UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
André Jefferson Marinho dos Santos
COMO FUNDAMENTAR OS NÚMEROS NATURAIS DO PONTO DE
VISTA DA APLICAÇÃO
Cuiabá/MT
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
André Jefferson Marinho dos Santos
COMO FUNDAMENTAR OS NÚMEROS NATURAIS DO PONTO DE
VISTA DA APLICAÇÃO
Cuiabá/MT
2009
André Jefferson Marinho dos Santos
COMO FUNDAMENTAR OS NÚMEROS NATURAIS DO PONTO DE
VISTA DA APLICAÇÃO
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação / Instituto de
Educação/ Universidade Federal de Mato Grosso,
como parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Educação na Área de concentração:
Educação em Ciências.
Orientador Prof. Dr. Michael Otte.
Cuiabá - MT
2009
S194c
SANTOS, André Jefferson Marinho dos.
Como fundamentar os números naturais do ponto de vista da
aplicação. / André Jefferson Marinho dos Santos – Cuiabá (MT): O
Autor, 2009.
223 p.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Michael Friedrich Otte.
Inclui bibliografia.
1. Números naturais. 2. Teoria dos conjuntos e axiomática. 3.
Peano. 4. Frege e Russell. I. Título.
CDU: 37:511.11
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, minha querida mãe Selomita e pai Jorge, minha
amada mulher Maria Betânia, meus adoráveis filhos Vinícius e Lucas Marinho, irmãos Jorge e
Barbara Marinho, e demais familiares Maria Ana, João Leopoldino, Manoel, Marcos, João,
Marinalva, Eliza, Josefa, Lúcia e Júlio, em especial pela dedicação e apoio em todos os
momentos difíceis. Ao meu orientador Prof. Dr. Michael Otte, que ampliou minha noção do
ofício de professor.
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, pela oportunidade de realização de
trabalhos em minha área de pesquisa.
Aos amigos: Prof. Dr. Sérgio de Paula, Profa. Dra. Gladys, Prof. Dr. Benedito,
Humberto Clímaco, Isabella, Evilázio Arruda, Valquíria, Denes Martins, Alexandre Corrêa
Lima, Josoé Moreira, Walter, Carlos André Sena, Cezar Nonato e Evelyne Lucena.
RESUMO
Os números naturais podem ser entendidos por meio de dois pontos de vistas: Axiomática e
Teoria dos Conjuntos. Ambos os pontos de vistas representantes modernos do que compõe os
conceitos matemáticos. O número é um conceito. E, por isso, possui componentes
intensionais e extensionais. A Teoria dos Conjuntos é legítimo representante da forma
extensional do conceito de número, enquanto a Axiomática de Peano representa
intensionalmente os números. Do ponto de vista da aplicação podem ser obtidos por meio de
contagem ou da medida. Estas atividades são ao mesmo tempo teóricas e práticas. Ora referese aos objetos, ora aos conceitos dos objetos. Refere-se aos objetos da medição, ora à
medição. Estes componentes são percebidos em circularidade. Portanto, podemos encontrar
na
medição
uma
complementaridade.
Compreender
a
medição
por
meio
da
complementaridade, conceito trazido em pauta de discussão por Michael Otte, é levar uma
nova luz sobre um tema tão importante como números e medição; conceitos recorrentes da
aplicação e ensino da Física e Matemática.
Palavras-chaves: Números naturais. Teoria dos Conjuntos e Axiomática. Peano, Frege e
Russell. Complementaridade de Michael Otte.
ABSTRACT
Natural numbers may to be understood by means of two points of view: Axiomatic and Set’s
Theory. Both are modern representatives than consist the concepts. Number is a concept. And,
therefore, has intensional and extensional components. Set’s Theory is genuine representative
of extensional form of the number’s concept, while Peano’s Axiomatic represent the
extensional form of numbers. Of the point of view of application may to be gained either by
means of counting or measuring. These activities are at the same time theoretical and practice.
Either one refer to the objects, or to the objects’ concepts. Either one refer to the
measurement’s objects or to the measurement. Theses components are perceived in circularity.
Therefore, we may to meet in the measurement a complementarity. To understand the
measurement by means of complementarity, concept introduced by Michael Otte, is to take a
new light on a so important subject as numbers and measurement, recurrent concepts of the
application and teaching of Physics and Mathematics.
Keywords: Natural numbers. Set’s Theory and Axiomatic, Peano, Frege e Russell.
Michael Otte’s Complementarity.
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................................. 12
1 MEDIDA E CONTAGEM................................................................................................. 15
1.1 A medição.......................................................................................................................... 15
1.2 Grandeza .......................................................................................................................... 18
1.3 Proporções, quantidades e grandezas............................................................................ 19
1.4 Unidades............................................................................................................................ 29
1.4.1 A origem da Escala de Temperatura Celsius.............................................................. 31
1.5 Teoria da medida.............................................................................................................. 32
1.6 Medida e teoria relacional............................................................................................... 37
1.7 Medida: discreta ou analógica?...................................................................................... 40
1.8 A contagem ....................................................................................................................... 47
1.9 Conclusões........................................................................................................................ 49
2 A COMPLEMENTARIDADE DE MICHAEL OTTE................................................... 50
2.1 Complementaridade........................................................................................................ 50
2.2 Extensão e Intensão.......................................................................................................... 52
2.3 Função............................................................................................................................... 55
2.4 Complementaridade dos números.................................................................................. 56
2.5 Teoria vs Prática - Kirchhoff vs Voltímetro................................................................... 61
2.6 Relatividade e complementaridade................................................................................ 65
2.7 A medida e a relatividade................................................................................................ 68
2.8 Conclusões........................................................................................................................ 72
3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DOS NÚMEROS......................................................... 73
3.1 A axiomática..................................................................................................................... 74
3.2 A axiomática de Euclides................................................................................................. 75
3.3 Aplicação da axiomática euclidiana............................................................................... 83
3.4 A Geometria Não-Euclidiana.......................................................................................... 87
3.5 Grassmann........................................................................................................................ 93
3.5.1 Grassmann: conceito de vetor...................................................................................... 96
3.6 Conclusões.......................................................................................................................100
4 TEÓRICOS MODERNOS DOS NÚMEROS........................................................................102
4.1 Peano................................................................................................................................102
4.2 Conceito de número natural...........................................................................................105
4.3 Russell e Peano................................................................................................................119
4.4 Era Peano um logicista?.................................................................................................121
4.5 Introdução a filosofia da matemática............................................................................124
4.6 A definição de número por Russell ...............................................................................127
4.7 A definição de número por Frege..................................................................................135
4.8 Conclusões.......................................................................................................................137
5. EXEMPLOS DE APLICAÇÕES DOS NÚMEROS......................................................138
5.1 Aplicações dos números..................................................................................................138
5.2 Aplicações dos números na ciência................................................................................138
5.3 Os números na Física, e relações entre Matemática e Física..................................... 141
5.4 Os números enquanto quantidade, a experiência de Galileu..................................... 143
5.4.1 Quantificação da natureza por Galileu..................................................................... 144
5.4.2 O espaço, tempo, grandezas e unidades.....................................................................147
5.4.3 Galileu, modelos físicos e números.............................................................................153
5.4.4 Instrumentos e experiência em Galileu......................................................................159
5.4.5 Relações entre a matemática e a realidade................................................................163
5.5 O número enquanto aplicação.......................................................................................165
5.5.1 Números, algoritmos e homens...................................................................................167
5.5.2 O contador digital....................................................................................................... 171
5.5.3 Velocímetro digital.......................................................................................................177
5.5.4 Esteira industrial..........................................................................................................185
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................188
7. Referências Bibliográficas................................................................................................190
8. Anexo..................................................................................................................................196
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1.1 : Diagrama idealizado por Leibniz, que ilustra sua explicação..............................20
Figura 1.2: representação de um exemplo da aplicação dos axiomas de Hölder. (A)
obtenção de quantidades iguais, e definição destas como subunidades (décimos de 1u) (B)
obtenção de unidade por meio de 10u; (C)Múltiplo de unidade e (D) Medição de um
corpo.........................................................................................................................................33
Fig.2.1 – Diagrama de circuito com duas fontes. .................................................................63
Fig. 3.1. Triângulo eqüilátero construído por Euclides.......................................................77
Fig. 3.2 – Triângulo escaleno…………………………………...............................................88
Fig. 3.3 – Triângulo Retângulo...............................................................................................88
Fig. 3.4 – Triângulo obtuso.....................................................................................................88
Fig. 3.5 – Trajetória de um projétil.......................................................................................98
Fig. 3.6 – Decomposição de vetores de pontos da trajetória de um projétil......................98
Fig 5.1. Diagrama galileana de plano inclinado ..............................................................154
Fig. 5.2. Diagrama de Galileu do aumento contínuo do movimento acelerado..............155
Fig. 5.3. Diagrama de Galileu das três dimensões do espaço...........................................164
Fig. 5.4 – Contador composto por quatro flip-flops em série...........................................173
Fig. 5.5 – Disposição dos pulsos em cada saída em função do tempo..............................173
Fig. 5.6– Diagrama esquemático do funcionamento de um velocímetro digital.............180
INTRODUÇÃO
A Matemática muitas vezes é vista como uma ferramenta a qual a Física se utiliza. De
fato, este caráter instrumental é encontrado na aplicação da matemática na Física, dando uma
feição de fundo para a apresentação e desenvolvimento das teorias físicas. Mas reduzir a
matemática a uma ferramenta apenas traz alguns prejuízos à real função que a matemática
desempenha. Contudo, a imagem de fundo, tal qual o cenário de uma peça teatral, pode ser
algo revelador.
