UNESCOM - Congresso Multidisciplinar de Comunicação para o Desenvolvimento Regional
São Bernardo do Campo - SP – Brasil - 9 a 11 de outubro de 2006 - Universidade Metodista de São Paulo.
Telejornalismo e Identidade Local: uma reflexão sobre a produção jornalística nas
emissoras de TV de Juiz de Fora
Iluska Coutinho)1
Lívia Fernandes
Nina Scafutto
Jhonatan Mata2
Universidade Federal de Juiz de Fora - MG
[email protected]
Resumo
Tendo como referência a(s) identidade(s) forjada(s) nos telejornais locais veiculados nas
emissoras de televisão em Juiz de Fora, a proposta deste artigo é refletir sobre os
“contratos de pertencimento” entre uma emissora e seu público. A experiência de Juiz de
Fora/MG, primeiro município interiorano da América Latina a contar com uma estação
geradora de televisão, é o foco central desse trabalho que integra uma pesquisa mais
ampla sobre a estrutura narrativa das notícias no telejornalismo regional. O trabalho
relaciona a veiculação diária de produtos jornalísticos ao desenvolvimento de parcerias/
afinidades entre TV e município, a partir do padrão estruturante do modelo brasileiro de
radio/teledifusão. Autores como Hall e Bauman oferecem suporte teórico para a discussão
da Identidade e no artigo dialogam com pesquisadores que estudam a televisão, e
especialmente seu material jornalístico.
Palavras-chave: Telejornalismo local; Narrativa; Identidade; Afiliada; Rede.
Quais as relações de pertencimento e identidade que uma emissora de TV local busca
construir cotidianamente em seus telejornais? Essa questão mais geral orientou a
produção desse artigo que tem como foco a produção de laços sociais, e de
pertencimento, entre a TV Panorama e seu público. A emissora é afiliada da Rede Globo
1
Iluska Coutinho é professora adjunto II do Departamento de Jornalismo da FACOM/ UFJF.
Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (UnB), doutora em Comunicação Social (Umesp)
com estágio doutoral na Columbia University. Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação,
Identidade e Cidadania, realiza investigações sobre os fazeres no Jornalismo Local e
Telejornalismo, em projetos financiados pela UFJF e Fapemig. [email protected]
2
Bolsistas de Iniciação Científica no projeto Dramaturgia do Telejornalismo Regional: a estrutura
narrativa das notícias nas emissoras de Tv de Juiz de Fora. Alunos do curso de Comunicação
Social/ Jornalismo da Facom-UFJF.
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na Zona da Mata de Minas Gerais há 25 anos, contrato celebrado em 2005 por meio de
sua programação e da produção de um DVD comemorativo distribuído entre anunciantes
e colocado à venda nas bancas de jornais e revistas do município de Juiz de Fora, cidade
pólo da região onde a emissora se localizada.
Nesse artigo, que integra uma pesquisa mais ampla sobre o que conceituou-se como a
dramaturgia do telejornalismo regional, a proposta é discutir inicialmente sobre a questão
local, aplicada à própria história do telejornalismo juizforano, isto é, produzido em Juiz de
Fora. Em um segundo momento há a reflexão sobre o conceito de identidade e sobre
como ocorre a representação identitária na TV Panorama.
A reflexão sobre a questão local, nos limites desse trabalho, é tributária da contribuição de
Alain Bourdin, que alerta para o fato de que algumas vezes a localidade pode ser
percebida,
e reconhecida em termos analíticos, apenas como uma “circunscrição
projetada por uma autoridade” (2001: p.25). Em contraposição a esse local de perfil mais
burocrático haveria uma concepção de caráter mais simbólico em que se valoriza o
encontro, a proximidade, a existência de afinidades e especificidades sociais e culturais
partilhadas.
Para além da pretensão de construir um paradigma localista, cuja viabilidade ele
questiona, Bourdin acredita que a questão local de impôs, em um processo de afirmação
radical denominado pelo autor de vulgata localista, e que seria “marcada por três grandes
interrogações relacionadas com a constituição do vínculo social e da identidade, a
especificidade do político e a articulação entre as diferentes escalas da organização
social” (2001: p.27).
A primeira das interrogações é a privilegiada no âmbito desse artigo, a partir da proposta
de compreender as pertenças construídas pela experiência diária, ainda que mediada via
televisão local, e mais especificamente por meio de seus telejornais. Nesse sentido ao
invés de perder evidência, como compreende Bourdin, as relações de identidade cultural
e social seriam reforçadas por meio da programação telejornalística de caráter local.
