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas Trata-se de medida que se mostra preocupada com a incolumidade da mulher. De forma que CUNHA e PINTO89 a explicam: “Suspender” tem o sentido de privar temporariamente a utilização da arma. (...) “Restringir” tem aqui a acepção de limitar, assim, pode o juiz, a exemplo da primeira, determinar que no curso do processo o agente seja proibido de portar arma de fogo, e a exemplo da segunda, determinar que um policial porte sua arma apenas em serviço, deixando-a no local de trabalho ao fim da jornada. Muito embora se necessite de um mandado de busca e apreensão de tal arma, para um efetivo cumprimento desta medida. 3.4.3.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência Efetivada pela decretação da separação de corpos, a qual é conferida ao Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Conceituam KÜMPEL e SOUZA90 separação de corpos como: Uma medida cautelar que consiste na suspensão autorizada do dever de coabitação por pequeno prazo, findo o qual deve ser proposta qualquer ação para extinção do casamento ou da união estável. Trata-se esta, de medida cautelar prevista no art. 888, VI, do Código de Processo Civil, no art. 7.º, da Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/77) e no art. 89 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 89. 90 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p.104. 56 1.562 do Código Civil. No entanto, ressalva-se, como pelo conceito de separação de corpos, anteriormente dado por KÜMPEL e SOUZA, deve ser ampliado, pelo fato de que a finalidade da decretação da separação de corpos não consiste somente legitimar a separação de cônjuges ou companheiros, mas também de por fim aos deveres de fidelidade, coabitação e regime de bens, elencados no art. 1.576 do Código Civil. O Juiz poderá determinar a separação de corpos seguintes maneiras: autorizar definitivamente a saída da ofendida com seus dependentes, caso não queira remanescer no local em que habitava (art. 22, inciso II, c/c o art. 23, inciso III); determinar o afastamento do agressor, nos termos do art. 22, inciso II, impondo ainda ao mesmo a não aproximação da ofendida e de seus familiares e testemunhas, fixando um limite de distância mínima sob pena de desobediência, além de multa diária por descumprimento (art. 22, inciso III, alínea a); e determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao domicílio quando foi expulsa pelo agressor (art. 22, inciso II). Para ma melhor explicação acerca formalidade para que esta medida seja concedida, adota-se o pensamento de SOUZA91: Basta um mero pedido da mulher, quando comparecer perante a autoridade policial, disposta no art. 12, III, para que o juiz, acolhendo esse pedido, determine como medida protetiva de urgência a referida separação. Aliás, a autoridade policial, mesmo antes desse encaminhamento, poderá por força do art. 11, acompanhar a ofendida e assegurar que a mesma retire seus pertencer do domicílio familiar (art. 11, inciso, IV). Observe-se, portanto, acerca destas prerrogativas, que o Juiz possui pleno poder na salvaguarda da integridade da mulher nas separações de corpos decorrentes, especificamente, da violência doméstica e familiar. 91 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 145. 57 3.4.3.3 Distanciamento do agressor As alíneas a, b e c, do dispositivo em exame, têm por objetivo preservar a segurança da vítima, a fim de evitar qualquer aproximação física entre ela e o agressor. CUNHA e PINTO92 ensinam acerca da necessidade de tal dispositivo: É comum que em situações traumáticas, de evidente animosidade entre as partes, envolvendo a prática de agressões e outros ataques, o agressor passe a atormentar o sossego não apenas da ofendida, mas também de familiares e testemunhas. Tendo em vista que o comportamento do agressor se estende a outros locais, que não sejam o domicílio propriamente dito da vítima, pode o Juiz impedir que o agressor se aproxime do local de trabalho da vítima, ou que freqüente espaços de lazer ocupados por ela, por exemplo, de forma que, estando a ofendida, deve o seu agressor, ao constatar esse fato, não ingressar neste local, ou dele imediatamente se retirar. 3.4.3.4 Impedimento de comunicação com a ofendida, seus familiares e testemunhas Na linha do item anterior, é possível que o agressor, além da ofensa física contra a vítima, passe a incomodá-la por meio, por exemplo, de ligações telefônicas. Pra evitar este comportamento KÜMPEL e SOUZA93 destacam que: (...) pode o juiz impedir qualquer comunicação do agressor com a vítima, contato que pode ser realizado não apenas por telefone, mas por e-mail, cartas etc. Salienta-se que as medidas previstas neste tópico e no anterior visam não somente a segurança da vítima, mas sim de seus familiares e testemunhas, como consta no texto legal. 