ID: 30378758 29-05-2010 | Fugas Tiragem: 50458 Pág: 28 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 26,09 x 34,01 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 6 A manhã estava chuvosa e um pouco fria, mas a excursão de austríacos que acabara de chegar à Quinta de Gomariz, em Sequeirô, Santo Tirso, não parecia muito preocupado com o clima. Depois de olharem fugazmente as instalações, guiados pelo enólogo António Sousa e por um jovem alemão radicado em Portugal há alguns anos, os visitantes desceram até à nova ala da adega e atiraram-se aos aperitivos e aos vinhos. Cerca de uma hora depois, saíam sorridentes e impressionados com a limpeza da adega e a qualidade dos Loureiro, Alvarinho e Espadeiro que tinham acabado de beber. Manuel Sá, o proprietário da quinta, assistira à visita um pouco à distância, meio tímido, sem saber muito bem que grupo era aquele. O empresário até está habituado a receber estrangeiros, mas não é na vinha e na adega. O seu negócio, a área onde se movimenta à vontade, é a fabricação de máquinas para a indústria têxtil. “O homem é um engenhocas”, diz um amigo. Manuel Sá tem apenas a quarta classe, mas é ele que concebe a maquinaria que vende um pouco por todo o mundo, da Índia ao Brasil. Há 10 anos, alguém lhe disse que a Quinta de Gomariz estava à venda. Foi ver, gostou e “numa semana fez-se o negócio”, recorda. Pouco tempo depois, arrependeuse. A “brincadeira” era pesada demais e nunca imaginou que criar uma marca “custasse tanto”. Até aí, Manuel Sá era um produtor igual a tantos outros que existem no Minho. “Tinha umas videiras junto à fábrica e outras perto da minha casa e ia fazendo um vinhito dali para beber com os amigos”, conta. Foi o suficiente para lhe tomar o gosto e resistir à tentação de vender a Quinta de Gomariz pouco tempo depois de a ter comprado. Em vez de desistir, resolveu ir em frente e investir cada vez mais. Em 2001 e 2002, reestruturou as vinhas. Em 2005, fez o primeiro vinho. Pelo meio, foi remodelando e aumentando as instalações de vinificação. Hoje, para uma vinha de 10 hectares, possui uma das mais modernas adegas da região, com muito equipamento original, fabricado pelo próprio. O que começou como um “hobby”, acabou por virar “um negócio”, resume. O empresário nem quer fazer contas ao já gastou. O que o anima são os vários prémios que os seus vinhos receberam nos últimos anos (expostos orgulhosamente num móvel também desenhado por si) e a crescente notoriedade da marca. Hoje, a Quinta de Gomariz PAULO PIMENTA já produz cerca de 200 mil garrafas e Manuel Sá, além de tencionar investir no enoturismo, espera crescer ainda um pouco mais. Do Minho para a Austrália Na quinta do Ameal, em Refoios do Lima, Ponte de Lima, passase o contrário. A quinta, com 12 hectares, já produziu 80 mil garrafas, agora engarrafa apenas 50 mil. “Mas nunca os vinhos foram tão bons”, assegura Pedro Araújo, o proprietário. A diminuição foi a consequência natural da aposta, há três anos, na agricultura biológica, uma ousadia para a região dos Vinhos Verdes, muito húmida e atreita a pragas como míldio e o oídio. Pedro Araújo não está arrependido. “A qualidade dos vinhos melhorou. Os vinhos estão mais puros. A colheita de 2009, por exemplo, é a melhor que já alguma vez tivemos”, diz. O consumidor nunca esteve tão receptivo como hoje a vinhos provenientes de agricultura biológica (não a vinhos biológicos), sobretudo em alguns mercados externos. E a Quinta do Ameal já exporta 60 por cento da sua produção. O seu principal mercado é a Austrália. “Nunca imaginei”, reconhece Pedro Araújo. Críticos influentes como Robert Parker atribuem regularmente classificações acima dos 90 pontos (em 100 possíveis) aos vinhos da Quinta do Ameal, que têm integrado também as últimas escolhas dos 50 melhores vinhos portugueses do ano elaboradas por especialistas britânicos convidados pela Viniportugal. A Quinta do Ameal existe desde 1850, mas só está na posse da família de Pedro Araújo há cerca de 20 anos. Os edifícios existentes, a começar pela adega, são singelos e o que mais cativa é a dimensão e beleza de algumas árvores e o imenso escol de plantas que povoam as áreas mais sociais da propriedade. É um ambiente algo decadente mas charmoso e romântico. O mais