O vínculo e a identidade social seriam fundamentados em três grandes dimensões: 1) a
complementaridade e a troca; 2) o sentimento de pertença à humanidade e 3) o
compartilhamento de uma mesma cotidianidade a partir do fato da vivência comum.
Nessa perspectiva de partilha de experiências, “(...) a proximidade surge então como
produtora de vínculo social” (Bourdin, 2001: p.28), e seria através desse processo que de
acordo com o autor se desenvolveriam as ilusões e paixões de identidade local.
Valorizado pela vulgata localista, “o local oferece uma resposta que privilegia a
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diversidade, as diferenças, a multiplicidade das escalas e a força das pequenas unidades”
(2001: p.29).
Para compreender o espaço e o papel do local na reflexão contemporânea sobre
identidade outro conceito importante é o de território. “Toda espacialidade exprime a
pertença a um nós, que se constrói e se manifesta em recortes territoriais.” (Bourdin,
2001: p.33). Estes por sua vez seriam constituídos a partir de processos de recorte,
realizados também a partir da oferta midiática, e especialmente via seleção/ recorte/
reconstrução da realidade nos telejornais locais.
No caso das relações de pertencimento celebradas na emissora de televisão que é
analisada nesse artigo, vale ainda atentar para o aspecto de espaço fundador do território
de pertença, um território audiovisual na reflexão proposta. Assim, o olhar se volta para a
própria história da televisão em Juiz de Fora, e a sua “mitologia”.
TV local em Juiz de Fora: Pioneirismo e dificuldades de regionalização no modelo
de redes nacionais de televisão
Apesar de formalmente pertencer ao estado de Minas Gerais, a população juizforana
contava no início dos anos 60 com acesso ao sinal de três emissoras cariocas: A TV Tupi
do Rio de Janeiro, fundada por Assis Chateaubriand, TV Rio- Canal 13, dos empresários
Paulo Machado de Carvalho e João Batista do Amaral e a TV Continental- canal 9, de
propriedade de Rubens Bernardo e seus irmãos Carlos e Murilo.
De 1960 a 1963 a cidade possuía ainda um misto de emissora afiliada e base regional da
TV Tupi do Rio de Janeiro. A TV Mariano Procópio, canal 7, era formalmente afiliada da
TV Tupi, e também integrava a cadeia de Emissoras Associadas. A “emissora”3 produzia
um bloco local de cinco minutos veiculado no Jornal Tupi. Todo o material local era
gravado em película e enviado de ônibus ao Rio de Janeiro, onde era exibido. Nessa fase,
da TV Mariano Procópio a cidade não chegou contar com cenário, vinhetas ou elementos
gráficos produzidos especialmente para veiculação/ identificação com a população local.
A organização de uma tv com produção local em Juiz de Fora tem como marco o dia 29
de julho de 1964, quando entrava no ar a TV Industrial. Tratava-se da primeira estação
geradora de sinais de TV no interior do Brasil, idealizada pelo empresário juizforano
Sérgio Vieira Mendes e por seus filhos Gudesteu e Geraldo, que já eram proprietários das
rádios Industrial e Difusora. A emissora, que não era afiliada a nenhuma rede de TV
3
As aspas de justificam na medida em que a produção local era veiculada apenas a partir do Rio
de Janeiro, e restransmitida em Juiz de Fora.
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nacional, obteve concessão federal em 1963, na administração do então presidente João
Goulart. A sede da TV Industrial se localizava no Morro do Imperador, terreno doado pela
prefeitura, com altitude e infra-estrutura favoráveis à sua implantação. Cinegrafistas,
iluminadores e vários outros profissionais de TV cariocas, principalmente da TV Tupi,
foram contratados para repassar aos profissionais juizforanos as técnicas e orientações
para os primeiros programas.
