II Encontros Coloniais
Natal, de 29 a 30 de maio de 2014
Meu ofício, moeda e sustento: notas sobre propriedade de ofícios em Pernambuco no
período post-bellum
Aledson Manoel Silva Dantas
Graduando em História, UFRN
Orientadora: Carmen Margarida Oliveira Alveal
[email protected]
Um aspecto importante da administração dos impérios coloniais da Idade Moderna foi
a venda de ofícios, ou a sua doação em propriedade. No Império português, embora esta
prática não se tenha generalizado, possuía uma relevância econômica e social. Na segunda
metade do século XVII, a concessão de ofícios em propriedade foi um elemento da política
remuneratória da Coroa portuguesa no norte do Estado do Brasil. Alguns indivíduos tiveram,
assim, a oportunidade de se inserirem no aparato administrativo e de garantir uma fonte de
renda. O ofício adquirido poderia servir como símbolo de determinada posição social, ou
poderia conferir prestígio a seus detentores. Em Pernambuco, os ofícios da Fazenda Real
foram concedidos em propriedade, refletindo as relações dos proprietários com a Coroa
portuguesa e a sua posição dentro da sociedade. A importância de uma propriedade de ofício
no contexto social e familiar são questões que este estudo pretende discutir. Para tanto,
analisar-se-á as estratégias de patrimonialização e de manutenção da propriedade por parte
das famílias que exerceram o ofício de escrivão da Fazenda Real de Pernambuco, na segunda
metade do século XVII.
Entre mercês, casamentos e rendas.
Com a ascensão do duque de Bragança ao trono português, em 1640, houve uma
reconfiguração das relações entre reis e vassalos. A nova monarquia portuguesa foi fundada
sob um pacto político entre a Coroa e os restauradores do Ultramar e “sustentado pela cultura
política do Antigo Regime”1. Cultura esta que se embasava na “economia de mercê” 2. Nas
1
BICALHO, Maria Fernanda B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a
cultura política do Antigo Regime. Almanack braziliense, São Paulo, nº2, 2000, p. 21-34.
2
Idem. Por “Economia de mercê” entende-se a concepção de que o rei deveria recompensar os seus vassalos por
serviços prestados, na busca destes por prestígio e ascensão social. As mercês régias criavam, segundo Bicalho,
um ciclo “de obrigações recíprocas: disponibilidade para o serviço régio; pedido de mercês ao rei em retribuição
aos serviços prestados; atribuição/doação de mercês por parte do rei; engrandecimento/atribuição de status,
honra e posição mais elevada na hierarquia social devido às mercês recebidas; agradecimento e profundo
reconhecimento/reforço dos laços de submissão, lealdade e vassalagem; renovada disponibilidade de prestar
mais e maiores serviços ao monarca”. Para mais, ver: OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado
1
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conquistas e no reino, uma de suas manifestações, o exercício de ofícios e cargos, adquiridos
por meio de compra ou doados em propriedade, permitia ao indivíduo ascender socialmente.
A venda de ofícios, cargos e títulos no contexto da monarquia portuguesa é um tema
ainda pouco estudado, muito em razão da alegação do baixo impacto dessa prática no Império
português. Desde a década de 2000, entretanto, novos estudos vem sendo realizados, e é
crescente a preocupação com os procedimentos relacionados com a venalidade em Portugal e
nas colônias3. Os trabalhos de Fernanda Olival avançam neste sentido, pois são importantes
para a compreensão dos mecanismos de venda de hábitos de ordens militares e de serviços
pela Coroa portuguesa. Segundo esta autora, no século XVII o tema da venalidade emergia no
discurso político associado a “conjunturas de afirmação” e de conquista de legitimidade por
parte de D. João IV. Os partidários dos Bragança acusaram os Filipes de atropelarem as
“tradições portuguesas” ao venderem cargos e honras4.
Para a monarquia portuguesa havia razões para não generalizar este tipo de prática. De
acordo com Roberta Stumpf, a monarquia portuguesa não se utilizou muito das diversas
formas de venalidade por questões culturais e históricas. Os reis portugueses não tiveram que
recorrer muitas vezes a uma quantidade grande de recursos, o que se explica pelo menor
número de guerras que Portugal ingressou em comparação com a Espanha. Contribuíram,
também, “as fortes censuras morais, sobretudo dos tratadistas” 5. Segundo Stumpf, além da
depreciativa ligação com os governos dos Felipes, preconizava-se que
um rei mercador que premiava os homens cuja riqueza era o principal, senão o
único, atributo qualificador, não condizia com a imagem de um monarca justo que
agraciava com cargos e honras os homens beneméritos de elevada condição social 6.