importante é mesmo a vinha. E a aposta foi desde o início para a casta Loureiro, que tem no vale do Lima o seu melhor “terroir”. Manuel Sá e Pedro Araújo representam as duas faces do sucesso actual da região dos Vinhos Verdes no mercado externo. No mercado interno, os últimos meses têm sido de queda (ver caixa ao lado). O primeiro faz parte do grupo dos produtores emergentes, que inclui, entre outros, a Quinta de Linhares (Marco de Canavezes), Quinta do Regueiro (Melgaço), c As duas faces de uma região de sucesso no estrangeiro A região dos Vinhos Verdes está em alta na exportação, beneficiando da apetência do consumidor actual pelos vinhos mais frescos e de baixo volume alcoólico e também do dinamismo e inovação de alguns produtores. Mas o sucesso não tem a mesma cara, como constatou Pedro Garcias (texto) PAULO PIMENTA Vinhos Verdes 29-05-2010 | Fugas Pág: 29 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 26,22 x 33,95 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 6 PAULO PIMENTA ID: 30378758 Tiragem: 50458 Quinta do Ameal Fugas • Sábado 29 Maio 2010 • 29 ID: 30378758 29-05-2010 | Fugas Tiragem: 50458 Pág: 30 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 26,28 x 33,95 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 6 Vinhos Verdes Quinta das Touquinheiras (Melgaço), Navarros (Baião), Casal do Paço Padreiro (Ponte de Lima), Garantia das Quintas (cabeceiras de Basto) e Quinta da Raza (Celorico de Basto). O segundo faz parte dos clássicos (apesar de alguns terem ainda uma história relativamente curta), juntamente com produtores como a Quinta do Soalheiro, a Casa de Cello e Anselmo Mendes (noutro patamar, de muito maior volume, situam-se algumas adegas cooperativas como a de Monção e empresas como a Sogrape ou a Aveleda). Os vinhos de Manuel Sá chegam às garrafeiras a preços que variam entre os 3,95 euros (Loureiro) e os 5,5 euros (Alvarinho), os do Ameal situam-se entre os 6 euros (Loureiro) e os 12 euros (Escolha Loureiro). Os vinhos da Quinta de Gomariz são refrescados com um pouco de gás carbónico, os da quinta do Ameal têm apenas gás natural. O primeiro faz vinhos verdes típicos, o segundo gosta de dizer que faz vinhos brancos na região dos Vinhos Verdes. Pedro Araújo reconhece que a marca “Vinho Verde” é fortíssima, mas também muito inibidora. “Se estivesse no Douro, os meus vinhos poderiam ser vendidos a um preço muito melhor”, diz. Mesmo assim, os seus vinhos são dos mais caros do Minho. É verdade que, à excepção do Alvarinho, o Vinho Verde ainda continua muito preso à imagem de um vinho leve, gaseificado e barato. Mas o potencial da região para fazer grandes brancos é enorme, não há outra igual no país, e permite aspirar a preços melhores. Hoje, o preço médio por litro de vinho verde para exportação é de apenas 2,2 euros. “Subir o preço é a nossa grande batalha”, reconhece Manuel Pinheiro, o presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Só que isso requer também um aumento da qualidade do vinho e não é de um dia para outro que se acaba com uma visão enológica tão arcaizante como a que ainda subsiste no Minho. De resto, o conceito de viticultura moderna é ainda relativamente recente na região do minifúndio. Veja-se o caso da Quinta do Soalheiro. João António Cerdeira, o criador do vinho, foi o primeiro produtor de Melgaço a plantar uma vinha contínua em Melgaço. Corria o ano de 1974. Na altura, só havia na sub-região do Alvarinho quatro produtores (hoje são cerca de 40). Cerdeira quis inovar, mas acabou por ser multado, porque nessa época só era permitido fazer vinhas em bordadura. “Paguei 2,5 escudos por cada videira”, recorda, sorridente. Quinta do Ameal “As pessoas esquecem-se que o vinho vem de plantas. A maioria dos produtores trata as vinhas como se fossem fábricas de uvas, e as videiras reagem mal”. É assim que Pedro Araújo gosta de explicar as virtudes da agricultura biológica e justificar por que razão os vinhos da Quinta do Ameal deixam transparecer na prova uma pureza e frescura formidáveis. São vinhos que cheiram e sabem a campo, muito minerais e com a fresquidão característica do Minho. Quando há cerca de 20 anos o pai de Pedro Araújo comprou a Quinta do Ameal, depois de a família ter vendido ao grupo Roderer a empresa