O objetivo era construir uma emissora de TV com cunho genuinamente local,
representando a cidade pólo de Juiz de Fora e a Zona da Mata Mineira. O regionalismo
da TV Industrial se confirmava com uma programação onde 80 % da produção eram
gerados no estúdio juizforano. O tempo restante de exibição era complementado com
veiculação de filmes fornecidos principalmente pela Herbert Richards, Viacon e Century
Fox. A emissora produzia mesas de debates sobre esporte, programas educativos e de
auditório.O êxito da TV Industrial junto a seu público deveu-se, sobretudo aos programas
de calouros, com transmissão ao vivo. Essa narrativa gerava identificação do público com
a TV, especialmente àqueles de classes menos favorecidas. Na monografia “Identidade
Regional nas vinhetas dos telejornais: uma análise da representação visual na TV
Panorama”, Flávio Lins Rodrigues confirma essa ligação da emissora com a cidade ao
entrevistar a jornalista e ex-funcionária da TV Industrial, Regina Gaio. Segundo a
jornalista, a TV Industrial não escapava da influência das grandes emissoras,
principalmente da rede Tupi e mais tarde da TV Globo, que se tornava a líder de
audiência. Para Gaio, entretanto, o sucesso veio das mesas de debates e programas de
calouros, já que o telejornalismo era relativamente monótono, com notícias ilustradas
apenas por “selos” à direita dos apresentadores, que se revezavam na leitura do texto,
numa inspiração diretamente global.
A tentativa de imprimir um caráter popular e regional à emissora pode ser observada sob
diversos aspectos. .Dentre estes destaca-se o próprio nome Industrial, aludindo ao
vanguardismo da cidade, antes conhecida como a “Manchester Mineira”, por seu impulso
desenvolvimentista ocorrido no final do século XIX. Na verdade a imagem do progresso
faz parte da própria identidade juizforana.
Outra proposta de constituição de laços de pertencimento e afinidade com o público foi a
criação de seu personagem símbolo, um bonequinho de macacão e boné chamado de
“Zé Marmita”, desenhado pelo artista local Alan Renault. O personagem passou a ser
utilizado como selo dos noticiários, em situações diversas, sempre remetendo ao assunto
apresentado, na tentativa de quebrar a monotonia do telejornal. A classificação de “marco
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na TV local” dada à TV Industrial, embora já influenciada pelas grandes TVs da época, se
justifica sobretudo por seu poder de identificação com seu público. Desde os cinejornais e
telejornais produzidos pelo cineasta João Carriço na década de 40, que registravam a
vida política e social de Juiz de Fora, era a primeira vez que o juizforano se via
representado na tela.
A TV Industrial, cumpria, nesse caso, o papel de laço social defendido por Dominique
Wolton (Wolton 1996), reunindo indivíduos e públicos que tudo tende a separar e dandolhes a possibilidade de participar individualmente de uma atividade coletiva.Para Wolton,
a força da TV como laço social vem justamente do seu caráter ao mesmo tempo
ligeiramente restritivo, lúdico, livre e espetacular. É também nisso que ela se mostra
adequada a uma sociedade individualista de massa, caracterizada simultaneamente por
essa dupla valorização da liberdade individual e da busca de uma coesão social.
Objeto cotidiano e onipresente, a TV ajudou milhões de telespectadores a se localizarem
no quebra cabeças de uma modernidade que estava sempre obrigando a viver
simultaneamente identidades e aspirações contraditórias (WOLTON, 1996, pág 122).
O projeto da TV Industrial, sua produção, é paralisada em 1980, e por problemas
financeiros gerados pelos altos custos de produção dos programas, a emissora é vendida
para o grupo Roberto Marinho, em fase de expansão e desejando se instalar na região. A
geradora passa a retransmitir o sinal da Rede Globo e a programação local da Rede
Globo Juiz de Fora é reduzida a alguns minutos diários nos telejornais sediados em Belo
Horizonte. As pessoas já não se viam mais na “telinha”, já que mais de 90% da
programação não era da cidade.
De 1980 a 1998, a dependência da matriz no Rio de Janeiro foi intensa e o “padrão globo”
é seguido rigorosamente. Numa tentativa de resgate do local para enfrentar a
globalização e atrair novos mercados publicitários a TV Globo Juiz de Fora passa a se
chamar TV Panorama, no ano de 1998. O estímulo à nova regionalização faz com que o
espaço reservado ao telejornalismo local cresça de 15 minutos para aproximadamente 50
minutos diários. Os telejornais MGTV 1ª E 2ª edição passam a ser apresentados também
no estúdio de Juiz de Fora, em interação com apresentadores da Globo Minas Os
programas Panorama Revista e Panorama Esporte são incorporados à grade, além da
criação de um departamento de marketing. Este se encarrega de um forte trabalho para
atentar à população que a Rede Globo não estava indo embora da cidade.
