R. Periodontia - Junho 2008 - Volume 18 - Número 02
TEMPO DE DESCALCIFICAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO
NÚCLEO CELULAR DE TECIDO MINERALIZADO
DESCALCIFICADO COM ÁCIDO NÍTRICO A 5%, EDTA A
7% E BIODEC - R
Time of decalcification and preservation of the cellular nucleus of the desmineralized tissue
decalcified by nitric acid 5%, EDTA 7% and Biodec - R
Luis Felipe das Chagas e Silva de Carvalho1, Ana Christina Claro Neves2, Lucilene Hernandez Ricardo2, Sigmar de Mello
Rode2, Andrea Milharezi Abud Martins3
RESUMO
Este estudo avaliou o tempo de descalcificação e a preservação dos núcleos celulares de tecido mineralizado de
mandíbulas de ratos utilizando três soluções
descalcificadoras (EDTA 7%, ácido nítrico 5% e Biodec-R).
As mandíbulas de 15 ratos Wistar foram removidas e
dissecadas obtendo-se dois blocos mandibulares de cada
animal, posteriormente divididos em três grupos. Para a
descalcificação dos espécimes do grupo A foi utilizado o
EDTA 7%, do grupo B o ácido nítrico 5% e do grupo C a
solução Biodec-R, sendo registrados os tempos de
descalcificação. Posteriormente, as peças foram processadas de acordo com protocolo histológico de rotina, sendo
obtidos quatro cortes seriados que foram corados com
hematoxilina-eosina para observação em microscopia de
luz. Para avaliar a preservação dos núcleos celulares foram
considerados quatro campos, selecionados aleatoriamente, adotando-se o escore: 0 - baixa preservação (de 0% e
20% das células com núcleo preservado); 1 - moderada
preservação (de 20% e 50% das células com núcleo preservado); 2 - alta preservação (acima de 50% das células com
núcleo preservado). A solução que descalcificou as peças
em menor período de tempo foi o ácido nítrico (nove dias),
seguida pela solução Biodec-R (12 dias) e EDTA (135 dias).
Moderada preservação dos núcleos celulares foi evidenciada nos espécimes dos grupos B e C e alta preservação nos
do grupo A. Embora a solução de EDTA a 7% tenha sido a
que necessitou de maior período de tempo para promover
a descalcificação (135 dias), foi a mais eficaz na preservação dos núcleos celulares.
UNITERMOS: Tecido mineralizado, descalcificação, Soluções descalcificadoras. R Periodontia 2008; 18:71-76.
1
Mestre em Biopatologia Bucal - UNESP - São José dos Campos - São Paulo/Brasil
Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Odontologia - Universidade de Taubaté São Paulo/Brasil
3
Professor Doutor do Departamento de Odontologia - Universidade de Taubaté São Paulo/Brasil
2
Recebimento:17/03/08 - Correção:22/04/08 - Aceite:09/05/08
INTRODUÇÃO
Muitas vezes, o diagnóstico e o tratamento de
determinadas patologias só é possível após o estudo morfológico do tecido ósseo. Entretanto, a
mineralização deste tecido pode dificultar o
processamento do espécime. Nesse caso, é necessário alterar sua consistência para tornar possível a
microtomia pelos métodos convencionais (Brown,
2007).
A consistência dos tecidos mineralizados pode
ser modificada pelo processo de descalcificação que
consiste na remoção dos sais de cálcio e fosfato depositados sobre a matriz orgânica (Mattuella et al.,
2007). Pode ser realizada com auxílio de ácidos ou
quelantes (Page et al., 1996) e a escolha do agente
descalcificador depende de fatores como urgência
do caso, grau de mineralização do tecido, objetivo
do estudo e técnica de coloração que será utilizada
(Fernandes et al., 2007).
As principais dificuldades do processo de
descalcificação são a preservação das estruturas celulares e o tempo necessário para realizá-lo. Embora
algumas substâncias promovam descalcificação em
curto período de tempo, quase sempre provocam
desestruturação do tecido, fator que limita o uso
das mesmas.
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Substâncias ácidas como o ácido nítrico, ácido fórmico,
ácido clorídrico, ácido acético, ácido pícrico, ácido sulfúrico,
tricloroacético ou sulfossalícílico, têm sido empregadas como
descalcificadores em diferentes concentrações (Kayhan &
Algun, 2003).