O fundo é sempre algo que contextualiza, referencia, coloca ordem para o movimento
dos elementos protagonistas. E por mais que possa passar despercebido, não é igualmente
despercebida a sua ausência. Os fundamentos, ou seja, “ordenamento do fundo”, - é neste
sentido, o esforço para o olhar voltado para o que está por trás.
De fato, os fundamentos não tratam de algo evidente. O que não significa que seja
algo obscuro; fundamentar é uma ação sobre a maneira de enxergar com mais clareza as
nuances e a ordem do que serve de suporte para outra ação que é tida como atividade
principal. As fórmulas da Física, por exemplo, representam uma parte de uma teoria, e o que a
fundamenta são relações matemáticas através de grandezas passíveis de medida e contagem.
Assim, aplicam-se nestas relações exemplificadas as regras matemáticas, como as descritas na
aritmética, geometria e funções. Se colocarmos em evidência estas regras veremos que elas
realmente fundamentam a Física. Assim, podem ser adicionados outros elementos que
compõem as teorias matemáticas, como a lógica e o uso sistematizado de axiomas.
E se aprofundarmos ainda mais, além destas regras, encontraremos a quantificação;
uma atividade que possibilita a medida e contagem: transpor em números um fenômeno. O
número, porém, não possui uma posição clara como fundo ou elemento protagonista. Pois o
número se apresenta como um objetivo e, ao mesmo tempo, está inserido dentro de um
contexto relacional que caracteriza bem as equações. Assim, ele é objetivo quando se deseja
medir, e quando se deseja antecipar o resultado de fenômeno através de uma fórmula. Desta
maneira, o número também é fundo quando se possui um conjunto de dados quantitativos que
serão utilizados como argumento dedutivo da validade de uma fórmula ou de uma teoria.
Portanto, o número é um elemento que permeia a teoria física e apresenta diferentes
funções dentro dela. Deste modo, não parece ser um erro compreender que dos fundamentos
dos números devam existir correspondências com alguns fundamentos da própria Física.
Neste ponto de vista, a Física se torna uma fonte a mais de compreensão do número.
12
Reciprocamente, a compreensão de número se torna uma fonte a mais para o entendimento da
Física.
A ligação entre a Física e a Matemática vai além da aplicação dos números; o
formalismo lógico é um exemplo no qual Manin afirma que “um bom físico usa formalismo
como um poeta usa linguagem”1 MANIN (1987, p.5). Nem tudo na Física está diretamente
relacionado aos números, como no caso dos modelos teóricos; o que não implica que existam
teorias totalmente isentas da aplicação dos números.
Segundo Manin ainda, existem três aspectos da verdade matemática: “a qual pode
condicionalmente ser designada como verdade conjunto-teorética, dedução formal ou
probabilidade e adequação de um modelo físico.” 2 MANIN (1987, p.3)
Os dois primeiros aspectos são essenciais para a matemática. O que é importante
notar acerca do terceiro é que a Física não aplica apenas Matemática, instrumentando-a como
uma ciência auxiliar, ou uma ação parasitária com relação aos conhecimentos e modelos
desenvolvidos na matemática. A Física também é fonte de verdade matemática, o que indica
que a relação entre estas duas ciências não se resume apenas a uma aplicação ferramental
entre si.
Portanto, o contexto em que os números estão inseridos, do ponto de vista da
aplicação, envolve esta relação (entre a Matemática e a Física). Daí a necessidade do
entendimento de número, porque é algo fundamental da relação. Ao mesmo tempo, a relação é
fundamental para o entendimento de número. Dependendo do ponto de vista, o número pode
ser fundo ou protagonista.
Se escolhermos o ponto de vista do protagonismo do número, veremos os seus
fundamentos, ou seja, o que se coloca como fundo para que os números façam sentido. Se
escolhermos, por outro lado, os números como fundamento da relação entre ciências, terá
como protagonista a relação entre ciências.
Diante desta distinção, a escolha da busca da compreensão dos fundamentos do
número revela seu protagonismo, mas o foco se destinará ao que está por trás dele. Assim,
esta tarefa se baseará na busca de procedimentos para encontrar os fundamentos, o que é
diferente de buscar os fundamentos mesmos.
Para esta finalidade, descreveremos dois pontos de vista que representam duas formas
de fundamentar os números: a Axiomática de Peano e a Teoria dos Conjuntos de Russell e
1
2
a good physicist uses formalism as a poet uses language
which can conditionally be designed as set-theoretic truth, formal deducibility or provability, and adequacy
of the physical model.
13
Frege. A partir daí podemos estabelecer questões a serem respondidas: estas perspectivas
fundamentam completamente os números? Caso negativo é possível combiná-los? Caso
positivo para a última pergunta, como podemos combiná-los do ponto de vista da aplicação?
Para os educadores que aplicam números, estas questões podem suscitar uma
discussão e reflexão a respeito de algo tão importante e nebuloso como a noção de número.
Esta nebulosidade, em parte, é criada pela própria dificuldade de defini-los. Saber quais as
experiências humanas no esforço de alcançar tal definição é algo essencial. Ou seja, saber o
que se sabe e o que se diz ajuda na forma de responder às demandas e conseqüências da
definição de número.
No primeiro capítulo, tratamos da medida e contagem, onde traçamos algumas
questões relativas aos números como aplicação. Seus aspectos práticos e teóricos são
abordados e, desde já, se vislumbram a Complementaridade de Michael Otte quanto a estes
aspectos. A complementaridade é o assunto do segundo capítulo pelo qual abordamos mais
detalhadamente sua aplicação. Por ora, sabemos que a Complementaridade aqui é útil quando
entendemos
que
os
conceitos
dos
objetos
(intensões)
apresentam
relação
de
complementaridade com os objetos (extensões). Este é o âmago da nossa discussão. Nosso
objetivo é justamente levantar com relação aos números do ponto de vista da aplicação, tanto
medir como contar, como operações que só são possíveis de entendimento, quando
compreendemos as suas intensões e extensões em circularidade.
Posteriormente no terceiro capítulo, buscamos apresentar o plano teórico da
Matemática, principalmente com relação ao número. A axiomática é tratada aqui, tanto na
perspectiva euclidiana quanto a não-euclidiana. No quarto capítulo, passamos a estudar a
axiomática de Peano, e logo após a Teoria dos Conjuntos de Russell. Frege também é
discutido, principalmente pela contribuição que deu ao papel da lógica na Matemática.
Buscamos entender aspectos intensionais e extensionais de cada um deles, e como podemos
entender a complementaridade destes pontos de vista.
Finalmente, adicionamos alguns exemplos de como compreender os números como
aplicação. Galileu serviu para mostrar como se procedeu ao início da quantificação da
natureza. Outros exemplos são dados, tanto na forma como pensamos os números assim como
os processamos (através das máquinas). Aspectos complementares da medida e da contagem
são tratados nestes exemplos, assim como os fundamentos da axiomática de Peano e da Teoria
dos Conjuntos de Russell.
14
CAPÍTULO I
MEDIDA E CONTAGEM
Os números do ponto de vista da aplicação são adquiridos de duas formas de
quantificação: a medição e a contagem. Ambas as ações são experiências humanas no sentido
de conhecer a natureza. Há várias formas de se pensar estas ações, muitas problemáticas se
colocam neste sentido. Neste trabalho, defendemos o ponto de vista da complementaridade
proposta
pelo
Professor
Dr.
MICHAEL
FRIEDRICH
OTTE3,
que
discute
a
complementaridade dos aspectos extensionais e intensionais dos conceitos matemáticos.
1.1 A medição
A atividade de medir é ao mesmo tempo prática e teórica: ao fazer a medida, nós
estabelecemos praticamente algo teórico. A medição é atividade prática de deduzir algo
teórico de um fenômeno.
Em termos da aplicação, esta atividade é chamada de medição. Tanto para uma
medição de um comprimento popular, quanto para uma forma mais elaborada (como as
formuladas pelas determinações teóricas de Newton).
O comprimento é, por exemplo, uma quantidade teórica concernente a objetos, desde
que o conceito de comprimento seja estabelecido das leis teóricas.
Para avançarmos através de algum entendimento do ideal de uma maior medida do
entendimento de ciência, é útil iniciar com um simples exemplo de uma medição.
Quando declaramos que a pessoa tem 172 cm de altura, temos uma conclusão teórica.