Estratégias comerciais fazem com que a Globo, em 2003, venda suas emissoras do
interior. Na época a TV Panorama é vendida para o empresário Omar Resende Peres,
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que agrupa à TV uma rádio, um tablóide, um portal de internet e uma empresa de
eventos, formando o grupo OP.COM.
Em 2005, surge o programa Panorama Entrevista, exibido nas noites de domingo e
apresentado pela jornalista Christina Musse , com direção de Regina Gaio. Nesse mesmo
ano a emissora perde o programa Panorama Esporte, que se transforma num bloco do
MGTV 1ª edição, devido à falta de investimento no esporte regional. Atualmente, a TV
Panorama conta com uma produção local semanal de aproximadamente seis horas e 20
minutos. São produções locais o Telejornal MGTV (com duas edições que totalizam 52
minutos diários de segunda a sábado) e os programas Panorama Revista e Panorama
Entrevista, com meia hora semanal cada.
TV Educativa- uma segunda alternativa?
Entra no ar em 1981, afiliada da TVE Rio e a cargo da Fundação Educacional Pio XII. A
emissora tornou-se geradora em 1989, mas nunca produziu telejornais, como explica o
diretor geral em Juiz de Fora, Jovino Jorge Rodrigues Quintela. Ele também é proprietário
de uma emissora de rádio educativa (Rádio Globo AM 910 Khz), do jornal impresso Diário
Regional e fundador da TV Tiradentes, atual TV Alterosa-jf. A grade de programação da
TVE é predominantemente carioca, com um único programa local chamado Mesa de
Debates, mediado por seu proprietário.
TV Tiradentes- Semelhanças com a TV Industrial
Em 1990 surge a terceira emissora local de Juiz de Fora, a TV Tiradentes, que funcionaria
como retransmissora integral da extinta TV Manchete. A emissora tinha as mesmas
pretensões de regionalização da TV Industrial. Passada às mãos de Josino Aragão e
Domingos Frias, oferece ao público programas de auditório e telejornais, .Além de ser
exibida pelo canal 10, a TV Tiradentes se assemelhava à Industrial por contar com muitos
profissionais vindos do rádio e por gerar em seu público uma nova identificação com seus
programas de entretenimento.A TV Tiradentes teve vários programas locais, policiais, de
calouros, mesas de debate, programas esportivos e telejornais extensos, que agradaram
ao público pelo detalhamento dos temas abordados. Divergências internas acabam por se
refletir na extinção de diversos programas e afiliação à Rede Record.Em 1999, a
Tiradentes é vendida para a TV Alterosa, filiada ao
Sistema Brasileiro de Televisão
(SBT).Passa a ter sua programação local limitada ao telejornal – Jornal da Alterosaedição regional, veiculado de segunda a sábado, ao meio-dia. Após essa mudança, a TV
Alterosa JF se encarrega de imprimir em suas produções características populares, ao
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estilo da emissora de Sílvio Santos, conforme analisa Lívia Maia em seu artigo
“Desenvolvimento da TV em Juiz de Fora: um olhar sobre a TV Alterosa”.Segundo a
estudante, o telejornalismo da emissora priorizou o local, com matérias de segurança
pública e de prestação de serviço, em vts ágeis e em plano seqüência.Outra modificação
observada foi a reformulação do layout do programa, com um cenários e artes gráficas
mais leves, selos suavizados, além da contratação de novos profissionais de reportagem,
que minimizou a superexposição de repórteres e apresentadores.
Analisando as diversas tentativas de estabelecimento de uma emissora de caráter
efetivamente local em Juiz de Fora, percebemos que muitas dificuldades são semelhantes
às enfrentadas atualmente, nas décadas passadas e desde o surgimento da TV na
cidade:as grandes empresas nacionais compram nosso regionalismo e tentam padronizalo, deixando a produção local submissa à tecnologia e capital investidos. Mas a TV local,
por seu pioneirismo e papel de integração, não deixou de unir os laços sociais da
modernidade, inspirando-se nas suas tradições regionais para elaborar seus programas,
mesmo com toda a influência das grandes redes. Ou, como acrescenta Wolton, “trata-se
de “identidades regionais arranjadas”, onde as leis do comércio são muitas vezes mais
fortes do que a inspiração etnológica. O que não impede, no entanto, que alguma coisa
da ordem das identidades se comunique com esses intercâmbios” (WOLTON, 1996, pág
156). Assim, vale recorrer a discussão conceitual sobre Identidade, e Diferença.