Junta-se a estas ideias, a concepção de que um homem que comprasse determinado
ofício poderia não ser apto para exercê-lo, pois interessar-lhe-ia mais a recuperação do
Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001; XAVIER,
Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. “As Redes Clientelares” In: MATTOSO, José (dir.). História de
Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1993 pp. 381-393.
3
Conforme afirma Nandini Chaturvedula em: CHATURVEDULA, Nandini. Entre particulares: venalidade na
Índia portuguesa no século XVII. In: CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Cargos e
ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (séculos XVII-XVIII). Lisboa: CHAM –
Centro de História do Além-Mar, 2012, p. 268.
4
OLIVAL, Fernanda. Mercado de hábitos e serviços em Portugal (século XVII-XVIII). Análise Social, vol.
XXXVIII, n. 168, 2003, p.743-769.
5
STUMPF, Roberta G. Formas de Venalidade de ofícios na monarquia portuguesa do século XVIII. In:
CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Op. cit., p. 284.
6
Idem.
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investimento feito do que o bom exercício e o bem da república 7. Apesar da pouca quantidade
de vendas de ofícios, muitos foram doados em propriedade, existindo a possibilidade de sua
patrimonialização, garantida pelo direito de hereditariedade aos filhos, embora não fosse
automático8. O “costume doutrinal”, porém, proporcionava a um filho a garantia do exercício
que pertencia ao seu pai, conforme afirma Susana Münch Miranda9.
O ofício em questão neste trabalho não seguiu, porém, uma sucessão masculina, pois
foi herdado seguidamente pelas mulheres da família. Isto significou que, a cada geração, era
necessária a absorção de homens de outros círculos familiares e a concessão do ofício como
dote. Outro fator que influenciou nas estratégias empreendidas foi os problemas de saúde que
um dos proprietários sofria. Repetidamente, este tinha que nomear serventuários, com os
quais tinha que repartir parte da remuneração que tinha direito.
O ano de 1698 foi crucial para as famílias que possuíam a propriedade do ofício de
escrivão da Fazenda Real de Pernambuco. O que estava em questão era não somente a
conservação de um status, ou de posição social adquirida, mas o próprio sustento familiar.
Muito provavelmente, o exercício destes ofícios proporcionou aos que o exerceram um
incremento de qualidade e a sobrevivência social de suas linhagens. É o que se depreende da
história de Teófilo Homem da Costa e de sua filha dona Helena Maria de Melo, proprietários
do ofício de escrivão. Este ofício, na capitania de Pernambuco seiscentista, anexava a função
de escrivão da matrícula da gente de guerra da capitania, o que é um reflexo do período de
guerras que o norte do Estado do Brasil enfrentou com a guerra contra os holandeses. Isto
significa que o escrivão da Fazenda Real era responsável pelo controle das inscrições dos
soldados das tropas da capitania, além dos registros das ações da Provedoria.
No dia 7 de agosto do mesmo ano, Helena de Melo buscou garantir que continuaria
recebendo as rendas do ofício que pertencia ao seu pai, recém-falecido, solicitando que o
mesmo fosse doado em propriedade para o seu marido Antonio da Fonseca Malho10. Teófilo
da Costa era um homem que sofria com doenças, que pareciam ser crônicas. Nos 38 anos,
entre 1660 e 1698, o ofício fora exercido por serventuários na maior parte do tempo. Já no ano
de 1665, Teófilo Homem requeria ao Conselho Ultramarino para poder nomear um substituto,
7
Idem.
STUMPF, Roberta G. Formas de Venalidade de ofícios na monarquia portuguesa do século XVIII. In:
CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Op. cit., p. 284.
9
MIRANDA, Susana Münch. Entre o mérito e a patrimonialização: o provimento de oficiais na Casa dos Contos
de Goa (Séculos XVI e XVII). In: CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Op. cit., p. 93.
10
Arquivo Histórico Ultramarino-Pernambuco, Papéis Avulsos, Caixa 18, Doc. 1761.
8
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tendo em vista os “vários achaques e doenças que lhe sobreviera”11. Ele teria contraído os
problemas de saúde durante uma jornada que fez para a Inglaterra, na qual acompanhou a
“Rainha da Grã Bretanha”, segundo suas próprias palavras12.