Nós deduzimos do fenômeno que uma marca que for feita sobre a parede coincide com certo
número sobre a fita métrica. Por isso, tudo deve ser considerado em termos de possibilidades
para que aceitemos o resultado numérico como sendo, de fato, o valor da altura da pessoa
medida. Newton, como um mensurador, tornou-se apto para encontrar conclusões sobre a
Física do Sistema Solar, por exemplo, com a irrefutabilidade comparável com a determinação
3
Será mais aprofundada na página 50 deste trabalho.
15
da altura de uma pessoa.
Com este raciocínio, a medição da altura é falível – porque podemos nos enganar
sobre o fenômeno que nós temos trazido em nossas considerações.
Por exemplo, podemos estar enganados em nossa crença de que a fita métrica foi
fabricada acuradamente e que não tem, consequentemente, sido esticada ou enrolada ou não
apresenta qualquer forma de distorção.
Um termo teórico chave é o 'comprimento'. Podemos facilmente dominar as leis da
geometria, ou simples simetrias das formas que, em geral, os objetos são identificados
espacialmente, ao qual o uso do termo 'comprimento' pode ser ligado. Não só podemos
produzir esta ligação, mas nós também podemos corrigi-la ou melhorá-la. Isto nos diz muito:
como nós podemos progredir em Física através de um cuidadoso entendimento da medida das
coisas.
Em Física, nós podemos empregar um conceito de comprimento que nos remota a
respeito de espaço. Muitos acreditam que é uma noção inata, mas esta é outra discussão.
Então, por exemplo, sabemos que a condutividade elétrica de metais é mensurável.
Como poderia medir a condutividade de um metal em particular? Particularmente, faz-se por
formas que pressuponha uma rigorosa geometria do espaço. Uma maneira de medir esta
condutividade é aplicar uma voltagem através de uma amostra, um exemplo que tem sido
adequado descreve em um fio de comprimento conhecido e conhecida bitola. Isto envolve
cálculo geométrico. Medimos a voltagem e a corrente através desta amostra de fio. Para a
medida de voltagem, uso o voltímetro, para a medida de corrente, um amperímetro. Estes
instrumentos talvez envolvam a direta comparação de um intervalo espacial, pela deflexão de
um ponteiro, com a quantidade elétrica que se deseja medir. Ou ao menos será parcialmente
porque tais instrumentos comparam bem em suas releituras com os instrumentos particulares
que uso, que estou confiante que o instrumento que se usa, de fato, acuradamente mede-se a
respectiva quantidade elétrica.
Os esforços poderão constituir uma mensuração verdadeira da condutividade elétrica
do metal, se tiver uma bem fundada confiança de que os instrumentos estão em condições
normais, isto é, aferidos. Considere o voltímetro. Teoricamente julgamos que as medidas deste
instrumento são confiáveis. As razões porque nós julgamos desta maneira são fortemente
práticas.
16
Entretanto, há muitas outras práticas imediatas para testar e confirmar se o voltímetro
mede corretamente a voltagem. Por exemplo, podemos testá-lo através de uma bateria
alcalina, e descobrir que a agulha, se ele tem uma, está apontando para 1.5 sobre o mostrador;
ou através de duas baterias alcalinas em série, e descobrir que a agulha aponta ao 3 sobre o
mostrador etc. Considerações práticas como estas podem atestar a confiabilidade do
instrumento, mas neste caso, nós tivemos que assumir que as baterias estão perfeitamente
carregadas.
Para fazer inferências é crucial que haja fenômenos quantitativos rigorosos tal como
voltagem e corrente para levar a assegurar o uso de instrumentos. Usar suas leituras não
diretamente, mas preferivelmente via um cálculo que também considera o comprimento e
conhece a bitola da amostra do fio, para determinar a condutividade deste. Então, encontra-se
coerência com regularidades, tal como as leis de Ohm.
Notadamente, quando se mede a condutividade de uma amostra de um metal se faz
então, sob uma assunção que a condutividade de qualquer amostra deste metal é a
condutividade que é característica de todas as possíveis amostras. Assim, faz-se uma imediata
inferência para todos os casos daquele condutor metálico. Então, o resultado de uma medida é
uma declaração teórica. Fazemos inferência de algo teórico numa maneira que emprego
assunções fundamentais junto com algumas considerações empíricas, trabalhadas em
circunstâncias práticas da experimentação.
Medir torna-se possível somente quando nós já compreendemos algumas leis. Para –
logicamente – deduzir a teoria de algo fenomenal requerem leis como assunções
fundamentais. A medição é dominada pela Física, porque nela há leis pelas quais a mente
humana rápida e prontamente compreende; leis que facilitam deduções de fenômenos. Mas a
Física possui compromisso com a realidade, isto significa que suas ações devem ser objetivas.
Busca-se no mundo respostas para suas indagações. De fato, medir também é prática,
buscamos um objeto, e ao mesmo tempo, buscamos na teoria fundamentos para este objeto e,
conseqüentemente, da medida. Estes aspectos são complementares na cognição humana.
17
1.2 Grandeza
A medição é uma ação que se desenvolve a partir da compreensão de grandeza, e o que
se entende por grandeza é que ela não trata de algo concreto, mas sim, uma abstração criada
para se estabelecer relações entre objetos.
Quando se mede, se determina uma quantidade ou um grau de uma grandeza. Para
definir quantidade é necessário definir o que seja grandeza, afinal, quando falamos em
quantidade, estamos sempre nos referindo à quantidade de algo – que é a própria grandeza.
Como a quantidade é sempre quantidade de algo, em muitas circunstâncias, se confundem
com a grandeza.
Alguns autores tratam uma grandeza como uma “noção primitiva, isto é, intuitiva,
primária. Por esta razão não devemos defini-la.” GONÇALVES (1970, p.41).
Ou como “tudo aquilo que podemos comparar com um padrão, efetuando uma
medida.” CARRON (2001, p.2).
Em geral, o aluno quer entender a definição de uma grandeza. Isto é IMPOSSÍVEL.
Não se pode entender aquilo que é estabelecido por convenção.
Seria o mesmo que procurar entender porque determinado indivíduo se chama Pedro e
não Antônio. Êle se chama Pedro porque convencionaram chamá-lo assim.
Também, por convenção, resolveram chamar velocidade à razão entre o caminho
percorrido pelo móvel e o intervalo de tempo gasto para percorrê-lo. GONÇALVES
(1970, p191)
Isto reflete a definição que NEWTON nos PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS DA
FILOSOFIA NATURAL tratava algumas grandezas. Como: “A quantidade de matéria é a
medida da mesma, oriunda conjuntamente da sua densidade e grandeza.” 4
Daí, completa:
O ar duplamente mais denso, num duplo espaço, é quádruplo. O mesmo se diga da
neve e do pó condensados por compressão ou liquefação. Igual razão vale para todos os
corpos que por qualquer causa são condensados diversamente. Neste ponto não levo
em consideração o meio, se é que aqui existe algum, que penetra livremente pelos
interstícios entre as partes. É essa quantidade que muitas vezes tomo a seguir sob o
nome de corpo ou massa. [...]NEWTON (1974, p.11)
Observemos mais alguns conceitos de outras grandezas elaboradas por NEWTON,
apresentando as grandezas como quantidade de um conceito físico.
4 A grandeza definida é a massa, e a grandeza citada é o volume.
18
“A quantidade do movimento é a medida do mesmo, provinda conjuntamente da
velocidade e da quantidade de matéria.” NEWTON (1974, p.11).
“A absoluta quantidade da força centrípeta é a medida da mesma, maior ou menor
conforme a eficácia da causa que a propaga do centro pelos espaços em redor” NEWTON
(1974, p.12).
Muitas outras definições seguem desta forma, apresentando a quantidade como a
medida da mesma. Na definição, a quantidade se apresenta como extensão e esta se determina
através da medida da mesma. Ou seja, se desejarmos saber qual a quantidade de uma
grandeza, deve-se medi-la. Estas medições, particularmente, deverão atentar para as relações
que são estabelecidas com outras grandezas. Estas relações, em um conjunto coerente,
formam um sistema de grandezas. Por isso, na Física não é possível separar o conceito de
grandeza também do conceito de medida.
Este conceito permite que a matemática se torne aplicável aos objetos da experiência.
A grandeza é mensurável e sua medida é uma quantidade.
Russell acha que a grandeza é uma propriedade que várias coisas mensuráveis podem
possuir em comum. E acrescenta: “A crença de que há semelhante propriedade, pertencente a
cada um dos termos de dado grupo, equivale logicamente à crença de que há uma relação
simétrica e transitiva entre os componentes de cada par de termos desse grupo” (Human
Knowledge, IV, 6) ABBAGNANO (2007, p.572). Muitas vezes, na matemática, colocam-se a
grandeza e a quantidade como sinônimas, que estão ligadas a uma idéia de unidades de
medida. As ciências positivas em geral, entendem como quantidade de objetos a possibilidade
de se medir estes objetos.
1.3 Proporções, quantidades e grandezas
As medidas representam relações expressas por quantidades por meio de grandezas.