Sobre o conceito de identidade
Ao discutir identidade é importante destacar que seu conceito é relacional, uma vez que
para estabelecê-la é necessário reconhecer a diferença. Dessa forma, os conceitos de
identidade e diferença assumem uma relação de interdependência. Sobre esse aspecto, é
interessante acrescentar que afirmações acerca da diferença são dependentes de uma
cadeia, geralmente oculta, de declarações negativas sobre outras identidades (SILVA:
2000, p. 75).
A identidade é construída igualmente nos âmbitos simbólico e social. É importante o
papel que a representação possui na construção de identidades já que, por meio dos
significados produzidos pelas representações, é que atribuímos sentidos ao que somos e
à nossa experiência. Vale ressaltar que os significados produzidos através das práticas de
significação estabelecem relações de poder que, inclusive, determinam quem é incluído e
quem é excluído (Woodward, 2000). Assim, pode-se afirmar que as pessoas são
constrangidas não só pelas distintas representações simbólicas que emergem da cultura,
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mas também pelas relações sociais (Rutherford, 1990, p.19-20 apud Woodward, 2000, p.
19).
O poder de definição da identidade e da determinação da diferença encontra-se
diretamente ligado às relações mais amplas de poder, portanto identidade e diferença
nunca devem ser considerados conceitos inocentes. O estabelecimento de uma certa
identidade como a norma é uma das maneiras privilegiadas de hierarquização de
identidades e diferenças. A força dessa “identidade normal” faz com que ela não seja
percebida
como
uma
identidade,
mas
como
a
identidade.
Assim,
“a
força
homogeneizadora da identidade normal é diretamente proporcional à sua invisibilidade”
(SILVA: 2000, p. 83).
De acordo com Kathryn Woodward, no processo de globalização ocorre a interação de
fatores culturais e econômicos, acarretando mudanças nos padrões de produção e
consumo, culminando na produção de identidades novas e globalizadas. A atual fase do
desenvolvimento global do capitalismo é caracterizada pela convergência de estilos de
vida e culturas nas sociedades que são expostas ao impacto deste desenvolvimento.
Entretanto, podemos dizer que a globalização produz identidades distintas:
“A globalização, entretanto, produz diferentes resultados em termos de identidade. A
homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode levar ao distanciamento da
identidade relativamente à identidade e à cultura local. De forma alternativa, pode levar a
uma resistência que pode fortalecer e reafirmar algumas identidades nacionais e locais ou
levar ao surgimento de novas posições de identidade” (WOODWARD: 2000, p. 21).
A complexidade da vida moderna exige que um mesmo sujeito assuma identidades
distintas, as quais podem ser conflitantes. A esta idéia, acrescenta-se que as práticas
sociais são simbolicamente marcadas. As identidades são “diversas e cambiantes” não só
nos contextos sociais em que são vividas, mas também nos sistemas simbólicos por meio
dos quais oferecemos sentidos a nossas próprias posições. Aqui podemos destacar a
importância que um telejornal local tem para a construção da identidade dos seus
telespectadores, uma vez que as informações e imagens por ele veiculadas constituem
sistemas simbólicos para sua região de abrangência.
Stuart Hall concorda com a idéia de que várias identidades podem ser assumidas por um
único sujeito. O autor criou o conceito do “sujeito pós-moderno” que, de maneira muito
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simplista4, afirma que sua principal característica reside em sua fragmentação: o sujeito
possui identidade(s) fluída(s) ou até mesmo divergentes. Determinantes biológicos e/ou
sociais não ganham relevância na constituição de certa identidade, ao contrário dos
determinantes históricos, nos quais o fator “tempo” é essencial, ou seja, é ao longo do
tempo que o sujeito constrói, desconstrói ou reconstrói sua identidade, reconhecendo que
há uma multiplicação dos sistemas de significação:
“A identidade torna-se uma “celebração móvel”, formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam (...) à medida que os sistemas de significação se multiplicam,
somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades
possíveis” (HALL: 1999, p.13 apud COUTINHO: 2006, p.3).