Isto se repetiu mais duas vezes, em 1666 e em 167213. Nesta primeira data, Teófilo
Homem comentou que não teria conseguido voltar a exercer o ofício e pedia novamente para
nomear um serventuário. Na segunda, queixou-se que vivia de cama e “com manifesto risco
de sua vida” por não haver em Pernambuco os remédios que necessitava. A nomeação de um
substituto era crucial para a vida de Teófilo Homem da Costa e sua família. Somente tinha
uma única filha e, afirmava, não possuía outra renda que não fosse os vencimentos
provenientes do ofício “para remediar sua casa”14. Além disso, enfatizando o dever do rei
recompensar os seus leais vassalos, afirmou que havia “gastado nos sérvios de Vossa
Majestade o que de seus Pais lhe ficou”15.
Poder nomear um substituto para o exercício de algum ofício era uma das vantagens
de ser proprietário. Segundo Roberta Stumpf, em seu importante estudo sobre nobilitação em
Minas Gerais, “era possível ceder a serventia dos mesmos [ofícios] a terceiros, o que garantia
aos proprietários rendas adicionais sem que precisassem exercer os postos para os quais foram
agraciados” 16 . De outra forma, “muitos entregavam suas propriedades aos cuidados de
terceiros para ocuparem-se de funções muito mais notórias, embora na fossem
necessariamente remuneradas”17.
Não se tem muitas informações sobre os serviços
prestados por Teófilo Homem da Costa. Até o momento da pesquisa, não foi encontrado
nenhum informação que possa indicar que recebeu algum hábito de alguma ordem militar ou
foro de fidalgo, por exemplo. Teófilo declarava, entretanto, ser uma “pessoa de qualidade” 18.
Pode-se chegar a um contorno mínimo do seu perfil social por meio da análise do círculo de
relações estabelecidas por ele, ou de sua rede de sociabilidade.
Teófilo adquiriu, provavelmente em 1660, a propriedade de ofício de escrivão da
fazenda como dote recebido pelo seu casamento com dona Isabel Mendes de Vasconcelos.
Antes de 1660, quem ainda era o proprietário do ofício era Manoel Mendes de Vasconcelos,
11
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 757.
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 757.
13
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 798; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 10, Doc. 973.
14
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 798.
15
Idem.
16
STUMPF, Roberta G. Cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes: as solicitações de hábitos das
ordens militares nas minas setecentistas. Brasília: Tese de Doutorado (UNB), 2009. p. 98-99.
17
STUMPF, Roberta G. Op. cit., p. 122.
18
Idem.
12
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tio do pai de Isabel de Vasconcelos, também chamado Manoel de Vasconcelos.
Posteriormente, o primeiro Manoel renunciou ao ofício em favor de seu sobrinho, pai de dona
Isabel. Em 1659, esta pedia ao Conselho Ultramarino que concedesse a propriedade em
questão a quem se cassasse com ela. Afirmava que o pai, já falecido, deixou-a muito pobre,
“sem outro remédio mais que a aução do dito ofício, e por que está contratada para casar com
um capitão benemérito que tem servido a Vossa Majestade” 19. O Casamento de Teófilo e
Isabel foi, então, a formação de uma aliança, um “contrato”. A propriedade de ofício serviu de
mediadora e de elemento de acordo nesta troca.
Isabel Mendes de Vasconcelos possuía mais três irmãs e, segundo seus argumentos,
não havia quem quisesse se casar com elas, talvez por não terem dote. Tinha, assim, a
legitimidade de ser a primeira a casar para poder reclamar a propriedade da família. A mãe de
Isabel, dona Maria de Oliveira, teria concedido a metade que lhe pertencia do ofício, segundo
argumento de Isabel. No requerimento de Isabel de Vasconcelos, consta que a propriedade de
ofício pertencia metade à sua mãe e metade ao seu pai, Manoel de Vasconcelos20.
No período analisado neste artigo, o dono mais antigo deste ofício, Manoel Mendes de
Vasconcelos seguiu um carreira administrativa e militar no Império português. Serviu por 26
anos, 20 deles “antes da guerra”21, como escrivão da Fazenda Real e exercendo outros cargos.
Seis anos serviu na guerra contra os holandeses, até deixar a capitania de Pernambuco levando
consigo a sua família, abandonando “a fazenda que ali possuía com grande exemplo de
fidelidade”22. Um irmão seu, Gonçalo Mendes de Vasconcelos, serviu na África e na Índia
como soldado, capitão e capitão-mor. O padre Inácio Vasconcelos, outro irmão, ocupou
cargos eclesiásticos na Índia, devendo-lhe o rei mais de 525 mil réis23.