As proporções são formas de relação envolvendo equivalências numéricas entre objetos. Por
isso, a medida é ela mesma um objeto, e as relações podem ser compreendidas por meio das
medidas. Por outro lado, a medida também é um conceito, pois é qualificada por meio das
relações entre outros objetos como proporções, quantidades e grandezas. Proporções,
quantidades e grandezas, por exemplo, permitem compreender as medidas assim como estes
conceitos podem ser mais bem compreendidos por meio do olhar sobre a medida.
Proponho emergir uma discussão travada por Leibniz, a respeito de quantidades e
19
proporções. A forma apresentada é bastante pertinente para o assunto tratado aqui.
O Discurso de metafísica de Leibniz
5
trata da Conservação da Quantidade de
Movimento. Proposto inicialmente por Descartes, a quantidade de movimento calculada por
meio da multiplicação da velocidade pela massa do móvel “convém inteiramente à força
motriz, ou, para falar geometricamente, que as forças estão na razão composta das
velocidades e dos corpos.” LEIBNIZ (1974, p.90)
Leibniz apresenta as razões pelas quais ele acredita que foi um erro de Descartes:
Supondo, também, ser necessária tanta força para elevar um corpo A, de uma libra, à
altura CD de quatro toesas, quanta para elevar um corpo B, de quatro libras, à altura EF
de uma toesa. Tudo isto é admitido pelos nossos filósofos modernos.
Fig. 1.1 Diagrama idealizado por Leibniz, que ilustra sua explicação.
É, pois, manifesto que, tendo o corpo A caído da altura CD, adquiriu tanta força,
precisamente, como o corpo B caído da altura EF; pois, tendo chegado a F o corpo (B)
e tendo ali força para subir novamente até E (pela primeira suposição), tem por
conseguinte a força de elevar um corpo de quatro libras, quer dizer, o seu próprio
corpo, à altura EF de uma toesa, e da mesma forma, tendo chegado a D o corpo (A) e
tendo ali força para voltar a subir até C, tem a força de elevar um corpo de uma libra,
quer dizer, o seu próprio corpo, à altura CD de quatro toesas. Logo (pela segunda
suposição) a força destes dois corpos é igual.
Vejamos agora se a quantidade de movimento é também a mesma de ambos os lados.
Mas aqui, precisamente, ficar-se-à surpreso por encontrar grandíssima diferença, pois
já foi demonstrado por Galileu ser a velocidade adquirida pela queda CD dupla da
velocidade obtida pela queda EF, se bem que a altura seja quádrupla.
Multiplicando, pois, o corpo A, que é como 1, pela sua velocidade, que é como 2, o
produto ou quantidade de movimento será como 2; e, por outro lado, multiplicando o
corpo B, que é como 4, pela sua velocidade, que é como 1, será como 4 o produto ou a
quantidade de movimento. Logo, a quantidade de movimento do corpo (A) no ponto D
é metade da quantidade de movimento do corpo (B) no ponto F e, no entanto, são
iguais as suas forças. Há, portanto, grande diferença entre a quantidade de movimento e
5 Ítem 17
20
a força, como que se queira demonstrar. LEIBNIZ (1974, pp. 91-92) Grifos meus.
As relações de quantidades são representadas por números. Estes mesmos números
ainda são representados por segmentos de reta, ou por unidades de blocos de massa.
O fato de ter estabelecido uma libra como unidade de massa e uma toesa como
unidade de espaço não indicam que suas dimensões absolutas fossem fundamentais para
verificação das relações. Na Física, assim como na geometria, não há necessidade de valores
absolutos para reconhecimento de relações. 6
Sabemos que as relações serão sempre as mesmas, independentemente dos valores das
unidades escolhidas. Numa medida, os números adquiridos para uma mesma quantidade de
grandeza serão diferentes se alterarmos os sistemas de unidades, porém as relações se
manterão. Isto dá objetividade às grandezas. Elas não são em absoluto reféns das unidades,
isto é examinado simplesmente observando como se convertem unidades de medida, como a
polegada para centímetro, ou como Kevin para Centígrado, pois entre estes há apenas uma
relação de proporcionalidade; simplesmente como o quanto uma unidade é maior ou menor
que outra. Assim, dizer que grandeza não se define porque é uma convenção7, parece forçar o
leitor a entender que estas grandezas são caracterizadas exclusivamente por aspectos
subjetivos destas. Relatividade não se confunde com ausência de objetividade e
impossibilidade de definição.
Os valores absolutos são encontrados para as constantes. Na geometria, por exemplo,
pela relação do raio com a circunferência, encontramos π.
As constantes são também
adquiridas de relações, mas independem da unidade adotada, como as grandezas.
Quando este autor declara: como 1, 2 ou 4, indica claramente que as grandezas em
relação possuem propriedades semelhantes às que os números possuem com relação à
aritmética, o objeto de Leibniz são grandezas como a quantidade de movimento e força. Os
números apresentados são elementos das propriedades destas grandezas. O como, usado por
ele, pode ser entendido ainda como uma comparação, uma relação, uma proporção. E não
como identidade. Não disse que a força é dois, mas como dois. As relações na Física são
expressas extensionalmente por meio de equivalência numérica entre proporções de
grandezas. A proporção é um tipo de relação. Resta saber se as proporções são quantidades e
qual a relação que as quantidades possuem com as grandezas e os números.
Os números usados para representar proporções eram aplicados por Newton de
6 Exemplos de Galileu serão demonstrados posteriormente.
7
Ver citação de GONÇALVES, p.18.
21
maneira semelhante. Por exemplo, quando explica a Lei II dos Axiomas ou leis do movimento
escrito em Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. 8
Em uma carta, porém, Leibniz contesta em Correspondência a Clarke a definição VIII
do Livro I de NEWTON: “A quantidade motriz da força centrípeta é a medida da mesma,
proporcional ao movimento que gera em determinado tempo.” NEWTON (1974, p.13).
Vejamos as considerações de Leibniz:
Eu tinha dito que o tempo e o espaço são quantidades, o que não se pode dizer da
situação e da ordem. Replica-se a isso que a ordem tem sua quantidade, que há na
ordem alguma coisa que precede ou o que segue constituem a situação ou a ordem, mas
a distância, o intervalo ou a quantidade do tempo e do espaço no qual uma coisa segue
outra são algo totalmente distinto de ordem. A situação ou a ordem podem ser as
mesmas, sendo a quantidade do tempo e do espaço, que intervém, assaz diferente. O
sábio autor acrescenta que as razões e as proporções têm sua quantidade, e que, por
conseguinte, o tempo e o espaço podem ter também a sua, ainda que não passem de
relações. Respondo primeiramente que, embora fosse verdade que algumas espécies de
relações (como, p. ex., as razões ou as proporções) fossem quantidades, não se seguiria
que a situação e a ordem, que são relações de uma natureza completamente diversa,
fossem também quantidades. Em segundo lugar, as proporções não são quantidades,
mas proporções de quantidades. Se fossem quantidades, seriam quantidades de
quantidades, o que é absurdo. Acrescento que, se fossem quantidade, aumentariam
sempre graças à adição, como todas as outras quantidades. [...] LEIBNIZ (1974, p.459)
Leibniz não diz que espécie de relações ele não considera como quantidades, mas
adianta porque não considerava as proporções como quantidades. Porque ele acredita que é
um absurdo a existência de quantidades de quantidades. Isto é explicado posteriormente:
“Mas a adição da proporção de 1 para 1 à proporção de 1 para 1 não produz mais que a
proporção de 1 para 1, e a adição da proporção de ½ para 1 à proporção de 1 para 1 não
produz a proporção de 1 e ½ para 1, mas a proporção de ½ para 1.” LEIBNIZ (1974, p.459)
Estará Leibniz compreendendo número como quantidade?
Vejamos: o que Leibniz diz com relação à adição de 1/1 se refere a um número. De
fato, somando-se 1/1 ambos termos de uma proporção 1/1, resultaremos 1/1. Mas isso se
refere à equivalência entre números, como 1/1 e 2/2. Em termos de quantidades 1/1 pode ser
entendido de forma diferente de 2/2, embora entre eles se observe que 1/1 é quantitativamente
igual à proporção 2/2. A quantidade é uma relação de uma porção de grandeza com uma
unidade desta grandeza. É uma proporção entre uma parte dos componentes de uma classe de
objeto e a unidade convencionada para servir de parâmetro de quantificação. Assim, se a
8 “Se toda força produz algum movimento, uma força dupla produzirá um movimento duplo e uma tripla um
triplo, que essa força se imprima conjuntamente e de uma vez só, quer seja impressa gradual e sucessivamente.”
NEWTON (1974, p.20). Ou na sua definição de quantidade de matéria: “O ar duplamente mais denso, num
duplo espaço, é quádruplo.” (1974, p.11)
22
unidade é como 1, então quantos 1's temos em 1, ou seja, 1/1 é: 1. Se a unidade é 2, quantos 2
há em 2 é 1. A resposta se a proporção é quantidade parece fácil, se entendermos que
quantidade é aquilo que responde a questão: quantas unidades? Porém, outras perguntas
podem ser feitas: quantas vezes? Ou quantas unidades de vezes? Todas se caracterizam por
receber respostas quantitativas.