92 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 89. 93 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 103. 58 3.4.3.5 Guarda e visita KÜMPEL e SOUZA94 conceituam guarda como: Uma obrigação atribuída a uma determinada pessoa por lei, decisão judicial ou mesmo de fato, para que esta mantenha outra pessoa sob sua autoridade e proteção, visando manutenção, ensino, tratamento ou custódia da mesma. Ressalta-se a redação do art. 1.576: Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais. Assim sendo o juiz poderá fixar a guarda para qualquer pessoa, que reúna melhores condições de educar e criar a criança em situações de violência familiar. Neste sentido, estabelece-se no art. 23 da lei em estudo, a possibilidade de afastar a ofendida do lar sem prejuízo da guarda e alimentos da prole em comum, o qual serão regulados pelo juízo de Família. No que tange a questão das visitas do agressor da mulher para com os filhos, estabeleceu no art. 22, como medida protetiva de urgência, o inciso IV: Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidissiplinar ou serviço similar. Constituindo medida de caráter urgente, de forma que, objetivando a integridade física da mulher poderá o juiz restringir ou suspender as visitas do agressor. Sendo restabelecida apenas quando a situação se anormalizar. Acerca da oitiva de atendimento multidissiplinar ou serviço similar, citado na redação do inciso IV do art. 22, CUNHA e PINTO95 discorrem: 94 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 105. 95 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 94. 59 Teve o cuidado o legislador de recomendar a prévia oitiva de equipe multidissiplinar ou serviço similar antes de referida decisão por vezes ocorrer de que o agressor, a despeito dos ataques perpretados à mulher, mantenha um bom relacionamento com os filhos. Assim tem-se que com isto o legislador possa tomar certas cautelas com a possibilidade de visitas aos filhos no lar da ofendida, estipulando que estas sejam feitas em local diverso daquele. 3.4.3.6 Alimentos provisionais e provisórios Para melhor entendimento acerca do conceito de tais termos e sua aplicação na lei, adota-se o ensinamento de PEREIRA96: A diferenciação entre as duas espécies é apenas terminológica e procedimental. Em essência, são idênticas, significam o mesmo instituto, a saber, prestações destinadas a assegurar ao litigante necessitado os meios para se manter na pendência da lide. Sejam, portanto, provisionais ou provisórios, os alimentos em caráter cautelar, fixados liminarmente, sujeitos à mutabilidade e de eficiência temporal limitada, enquanto não julgada a ação principal. Tratando-se de medida cautelar deve obedecer as regras no art. 796 e seguintes do Código de Processo Civil. Nesse sentido CUNHA e PINTO97: Vale dizer, concedida pelo juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a medida cautelar, fixando alimentos, cumprirá à autora, no prazo de 30 (trinta) dias, propor ação principal propriamente dita. Porém neste aspecto, cumpre destacar que, apesar de depender da propositura de uma ação principal, somente a medida de urgência relacionada à violência doméstica e familiar contra a mulher será apreciada pelo Juizado Especial a dispor do art. 14 da lei n.º 11.340/2006, cabendo o julgamento 96 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Ação de Alimentos. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 72. 97 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 92. 60 da ação principal ao Juízo responsável pelas ações de família, conforme regras de organização judiciária. Assim o juiz do Juizado, arbitrará provisoriamente os alimentos e o outro juiz da ação principal, poderá rever essa decisão. Ainda no que concerne ao deferimento de alimentos provisórios ou provisionais, há possibilidade de estes serem deferidos somente em favor dos filhos do casal em lide. Para isso CUNHA e PINTO98 refletem que: Embora a lei não o tenha dito, entendemos que os alimentos previstos nestes dispositivos, podem ser deferidos, também, em favor dos filhos e não apenas da mulher, dado o caráter de urgência, restringir alimentos somente em favor à mulher acabaria por vitimá-la duas vezes: a primeira, em decorrência da violência que suportou e, a segunda, em virtude da dificuldade que experimentará para fazer frente às despesas com a manutenção dos filhos. Por isso, entende-se que nada inibe que o juiz, ao determinar a separação de corpos como o afastamento do agressor do lar conjugal, imponha a ele a obrigação liminar de alimentar os filhos. Destaca-se ainda a possibilidade de arbitramento de alimentos provisórios ou provisionais em casos de violência doméstica e familiar nas uniões homoafetivas, por serem estes indivíduos sujeitos passivos juridicamente tutelados. 