Manoel de Vasconcelos, pai de dona Isabel, fez carreira em Portugal e no Estado do
Brasil tanto com cargos militares quanto administrativos, assim como o seu tio, recebendo
várias mercês como recompensa de seus serviços. Ganhou o hábito da ordem de Aviz, uma
pensão de 50 mil réis, além de dois “alvarás de lembrança de ofícios de justiça, ou fazenda
19
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 7, Doc. 611.
Idem.
21
Provavelmente, refere-se não ao período holandês como um todo, 1630-1654, mas especificamente à “Guerra
de Restauração”, iniciada em 1645. Sobre esse assunto ver: MELLO, Evaldo Cabral. Olinda Restaurada:
Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro; São Paulo: Forense-Universitária; Ed. da Universidade
de São Paulo, 1975.
22
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 7, Doc. 611.
23
Idem.
20
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para filho e filha”24. Serviu de 1632 a 1647, no Brasil, no Alentejo e como contador e vedor
geral na província da Beira25.
Sendo “capitão benemérito” e uma “pessoa de qualidade”, Teófilo Homem da Costa
teria alcançado o acerto do seu casamento, provavelmente, em Portugal. É a própria dona
Isabel Mendes de Vasconcelos que transmite informações sobre essa possibilidade, referindose ao reino como o seu local de interlocução com o Conselho Ultramarino. Importante nesta
relação é o seu aspecto homógamo. Foi um casamento entre indivíduos que possuíam uma
posição social parecida, ou igual; de famílias que se espalharam por todos os cantos do
império português. Se não mentiram sobre a situação econômica na qual se encontravam,
passavam por dificuldades financeiras provenientes, segundo os seus argumentos, do serviço
prestado à monarquia portuguesa. Os tempos eram de dificuldade econômica, o que não
impediu que o casamento ocorresse dentro de uma homogamia social. A propriedade de ofício
de escrivão da fazenda funcionou como um elemento facilitador. Evitou que uma das quatro
filhas de Manoel de Vasconcelos permanecesse solteira, e perpetuasse a família. Era o dote, a
moeda, que promoveu a união e coadunou o interesse de duas famílias, servindo como
sustento e como objeto de atração de um futuro bom casamento para os filhos e filhas que
nasceriam. Foi o caso da única filha de Teófilo Homem da Costa e de dona Isabel Mendes de
Vasconcelos, Helena Maria de Melo, que além de possuir o título de dona, assim como as
outras mulheres da família, casou-se em uma situação semelhante à de sua mãe.
As ações até o momento descritas são componentes do que se pode chamar de
estratégia matrimonial, uma “parte integrante dos comportamentos adoptados pelo grupo,
destinados a transmitir às gerações vindouras o poder e os privilégios herdados”26. Outra parte
importante deste comportamento é a manutenção de contatos com camadas de prestígio social
elevado da sociedade, o que pode ser verificado na trajetória social de Teófilo. Em 1690,
apesar de todos os problemas de saúde, teria atuado na corte como procurador da câmara de
Olinda, com o salário de 100 mil réis, que deveria ser pago ao procurador de Teófilo da Costa
na América, João Batista Campeli27.
Percebe-se dois tipos de alianças. Teófilo Homem da Costa mantinha relações com a
câmara de Olinda, ao menos com aqueles que serviram em 1690: Braz de Araújo Pessoa,
24
Isso significava que seria avisado caso vagassem cargos nestas duas esferas da administração e que poderia ter
preferência.
25
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 7, Doc. 611.
26
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Casamento, Celibato e reprodução social: a aristocracia portuguesa nos séculos
XVII e XVIII, Análise Social, vol. XXVIII (123-124), Lisboa, 1993, p. 923.
27
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa. 15, Doc. 1527.
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Bernardo de Carvalho de Andrade, Rodrigo da Silveira e Pedro Ribeiro da Silva. O outro tipo
de relação que Teófilo mantinha era com o comerciante de origem italiana João Batista
Campeli, que teria vindo para Pernambuco em 1688. Campeli comerciava, “sem que a
atividade de mercador lhe atingisse ou maculasse a honra e prosápia de funcionário” 28. Além
disso, foi vereador da câmara do Recife em 171229.
