AMBIENTES FAVORÁVEIS A SISTEMAS CONVECTIVOS SOBRE REGIÕES BRASILEIRAS: AVALIAÇÃO DAS TENDÊNCIAS NOS ÚLTIMOS ANOS Fabricio Polifke da Silva, Maria Gertrudes Alvarez Justi da Silva, Jéssica de Souza Panisset Universidade Federal do Rio de Janeiro /IGEO/ Departamento de Meteorologia, Rio de Janeiro – RJ ([email protected], [email protected], [email protected]) RESUMO: Este trabalho mostra uma análise das tendências climáticas da temperatura a dois metros (T2M), umidade específica a dois metros (UE2M), temperatura máxima (TMAX) e fluxo de calor latente (FCLT) nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil utilizando os dados das reanálises do NCEP/NCAR na região delimitada por 40°S-10°S e 70°W-45°W, no período de 1950 - 2009.Os resultados mostraram que, na maior parte dos pontos de grade correspondente a cada uma das capitais das regiões estudadas, o teste revelou tendências de aumento de T2M, UE2M, TMAX, mas para o FCLT, o teste caracterizou tendências de aumento e diminuição para diferentes capitais. ABSTRACT: This paper shows an analysis temperature trends at two meters (T2M), specific humidity at two meters (UE2M) maximum temperature (TMAX) and latent heat flux (FCLT) in the South, Southeast and midwest of Brazil using data from the reanalysis of NCEP / NCAR in the region bounded by 40 ° S-10 ° S and 70 ° W-45 ° W during the period 1980-2009. The results showed that, in most grid points corresponding to each of the capitals of the regions studied, the test showed trends an increase for the T2M UE2M,TMAX, but for the FCLT, the test marked rise and reduction trends for different capitals. Palavras-chave: Sistemas convectivos, camada limite atmosférica, Reanálise 1.INTRODUÇÃO A camada limite planetária (CLP) é a região da atmosfera que está sob a influência direta da superfície e responde as forçantes superficiais numa escala de tempo inferior à 1 hora (Stull, 1988). Trabalhos como Nobre et al. (1991) corroboram a forte dependência entre atmosfera e superfície através de estudos observacionais e análises numéricas. Esta interação é realizada trocando umidade, calor e momento linear. O conhecimento da circulação e do comportamento da CLP sobre a superfície continental é de suma importância para uma determinada região, pois o fluxo turbulento na CLP pode alterar o comportamento da atmosfera e a compreensão desta camada implica em um melhor entendimento dos sistemas convectivos que possam se desenvolver e produzir inúmeras conseqüências, considerando-se, em particular, as inúmeras atividades realizadas diariamente sobre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil que sofrem danos na presença de sistemas convectivos mais intensos. De dia, usualmente a CLP estende-se por 1-2 Km de altura, e apresenta uma espessura de 100 a 200 metros durante a noite. Na camada limite planetária em situações favoráveis, como a existência de instabilidade termodinâmica, a formação de elementos convectivos, precipitantes ou não, atua para transportá-los para a troposfera. O objetivo deste trabalho foi analisar série de dados de variáveis que respondem diretamente aos processos físicos na camada limite planetária ao longo dos últimos 60 anos buscando tendências significativas que possam estar associadas às mudanças devidas ao aquecimento global, situação onde se espera um aumento na probabilidade da gênese de sistemas convectivos. 2.METODOLOGIA Para avaliação das tendências no período de 1950-2009 foram escolhidos quatro variáveis que representam os fluxos na camada limite e estão associados diretamente aos sistemas convectivos de mesoescala: a temperatura do ar a 2 metros (T2M), a temperatura máxima (TMAX), a umidade específica a 2 metros (UE2M) e o fluxo de calor latente (FCLT). Foram utilizadas as reanálises do NCEP/ na região delimitada pelas latitudes de 40S a 10S e longitude de 70W a 45W, no período de novembro a março de cada ano e foram analisadas as médias mensais correspondentes a cada uma das variáveis analisadas. Um teste estatístico não paramétrico, Mann-Kendall (Sneyers, 1975), foi usado para a avaliação das tendências ao longo do tempo. Estudos afirmam que o teste de Mann-Kendall é o método mais apropriado para analisar mudanças climáticas em séries climatológicas e permite também a detecção e localização aproximada do ponto inicial de determinada tendência (Goossens & Berger, 1986; Winke et al., 2008). Um dos benefícios deste teste é que os dados não precisam pertencer a uma distribuição particular e, segundo Önöz & Bayazit (2003), seu resultado é menos afetado por valores “fora de série” ou outliers, uma vez que seu cálculo é baseado no sinal das diferenças e não diretamente nos valores da variável analisada. A estatística de teste usada foi Z que é definida pela equação (1.1), Z S u VAR(S )12 (1.1) onde, u = -1 se S > 0; u = 0 se S = 0 e u = +1 se S < 0 n 1 S sendo, n sign( x k 1 j k 1 j xk ) (1.2) 1 se x j x k 0 onde, sign ( x j xk ) = 0 se x j x k 0 -1 se x j x k 0 e VAR( S ) g 1 n ( n 1 )( 2 n 5 ) t p (t p 1)(2t p 5) 18 p 1 (1.3) sendo, xj e xk valores da série analisada, g o número de ocorrência de grupos de valores tp iguais nas séries de dados. Um valor positivo de Z significa uma tendência crescente e um valor negativo de Z indica uma tendência decrescente. Sob a hipótese nula, de que não há tendência na série de dados, Z tem uma distribuição Normal (0,1). Foi usado o nível de significância de 0,05 nos testes. 