Quando o foco da discussão é a questão de uma identidade nacional, faz-se importante a
reflexão do quanto as culturas nacionais contribuem para a constituição da identidade
cultural e assumem significativa importância quando o sujeito se define em relação aos
outros. Assim, identidades regionais e étnicas são subordinadas à identidade nacional. As
emissões diárias das Redes de Televisão, de suas telenovelas e também telejornais
constituem a “narrativa de nação” (COUTINHO, 2006, p. 4), já que nelas percebemos a
perpetuação de uma herança cultural, a celebração de memórias do passado, além de
reforçar o desejo do povo brasileiro de viver em conjunto. Sob esse viés, Hall destaca que
o compartilhamento dos mesmos sons e imagens numa nação (no caso a nação
brasileira) constitui um dispositivo discursivo no qual a própria diferença é apontada como
unidade ou identidade (HALL: 1999, p. 62 apud COUTINHO: 2006, p.4).
Para compreendermos a construção de identidade humana é preciso acrescentar que
esse processo não se dá de forma natural nem se constitui apenas da experiência
humana. Segundo Zygmunt Bauman, a identidade nacional é um fruto que surgiu como
uma ficção e foi se concretizando através de forças coercivas e convincentes com as
quais certamente as emissoras de TV contribuíram.
O autor também destaca que a identidade nacional originada da “crise do pertencimento”
pode significar um grito de guerra, ou por outro lado
“Uma comunidade nacional coesa sobrepondo-se ao agregado de indivíduos do Estado
estava destinada a permanecer incompleta, mas eternamente precária – um projeto a
4
Stuart Hall acredita que ainda não há um conceito para identidade que seja completo e
incontestável.
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exigir uma vigilância contínua, um esforço gigantesco e o emprego de boa dose de força a
fim de assegurar que a exigência fosse ouvida e obedecida” (BAUMAN: 2005, p.27).
Bauman, assim como Hall, acredita que a busca pela(s) identidade(s) reside na já citada
“crise do pertencimento”. Essa busca seria feita predominantemente através dos meios de
comunicação,
que
atualmente
são
importantes
ferramentas
para
as
relações
interpessoais, mas com as quais devemos ser cautelosos: a “modernidade líquida”5 nos
dá liberdade para nos relacionarmos e nos desprendermos desse relacionamento de
maneira muito fácil, mas em compensação, pagamos o preço de ter que acompanhar a
velocidade do mundo moderno, assim como suas relações instáveis e passageiras
(BAUMAN: 2005, p.76,77).
Nosso desafio ao tentarmos identificar como um telejornal local pode constituir a
identidade da população juizforana é compreendermos essa identidade em meio à
multiplicação dos sistemas de significação e da “modernidade líquida”. A análise de
imagens e sons, assim como a análise do discurso do telejornal local nos fornecerá
suporte para o desdobramento de nossas questões.
Reflexões sobre TV Panorama e “juizforaneidade”
Observar se a programação local da TV Panorama aborda uma identidade juizforana é o
objetivo desta parte do texto. A TV Panorama, hoje com 26 anos, como a maioria das
afiliadas de grandes redes, transmite ao longo de sua grade material produzido pela
"cabeça de rede", no caso Rede Globo. Atualmente, a TV produz quatro programas
locais: MGTV primeira e segunda edição, que são diários; Panorama Revista e Panorama
Entrevista, programas semanais. Essa produção local por parte das afiliadas é prevista
em Lei.
O MGTV em suas duas edições, a primeira com 35 minutos e a segunda com 15,
apresentam os problemas da comunidade, que são expostos e debatidos com as
autoridades, através de links ao vivo com repórteres nas ruas, além de entrevistas de
estúdio e reportagens. Esse tipo de jornalismo segue a linha nacional da Rede Globo, o
que impede talvez um carácter mais local no formato do telejornal. O presidente da
Organização Panorama, Omar Peres em entrevista confirma que ao adquirir a filial é
preciso manter o padrão da Rede: “Na verdade eu comprei uma franquia do qual você se
5
Conceito criado por Bauman, no qual é praticamente impossível darmos formas definitivas a tudo,
já que somos dependentes de velocidade e mudança contínua.
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comporta com regras muito bem pré-estabelecidas. Você tem que atender essa franquia,
isto é, uma grade de programação que é rígida”.
Os repórteres e diretores da filiada também fazem cursos e recebem orientações da Rede
Globo. Uma das diretoras da TV Panorama, Regina Gaio afirma que é preciso manter um
padrão da Rede Globo em diversos aspectos da produção jornalística: “A gente tem que
manter um padrão... tem que ter um padrão de cenário, de visual de repórter, de ética
profissional. Então tem algumas regras básicas que você tem que seguir. Por exemplo:
todas as matérias devem ter um personagem, contando, exemplificando aquilo. Toda
matéria tem que ter variação de imagem e, se possível, de ambiente”.
