RESUMO 19ªEXPANDIDO RAIB 232 172/129 OBSTRUÇÃO TOTAL DE INTESTINO DELGADO EM HIPPOPOTAMUS AMPHIBIUS A.L.B. Cunha1, F.S. Mendonça2, R.A. Oliveira3, M.B. Dias Filho4, J. Evêncio-Neto1, L. Baratella-Evêncio5 Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manoel de Medeiros s/no, CEP 52171-900, Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] 1 RESUMO Em zoológicos, freqüentemente, visitantes jogam nas jaulas dos animais os mais diversos artefatos. Este ato geralmente resulta em distúrbios digestivos nos animais, porque muitos deles vêm a óbito devido à ingestão de corpos estranhos. Foram relatados achados de necropsia num hipopótamo (Hippopotamus amphibius) que veio a óbito no Zoológico Municipal Melo Verçosa, situado no Município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil. À necropsia observou-se o intestino delgado bastante hemorrágico por toda a extensão mucosa e distensão gasosa, não havia estrangulamento ou encarceramento intestinal. Após a abertura e exame do intestino foi encontrado um caroço de manga de aproximadamente 7 x 6 cm que estava ocasionando a obstrução total do intestino delgado. À microscopia óptica observou-se que as alterações encontradas foram marcadas principalmente por distúrbios vasculares e decorrentes de processo isquêmico. PALAVRAS-CHAVE: Hipopótamo, obstrução intestinal, isquemia. ABSTRACT TOTAL OBSTRUCTION OF THE SMALL INTESTINE IN HIPPOPOTAMUS AMPHIBIOUS. In zoos, mainly in Brazil and other developing countries, visitors frequently throw a wide range of objects into the cages of the animals. These objects can lead to digestive disturbances in the animals. Many of them die due to the ingestion of these objects. The present article reports the findings of an autopsy on one hippopotamus (Hippopotamus amphibious) that died in the Melo Verçosa Municipal Zoo, located in the city of Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brazil. The autopsy revealed hemorrhaging along the entire extension of the small intestine, with gaseous distension, though there was no intestinal strangulation or imprisonment. Opening and examination of the intestine revealed a mango fruit fragment of approximately 7 x 6 cm that was causing the total blockage of the small intestine. By light microscopy it was seen that the alterations observed were characterized mainly by vascular disturbances deriving from an ischemic process. KEY WORDS: Hippopotamus, intestinal obstruction, ischemia. INTRODUÇÃO As espécies de hipopótamos, do Nilo ou hipopótamo comum (Hippopotamus amphibious) e o hipopótamo pigmeu Hexaprotodon (Choeropsis liberiensis), são considerados como descendentes primitivos de animais pré-históricos da Europa, África e parte da América do Norte (CORBET, 1969; LAROUSSE, 1997). O hipopótamo comum é um dos maiores mamíferos terrestres, chegando a medir cinco metros de comprimento e 1,5 m de altura (no ombro) (RODRIGUES, 1979). Seu peso varia de 3 a 4,5 toneladas. Pertencente a família Hippopotamidae, esta espécie ocorria originalmente em toda a África ao sul do Saara. Alimentam-se de ervas e caules e, apesar de possuir 4 câmaras estomacais, o hipopótamo é conside- Universidade de Cuiabá, Cuiabá, MT, Brasil. Parque Dois Irmãos, Recife, PE, Brasil. 4 Zoológico Melo Verçosa, Vitória de Santo Antão, PE, Brasil. 5 Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas, Recife, PE, Brasil. 2 3 Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.232-235, 2006 233 19ª RAIB rado um pseudo-ruminante, cujo trato estomacal possui a seguinte organização: dois divertículos como extensão do esôfago, com papilas (similar ao rúmen), o terceiro compartimento com papilas cilíndricas e o quarto compartimento glandular (THOMPSON & WIRZHLAVACEK, 1996). A fermentação do alimento ocorre em todo trato estomacal, que contém uma diversa fauna ciliar. O restante do trato gastrintestinal é similar ao de outros herbívoros, exceto por não haver a presença do ceco. Um estudo internacional sobre doenças em hipopótamos revelou que desordens digestivas (obstrução) ocorrem ocasionalmente. Entretanto, os sintomas desaparecem sem tratamento dentro de dois a três dias. Em alguns casos os animais recuperam-se após a