Em 1698, juntamente com seu marido, Antonio da Fonseca Malho, Helena de Melo
requeria a propriedade do ofício de escrivão da fazenda real e matrícula de gente de guerra,
ofícios anexados. No documento, Antonio Malho afirmou que Teófilo Homem da Costa
faleceu sem deixar testamento, “em triste estado”, e “sem outro filho ou herdeiros mais que a
dita sua mulher [Isabel]”. Apelou para a obrigação do rei de bem governar, afirmando que é
“estilo do Reino costumar Vossa Majestade dar os ofícios aos filhos dos proprietários,
maiormente, quando servirão com bom procedimento” e que possuía “todos os requisitos
necessários para o bem servir” 30. No mesmo ano, Antonio fez um requerimento ao Conselho
Ultramarino pedindo para nomear a João Batista Campeli como serventuário, que havia sido
procurador de Teófilo Homem da Costa, oito anos antes.
A ideia contida na expressão requisitos necessários refere-se às qualidades mínimas,
em termos hierárquicos e técnicos, que um indivíduo precisaria ter para o exercício de
determinadas funções no aparato administrativo, levando-se em conta o tipo de relações
sociais comuns a uma sociedade de Antigo Regime. Além disso, denota que, apesar de o
ofício de escrivão da fazenda não estar entre os mais prestigiosos da administração da
capitania de Pernambuco, as pessoas que o exerceram gozavam de uma posição social
destacada. Teófilo Homem da Costa tinha como “atrativo social” o fato de ser reconhecido
como uma pessoa diferenciada na capitania de Pernambuco. Utilizando-se dessa
característica, pôde contornar as dificuldades financeiras atraindo para o seu círculo social
pessoas que necessitavam de qualidade. João Batista Campeli é o maior exemplo disso.
Provavelmente, o ofício de escrivão foi-lhe concedido em troca da estabilidade financeira da
família. E, nesse sentido, pode-se dizer que se caracteriza uma venda, mesmo que de forma
não evidente.
Acredita-se que as diversas concessões em serventias são um tipo de venalidade
praticada por Teófilo Homem da Costa e seus sucessores. É possível afirmar que três pessoas
28
SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofratas: O grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 – c. 1759).
Recife: Ed. Universitária – UFPE, 2012, p. 448.
29
Idem.
30
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 18, Doc. 1761.
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exerceram o ofício de escrivão da Fazenda Real como serventuário: Francisco Varela Pereira,
Francisco de Mesquita e João Batista Campeli31. É certo que o substituto deveria pagar um
terço da renda proveniente do exercício da serventia do ofício, que durava três anos. Isso não
exclui a possibilidade de negociação do valor pago ao proprietário, no qual estaria inserida
uma possível dívida.
Sobre Francisco de Mesquita não se tem muitas informações. Pode-se afirmar,
entretanto, que agia quase como um “serventuário de carreira”, pois integrou a administração
fazendária como escrivão e como provedor da Fazenda Real, possuindo os requesitos
necessários para o bem servir 32 . Sobre Francisco Varela Pereira, ainda não foi possível
levantar outras informações.
Sobre João Batista Campeli, tem-se o seguinte quadro. Conjectura-se que Campeli já
exercia a serventia do ofício em 1690, ano em que atuou como procurador de Teófilo Homem
da Costa em Pernambuco. É interessante notar, também, a rápida entrada de Campeli em um
círculo importante de relações sociais, pois teria chegado à capitania em 1688. Como
comerciante, exercer um ofício poderia ser bastante vantajoso, pois, em tese, teria contato
pessoal e imediato com o provedor da Fazenda Real, principal autoridade fazendária da
capitania. De fato, a carreira de Campeli pode ser considerada como ascensional. Foi síndico
da Ordem Terceira de São Francisco do Recife, entre 1696-1697 e 1703-1704, e admitido
como cavaleiro na Ordem de Cristo, em 1697. De acordo com George F. C. de Souza,
Campeli “teve vida próspera que lhe tornou ‘verdadeira figura de proa entre os mascates do
Recife’”33.
Não é possível afirmar se Teófilo Homem da Costa e seus sucessores dependiam
economicamente de Campeli. Não seria improvável, contudo, que isso acontecesse, tendo em
vista as dificuldades financeiras alegadas pela família de Teófilo. Seu genro Antônio da
Fonseca Malho, por exemplo, argumentava que não tinha condições de exercer o ofício de
escrivão da fazenda por que o seu sogro havia deixado-lhe muitas “demandas” movidas contra
ele mesmo depois de morte. Além disso, Fonseca Malho afirma ter os seus próprios negócios,
sendo ele próprio um comerciante. O mais provável é que os cem mil réis referentes ao salário
de procurador do senado da câmara de Olinda na corte, em 1690, além de ser recolhido, era
31
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, D. 757; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, D. 798; AHU-PE, Papéis
Avulsos, Caixa 10, D. 973; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 18, D. 1767.