Vejamos: Se 1/1 é igual a 2/2 é uma questão de equivalência numérica, afinal, 1/1 = 1
e 2/2 = 1, como 1 = 1, assim consequentemente: 1/1 = 2/2.
Considerando as igualdades 1/1 = 1, 2/2 = 1 e 1/1 = 2/2 como proposições,
observamos que elas não possuem uma conexão com a proposição 1/1 é uma quantidade ou
2/2 é uma quantidade. Afinal, 1/1 = 1 e 2/2 = 1 são proposições que indicam o significado de
1/1 e 2/2, isto é, são iguais a 1. Enquanto, dizer que é uma quantidade refere-se à
possibilidade de encontrar um valor quantitativo de 1/1 e 2/2, mas não nos diz nada sobre a
igualdade entre as duas quantidades. A igualdade entre duas quantidades é feita por meio de
comparação numérica entre os resultados do levantamento destas quantidades, mas aqui
estaremos pensando em termos de números, e não de proporções.
Vejamos uma interessante apresentação deste tema do ponto de vista de Russell.
Frações são mais interessantes que números inteiros positivos ou negativos. Precisamos
de frações para muitas finalidades, talvez de maneira mais óbvia para mensuração.
Definiremos a fração m/n como sendo aquela relação existente entre dois números
indutivos, x, y quando xn=ym. Esta definição nos permite provar que m/n é uma
relação um-um, contanto que nem m nem n sejam 0.
A partir da definição mencionada fica claro que a fração m/1 é a relação entre dois
números inteiros x e y que consiste no fato de que x=my. Esta relação, como a relação
+m, não pode de maneira alguma ser identificada com o número indutivo m, porque
uma relação e uma classe de classes são objetos de tipos completamente diferentes.
RUSSELL (2007, p.86-87)
Assim, parece que a idéia de entender a proporção como quantidade vem
consequentemente desvincular a noção de número à quantidade. Mas isto é muito sutil e
abstrato, sabemos que a compreensão de número é muito associada como sinônimo de
quantidade na aplicação. Ao aplicarmos os números tendemos a ver no conceito de número o
objeto de uma relação (proporção) mais que algo que possui propriedades que caracterizam as
quantidades.
O entendimento das proporções como quantidades e quantidades como número
depende da perspectiva. A este respeito, propomos as seguintes sistematizações abaixo:
23
1. Proporções se referem às relações entre uma coisa e outra;
2. Proporções são expressas por um enunciado ou uma equação;
3. No enunciado poderemos distinguir o objeto do conceito do objeto;
4. No conceito poderá ser observado o caráter relacional do enunciado da proporção;
5. No objeto poderá ser observado o caráter quantitativo do enunciado da proporção e
6. Ambos os aspectos (objeto e conceito de objeto) são complementares e não
contraditórios.
Retornemos a Leibniz para explicar estas considerações.
Em outra oportunidade Leibniz apresentou um axioma que utilizava do expediente da
definição do número pelo acréscimo de 1 a um número anterior, utilizando da idéia de parte
de número emprestada de Euclides.
No que concerne a este axioma – que o todo é igual a todas as suas partes tomadas em
conjunto – Euclides não o utiliza expressamente. Assim sendo, este axioma tem
necessidade de limitação. Pois é preciso acrescentar que estas partes não devem ter elas
mesmas parte comum. Pois 7 e 8 são partes do 12, mas compõe mais que 12. Mas
Euclides afirma que o todo é maior do que a parte, o que é isento de dúvida. [...]
LEIBNIZ (1974, p.289)
E continua:
[...] Não constitui uma verdade de todo imediata que dois mais dois são quatro, suposto
que quatro significa três mais um. Por conseguinte, pode-se demonstrar tal verdade, eis
de que maneira:
Definições: 1) Dois são um mais um.
2) Três são dois mais um.
3) Quatro são três mais um.
Axioma. Colocando em lugar dos números coisas iguais, a igualdade permanece.
Demonstração:
2 mais 2 são 2 mais 1 mais 1 (em virtude da definição 1) ...2+2
2 mais 1 mais 1 são 3 mais 1 (em virtude da definição 2) ...2+1+1
3 mais 1 são 4 (em virtude da definição) LEIBNIZ (1974, p.291)
De fato, em Euclides cita-se no seu Livro VII d’Os Elementos:
Definição 3: Um número é uma parte de um número, o menor do maior, quando mede o
24
maior. E,
Definição 4: Mas partes quando não o mede.9
Desta maneira, o que Leibniz adianta é que o número 1 ajuda na demonstração de
operações numéricas. Pois o número 1 é parte dele mesmo e parte de todos os números
naturais. Assim, todos os números naturais podem ser medidos da forma euclidiana por 1.
É possível a análise dos números com o artifício lógico do seu axioma. Podemos
entender os números naturais como sucessivos incrementos de 1 (como Leibniz usou).
Também podemos entender estes números como uma relação de proporcionalidade com 1. Ou
seja, o número 3 é ao mesmo tempo 2+1 e 3 vezes maior que 1. No Livro VII d’Os Elementos
de Euclides, se apresenta a relação de proporcionalidade por meio de medida.
Definição 5: O maior é um múltiplo do menor quando é medido pelo menor.10
Medir para Euclides é verificar quantas vezes uma unidade cabe em um intervalo. A
medida é consequentemente uma multiplicidade de unidades, em outras palavras, proporção.
“Proporções se referem a relações entre uma coisa e outra”
De fato, as proporções não aparecem isoladas, tais como número, as proporções são
proporções de algo.
Leibniz afirma:
O que os matemáticos denominam por vezes, com pouca exatidão, a quantidade da
proporção não é, propriamente falando, mais que a quantidade da grandeza relativa ou
comparativa de uma coisa em relação a outra; e a proporção não é a própria grandeza
comparativa, mas a comparação ou a relação de uma grandeza com outra. A proporção
de 6 para 1, em relação à de 3 para 1, não é uma dupla quantidade de proporção, mas a
proporção de uma dupla quantidade. LEIBNIZ (1974, p.459)
Vamos analisar isto através de um exemplo simples como uma comparação entre
densidades do mercúrio e da água, que possui um valor de 13,6. No resultado não há unidade,
pois proporções entre mesmas grandezas, não são propriamente grandezas, mas fatores de
conversão11. Para este exemplo, o conceito é a proporção entre densidades do mercúrio e da
água. O conceito deste objeto é: a densidade do mercúrio é 13,6 vezes maior que a densidade
da água. De forma mais sintética: a proporção entre as densidades do mercúrio e da água é
9 Por exemplo, considere os números 4 e 6. O 4 não mede o número 6, mas 4 é parte de 6.
10 Verificamos assim que 6 é um múltiplo de 2 (6/2=3) e três é um número inteiro.
11 Entretanto, podemos adotar uma unidade, se quisermos.
25
13,6 vezes. 13,6 qualifica o objeto e é uma quantidade. A proporção entre as densidades, vista
de forma isolada, não é uma quantidade, mas uma relação: dHg / dH2O. Isto concorda com a
afirmação de Leibniz, neste caso, pois temos na proporção entre densidades uma proporção de
13,6 vezes da quantidade. Mas se observarmos mais atentamente, o 13,6 vezes representa a
quantidade da proporção; pois responde a pergunta quantas vezes, pois envolve uma relação
entre a densidade do mercúrio e uma unidade (densidade da água). Outro elemento possuirá
outra quantidade da proporção.
De forma resumida apresenta-se este exemplo:
Proporções são expressas por um enunciado ou uma equação: dHg / dH2O = 13,6
No enunciado é possível distinguir o objeto do conceito do objeto: dHg / dH2O
(conceito do objeto) e 13,6 (objeto)
No conceito poderá ser observado o caráter relacional do enunciado da proporção:
dHg / dH2O
No objeto poderá ser observado o caráter quantitativo do enunciado da proporção:
13,6
Ambos os aspectos são complementares dos enunciados: dHg / dH2O é uma relação
que é definida pela quantidade 13,6. 13,6 possui significado por meio da relação.
Enfim, proporções não são quantidades, tomadas isoladamente, neste caso, são
relações indefinidas. Mas vistas por meio de um enunciado, ou seja, por meio de uma relação
definida, encontram-se elementos extensionais (quantidades) e intensionais (relações)
complementares entre si.
Se um veículo A percorre 6m em 1s e outro B, 3m em 1s, a relação entre as
velocidades A/B é 2. Ou seja, Leibniz não está errado em dizer que no final teremos uma
relação de uma grandeza com outra. Sua concepção parece se concentrar na forma como o
resultado numérico 2 para 1 pode ser aplicado tanto para representar A/B como também para
representar uma outra função, como a quantidade de vezes que A é maior que B.