Algumas misturas ou soluções descalcificadoras tentam
potencializar a desmineralização, como as soluções de PlankRychlo e de Morse (Yamamoto-Fukud et al., 2000). Adicionalmente, metodologias como as que associam a solução
de EDTA (ácido etilenodiaminotetracético) com o uso de microondas já foram propostas para reduzir o tempo de
descalcificação (Rode et al., 1996; Madden & Henson, 1997;
Kaneco et al., 1998).
O EDTA, uma substância quelante, tem sido o agente
descalcificador mais utilizado e atua capturando os íons cálcio da camada externa do cristal de apatita. Estes íons são,
em seguida, substituídos por íons das camadas mais profundas reduzindo o tamanho dos cristais e preservando os
componentes do tecido.
Considerando a necessidade de tornar o processo de
descalcificação mais ágil e seguro, este estudo avaliou a
aplicabilidade de três soluções descalcificadoras (EDTA a 7%,
ácido nítrico a 5% e solução Biodec-R) em tecido mineralizado
de ratos, considerando o tempo de descalcificação e a preservação do núcleo celular.
MATERIAL E MÉTODOS
Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da UNESP - Faculdade de Odontologia –
campus de São José dos Campos (protocolo 007/2004-PA/
CEP) foram utilizados 15 ratos da raça Rattus norvegicus
albinus, variedade Wistar, machos, adultos, com peso médio
de 250 gramas.
Após os animais terem sido anestesiados com injeção
intravenosa de cetamina base (Francotar, Virbac, Jurubatuba,
SP/Brasil) e xilazina (Rompum, Bayer, São Paulo, SP/Brasil) na
proporção de 1:2, foram eutanasiados por decapitação em
guilhotina. As mandíbulas foram removidas, dissecadas e
seccionadas de forma a fornecer dois fragmentos contendo
a região dos dentes molares direito e esquerdo de cada
animal.
Para fixação, as peças foram mantidas individualmente
em formol a 10% em recipiente com tampa, por 48 horas.
Em seguida, foram divididas aleatoriamente em três grupos
de cinco espécimes e submetidas a diferentes processos de
descalcificação (Quadro 1). Os agentes descalcificadores foram substituídos a cada três dias.
A avaliação da descalcificação foi realizada diariamente
pelo método de transfixação por agulha (agulha gengival
30G, BD Brasil, São Paulo, SP/Brasil) e considerada satisfatória
quando a agulha transfixava o tecido sem apresentar resistência, indicando preservação da parte orgânica (colágeno)
da matriz extracelular do osso e dente.
Encerrado o processo de descalcificação, os espécimes
foram neutralizados com bicarbonato de sódio e, em seguida, processados para avaliação histológica de rotina.
Depois de processado, o material foi incluído em
parafina e realizados dez cortes seriados com 6 µm de
espessura de cada espécime que foram corados com
hematoxilina-eosina. Das dez lâminas obtidas, foram
selecionadas as quatro melhores para avaliação em
microscopia de luz (Primo Star, Carl Zeiss do Brasil Ltda.,
Santo Amaro, SP/Brasil).
A análise da preservação dos núcleos das células foi realizada, em aumentos de 200 a 400X, por um único observador (cego), utilizando os seguintes escores:
- Baixa preservação (escore 0): quando entre 0% e 20%
das células do campo obser vado tinham o núcleo
preservado;
- Moderada preservação (escore 1): quando entre 20%
e 50% das células do campo observado tinham o núcleo
preservado;
- Alta preservação (escore 2): quando mais de 50% das
células do campo observado tinham o núcleo preservado;
Os resultados obtidos foram analisados por amostragem
Quadro 1
CONSTITUIÇÃO DOS GRUPOS EXPERIMENTAIS
Grupo
0
n de espécimes
Substância descalcificadora
A
5
Solução de EDTA a 7%
EDTA 7% em água destilada (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA)
B
5
Acido nítrico a 5%
(ácido nítrico 5% em água destilada) (Qimitec, Duque de Caxias, RJ/Brasil)
C
5
Biodec-R
(ácido clorídrico 10%, ácido fórmico 5%, corretor salino, água destilada)
(Bio óptica, Milão, Itália)
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Tabela 1
ESCORES DE PRESERVAÇÃO NUCLEAR VERIFICADOS NOS TRÊS GRUPOS ESTUDADOS (EM %)
ESCORE
Grupo A
Grupo B
Grupo C
0 - Baixa preservação dos núcleos
0
28,75
6,25
1 - Moderada preservação dos núcleos
0
68,70
66,25
2 - Alta preservação dos núcleos
100,00
2,50
27,50
Total
100,00
99,95
100,00
e, em seguida, realizada distribuição amostral considerando
os escores obtidos.