32
AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, D. 734; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, D. 772.
33
SOUZA, George F. C. Op. cit., p. 448.
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embolsado por João Batista Campeli. Essas questões são difíceis de ter uma reposta
conclusiva. Faltam informações que possam elucidar problemas como este.
Atentando para a questão dos casamentos, tem-se uma mudança no padrão. Embora
Teófilo da Costa e seu sogro, Manoel Mendes, não possam ser considerados como
representantes diretos de uma açucarocracia, o seu status social parece estar mais vinculado a
este grupo do que ao dos comerciantes. Os casamentos posteriores, contudo, são feitos com
comerciantes. Parece que, para este caso, tem-se uma exceção para o contexto social da
segunda metade do século XVII, em Pernambuco. Afinal, em meio às tensões entre mascates
e a nobreza da terra era comum a prática da endogamia de grupo, largamente exercida 34.
Ambos são indivíduos que parecem ter exercido apenas atividades administrativas, o que
torna sua classificação social, entretanto, difícil de ser colocada dentro da relação nobreza da
terra versus mascates.
Percebe-se, com isso, a complexidade das relações analisadas neste artigo, mostrando
como as relações sociais não podem ser automatizadas, ou mesmo homogeneizadas.
Neste
trabalho, percebeu-se que ofício pode ser classificado como um elemento de distinção social e
de facilitação da formação de redes com as mais variadas camadas da sociedade da capitania
portuguesa, marcada pela cultura política do Antigo Regime. Em relação à venalidade de
ofícios e a sua patrimonialização, é possível afirmar que, enquanto a primeira, em um
contexto mais pessoal de relações, é difícil de ser enxergada com clareza, apesar dos indícios.
A segunda questão foi mais fácil de perceber, pois, apesar de o ofício de escrivão da Fazenda
não possuir uma linhagem masculina, as mulheres herdeiras conseguiram, na forma que as
leis lhes permitiam, usufruir de sua herança, mostrando a importância social das propriedades
de ofício para a formação de alianças por meio de casamentos.
34
Idem, p. 125. Sobre as disputas entre naturais da terra e os comerciantes ver: MELLO, Evaldo C. de. A fronda
dos mazombos: nobres contra mascates. Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Editora 34, 2003.
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REFERÊNCIAS
BICALHO, Maria Fernanda B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na
América portuguesa e a cultura política do Antigo Regime. Almanack braziliense, São
Paulo, nº2, 2000.
CHATURVEDULA, Nandini. Entre particulares: venalidade na Índia portuguesa no século
XVII. In: CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Cargos e ofícios nas
monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (séculos XVII-XVIII). Lisboa:
CHAM – Centro de História do Além-Mar, 2012.
MIRANDA, Susana Münch. Entre o mérito e a patrimonialização: o provimento de oficiais na
Casa dos Contos de Goa (Séculos XVI e XVII). In: CHATURVEDULA, Nandini &
STUMPF, Roberta (Orgs). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo
e venalidade (séculos XVII-XVIII). Lisboa: CHAM – Centro de História do Além-Mar, 2012.
MELLO, Evaldo C. de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates. Pernambuco,
1666-1715. São Paulo: Editora 34, 2003.
MELLO, Evaldo Cabral. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. Rio
de Janeiro; São Paulo: Forense-Universitária; Ed. da Universidade de São Paulo,
1975.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Casamento, Celibato e reprodução social: a aristocracia
portuguesa nos séculos XVII e XVIII, Análise Social, vol. XXVIII (123-124), Lisboa, 1993,
p. 921-950.
OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade
em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001.
OLIVAL, Fernanda. Mercado de hábitos e serviços em Portugal (século XVII-XVIII).
Análise Social, vol. XXXVIII, n. 168, 2003, p.743-769.
SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofratas: O grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654
– c. 1759). Recife: Ed. Universitária – UFPE, 2012.
STUMPF, Roberta G. Cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes: as solicitações
de hábitos das ordens militares nas minas setecentistas. Brasília: Tese de Doutorado (UNB),
2009.
______. Formas de Venalidade de ofícios na monarquia portuguesa do século XVIII. In:
CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Cargos e ofícios nas
monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (séculos XVII-XVIII). Lisboa:
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XAVIER, Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. “As Redes Clientelares”. In:
MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa:
Editorial Estampa, 1993 pp. 381-393.
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