Adriano Ramos Pinto (Pedro é descendente do fundador), não tinha ideias claras sobre que vinhos fazer. Mas, estando a propriedade situada mesmo junto às margens do rio Lima, a aposta acabou naturalmente por recair na casta Loureiro, que atinge naquele vale minhoto a sua maior expressão aromática e gustativa. Os vinhos que tornaram a quinta famosa são o Ameal Loureiro (seis euros) e o Ameal Escolha, também de Loureiro (12 euros), dois grandes vinhos em qualquer parte do mundo. O primeiro passa apenas pelo inox e impressiona pelo seu perfume floral e mineralidade, o segundo estagia durante alguns meses em madeira (sobretudo usada) e é um pouco mais complexo e gastronómico. Têm ainda a virtude de serem longevos. O Ameal Escolha de 2001, por exemplo, está soberbo e ainda com muita vida pela frente. A única casta alternativa é o Arinto, que em certas colheitas pode gerar um vinho monovarietal mas que é usada sobretudo para espumante. Mas não um espumante qualquer. A ideia é fazer um vinho de estágio prolongado, com aromas mais evoluídos e notas de pão torrado e brioche, na linha dos bons champanhes. Mas esse não é perfil da região, pelo que o vinho (o último a ser comercializado é de 2002 e custa 20 euros) teve que ser desclassificado e aprovado como vinho de mesa. Pedro Araújo vive, de resto, em permanente rota de colisão com a Comissão de Viticultura ID: 30378758 29-05-2010 | Fugas Tiragem: 50458 Pág: 31 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 15,71 x 33,95 cm² Âmbito: Informação Geral ADRIANO MIRANDA Corte: 4 de 6 ADRIANO MIRANDA Dez anos sempre a subir no mercado externo da Região dos Vinhos Verdes, em especial com o seu presidente, Manuel Pinheiro. Mas isso não o tem impedido de continuar a fazer experiências com as castas regionais. A última foi a elaboração de um vinho doce da colheita de 2007 (apenas 500 garrafas de 50cl), que deverá sair brevemente para o mercado com o nome de “Special harvest” (30 euros cada garrafa) e classificado também como vinho de mesa. É uma espécie de “Passito” minhoto, que resultou da As exportações de Vinho Verde atingiram em 2009 o seu máximo de sempre. Ao todo, foram vendidos 13,5 milhões de litros, o correspondente a cerca de 30 milhões de euros. Desde o ano de 2000 que as vendas para o mercado externo têm vindo a subir de forma consecutiva. Em nove anos, a região aumentou as vendas em quase seis milhões de litros, estando representada em mais de 250 países. Estes resultados, sobretudo os obtidos nos últimos dois anos, não deixam de ser surpreendente, face à crise económica e financeira mundial. O dado mais surpreendente vem dos Estados Unidos, que é o principal destino do Vinho Verde (seguem-se a Alemanha e a França) e que, em 2009, subiu quase 20 por cento. Este é o lado bom das estatísticas. O lado mau prende-se com o baixo preço a que o vinho ainda é vendido e com o fraco desempenho no mercado nacional. Oitenta por cento da produção ainda é vendida em Portugal e no segundo semestre de 2009 e nos primeiros meses deste ano as vendas entraram numa curva descendente. Em Março, esta tendência inverteu-se e as expectativas para o resto do ano são agora melhores. Actualmente, o mercado nacional continua a ser dominado pelo Alentejo, com uma quota de 33,6 por cento, logo seguido pela região dos vinhos verdes, com 19,7. Em terceiro lugar surgem os vinhos de mesa, com 17,3 por vento das vendas. P.G. secagem de uvas colhidas na época normal de vindima. Com aromas que lembram os bolos de mel madeirenses e uma acidez muito viva, é um vinho magnífico que certamente vai dar que falar. Quinta de Gomariz Com uma área contínua de 11,5 hectares, a Quinta de Gomariz está virada a sul e encontra-se bem protegida de norte, o que explica a boa maturação que as uvas atingem, apesar da extrema fertilidade dos solos. Apenas dispõe de castas regionais e está no mercado com seis vinhos: os monocastas Loureiro, Alvarinho, Vinhão Espadeiro e c ID: 30378758 29-05-2010 | Fugas Tiragem: 50458 Pág: 32 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 26,22 x 33,95 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 5 de 6 Vinhos Verdes PAULO PIMENTA Padeiro, um rosé de Padeiro e Espadeiro e um branco grande escolha de Alvarinho e Trajadura. Brevemente, vai