terapêutica com antibióticos e espasmolíticos (FOWLER, 1993). Em zoológicos, freqüentemente, visitantes jogam nas jaulas dos animais os mais diversos artefatos. Esse ato geralmente resulta em desordens digestivas e até óbito devido à ingestão de corpos estranhos. Esses dados foram obtidos de vários relatos de necropsia desta e de outras espécies mantidas em cativeiro. Objetivou-se relatar os achados de necropsia encontrados no hipopótamo do Zoológico Melo Verçosa, visando demonstrar a importância do manejo adequado desses animais em zoológicos e a importância da educação ambiental. Espera-se alertar os profissionais ligados à área de animais silvestres e exóticos e a sociedade em geral visando à melhoria da saúde e bem estar animal. MATERIAL E MÉTODOS O presente trabalho descreve um caso de obstrução em um hipopótamo, pertencente ao Zoológico Municipal Melo Verçosa, Vitória de Santo Antão, PE, do sexo feminino, com 2 anos de idade e pesando aproximadamente 800 kg. Sua dieta era constituída por capim planta, capim elefante e ração eqüina. Durante o procedimento de inspeção do animal foi observada uma mudança de comportamento, com movimentos lentos. O animal apresentava anorexia e apatia. Também foi observada a ausência de fezes no recinto. Na inspeção da cavidade oral não se evidenciaram alterações. Não foram notadas alterações externas, como distensão abdominal. O animal foi medicado com 100 mL de óleo mineral (laxante) por via oral, 20 mL de Buscopam composto (anti-espasmódico) (N-metilbrometo de hioscina, dipirona) por via oral e um frasco de enrofloxacina de 50 mg/VO. A necrópsia foi realizada de acordo com a técnica convencional, como se pode observar na Figura 1. Fig. 1 - Necropsia em hipopótamo. Abertura da cavidade abdominal e observação in situ dos órgãos da cavidade. Após avaliação macroscópica do órgão e tecidos, foram coletados fragmentos representativos das alças intestinais afetadas e em seguida realizou-se a fixação em solução de formalina a 10%. Após estes procedimentos, os fragmentos foram desidratados em álcool etílico em concentrações crescentes, diafanizados pelo xilol, impregnados em parafina líquida em estufa regulada à temperatura de 59° C e incluídos em blocos de parafina. Os blocos foram cortados em micrótomo do tipo Minot, ajustado para 5 micrômetros. Os cortes assim obtidos foram transferidos para lâminas previamente untadas com albumina de Mayer e mantidos em estufa regulada à temperatura de 37° C, durante 24h para secagem e colagem. Em seqüência, os cortes foram submetidos à técnica de coloração pela hematoxilina-eosina (H.E), para posterior análise morfológica em microscópio de luz RESULTADOS E DISCUSSÃO Na medicina veterinária de pequenos animais, já foi bem relatada a obstrução intestinal do cão. Algumas vezes, o intestino fica completamente obstruído por corpos estranhos, como bolas de borracha, bico de mamadeira e os mais diversos caroços. No gato essas obstruções são causadas por piloconcreções. Hérnias estranguladas, habitualmente umbilicais ou escrotais, podem causar obstrução completa em qualquer espécie e são mais freqüentes em cavalos e suínos. O longo intestino do cavalo está sujeito à obstrução devido a acidentes gerados por sua tortuosidade e pelo comprimento do mesentério que suspende este órgão (JONES et al., 2000). Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.232-235, 2006 234 19ª RAIB Fig. 2 - Imagem macroscópica de um caroço de manga encontrado no intestino delgado de um hipopótamo comum. Em hipopótamos, os acidentes digestivos ocorrem de forma similar, também devido ao comprimento deste órgão (FOWLER, 1993). Os distúrbios gerados podem ser torções, que consistem num giro em torno do próprio eixo, ou vólvulos, em que a alça intestinal penetra numa laceração do mesentério, ou outra anormalidade similar (JONES et al., 2000). As manifestações e as conseqüências clínicas das obstruções dependem de sua localização, da gravidade da obstrução e sua duração, bem como da integridade vascular do segmento intestinal afetado (FURTADO et al., 1997). Quanto mais proximal e completa a obstrução, mais agudos e severos os sinais e maior a probabilidade de desidratação, desequilíbrio