Peculiaridades da Lei Maria da Penha
Luana Piovani e Dado Dolabella travam um duelo público e notório, com desavenças
e supostas agressões por parte de Dado, situação que bateu às portas da Justiça do Rio
de Janeiro para aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha
(arts. 18 a 24).
Cumpre ressaltar, inicialmente, que este processo tramita em segredo de justiça, o que
inviabiliza a análise concreta do pedido da autora e, consequentemente, do
embasamento teórico de que ela se valeu para fundamentar seu pedido cautelar e a
especialidade do foro em virtude da Lei Maria da Penha (LMP).
De qualquer modo, foi anunciada a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
em sede de embargos infringentes e de nulidade, para afastar a aplicação especial da
Lei Maria da Penha e remeter os autos ao juízo criminal comum1.
Cumpre atentar para o alcance da LMP, levando-se em conta os artigos 2º e 5º, da
legislação especial. Isso porque não é toda e qualquer agressão à mulher, tampouco
em indiscriminados locais, que irá caracterizar a situação peculiar de proteção à
mulher vítima de violência.
Desta feita, para que a mulher se valha das medidas de proteção previstas nos artigos
18 a 24, da LMP, faz-e necessário que a agressão contra ela se dê em âmbito familiar
e doméstico (final do artigo 1º, LMP) e que configure uma relação íntima, de afeto
entre homem e mulher.
Igualmente, torna-se imprescindível que a violência seja de gênero. Neste ponto, há
certa divergência doutrinária e jurisprudencial para defini-la, com conceituação um
tanto quanto difusa para o termo.
Mas, mesmo assim, o entendimento que predomina é o de que a violência de gênero
se configura a partir dos papéis que homem e mulher desempenham na sociedade e na
família, configurando verdadeira relação de submissão da esposa ao marido;
namorada ao namorado e da convivente ao parceiro.
Por fim, e não menos importante, a violência pode ser física, psicológica, sexual,
patrimonial ou moral, conforme artigo 7º, LMP (ou qualquer outra modalidade de
violência, vez que o rol deste artigo é exemplificativo).
1http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI181918,81042Caso+de+Luana+Piovani+nao+se+enquadra+em+lei+Maria+da+Penha
1
Desta feita, pode-se afirmar que esses requisitos, quando presentes, configuram a
hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher, o que dá ensejo à aplicação da Lei
Maria da Penha.
Sendo assim, neste ponto reside a fundamental distinção, que irá nortear a questão sub
studio: como bem salientou o relator do processo, é fato público e notório que Luana
Piovani nunca foi uma mulher oprimida, muito menos subjugada pelo homem, o que
faz com que fique descaracterizada sua hipossuficiência.
No mais, ao que parece (já que não há como consultar as petições pelo segredo de
justiça), a agressão ocorreu em local não doméstico e a aplicação da LMP parece
mesmo se distanciar do caso concreto.
Isso porque Luana e Dado são figuras públicas, dotadas de notoriedade. Somado a
isso o fato da agressão supostamente ter se dado em local não doméstico, tem-se que a
situação de vulnerabilidade não se configura. Isso porque a vulnerabilidade, aqui, é a
situacional, isto é, aquela presente em determinado momento da vida da mulher. Vale
dizer, a mulher não é vulnerável, mas, naquele determinado instante, está vulnerável.
Novamente, considerando que Luana Piovani é uma figura pública, com notoriedade e
que a agressão supostamente ocorreu em ambiente fora da residência, aliado ainda à
condição de não submissão e opressão, é que decidiu o Tribunal de Justiça pelo
afastamento da aplicação da LMP ao caso concreto, por não estarem presentes a
hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher.
Não se pode olvidar, jamais, que isso não significa que o suposto autor do crime sairá
impune, mas apenas que os autos serão remetidos ao juízo competente. Se não estão
presentes os requisitos da LMP, o juízo competente é o criminal comum e não o
especial de proteção à mulher.
Finalmente, também não se pode perder de vista o fato de que a LMP não se aplica
somente à mulher hipossuficiente e em situação de vulnerabilidade.
Como corolário do princípio da isonomia material, meninos, homens e idosos que se
vejam na mesma situação de vulnerabilidade e hipossuficiência podem e devem ter a
seu favor decretadas as medidas de proteção da LMP2, como decorrência da aplicação
analógica dos dispositivos citados3.
2
http://mp-df.jusbrasil.com.br/noticias/3017712/lei-maria-da-penha-e-aplicada-em-caso-deviolencia-contra-idoso
3http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI151858,41046Aplicase+a+lei+Maria+da+Penha+aos+idosos
2
Conclui-se, ante todo o exposto e sem a devida consulta aos autos, que o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro analisou de forma prudente, sopesando o real alcance da
LMP aliada à vontade de nosso legislador em proteger os bens jurídicos específicos
(mens legis
e mens legistatoris). É bastante evidente a realidade de opressão e
violência às mulheres, porém, como bem disse o relator do referido Tribunal, “...
aplicar essa importante legislação a qualquer caso que envolva o gênero mulher,
indistintamente, acabaria por inviabilizar os Juizados de Violência Doméstica e
Familiar, diante da necessidade de se agir rapidamente e de forma eficiente para
impedir a violência do opressor contra a oprimida, bem como, não se conseguiria
evitar a impunidade”4.
Assim, se à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta,
parafraseando o grande imperador romano, para a lei Maria da Penha não basta ser
mulher, tem que ser hipossuficiente e vulnerável, pelo menos em determinado
momento de sua vida
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em
direito público, doutorado e pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da
Unorp;
4http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20130704-05.pdf
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