DOSSIER O mundo refém do petróleo O barril de petróleo a 100 dólares é cada vez mais um cenário provável. Em meados de Novembro, o preço chegou a ultrapassar os 97 dólares, quando seis meses antes se ficava pelos 60. As razões para a alta contínua do preço do crude são várias, desde a tensão no Iraque até à crescente procura de uma China cada vez mais poderosa industrialmente. Mas se as sociedades desenvolvidas parecem, para já, suportar o impacte do petróleo caro, nos países mais pobres os efeitos negativos são evidentes, a começar por um aumento generalizado de todos os bens alimentares – por causa sobretudo dos custos de produção e transporte e também porque existe hoje grande pressão sobre certos cereais usados para o biodiesel C Instalações de gás natural em Bonny, Nigéria. O trabalhador que se desloca de bicicleta é bem o símbolo dos pobres que sofrem na pele o aumento do preço dos combustíveis FÁTIMA MISSIONÁRIA 16 Edição LIII | Dezembro de 2007 texto Leonídio Paulo Ferreira * fotos Lusa om o preço do barril de petróleo próximo de atingir o limiar dos 100 dólares, existe o espectro de um impacte negativo global sobre as economias. Vários especialistas garantem que com o crude a FÁTIMA MISSIONÁRIA 17 Edição LIII | Dezembro de 2007 esse valor as economias desenvolvidas (leia-se Europa, América do Norte, Japão e Oceânia) vão registar ritmos de crescimento mais lentos que os anunciados pelos governantes, pelo menos umas décimas abaixo do esperado. Mas, fora um aumen- DOSSIER A poderosa OPEP Perante a escalada previsível do preço do crude, o mundo só tem uma solução: preparar-se para pagar mais petróleo. Aliás, metade desse aumento da procura seria da responsabilidade exclusiva de chineses e indianos. Na definição do preço do petróleo existe uma organização que tem uma palavra-chave há quase meio século: a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Criada em 1961 por iniciativa da Venezuela, conta como seus membros fundadores, além desse país latino-americano, o Irão, o Iraque, o Kowait e a Arábia Saudita. Desde o início o seu objectivo foi influenciar o preço do barril de petróleo a favor dos países produtores, diminuindo a influência das grandes multinacionais energéticas, sobretudo americanas e britânicas. Oficialmente, a sua preocupação é estabilizar os preços a nível mundial e, de facto, muitas vezes os seus Estados-membros são pressionados a nível internacional nesse sentido, sobretudo tendo em vista aumentarem a produção, pois representam ainda hoje dois terços das reservas mundiais. No passado, a OPEP envolveu-se, porém, em várias polémicas, quando alguns dos seus membros usaram o petróleo como arma de pressão política, nomeadamente aquando das guerras israelo-árabes de 1967 e 1973. A organização perdeu, contudo, certa influência à medida que se foram diversificando as regiões produtoras e algumas das novas potências petrolíferas resistiram à integração na organização. Resultante de uma conferência internacional realizada em 1960 em Bagdad, capital do Iraque, a OPEP existe formalmente desde 1961 e a sua primeira sede foi em Genebra, na Suíça, mas desde 1965 é em Viena, na Áustria, que está instala- do o seu quartel-general. Ao longo dos anos, aderiram vários outros países, como o Qatar, a Indonésia, a Líbia, a Argélia, os Emiratos Árabes Unidos, a Nigéria e Angola, esta última membro desde 2007. Equador e Gabão chegaram a integrar a organização, mas saíram depois. Apesar de apenas a Nigéria, entre os seus membros, ter o inglês como língua oficial (e de o árabe ser o mais co mum), é esse o idioma oficial da OPEP. O seu actual secretário-geral é o líbio Abdallah Salem el-Badri. Além do eventual desequilíbrio Filipinas: é uma das economias asiáticas mais dependente do preço do petróleo to sustentado dos combustíveis, as sociedades mais ricas mostram para já uma notável capacidade de absorção dos elevados preços do crude (o transporte automóvel privado resiste aos transportes públicos). Como que a darem sinal de que estão preparadas para um eventual preço do barril na ordem dos 159 dólares, que os peritos da Agência Internacional da Energia (AIE) apontam como possível em 2030, se os piores cenários