RESULTADOS
Todos os espécimes descalcificados com EDTA apresentaram alta preservação do núcleo celular, entretanto somente
27,5% dos descalcificados com Biotec-R e 2,5% dos
descalcificados com ácido nítrico envidenciaram este nível
de integridade. Preservação moderada foi observada em
66,25% dos espécimes descalcificados com Biotec-R e em
68,70% dos submetidos ao ácido nítrico. Das amostras
descalcificadas com ácido nítrico, 28,75% apresentaram baixa
preservação, assim como 6,25% dos espécimes submetidos
ao Biotec-R (Tabela 1).
Quando realizada a análise intra-grupo, no grupo B foi
evidenciada prevalência do escore 1 sobre o escore zero e
deste sobre o escore 2. No grupo C, o escore 1 prevaleceu
sobre os escores 2 e zero.
A análise inter-grupos evidenciou que o escore 2 foi mais
freqüente no grupo A e menos freqüente no grupo B.
Com relação ao tempo de descalcificação, os resultados
podem ser observados no gráfico 1.
Nas figuras 1, 2 e 3 podem ser observados os padrões
histológicos representativos dos escores 0, 1 e 2.
Figura 1 - Padrão histológico representativo do escore 0 (baixa integridade nuclear - 200x)
Gráfico 1
TEMPO NECESSÁRIO PARA DESCALCIFICAÇÃO
Figura 2 - Padrão histológico representativo do escore 1 (integridade nuclear moderada - 200x)
DOS ESPÉCIMES DOS TRÊS GRUPOS EXPERIMENTAIS (EM DIAS)
Figura 3 - Padrão histológico representativo do escore 2 (alta integridade nuclear - 200x)
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DISCUSSÃO
A busca por uma solução que promova a descalcificação
de tecido mineralizado em curto espaço de tempo e preserve os componentes celulares, é ainda um desafio para os
profissionais da área.
Nenhuma das substâncias descalcificadoras avaliadas
neste estudo pode ser considerada como “ideal” já que as
soluções de ácido nítrico e Biodec-R não foram capazes de
preservar o núcleo de grande número de células e a solução
de EDTA necessitou de longo período de tempo (135 dias)
para descalcificar as amostras.
A solução de EDTA possibilitou a preservação de 100%
dos núcleos celulares, concordando com os achados de
Junqueira & Junqueira, 1983; Rode et al., 1996; Michalany,
1998. Entretanto o período de tempo necessário para a
descalcificação das amostras foi muito longo (135 dias) o
que, em determinados casos, dificulta sua utilização
(Sanderson et al., 1995; Mattuella et al., 2007). Embora diversas patologias que se desenvolvem no tecido mineralizado
exijam protocolos de tratamento eficientes e que se estabeleçam rapidamente, muitas vezes, os mesmos só podem ser
determinados após o diagnóstico histopatológico das lesões.
Em decorrência do EDTA preservar a morfologia tecidual,
vários autores utilizaram esta solução, em diferentes concentrações, em seus experimentos (Vongsavan et al., 1990;
Hume & Keat, 1990; Sano et al.,1992; Hellstrom & Nillson,
1992; Rode et al., 1996; Kaneco et al., 1998), conseguindo
mínimo prejuízo da morfologia tecidual. Adicionalmente, o
EDTA, quando utilizado para descalcificar amostras que serão analisadas em microscopia eletrônica de transmissão,
também apresenta comportamento satisfatório (Madden &
Henson, 1997).