Assim, um exercício escolar poderá propor que se calcule a posição de um veículo em
movimento retilíneo uniforme após 30s, sabendo-se que ele percorreu 10m em 5s. A
proporção entre o espaço percorrido em relação ao tempo decorrido é de 2m/s. Para
calcularmos o valor da posição devemos considerar a velocidade como uma grandeza que
possui um dado valor em relação à unidade (1m/s). Ou seja, o 2 da velocidade é uma
quantidade, não é apenas o resultado de uma relação. Da mesma maneira, o tempo é
26
quantitativamente relacionado à quantidade de segundos.
Compreendemos um número como proporção ou como quantidade de acordo com o
contexto. E uma proporção é sempre um número, pois todos os números podem ser
representados por infinitas relações. O 2 pode ser representado por 2/1, 4/2 ou 74/37 o que
significa que todos tratam do mesmo número. E, estes números podem representar à mesma
quantidade em que algo surge em relação a um referencial.
Ora, todos os números também podem ser entendidos como uma quantidade em
relação a outro, o conjunto dos números naturais diferentes de zero são números que guardam
uma quantidade de vezes maior que a unidade.
As proporções podem ser entendidas em certos contextos de maneira diferente. Vamos
entender isso melhor discutindo Leibniz:
A expressão logarítmica de uma proporção não é (como o sábio autor o diz) a medida,
mas somente o índice ou o sinal artificial da proporção. Este índice não designa uma
quantidade da proporção: marca somente quantas vezes uma proporção é repetida ou
complicada. O logaritmo da proporção de igualdade é o 0, o que não impede que seja
uma proporção tão real quanto qualquer outra; e quando o logaritmo é negativo, como
-1, a proporção de que ele é sinal ou índice não deixa de ser afirmativa. A proporção
duplicada ou triplicada não designa uma quantidade dupla ou tripla da proporção:
marca apenas quantas vezes a proporção está repetida. LEIBNIZ (1974, p.460)
Na busca de encontrar uma saída para a negação da quantidade de proporção, ele não
considera as proporções de nenhum tipo, como o caso dos logarítmicos, como medidas.
A compreensão de Leibniz de medida deve perpassar pela idéia de quantidade de uma
grandeza. E como ele não acredita em proporções como quantidades, não compreende como
medida a relação de grandezas com outras ou com uma unidade de grandeza.
Seus argumentos insistem na inexistência da quantidade de proporção.
Atualmente, os técnicos em telecomunicações necessitam medir a diferença de
potência da transmissão com da recepção12, utilizam-se como unidade de comparação o dB
(decibéis) que é calculado com base no logaritmo. Para eles, esta razão é uma quantidade
porque podem analisar o bom ou o mau funcionamento de um sistema de comunicação a
partir dos números por eles adquiridos. É uma quantidade que reflete quantas vezes a potência
sofreu atenuação pelo seu meio de propagação. Em termos lógicos, questionar ‘quantas
unidades?’ ou ‘quantas vezes?’ não muda o teor da resposta quando entendemos da forma
genérica ‘quantos x’, pois são respostas quantitativas; e, no caso da expressão ‘quantas
vezes?’ se refere à quantidade de uma relação entre duas coisas.
12 Qualquer que seja o meio de transmissão, como físico (fios, guias de onda), radiofreqüência
(eletromagnético) ou mecânico (acústico). Em conseqüência, a medida logaritmo serve para qualquer
unidade.
27
A ‘coisificação’ da relação é dada pelo incremento da designação de perda, que deve
estar definido por um número e uma unidade. Como a relação também pode ser uma
grandeza, devemos, portanto, reconhecer e nomear esta relação como uma coisa; um ente
específico que posso encontrar de uma determinada forma.
Muito interessante e oportuna as colocações de Leibniz, que se exprime em
contraposição a Newton (a quem chama de sábio autor). Newton, por seu turno, compreende
proporções como quantidade, e Leibniz como apenas relação. Cada um observa um lado do
contexto que envolve as proporções. No entanto, se considerarmos todo o contexto, a
proporção possui um lado quantitativo quanto um lado relacional.
Para finalizar esta questão, vamos continuar com Leibniz:
[...] o tempo e o espaço não têm em absoluto a natureza das proporções, mas a natureza
das quantidades absolutas, com as quais convêm as proporções. P. ex., a proporção de
12 para 1 é uma proporção muito maior que a de 2 para 1 relativamente a uma
grandeza, e de 2 para 1 com relação a uma outra. Assim é que o espaço de um dia tem
muito maior proporção com uma hora que com a metade de um dia e, entretanto, não
obstante essas duas proporções, continua a ser a mesma quantidade de tempo, sem
nenhuma variação. É, pois, certo que o tempo (e o espaço também, pela mesma razão)
não é da natureza das proporções, mas da natureza das quantidades absolutas e
invariáveis, que têm proporções diferentes. Portanto, a opinião do sábio autor será
ainda, como ele mesmo confessa uma contradição, a menos que faça ver a falsidade
deste raciocínio. LEIBNIZ (1974, p.460)
Ainda que tempo e espaço não são considerados por Leibniz como proporções, mas
como quantidades absolutas, modernamente, a partir da velocidade da luz de uma onda
eletromagnética, podemos determinar a distância de uma aeronave de um aeroporto pelo
cálculo do tempo gasto para que a onda deslocasse de uma antena radar até o seu alvo e
refletisse de volta. De fato, temos aqui uma proporção entre espaço e tempo entre si, a partir
de uma constante, chamada velocidade da luz. Neste ponto de vista, parece ser mais
proveitoso considerar espaço e tempo enquanto quantidades determinadas por certas
quantidades em forma de proporções.
Sem considerar as relatividades de Einstein, Leibniz tem muita razão ao considerar
que o tempo e o espaço são absolutos. Pois considerá-los proporções significaria a
impossibilidade de medi-los, pois não seriam quantidades. Talvez sua preocupação se
concentrasse no caráter objetivo da medida, pois ele não compreende o espaço como uma
relação. E, talvez ninguém pense assim atualmente; o espaço é uma intuição cuja extensão
está relacionada a quantidades. Mas quantidades são encontradas através de relação com uma
unidade e isto é tipicamente uma proporção. E proporções só são definidas através de um
valor numérico, que indica uma quantidade. Proporções e quantidades se relacionam através
28
de unidades de objetos.
1.4 Unidades
Como é sabido, aplicam-se as medidas de grandezas que participam de um sistema de
unidades e são classificadas como fundamentais e derivadas. É impossível catalogar as
unidades derivadas, pois elas representam relações entre as unidades fundamentais. Com
relação às unidades fundamentais, entende-se:
A arbitrariedade na escolha das unidades fundamentais de um sistema não é completa.
Há algumas condições a cumprir:
a) as unidades fundamentais devem ser independentes entre si;
b) o valor de uma unidade fundamental deve ser invariável;
c) as unidades fundamentais passam a ser representadas por padrões;
d) as unidades fundamentais permitam uma fácil medição direta das grandezas da sua
espécie. GONÇALVES (1970, p.189)
O uso das unidades cumpre um papel social para as medidas, pois serve à
generalidade.
Significa que a ciência é um órgão da sociedade e que cumpre funções neste sentido. E
é isso que está por trás da afirmação que a ciência teria um compromisso com a
verdade e não necessariamente com a utilidade direta. Também a formalização do saber
está a serviço de uma tal função geral social. OTTE (1991, p.246).
As medidas são quantidades expressas em forma de números e, ao mesmo tempo, são
relações entre grandezas. Sabemos que números contidos nas quantidades medidas não são
adquiridos diretamente do mundo real. Só teremos posse destes números após cálculo.
O cálculo é uma atividade de que faz parte o processo de medição, pois envolve as
suas relações entre grandezas (de mesma natureza ou não). Estas relações se estabelecem
basicamente por meio das quantidades. Esta circularidade só se torna objetiva, por que se
utiliza da unidade, como padrão quantitativo.
A escolha e definição rigorosa das grandezas físicas e suas unidades são de
fundamental importância, não só para a ciência como para as sociedades em geral,
nomeadamente nas trocas comerciais entre países. A prática de um sistema “universal” de
unidades, igual para todos e de fácil difusão, só começou a ser “globalmente” implementada
durante o século XIX. O Sistema Internacional de Unidades (SI) é um sistema coerente
constituído por duas classes de unidades; as unidades de base, com sete unidades bem
29
definidas para sete grandezas físicas independentes do ponto de vista dimensional e as
unidades derivadas das unidades de base, muito mais numerosas e específicas para cada ramo
da Física.
Tabela 1.1 - Definições (atuais) das unidades de base:
O metro – é o comprimento do trajeto percorrido no vácuo pela luz durante um intervalo de
tempo de 1/299 792 458 do segundo. (1983).
O quilograma – é a unidade de massa igual à massa protótipo internacional do quilograma.
(1901).
O segundo – é a duração de 9 192 631 770 períodos da radiação correspondente à transição
entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de Césio 133. (1967).