3.5 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA Integrada nas medidas de urgência anteriormente abordadas, as medidas protetivas de urgência à ofendida está prevista no art. 23 e seus incisos na quais consistem em encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa social ou comunitário de proteção ou de atendimento, determinação de recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo 98 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 94. 61 domicílio, na determinação do afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos e na determinação da separação de corpos. O encaminhamento da ofendida e sua prole poderão ser feito a centros de atendimento integral e multidissiplinar e à casas-abrigos, os quais são disponibilizados por força do art. 35, I e II da legislação. Da mesma forma que a recondução, afastamento da ofendida e a separação de corpos estão dispostas no art. 22, II, que ora já foram bem salientadas. 3.5.1 Tutela patrimonial O art. 24 da legislação preocupou-se com a tutela cautelar civil de cunho patrimonial, como mais uma medida protetiva, protegendo os bens da mulher vítima tanto na sociedade conjugal, quanto em outras relações com o agressor, autorizando ao juiz efetuar determinações liminares. Para SOUZA99 a restituição de bens positivada pelo inciso I do art. 24 trata-se de: bens furtados ou roubados ou apropriados ilicitamente, ou ainda, obtidos de maneira lícita, mas não por doação inequívoca do agressor em relação à ofendida. Porém como bem frisado por CUNHA e PINTO100 nem sempre será fácil identificar a propriedade dos bens e assim discorrem acerca de uma possibilidade de processamento: Parece mais conveniente, que o juiz adote o procedimento do arrolamento, nomeando a mulher como depositária dos bens, como previsto no art. 858 do Código de Processo Civil, até que sua propriedade fique definida na ação principal. 99 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 151. 100 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 100. 62 Tal possibilidade se dá pelo fato de a restituição de bens estar inserida nas medidas protetivas de urgência, sendo assim, de caráter cautelar, dependendo, portanto de decisão em ação principal. 3.5.2 Proibição de contratar A proibição de contratar se trata da possibilidade do juiz, ainda de forma liminar, proibir temporariamente o ofensor de locar, adquirir ou vender bens, por força do inciso II do art. 24. Ressalta-se que estas possibilidades são somente aplicadas nos casos de violência doméstica e familiar em que os sujeitos estejam casados em regime de comunhão não seja de separação universal de bens, por força do art. 1.647, I, do Código Civil, eis que os outros tipos de regime de bens não necessitam da chamada outorga uxória, tendo em vista que somente com a autorização da mulher se dá a efetivação dos negócios jurídicos indicados no inciso II do art. 24 da legislação em estudo. CUNHA e PINTO101 ainda destacam que: O mesmo ocorre se as partes vivem em união estável (art. 1.725, do Código Civil). Se o bem é de propriedade de um apenas, este pode livremente dele dispor, caso se trate de uma propriedade em comum, para utilizar a expressão do legislador, a alienação do imóvel deve contar, necessariamente, com o consentimento de ambos os proprietários. Assim para garantir a aplicação desta prerrogativa dada à mulher, ora vítima, se dá pela possibilidade dada ao Juiz de oficiar ao Cartório de Registro de imóveis, conforme determina o parágrafo único do art. 24. 3.4.3 Suspensão das procurações Outra medida protetiva de urgência é a suspensão das procurações por ocorrência de a ofendida ter constituído o agressor mandatário 101 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 101. 