se confirmarem. Nesse ano, calcula a AIE, as necessidades mundiais energéticas seriam 50 por cento superiores às actuais, muito por culpa da China e da Índia, países com mais de mil milhões de pessoas ávidas de FÁTIMA MISSIONÁRIA 18 Edição LIII | Dezembro de 2007 entre oferta e procura suscitado pela entrada em força da China e da Índia no mercado de consumidores maciços de petróleo, a alta do preço do barril é também reflexo da instabilidade política, sobretudo no Médio Oriente, região que contém mais de 60 por cento das reservas mundiais comprovadas. A hipótese de a Turquia invadir o Norte do Iraque para combater os separatistas curdos foi a causa da mais recente valorização do crude, mas mais assustador ainda seria o impacte de uma intervenção militar americana para travar os projectos nucleares iranianos. Nesse caso, seria óbvio uma clara ultrapassagem da barreira dos 100 dólares e possivelmente uma crise de escassez, apesar de ao contrário das décadas de 1960 e 1970 (e das crises petrolíferas geradas pelas guerras israelo-árabes) hoje as fontes de abastecimento serem muito mais diversificadas, desde a África à América Latina. Para já quem está a ganhar com a alta do preço do petróleo são alguns países ricos em hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), como a Rússia, a Venezuela, o Irão, a Argélia ou Angola. Nestes países, as finanças públicas ficaram subitamente desa- Nigéria: o gás natural e o petróleo constituem a principal riqueza do país africano mais populoso, arruinado pela corrupção fogadas e os desejos de protagonismo de líderes como Vladimir Putin, Hugo Chávez, Mahmud Ahmedinejad, Abelaziz Bouteflika ou José Eduardo dos Santos ganham nova expressão. Putin consegue hoje usar os recursos energéticos da Rússia como arma para exercer influência sobre as antigas repúblicas soviéticas que procuravam sair da órbita de Moscovo, enquanto Chávez usa os rendimentos do petróleo venezuelano para financiar as políticas sociais que lhe garantem uma vasta camada de apoiantes entre os mais pobres. E, noutro exemplo, em Angola as verbas do petróleo perFÁTIMA MISSIONÁRIA 19 Edição LIII | Dezembro de 2007 mitem ao mais novo membro da OPEP um dinamismo económico inédito em três décadas de independência. Perdedores parecem ser, a pra zo, vários se o custo do petróleo se mantiver alto. Primeiro que tudo as economias desenvolvidas que se habi- DOSSIER tuaram demasiado ao petróleo e investiram pouco em energias alternativas. Em segundo lugar, os próprios países produtores se não souberem diversificar as suas fontes de riqueza antecipando o dia em que o petróleo deixará de correr. Em terceiro lugar, os países pobres desprovidos de recursos energéticos e que não só compram mais caro o barril de petróleo como vêem expandir-se o impacte do preço elevado sobre os bens de primeiro consumo: desde o leite aos cereais, tudo tende a aumentar e a fazer em muito lares do Terceiro Mundo mais mossa que o elevado custo de gasolina e gasóleo no Primeiro Mundo. Perigoso para os pobres do planeta, os tais três mil milhões que vivem com menos de dois dólares por dia, é igualmente a pressão que o elevado preço do crude exerce sobre os combustíveis alternativos. De repente, os cereais – em especial o milho – deixam de ser vistos unicamente como alimentos para passarem a ser vistos também como fonte de energia. É já conhecido o alerta de dois professores da Universidade do Minnesota As reservas mundiais sobre a aposta no etanol por parte dos Estados Unidos e as “consequências devastadoras para a pobreza e a segurança alimentar mundiais”. A sua explicação é simples: “encher um depósito de um 4x4 com 94,5 litros etanol puro necessita de 204 quilos de milho, o suficiente em calorias para alimentar uma pessoa durante um ano”. E como o preço do milho sobe, sobe também o de outros cereais de consumo humano, como o trigo. O Médio Oriente conta com 61,5 por cento das reservas conhecidas de petróleo e um dos seus países, a Arábia Saudita, vale por si só mais de um quinto do total mundial. Depois, como região, surge a Eurásia, com 12 por cento das reservas, destacando-se claramente a Rússia como a sua principal potência petrolífera. Na