O ampere – é a intensidade de uma corrente constante que, mantida em dois condutores
paralelos retilíneos, de comprimento infinito, de secção circular desprezível e colocados à
distância de 1 metro um do outro, no vazio, produziria entre estes condutores uma força igual
a 2×10 N por metro de comprimento. (1948).
-7
O kelvin – unidade de temperatura termodinâmica, é a fração 1/273,16 da temperatura do
ponto triplo da água. (1967).
O mol – é a quantidade de matéria de um sistema contendo tantas entidades elementares
quantos os átomos que existem em 0,012 kg de carbono 12; quando se utiliza o mol, as
entidades elementares devem ser especificadas e podem ser átomos, moléculas, íons, elétrons,
outras partículas ou agrupamentos especificados de tais partículas. (1971).
A candela – é a intensidade luminosa, numa dada direção, de uma fonte que emite uma
radiação monocromática de freqüência 540×10 Hz e cuja intensidade energética nessa
12
30
direção é 1/683 W.sr . (1979).
-1
1.4.1 A Origem da Escala de Temperatura Celsius
Em 1742 o astrônomo Anders Celsius publicou um trabalho no “Kungliga Swenska
wetenskaps Academiens Handlingar”, nos anais da Academia Real de Ciências Sueca,
intitulado: “Observações sobre dois graus persistentes de um termômetro”. Este trabalho
originou a escala de temperatura Celsius. Depois de fornecer uma base para os vários modos
de expressar a temperatura daquela época, Celsius apresentou seus experimentos com dois
pontos fixos para a escala de temperatura: a temperatura em que se degela a neve ou o gelo e a
temperatura que a água ferve. 13
Assim como para fixar um objeto de madeira em outro é necessário cravar pelo menos
dois pregos entre os objetos em posições diferentes, para impedir que eles girem entre si, e
torná-las como um só objeto. De maneira análoga, para definir uma reta são necessários dois
pontos. A escala da temperatura necessitava de dois pontos referenciais para fixar posições
objetivas. O que se desejava era que além do ponto de fusão e de ebulição, todos os
fenômenos que se manifestam em determinada temperatura fossem contemplados com uma
marcação constante. Os dois pontos fixam números ao real. Tornando assim aparentemente
um só objeto, a medida, os números tornam-se quantidades e a temperatura uma grandeza
relacionada à expansão espacial de um metal líquido. Os outros pontos ao serem depositados e
referendados a outros fenômenos permitem uma maior solidez dos dois objetos. Números e
realidade tornam-se apenas medida e esta já basta quando se tem confiança no instrumento. A
temperatura é o objeto, o conceito é a medida da expansão de mercúrio num bulbo.
Desconfiamos da temperatura da criança, temos dúvida se ela está com febre. Ao fazer a
leitura do termômetro, verificamos a medida e por algum momento não mais nos
preocupamos com a temperatura da criança, estamos preocupados agora com o valor marcado
na escala do termômetro. Marcação e referente da marcação são complementares. Intensão e
Extensão do mesmo conceito não se tornam um, ainda queremos saber qual a temperatura de
13 Procedimento padrão para calibrar o termômetro:
1- Por o cilindro AB do termômetro (ou seja, o bulbo ) na neve em fusão e marcar o ponto de gelo de
água C, o qual deveria estar a uma altura sobre o cilindro A, de modo que a distância AC seja metade da
distância entre C e a marca do ponto de ebulição da água D.
2- Marcar o ponto de ebulição da água D a uma pressão de “25 tum 3 linear” (aproximadamente 755
mm).
3- Dividir a distância em 100 partes ou graus iguais; de modo que o grau 0 corresponder ao ponto de
ebulição da água D e 100 ao ponto de solidificação da água C. Quando os mesmos graus estiverem
continuamente abaixo de C, em todo o caminho para baixo até A, o termômetro estará pronto.
31
algo e queremos saber quantas unidades de temperatura. Quantidades e relações também são
objetos e conceitos de objetos, são medida e conceito de medida, complementares entre si.
1.5 Teoria da Medida
A Teoria da medida inicialmente foi elaborada por Hölder em 1901, apesar de ser
conhecida assim algumas décadas depois. É um ramo da matemática desenvolvido por Henri
Lebesgue e Constantin Carathéodory.
Com efeito, o trabalho de Hölder vem esclarecer o estatuto da medida do peso,
mostrando que, de um ponto de vista axiomático (e aqui simplificado), a medida dessa
grandeza física requeria a satisfação de dois axiomas. A saber,
(a medida de x deverá ser maior ou igual à medida de y se e só se o objeto x for mais pesado
ou igual que o objeto y) SUPPES (2002, p.6);
(a medida do conjunto dos objetos x e y – que, então, se dizem concatenados – deverá ser
igual à soma das medidas de cada um deles). SUPPES (2002, p.6);
Antes de explicarmos a importância atribuída à concatenação, convém esclarecer aqui
o conceito. No essencial, concatenar refere-se a qualquer operação física que, no contexto do
atributo a ser medido, permite a combinação de quantidades. Por exemplo, na medição da
massa, requer-se uma estrutura empírica de ordenação das intensidades (pela verificação se x
é mais pesado ou tão pesado que y), poderá assumir que se recorra a uma balança comum de
pratos (sem indicador calibrado). Nessa situação, concatenar significa muito simplesmente
colocar o objeto x e y no mesmo prato, de tal forma a combinar as suas magnitudes de massa.
Ainda outro exemplo, na medida de comprimentos, e assumindo que se recorrerá a
qualquer comprimento referencial (palmo), concatenar significaria pura e simplesmente
encostar um palmo ao anterior, de tal forma que os seus comprimentos combinados
igualassem a soma de cada um desses.
32
Em termos de aplicação, sabemos que estes dois axiomas das medidas de peso de
Hölder prestam-se de forma clara para comparação entre duas quantidades de uma grandeza,
indicam com eficiência que uma quantidade é maior ou igual à outra. Este procedimento
permite determinar qual o valor de pesos, por meio do emprego de escolha de um sistema de
unidade de pesos, composto por múltiplos e submúltiplos. Observemos a figura 1.2:
Figura 1.2: representação de um exemplo da aplicação dos axiomas de Hölder. (A) obtenção de
quantidades iguais, e definição destas como subunidades (décimos de 1u) (B) obtenção de unidade
por meio de 10u 14; (C) Múltiplo de unidade e (D) Medição de um corpo.
Com o primeiro axioma, pode-se iniciar pelos submúltiplos, que são especialmente
importantes, pois são eles que determinarão a precisão da medida.15Assim, dependendo da
necessidade, definem-se outros submúltiplos de valores maiores, até a unidade e desta até os
múltiplos por meio de somas sucessivas de mesmos valores. Isto é assegurado pelo segundo
axioma.
Na figura 1.2, observamos a aplicação do primeiro axioma de Hölder em todos os
itens, pois foi necessário verificar para cada objeto utilizado uma comparação para assegurar
se são equivalentes, e é possível imaginar a aplicação de pequenos ajustes como aumentar ou
diminuir o peso para granjear o equilíbrio da balança. O segundo axioma é visualizado por
meio da compreensão de concatenação entre os pesos. A medida do conjunto pode ser
determinada por meio da soma da medida de cada um dos elementos deste conjunto. Este é
14 A escolha de 1/10 de submúltiplos é a forma mais comum em sistemas numéricos decimais, mas existem
outras formas com base 1/16, por exemplo.
15 A precisão é normalmente entendida como sendo exatidão de cálculos, funcionamento sem falhas, perfeição.
Mas o sentido aqui é referente ao limite de quantificação numérica que um instrumento de medida pode
suportar. Refere-se às menores demarcações entre um valor inteiro e outro.
33
um conceito necessário para a determinação dos itens (B), (C) e (D) da figura 2. Pois isto nos
permite dizer que se agregar 10 elementos de 1/10 de unidade estes juntos equivalerão a 1
unidade. O item (D) refere-se à determinação do peso desconhecido de um objeto. Os dois
axiomas são necessários, um refere-se à garantia da equivalência de peso, e o segundo com
relação a igualdade da medida do conjunto à medida de cada um dos componentes. Ou seja,
dois pressupostos básicos são necessários aqui, são condicionais para a medida exemplificada.
Não se deve esperar logicamente que a balança, no fim, esteja sempre em equilíbrio
num processo de medição. Para que isto ocorresse, seria necessário que todos os corpos
tivessem quantidades múltiplas do menor submúltiplo de unidade. Neste caso, diz-se o que se
tem certeza, ou seja, que o valor da medição está num intervalo.
Estes axiomas se completam por meio lógico, ao afirmar que a medida de x deverá ser
maior ou igual à medida de y se e só se o objeto x for mais pesado ou igual que o objeto y.
Não se conceitua peso em si, nem medida, antes, estabelece as condicionais de equivalência
entre medida e conceito de medida.
Findas estas considerações preliminares, apresentamos agora uma formalização de um
sistema de medida extensivo. A operação de concatenação assume um papel primordial.