63 por meio de procuração nos exatos termos do art. 653 do Código Civil. Esta possibilidade está tipificada no inciso III do art. 24. KÜMPEL e SOUZA102 e forma bem sintetizada discorrem sobre esta medida: Caso a ofendida tenha constituído o ofensor mandatário por meio de procuração, o juiz poderá suspender os efeitos da procuração, e caso tenha sido confeccionada por escritura pública, comunicar, por meio de ofício, ao Tabelionato, bem como aos cartórios competentes para lavrar procurações, para que procedam as devidas averbações. Como um exemplo pode-se citar a hipótese de o marido agressor seja na qualidade de advogado representando em Juízo da esposa (vítima), o que não impede que, como medida protetiva de urgência à ofendida, o juiz determine a suspensão desse contrato. 3.4.4 Prestação de caução provisória O inciso IV do art. 24 possibilita a detrminação de prestação de caução do agente agressor. A caução de forma genérica, CUNHA103 resume como sendo uma: Garantia pessoal constituinte no depósito no depósito de dinheiro ou títulos. Denota-se que, assim, o objetivo do legislador foi de assegurar a preservação de um determinado valor, por meio de depósito judicial realizado pelo agressor em prol da mulher agredida, que se preste como garantia para o pagamento de uma posterior indenização. Tal garantia é possível ser dada a partir do momento que o juiz, após distribuída a ação de indenização proposta pela vítima, notar que o agressor está dilapidando o seu patrimônio, podendo 102 KÜMPEL, Vitor Frederico; SOUZA, Luiz Antônio. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 108. 103 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 40. 64 determinar que o mesmo caucione provisoriamente determinado valor para arcar com a futura indenização. Tal medida possui, igualmente com as outras anteriormente citadas, caráter provisório, ou seja, consiste numa garantia para efetivação da decisão a ser dada futuramente. 3.4.5 Comunicação aos Cartórios. A lei impõe um dever ao magistrado. Na verdade, traduz-se em um poder-dever. Ao conceder uma ou mais das três medidas iniciais, deverá oficiar ao cartório competente visando dar efetividade à ordem judicial em decorrência do parágrafo único do art. 24. Como bem ensinam CUNHA e PINTO104: Quando se tratar da restrição do inciso II (proibição de celebração de contrato de compra, venda e locação do patrimônio comum), deve ser oficiado ao Cartório de Registro de Imóveis. Já quando a cautela se referir ao inciso III (suspensão de procurações), o ofício deve ser dirigido ao Cartório de Notas ou à Junta Comercial se caso o casal constituírem uma sociedade comercial ou industrial. Os mesmo autores ainda destacam que, em todas as hipóteses, para que se dê publicidade a terceiros e se evite futura alegação de ignorância, poderá ser feita a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Assim, ao final, tornam-se elencados e caracterizados as medidas protetivas de urgência concedidas em favor da mulher em função da Lei n.º 11.340/2006. 104 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 106. 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho monográfico teve como objeto de estudo aspectos destacados da Lei n.º 11.340 de 07 de agosto de 2006. Neste viés, o percurso desenvolvido na pesquisa pôde mostrar alguns pontos polêmicos na sua criação e aplicação no sistema jurídico brasileiro.Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, realizou-se uma prévia abordagem sobre a origem histórica da lei, citando o ataque sofrido pela biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, a qual pela sua luta estabelecida entre várias órgãos internacionais, fez com que se efetivasse a constitucionalidade do texto legal e sua aplicabilidade no Brasil. Foram destacados os direitos e garantias fundamentais da mulher, os princípios constitucionais que regem a lei, enfocando na divergência de entendimentos acerca da constitucionalidade da lei pelo aparente conflito entre a lei e o princípio da isonomia. 66 No segundo capítulo constatou-se primeiramente a situação a mulher dentro da família no Brasil, sendo abordada sua evolução histórica até a atual situação. Também foi tratada as possibilidades de de formação de entidades familiares como a família e a união estável. Nesta última, destacou-se a inovação trazida pela lei com a proteção dada às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar nas uniões estáveis homossexuais. Foi abordada individualmente também a situação da violência doméstica contra a mulher no país e a necessidade da aplicação das Convenções e Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil que tratam acerca deste tema. Ao final foi conceituada as formas de violência domestica e familiar contra a mulher, tuteladas pela Lei n.