lançar um novo vinho, feito de Avesso, uma das castas da moda na região. Nos últimos anos, alguns destes vinhos têm arrebatado vários prémios nos concursos promovidos pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes e em diversos concursos internacionais. A última distinção foi uma medalha de ouro para o Quinta de Gomariz Grande Escolha no recente Concurso Mundial de Bruxelas, que se realizou na Sicília. Em termos gerais, são vinhos que se encaixam no perfil clássico da região, mas com muito melhor afinamento, destacando-se pela sua mineralidade e exuberância aromática. De todos, merecem um destaque especial o Loureiro, o Grande Escolha e o Avesso. Anselmo Mendes É o grande enólogo da região e um dos melhores do país. Licenciado em Engenharia Agro-Industrial e com pós-graduação em Enologia, dá apoio a vários produtores minhotos bem sucedidos, como são os casos da Quinta do Ameal, Casa de Cello, Casa de Vila Verde, Provam e Quinta das Touquinheiras, entre outros, e faz os seus próprios vinhos, em Melgaço, apesar de ser natural de Monção. O prestígio de que goza actualmente o vinho Alvarinho e a recuperação de algumas castas regionais que tinham perdido fulgor, como o Loureiro, o Avesso e até o Alvarelhão, este para espumantes, devem-se, em boa parte, ao seu trabalho. Com consultorias em quase todas as regiões do país, Anselmo Mendes é um minhoto muito ligado à terra e ao vinho e respeitador dos saberes ancestrais, a que tem acrescentado uma boa dose de modernidade. Foi um dos primeiros a usar madeira na fermentação de Alvarinho e foi também um dos primeiros a recuperar a prática dos vinhos de curtimenta (a fermentação do mosto é feita em contacto com a películas das uvas), verdadeira ousadia nos dias de hoje para um Vinho Verde. Produz diversos vinhos, mas os seus Muros de Melgaço, Muros Antigos e Contacto, todos da casta Alvarinho, são do melhor que se faz na região, em especial o primeiro, um dos grandes brancos portugueses. Soalheiro As primeiras vinhas de Alvarinho da Quinta do Soalheiro, em Alvaredo, Melgaço, só foram plantadas em 1974, mas ninguém MARCO MAURICIO diria, tal é a notoriedade da marca Soalheiro. O que explica o enorme sucesso deste vinho é, desde logo, a sua qualidade e a constância que tem conseguido manter ao longo dos anos. Mais surpreendente ainda é o tamanho da propriedade: apenas sete hectares. Para fazer face à procura, a família Cerdeira tem mais sete hectares arrendados e compra uvas para o Soalheiro clássico (custa cerca de seis euros), o vinho de maior volume e que, ano após, ano, tem conseguido manter um nível de qualidade surpreendente, embora as últimas colheitas revelem um perfil talvez demasiado tropical. Luís Cerdeira, enólogo e filho do proprietário, é hoje o rosto desta empresa familiar que também aderiu à agricultura biológica. Em 2006, Luís desafiou Dirk Niepoort a fazer com ele um Alvarinho com madeira. Dirk aceitou o desafio e fez um vinho quase todo fermentado em inox (apenas 15 por cento do lote fermentou em barricas usadas). Foi assim que, no ano seguinte, nasceu o Soalheiro Primeiras Vinhas (cerca de 11 euros), um Alvarinho verdadeiramente excelso, bastante inebriante de aroma, rico, fresco, elegante e longo, feito com uvas das vinhas mais antigas da quinta. É um vinho que, pode dizer-se, faz a ponte entre o Soalheiro Para Manuel Pinheiro, subir o preços dos Verdes é a grande batalha da Comissão de Viticultura clássico (fermentado em inox) e o Soalheiro Reserva (perto de 20 euros), o topo de gama da casa e que fermenta totalmente em madeira. Três vinhos que, de forma diferente, espelham o melhor da casta Alvarinho e a sua grande capacidade de envelhecimento. O portefólio da quinta inclui ainda um espumante de Alvarinho e uma aguardente bagaceira velha. ID: 30378758 29-05-2010 | Fugas Tiragem: 50458 Pág: 3 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 20,77 x 3,50 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 6 de 6 Verdes As características únicas dos vinhos do noroeste estão a ganhar protagonismo cá dentro e nos mercados externos. Pedro Garcias visitou alguns dos produtores mais reputados dos vinhos Verdes e deixa pistas para se perceber melhor a razão pela qual muitas das suas marcas estão na moda.