eletrolítico e choque. (SHERDING et al., 1998). Pode-se observar, nos animais afetados, início de vômito, anorexia e depressão. Segundo SHERDING et al. (1998), esses são os sinais clínicos mais consistentes. Outros sinais podem incluir distensão abdominal, diarréia aquosa, hemorrágica ou melena, dor abdominal (inquietação, estado ofegante ou postura corporal anormal) e colapso agudo (SHERDING et al., 1998). Os relatos de SHERDING et al. (1998) corroboram com os dados clínicos descritos no presente trabalho. Observamos que o hipopótamo apresentava letargia, anorexia, dor abdominal, febre e constipação intestinal. Em pequenos animais, nos caos de obstruções intestinais, SHERDING et al. (1998) instituíram uma terapia de suporte, especialmente na manutenção da homeostasia hídrica e eletrolítica, mas relataram que o tratamento deve ser cirúrgico. Em hipopótamos, a realização do procedimento cirúrgico é limitada, devido às complicações anestésicas e principalmente dadas às dificuldades diagnósticas e sintomas inespecíficos. No presente caso foi instituída uma terapia antimicrobiana, analgésica e laxativa. O animal não respondeu ao tratamento e veio a óbito no décimo dia após iniciada a terapêutica. Na necropsia foi possível observar na porção glandular do estômago, hemorragia em toda a mucosa, com presença de conteúdo alimentar e um corpo estranho, posteriormente identificado como um saco plástico. Observou-se que o corpo estranho estomacal causava apenas compressão e irritação gástrica, não impedindo a passagem do alimento para o intestino. O intestino delgado encontrava-se bastante hemorrágico por toda sua extensão serosa e mucosa, e havia distensão gasosa, não havia estrangulamento ou encarceramento intestinal. Após a abertura e exame do intestino foi encontrado um caroço de manga de aproximadamente 7 x 6 cm que estava ocasionando a obstrução total do intestino delgado (Fig. 2). À microscopia óptica de luz, observou-se que as alterações encontradas foram marcadas principalmente por distúrbios vasculares, como a congestão. As vilosidades intestinais estavam degeneradas, curtas, demonstrando alterações nas células das criptas e necrose, decorrentes de distúrbio do fluxo vascular e anóxia/hipóxia. Problemas relacionados ao sistema digestivo são os que ocasionam maiores danos aos hipopótamos, podendo levá-los a morte. Com cuidados veterinários e manejo adequado, esses animais dificilmente irão apresentar algum problema no sistema digestivo. CONCLUSÕES Diante do exposto e baseado na literatura consultada, conclui-se que os distúrbios decorrentes da obstrução total de um seguimento do intestino delgado em hipopótamo comum se assemelham macroscopicamente e microscopicamente aos distúrbios descritos em animais domésticos. Estas alterações são marcadamente vasculares e decorrentes de um processo isquêmico. REFERÊNCIAS CORBET, G.B. The taxonomic status of the pygmy hippopotamus, Choeropsis liberiensis, from the Niger Delta. Journal of Zoology, v.1958, p.387-394, 1969. SHERDING, R.R. & JOHNSON, S.E. Doença dos intestinos. In: BICHARD, S.J. (Ed.). Manual Saunders: clínica de pequenos animais. São Paulo: Rocca, 1998. p.801802. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.232-235, 2006 19ª RAIB JONES, C.T.; HUNT, R.D.; KING, N.W. Sistema digestivo. In: JONES, C.T.; HUNT, R.D.; KING, N.W. (Eds.). Patologia veterinária. 6.ed. São Paulo: Manole, 2000. p.1099-1100. T HOMPSON , S.D. & W IRZ -H LAVACEK , G. Pygmy hippopotamus (Hexaprotodon liberiensis). In Annual Report on Conservation & Science, 121-122. Wheeling: American Zoo and Aquarium Association, 1996. FOWLER, M.E. Zoo & wild animal medicine. Saunders: Current Therapy 3, 1993. FOWLER , M.E. & MILLER, R.E. Zoo & Wild Animal Medicine. 5.ed. Saunders, 2003. LAROUSSE. Enciclopédia da Vida Selvagem, Animais dos Rios I. Altaya, 1997. FURTADO, D.B.; VEADO, B.V.E.; WWIELOCH, D.R. Cadernos da Fundação Zôo-Botânica, I In: Animais de Zoológicos. Belo Horizonte: Fundação Zôo-Botânica de Belo Horizonte, 1997. RODRIGUES, D.F. A fauna, vida e costumes dos animais selvagens. São Paulo: Salvat Editora do Brasil, 1979. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.232-235, 2006 235