º 11.340/2006, discorrido também acerca dos elementos caracterizadores do crime. No terceiro capítulo tratou-se, especificamente, da violência doméstica. Primeiramente, se fez mister demonstrar as medidas protetivas concebidas à mulher em face da aplicação da Lei em estudo, iniciandose pela menção das medidas gerais protetivas, medidas administrativas e medidas de natureza policial e ministerial. Nesse contexto, ressaltou-se a existência de medidas protetivas de urgência onde discorreu-se acerca de suas espécies e a forma com que as mesmas são concedidas. Constatou-se que a Lei Maria da Penha trouxe uma série de medidas para proteger a mulher agredida, a que está em situação de agressão ou aquela cuja vida corre riscos. Entre essas medidas, constam a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações feitas em nome do agressor a quais foram separadamente abordadas no presente trabalho. Hoje, o agressor é punido exemplarmente e a mulher se sente mais segura e amparada. A seguir serão transcritas as hipóteses apresentadas na introdução deste trabalho, realizando-se, na seqüência, a respectiva análise de referidas hipóteses, com base no resultado da pesquisa, sintetizado nos três capítulos desta Monografia. Primeira hipótese: A Lei n.º 11.340/2006 fere o princípio da isonomia? 67 A primeira hipótese restou negada, pois conforme o que foi pesquisado, percebeu-se a criação e aplicação da lei é constitucional tendo em vista que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e também da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, sendo que desta forma se torna constitucional a presença de lei própria de proteção em razão da situação de vulnerabilidade sofrida pela mulher no Brasil. Notadamente, constatou-se determinados sujeitos, em situação de vulnerabilidade em relação à outro, exigem um forma diferenciada de tratamento, assim como o faz por exemplo, o Estatuto do Idoso através da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003. Nesse sentido, constatou-se, em síntese, que o princípio da isonomia não foi ferido pela criação e aplicação da Lei em estudo. Sendo que na presente pesquisa restou demonstradas os avanços da segurança social adquiridos pela implantação desta Lei. Segunda hipótese: É cabível a aplicação da lei de combate a violência doméstica e familiar contra as mulheres nas uniões homoafetivas? A segunda hipótese restou confirmada, na medida que a própria lei não faz distinções acerca das relações homossexuais dispondo em seu art. 5.º ser irrelevante a orientação sexual para fins de proteção legal. Apontou-se vários entendimentos acerca desta hipótese confirmando assim a inovação trazida pela lei protegendo esta a mulher contra da violência doméstica e familiar, independente da orientação sexual do indivíduo, afirmando assim que a mulher homossexual, vítima de ataque perpretado pela companheira, dentro do âmbito da família ou doméstico, goza dos benefícios trazidos com a legislação, como o afastamento da agressora (art. 22, inciso II) e a fixação de alimentos (art. 22, IV). Terceira hipótese: Pode a mulher agredida, requerer a separação de corpos do agressor com o conseqüente afastamento do mesmo do lar conjugal? 68 A última hipótese também restou confirmada pela aplicação da medida cautelar contida no art. 22, integrando também a prerrogativa dada no art. 888, inciso VI, do Código de Processo Civil. Confirmou-se que o Juiz poderá determinar a separação de corpos com o afastamento do agressor, podendo inclusive impor ao mesmo a não aproximação à ofendida e seus familiares e testemunhas, fixando um limte de distância mínima. Foi demonstrado através da exposição de pensamentos doutrinários e da legislação em si, que o principal objetivo nas separações de corpos, é a salvaguarda da integridade da mulher. Com efeito, esta Monografia venceu o seu propósito investigatório, eis que analisou cientificamente as hipóteses previstas para os problemas acima mencionados. Contudo, na seqüência do estudo deste tema, ficou confirmada a necessidade de mais pesquisa, análise, sugestões e debates científicos que visem solucionar a atual situação da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABATE, Alessandra. Maria da Penha: A Lei ao lado da mulher. Disponível em <http://www.gazeta.com.br/integraNoticia.aspx?Param=408,0,+,1605848,UIOU>. Acesso em 15 de maio de 2008. ALVES, Fabrício de Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em 28 de abril de 2008. BARROS, Washington de. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. BRASIL. Código Civil: Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004. . Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 11. ed. atual. 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