lista seguem-se a África com 9,7 por cento, a América Latina com 8,6 por cento, a América do Norte com 5,0 por cento e a Ásia-Pacífico com 3,4 por Perante a escalada previsível do preço do crude, o mundo só tem uma solução: preparar-se para pagar mais. Mas é também possível começar a apostar mais em formas alternativas de energia (além do etanol), porque o petróleo não é eterno e a descoberta ocasional de novas jazidas, como aconteceu há dias no Brasil, não camufla que os principais campos petrolíferos seja na América do Norte, seja em alguns países do Médio Oriente, há muito que ultrapassaram o seu pico de produção. No mundo dos negócios petrolíferos a medida padrão é o barril. É assim que se calculam as reservas de um país, a sua capacidade de produção ou, do ponto de vista dos importadores, as necessidades petrolíferas. Mas qual é *jornalista do Diário de Notícias dos Estados Unidos – Quebra diária de 1,5 milhões de barris 2003 Intervenção militar americana no Iraque – Quebra diária de 2,3 milhões de barris 2002 Greve na Vene zuela – Quebra diária de 2,6 milhões de barris 2001 Suspensão das exportações iraquianas – Quebra diária de 2,1 milhões de barris 1991 Invasão do Kowait pelo Iraque – Quebra FÁTIMA MISSIONÁRIA diária de 4,3 milhões de barris 1981 Guerra Irão-Ira que – Quebra diária de 4,1 milhões de barris 1979 Revolução Islâmica no Irão – Quebra diária de 5,6 milhões de barris 1973 Guerra do Yom Kip pur entre Israel e os países árabes – Quebra diária de 4,3 milhões de barris 1967 Guerra dos Seis Dias entre Israel e os países árabes – Quebra diária de 2,0 milhões de barris 20 Edição LIII | Dezembro de 2007 lífera em grande potência petrolífera). Esta não é, porém, uma classificação inquestionável, pois alguns países escondem a existência de reservas e outros, pelo contrário, inflacionam as suas riquezas. Há também o problema de reservas como as do “petróleo de areia” existente no Canadá e que dados os elevados custos económicos e técnicos da sua exploração não são em regra contabilizadas, mas que um dia poderão ajudar à produção mundial. O segredo do barril de petróleo As crises de produção Catástrofes naturais, guerras e problemas políticos têm nas últimas quatro décadas causado várias crises petrolíferas, com acentuada diminuição do número de barris produzidos diariamente. Dessas crises, as mais graves tiveram sempre que ver com o Médio Oriente, a região do mundo que conta com 61,5 por cento das reservas mundiais. 2005 Furacões Katrina e Rita junto às costas cento. A nível de países, os dez actualmente com maiores reservas são a Arábia Saudita (21,9 por cento), o Irão (11,4 por cento), o Iraque (9,5 por cento), o Koweit (8,4 por cento), os Emirados Árabes Unidos (8,1 por cento), a Rússia (6,6 por cento), a Venezuela (6,6 por cento), os Estados Unidos (2,5 por cento), a China (1,3 por cento) e o Brasil (percentagem ainda por definir, mas a recente megadescoberta do poço Tupi Sul transformou o país lusófono de média potência petro- afinal o tamanho desse barril? Nada mais nada menos que 42 galões americanos, o que quer dizer 158,98 litros. A importância histórica dessa medida tem que ver com a descoberta de “óleo de pedra” em 1859 na Pensilvânia, Leste dos Estados Unidos. Os barris usados para guardar whisky foram usados para armazenar o combustível e desde então a tradição manteve-se como medida padrão utilizada desde o Texas ao Irão, passando pela Venezuela e a Nigéria. Procura vai aumentar China cria alternativa energética para reduzir o elevado grau de emissões de gases A China ultrapassou já o Japão para se tornar o segundo consumidor mundial de petróleo (e a Índia segue-lhe as pisadas), com o seu consumo a crescer a um ritmo de 15 por cento anuais (acima dos 11 FÁTIMA MISSIONÁRIA 21 por cento que cresce a sua economia). Isso significa que, em termos globais, a procura vai aumentar dois por cento anualmente até 2012 e que só no próximo ano vão ser necessários mais 2,2 milhões Edição LIII | Dezembro de 2007 de barris diários para satisfazer a procura. Há mesmo peritos que consideram que a procura global pode passar dos actuais 90 milhões de barris por dia para os 140 milhões no prazo razoável de 25 anos.