3.RESULTADOS Na Tabela 1 encontram-se os valores calculados SIG e Z. Os valores em vermelho mostram os locais onde o teste paramétrico resultou na determinação da existência de tendências estatisticamente significantes de aumento na intensidade das variáveis analisadas, azul para diminuição e preto para os locais onde o teste não caracterizou tendências significativas. Tabela 1 – Tendência das variáveis analisadas Rio de Janeiro T2M SIG= 8,0489e-010 Z=6,1440 TMAX SIG= 4,8379e-007 Z= 5,0326 UE2M SIG=1,3211e-011 Z=6,7663 FCLT SIG=0,1163 Z=1,5704 São Paulo SIG=6,2754e-005 Z=4,0022 SIG=3,28E-014 Z= 1,5843e-004 SIG=6,1272e-004 Z=3,4259 SIG=0,0115 Z=-2,5267 Belo Horizonte SIG= 7,3396e-016 Z= 8,0647 SIG=4,0637e-010 Z= 6,2516 SIG= 5,9956e-013 Z=7,2006 SIG= 0,0016 Z= 3,1633 Vitória SIG=2,0897e-008 Z= 5,6044 SIG=3,1792e-009 Z= 5,9221 SIG=5,7296e-010 Z= 6,1977 SIG=0,0115 Z=2,5283 Florianópolis SIG= 4,9390e-004 Z= 3,4840 SIG=0,0185 Z=2,3556 SIG=3,4287e-004 Z= 3,5805 SIG=0,0739 Z=-1,7870 Porto Alegre SIG= 4,9234e-005 Z= 4,0592 SIG=0,0974 Z=7,358 SIG=7,2581e-005 Z= 3,9677 SIG=0,0342 Z= 2,1182 Curitiba SIG= 0,0077 Z= 2,6638 SIG= 0,0265 Z= 2,2191 SIG= 0,0018 Z= 3,1194 SIG=1,6395e-006 Z= 4,7934 Goiânia SIG=3,2131e-032 Z=11,8164 SIG=5,9101e-014 Z= 7,5101 SIG= 3,4072e-040 Z= 13,2711 SIG=0,0189 Z= -2,3474 Campo Grande SIG= 4,4385e-011 Z= 6,5886 SIG= 0,0100 Z= 2,5750 SIG= 3,0155e-020 Z= 9,2184 SIG= 0,1166 Z= -1,5693 Cuiabá SIG= 1,4416e-036 Z= 12,6301 SIG= 7,9210e-015 Z=7,7688 SIG= 1,1064e-045 Z= 14,1868 SIG=0,0156 Z= -2,4192 Como forma de ilustrar, foram construídas séries temporais destes indicadores para cada capital estudada. Nas figuras de 1 a 6, são apresentadas a séries temporais somente para o ponto de grade correspondente ao Estado do Rio de Janeiro. Figuras 1 e 2 – Série temporal da T2M e TMAX para o Estado do Rio de Janeiro. Figuras 3 e 4 – Série temporal da UE2M e do FCLT para o Estado do Rio de Janeiro. Em uma terceira etapa, foram calculadas médias climatológicas para estas variáveis em dois períodos distintos. Sendo o primeiro período caracterizado de 1950 a 1979, e o segundo de 1980 a 2009. Com isto, foi possível obter diferenças climatológicas entre o segundo período em relação ao primeiro período mostrando assim, tendências destas variáveis. As figuras 5 e 6 mostram as diferenças entre as médias entre os dois períodos. (a) (b) Figura 5 – Diferença entre as médias climatológicas de 1980-2009 e 1950-1979 para a T2M (a) e TMAX (b) durante o verão. Figura 6 – Diferença entre as médias climatológicas de 1980-2009 e 1950-1979 para a UE2M (a) e FCLT (b) durante o verão. 4.CONCLUSÕES Foi possível constatar tendências de aumento da T2M, TMAX e UE2M para todas as capitais analisadas. Para o FCLT, observaram-se tendências de aumento para Belo Horizonte, Vitória, Porto Alegre e Curitiba; para Rio de Janeiro, Florianópolis e Campo Grande, o teste não revelou tendências significativas e para São Paulo, Goiânia e Curitiba foram observadas tendências de diminuição desta grandeza. Pelas figuras 1 e 2, pôde-se também observar o aumento significativo das variáveis analisadas através da evolução temporal nos últimos 60 anos para o Estado do Rio de Janeiro. Pelas figuras 5 e 6 verificou-se através da diferença dos períodos climatológicos: Um aumento em torno de 0,2 a 0,6°C para a T2M, um aumento de 0,1 a 1,2°C para TMAX, 0,3 a 1,0 g/Kg para UE2M e para o litoral de São Paulo, sul do Paraná e Santa Catarina observou-se uma diminuição em torno de -0,1 a -0,5 W/m2 e para todos os outros estados aumento em torno de 1 a 10 W/m2 na região analisada. Os resultados significativos revelam alterações climáticas, mas acredita-se que tal aumento tanto possa, estar associado às mudanças no uso do solo quanto à expansão das cidades nos últimos anos. Propõe-se como trabalhos futuros a análise de outros pontos de grade da área que não foram tão afetados por mudanças de solo por expansão das cidades a fim de poder atribuir às mudanças na composição da atmosfera os resultados encontrados neste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOOSSENS, C.; BERGER, A. 1986. 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Caracterização climática e estudo de tendências nas séries temporais de temperatura e precipitação em Pelotas/RS. In: XVII Congresso de Iniciação Científica e X ENPOS: conhecimento sem fronteiras, 2008, Pelotas.