Seguindo o padrão da Rede Globo, no MGTV 1ª Edição, o público pode participar de
quadros, como “Seus Direitos”, no qual um especialista no estúdio responde a dúvidas
enviadas pelos telespectadores por email ou telefone. Ao longo da história do MGTV local
a participação popular foi relevante, um exemplo de destaque foi o quadro “Seu bairro”, no
qual através de uma enquete eletrônica a comunidade podia votar qual era o melhor
serviço do bairro e qual a sua principal reivindicação. Essa interatividade do jornal com o
telespectador cumpre com o papel mobilizador que Dominique Wolton prevê na
comunicação local. “Em determinadas situações, a comunicação local, por influência do
rádio ou da televisão, pode ter um papel de mobilização e favorecer uma identidade”
(1996).
Apesar da TV Panorama alcançar com seu sinal 105 municípios de Minas Gerais,
abrangendo uma população de cerca de 1.920.162 (dados do Setor Comercial da Rede
Globo), no MGTV poucas são as matérias que abordam temas dessas cidades, sem ser
Juiz de Fora. Assim, uma boa parte da população não “sê vê na televisão”. Desta forma,
um dos sentidos de laço social, ou seja, de intermediação entre indivíduos,
desempenhado pela televisão, de acordo com Wolton, de ser “espelho da sociedade”, não
é exercido.
“A televisão como sempre dizemos, é o “espelho” da sociedade. Se ela é seu espelho,
isso significa que a sociedade se vê — no sentido mais forte do pronome reflexivo —
através da televisão, que esta lhe oferece uma representação de si mesma. E ao fazer a
sociedade refletir-se, a televisão cria não apenas uma imagem e uma representação,
mas oferece a todos aqueles que a assistem simultaneamente. Ela é, além disso, um dos
únicos exemplos em que essa sociedade se reflete. Permitindo que cada um tenha
acesso a essa representação”. (WOLTON, 1996. p. 124)
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O presidente Omar Peres justifica o fato das matérias não serem regionais devido à
dificuldade de locomoção da equipe, por causa das más condições das estradas da
região, e também ao alto custo de se fazer um jornalismo regional: “nós estamos limitados
como local. ... hoje não há mais estrada nessa região. Quando mandamos um carro para
fazer matéria em Leopoldina, o carro está quebrado na estrada. ... fazer jornalismo
regional é muito caro”.
Outro programa local é o Panorama Revista, veiculado na manhã de sábado. Saindo do
cunho jornalístico, é um programa de entretenimento que traz matérias de cultura de Juiz
de Fora e de algumas cidades da região. No programa são transmitidas reportagens
sobre comportamento infanto-juvenil e adulto, quadros fixos de música e moda, dicas de
decoração e culinária, além de artesanato, cinema e literatura. Talvez nesse programa
seja mais visível uma identidade local, por exemplo, ao veicular matérias de culinária
local, pratos típicos é estabelecido um reconhecimento com o que é transmitido.
A mais recente produção local é mais um programa jornalístico, o Panorama Entrevista,
lançado no ano passado, que vai ao ar no Domingo à noite. A apresentação é feita pela
jornalista e professora Cristina Musse, que juntamente com convidados recebe para uma
entrevista sempre uma personalidade de Juiz de Fora. O primeiro programa teve como
entrevistado o maior nome da política na cidade, o ex-Presidente da República, Itamar
Franco. A diretora do programa, Regina Gaio, afirma que o objetivo é dar oportunidade a
quem é destaque na cidade e região. (www.ipanorama.com).
Ter como convidado sempre uma personalidade da região pode retratar ao tempo em que
Juiz de Fora era a cidade de maior destaque do Estado. No final do século XIX e início do
século XX, a cidade desenvolveu o setor industrial chegando a receber o nome de
“Manchester Mineira”. Esse tempo áureo da cidade, que aproximou Juiz de Fora da
“modernidade”, fez com que se distanciasse cada vez mais das outras cidades mineiras.
O estado de Minas Gerais é conhecido muito pelo seu conservadorismo, pela sua cultura
barroca, pelo jeito “mineiro” de ser.