Para melhorar o tempo de descalcificação promovido pelo
EDTA, pesquisadores têm associado seu uso com microondas, obtendo bons resultados com relação não só a redução do tempo de descalcificação, mas também da conservação tecidual (Vongsavan et al., 1990; Hellstrom & Nillson,
1992; Rode et al., 1996; Madden & Henson, 1997; Laboux
et al., 2004).
O ácido nítrico a 5%, apesar de muito utilizado devido
ao reduzido tempo necessário para a descalcificação (Kayhan
& Algun, 2003), não preserva, como observado neste estudo, de forma apropriada, a morfologia celular (Walsh et al.,
1993, Yamamoto-Fukud et al., 2000, Shibata et al., 2000).
O ácido clorídrico e o ácido fórmico, agentes também
bastante utilizados no processo da descalcificação, apresentam desempenho interessante. Embora o ácido clorídrico não
seja capaz de preservar adequadamente a estrutura celular,
apresenta satisfatório tempo de descalcificação. Já o ácido
fórmico, proporciona bons resultados com relação a preservação da morfologia tecidual, mas o tempo necessário para
a descalcificação é excessivamene longo (Yamamoto-Fukud
et al., 2000, Shibata et al., 2000).
A mistura de dois ou mais agentes descalcificadores como
ácido fórmico e ácido pícrico (Método de Lillie), ácido fórmico
e ácido nítrico (Método de Cajal), citados por Behmer et al.,
1976; e ácido fórmico e ácido clorídrico (Biodec-R), tem sido
utilizada por diversos profissionais, porém, nesse estudo, o
Biodec-R não foi efetivo na preservação do núcleo de expressivo número de células.
O processamento histológico, desde a fixação até a obtenção das lâminas, representa uma agressão ao espécime
que será analisado. Adicionalmente a este fato, ainda existe
consenso sobre o uso de um protocolo de descalcificação,
o que dificulta a comparação dos resultados de diferentes
pesquisas.
Diante dos argumentos levantados, o estabelecimento
de um protocolo de descalcificação ainda merece ser mais
estudado para tornar possível a determinação de um padrão ideal de processamento histológico capaz de
descalcificar o tecido mineralizado em curto espaço de
tempo e que, ao mesmo tempo, preserve as estruturas
celulares..
CONCLUSÃO
Embora o ácido nítrico a 5% e o Biodec-R tenham promovido a descalcificação dos blocos mandibulares em curto
espaço de tempo, somente as peças descalcificadas com a
solução de EDTA a 7% evidenciaram alta preservação dos
núcleos das células.
ABSTRACT
The aim of this study was to assess the applicability of
three different decalcification solutions (EDTA at 7%, nitric
acid at 5% and Biodec-R solution) on desmineralized tissue,
considering the decalcification time and nuclear integrity. Use
was made of 15 Wistar rats divided into three groups (A, B,
C) of five animals. After being sacrificed, their mandibles were
removed and desiccated, thus obtaining two mandibular
blocks from each animal. The tissues were stored in 10%
formal for 48 hours for fixation. For the decalcification stage,
group A was kept in EDTA, group B in nitric acid and group
C in Biodec-R solution. The respective decalcification times
were recorded. Afterwards, the tissues were processed in
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accordance with the routine histologic protocol, thereby
obtaining 4 (four) serial cuts stained with Hematoxilin-Eosin
for observation by optic microscopy. In the nuclear integrity
assessment, 4 randomly selected fields were considered, at
400 times magnification, the following standardization being
adopted: low integrity (between 0% and 20%); moderate
integrity (between 20% and 50 %); high integrity (over 50%).
From the results obtained, the solution that decalcified the
tissues most rapidly was nitric acid (9 days), followed by
Biodec-R solution (12 days) and the EDTA solution (135 days).
The results showed that the groups B and C had their cells
considered as having moderate integrity and group A as
having high integrity. It was thus concluded that the
decalcification solution that best preserved nuclear integrity
was EDTA at 7%; however, its decalcification time is
excessively long.
UNITERMS:
Mineralized tissue, Descalcification,
Decalcifying solutions.
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20. Behmer OA, Tolosa E, Freitas AGN. Manual de Técnicas para Histologia
Normal e Patológica. São Paulo: EDART, 1976. p. 241.
Endereço para correspondência:
Ana Christina Claro Neves
Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 110
CEP: 12020-330 – Taubaté – SP
E-mail: [email protected]
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