Ao entrevistar pessoas da cidade que tiveram
destaque nacional, o programa parece retomar este tempo no qual Juiz de Fora tinha
relevância no estado, perdido para a capital, Belo Horizonte. Essa diferença também pode
ser explicada pela posição geográfica da cidade, pelo fato de Juiz de Fora ser mais perto
de capital fluminense, Rio de janeiro (179Km), do que de Belo Horizonte(260Km). Assim,
a identidade reforçada no Panorama Entrevista é a da diferença da cidade em relação a
outras localidades mineiras. Wolton destaca que a história e a antropologia ensinaram
UNESCOM - Congresso Multidisciplinar de Comunicação para o Desenvolvimento Regional
São Bernardo do Campo - SP – Brasil - 9 a 11 de outubro de 2006 - Universidade Metodista de São Paulo.
que não existe identidade senão pela diferença (1996). A identidade e a diferença estão
interligadas, em uma relação de estreita dependência (SILVA, 2000, p. 74).
A apresentadora do programa, Cristina Musse em sua tese de doutorado aborda a
diferença de Juiz de Fora do resto do estado para constituir sua identidade.
“(...)diferenças concretas que marcaram a ocupação da região, diferenciando-a do
restante do estado de Minas Gerais e, em especial, revelando como a cidade, por não ter
compartilhado do sentimento barroco característico do período colonial mineiro, desta
forma, se afastou daquilo que se convencionou chamar de discurso da “mineiridade”, que
forja a sua narrativa, nos setecentos e oitocentos.” (MUSSE: 2006, p.46)
Assim, a construção da identidade do juizforano no programa Panorama Entrevista é feita
a partir da diferença, do cidadão que ganhou destaque nacional, diferente de outros do
estado. Juiz de Fora aparece como a cidade que produz talentos nacionais.
Em comemoração aos 25 anos da TV Panorama foi lançado um DVD, com entrevistas e
reportagens que fizeram parte da história da televisão local. No DVD a maioria das
reportagens é de resgate do patrimônio cultural da cidade. A TV reivindica a conservação
da história da cidade. Um exemplo è a matéria que aborda uma manifestação para a não
derrubada de um prédio histórico, na reportagem a TV se coloca como um lugar de
reivindicação de toda a cidade.
No DVD comemorativo aparecem pessoas de diferentes classes que expressam ter
orgulho da TV: “Eu me orgulho da TV Panorama”. Essa expressão é repetida por garis,
estudantes, esportistas, professores, artistas, entre outros. A TV Panorama aparece como
um lugar onde è construída e resgatada a identidade de Juiz de Fora. A TV se coloca
como um laço social, ou seja, um laço simbólico que interliga indivíduos de diferentes
comunidades e classes sociais de uma sociedade. Pessoas de diferentes bairros de Juiz
de Fora e diferentes classes são representadas e interligadas por meio da programação
jornalística da TV Panorama, que contribui ao construir relações de pertencimento com
seu público, contribui para a reafirmação da(s) identidade(s) local, que em Juiz de Fora,
tem um caráter plural e uma auto-imagem que valoriza sua
“vocação pioneira”, seu
caráter de vanguarda.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
BOURDIN, Alain. A questão local. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
UNESCOM - Congresso Multidisciplinar de Comunicação para o Desenvolvimento Regional
São Bernardo do Campo - SP – Brasil - 9 a 11 de outubro de 2006 - Universidade Metodista de São Paulo.
COUTINHO, Iluska. Telejornalismo e Identidade em Juiz de Fora: a (re) afirmação da
diferença na cobertura do Miss Brasil Gay.
MUSSE, Christina Ferraz. Imprensa, cultura e imaginário urbano: exercício de memória
sobre os anos 60/70 em Juiz de Fora. Tese de Doutorado. Escola de Comunicação da
UFRJ. Rio de Janeiro, 2006.
MAIA, Lívia. Desenvolvimento da TV em Juiz de Fora: um olhar sobre a TV Alterosa.
RODRIGUES, Flávio Lins. Identidade Regional nas vinhetas dos telejornais: uma análise
da representação visual na TV Panorama. Monografia apresentada ao Curso de
Comunicação Especialização em Globalização, Mídia e Cidadania da UFJF, 2006.
WOLTON, Dominique.Elogio do grande público:uma teoria crítica da televisão. São
Paulo:Ed. Ática, 1996.
SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. 4ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
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