Vejamos alguns exemplos:
Definição. Um sistema extensivo (A, R, ○) é um sistema relacional consistindo na relação
binária R, na operação binária ○ de A × A para A, e satisfazendo os seguintes axiomas para
a, b e c em A:
Axioma A. Se aRb e bRc, então aRc;
Axioma B. [(a○b)○c]R[a○(b○c)];
Axioma C. Se aRb, então (a○c)R(c○b);
Axioma D. Se não aRb, então existe um c em A tal que aR(b○c) e (b○c)Ra;
Axioma E. Não (a○b)Ra;
Axioma F. Se aRb, então existe um número n tal que bRna em que na é definido
recursivamente como: 1a=a e na=(n-1)a○a.
Este sistema poderá tomar como exemplo a medida do peso, em que ○ se refere à já
familiar operação de concatenação, R à relação “mais pesado ou igual que” e a, b e c objetos
que irão serem pesados pertencentes à coleção A. O primeiro axioma refere-se simplesmente à
transitividade dos pesos (se a é mais pesado que b e b mais pesado que c, então a será mais
pesado que c). O axioma B estabelece a associatividade da operação de concatenação
34
(simplesmente, postula que o resultado empírico da operação de concatenação é invariante
face à ordem com que é efetuada)16. O terceiro axioma é claro por si mesmo, estabelecendo
que se a é mais pesado que b, essa relação manter-se-á se a cada um destes juntarmos c. O
quarto axioma, que requer uma definição de A como um conjunto infinito, postula que para
qualquer dois objetos em que a relação “maior ou igual que” não se verifique se deverá existir
um terceiro objeto na qual essa seja observável. O axioma E obriga a que a medida seja
sempre positiva. Por fim, o último axioma constitui simplesmente a chamada condição
arquimediana – postula esta que não interessa quão mais pesado a é do que b que existe
sempre um número positivo de concatenações de b consigo mesmo que invertam essa relação.
17
Um sistema extensivo que se revela mais interessante para a Física, passaria, então,
pela questão da necessidade de concatenação para alcançar uma medida significativa.
Norman Robert Campbell (1880-1949) foi um físico inglês e filósofo da Ciência.
Tratou da teoria das medidas e relações de ciências experimentais e matemáticas. Seu mais
importante trabalho foi Foundations of Science: The Philosophy of Theory and Experiment,
primeiro publicado como Physics: The Elements em 1919. Neste livro desenvolve a tese que
uma análise crítica de ciência não deverá requerer qualquer filosofia, mas que uma
investigação de um significado de realidade e verdade em ciência como oposto à metafísica
poderá ser frutífero. Campbell é especialmente interessante na Física pela sistematização do
que se pode conceber por medida.
Medição é a atribuição de numerais para representar propriedades. CAMPBELL
(2007, p. 267). Por que é o processo importante?
Por que é aplicável para muitas
propriedades (como peso) e não para outras (como cor)? Ele responde:
A resposta deverá levar em conta muitas relações entre numerais e propriedades
mensuráveis a qual não aplicam para propriedades não mensuráveis. Esta relação se
fundamenta na noção comum de ordem. A concepção de ordem é analisada, como
também a relação entre numerais e números. Todas as propriedades mensuráveis são
capazes de ser colocadas numa ordem natural por meio de leis físicas definidas à qual
são suas verdades.
Esta similaridade é analisada, a propriedade do peso feita como um exemplo. É
mostrado que, se há um processo satisfatório de adição física, as duas leis, a primeira e
a segunda leis da adição deverão ser cumpridas. Ambas as leis físicas são definidas,
tanto que é experimento, um experimento, somente que pode determinar se uma
propriedade é fundamentalmente mensurável. As duas leis, embora totalmente
conectadas, são independentes, uma delas pode ser verdadeira sem que a outra seja.
16 Juntar a e b e só depois c ou c e b e só depois a ou ainda qualquer outra.
17 Em suma, não existem pesos infinitamente grandes.
35
CAMPBELL (2007, p. 267) 18
A Teoria da Medida do ponto de vista físico é interessante aqui, Campbell não quis dar
uma abordagem filosófica ao tema; diferente da abordagem como os matemáticos
inevitavelmente tinham que assumir de alguma forma, por conta do contexto histórico,
fomentou discussões em temas importantes como a medida na matemática, envolvendo nesta
discussão temas complexos como continuidade, axiomas (da escolha, por exemplo), teorias
(integração e dos conjuntos). Lebesgue, que buscava caracterizar a topologia em termos
axiomáticos, escolheu a classe dos conjuntos mensuráveis e funções mensuráveis. OTTE
(2008, p.131) apresenta um exemplo do que envolvia a teoria da medida:
As experiências originais de força, movimento e aceleração deram lugar ao conceito
matemático de função diferenciavel. Agora, diferenciabilidade é definida em termos de
continuidade, e a continuidade por sua vez, é definida em termos de uma topologia. [...]
Sem a teoria dos Conjuntos de Cantor, a topologia geral e a teoria da medida abstrata
não teriam sido possíveis. E as teorias de medida e de integração formaram, por sua
vez, por algum tempo a única aplicação significativa da teoria cantoriana dos
conjuntos.
Chang mostra que a padronização era ligada intimamente ao problema da medição
dual, isto é, a escolha de seu propósito associado à quantidade e a escolha do princípio de
correlação. Ele espõe uma forma de apresentar um procedimento de medição.
Nós queremos medir a quantidade X
A quantidade X não é diretamente observável pela limitada percepção humana, então
nós inferimos isto a partir de outra quantidade Y, ao qual é diretamente observável.
Para esta inferência nós precisamos uma lei que expresse X como uma função de Y,
X=f(Y).
A forma desta função f não pode ser descoberta ou testada empiricamente; porque isto
envolveria saber os valores de ambos Y e X, e X é a variável desconhecida que nós
estamos tentando medir. CHANG (2001, p. 59) 19
18 The answer must lie in some relation between numerals and measurable properties which does not
apply to non-measurable properties. This relation is found in the common possession of order. The
conception of order is analysed, as well as the relation between numerals and numbers. All measurable
properties are capable of being placed in a natural order by means of definite physical laws which are true
of them.
This similarity is analysed, the property of weight being taken as an example. It is shown that, if there is to
be a satisfactory process of physical addition, two laws, the first and second laws of addition, must be
fulfilled. Both these are definite physical laws, so that it is experiment an experiment only that can
determine whether a property is fundamentally mensurable. The two laws, though closely connected, are
independent an one of them may be true without the other.
19 We want to measure quantity X.
36
Apesar de Chang discutir somente uma parte do problema de medição, a saber, a
escolha da propriedade associada, neste caso, a escolha do fluido termométrico correto, são
também dadas algumas sugestões como resolver o problema da escolha da mais apropriada
forma de f. Mostra que a concepção de medida está associada ao uso de axiomas e teorias
mais convenientes. Esta forma funcional da representação de medida, característico da Teoria
dos Conjuntos será abordada mais tarde neste trabalho.
A Teoria da Medida não especifica, por si só, como alcançar as representações
numéricas, mas tão somente esclarece acerca da sua possibilidade e estatuto da escala obtida.
Contudo, não fornece qualquer indicação acerca de que forma deverá ser obtida tal medição.20
1.6 Medida e teoria relacional
As medidas podem ser expressas da forma A = Bx, ou X = f(Y) 21, que é a forma
relacional do conceito. Os exemplos que se seguem têm o objetivo de apresentar este aspecto
relacional.
As medidas se fazem através de instrumentos de medida. Um instrumento de medida
conhecido é o dinamômetro. Seu funcionamento é bastante simples. Ele é constituído por um
material elástico, por exemplo, uma mola, que é fixa de um lado no corpo do instrumento, e a
outra extremidade poderá ser deslocada; tarefa esta que exigiria força, pois este material
elástico deve resistir à mudanças na sua forma.
O dinamômetro ainda é constituído de uma escala partindo da posição zero a qual
indica a posição “relaxada” do material elástico. Nesta escala são atribuídas marcas que são
devidamente simbolizadas para fornecer uma graduação quantitativa crescente, com
espaçamentos regulares entre si. Seu princípio de funcionamento baseia-se em imprimir uma
Quantity X is not directly observable by unaided human perception so we infer it from another
quantity Y, which is directly observable.
For this inference we need a law that expresses X as a function of Y, X = f(Y).
The form of this function f cannot be discovered or tested empirically, because that would
involve knowing the values of both Y and X, and X is the unknown variable that we are trying
to measure.
20 É, com efeito, aqui que reside a distinção entre teorias da medida e teorias dos dados – estas últimas
lidam direta e explicitamente com a própria pragmática de quantificação.
21 CHANG (2001)
37
força na extremidade móvel da mola, de forma que façamos com que a mola se estender.
Assim, a grandeza do deslocamento da extremidade nos fornecerá uma medida da grandeza
da força impressa sobre ela.
A construção e princípio de funcionamento do equipamento de medida explicam e
fundamentam a medida. Neste caso, para construir este instrumento, utilizou-se de uma teoria,
que pode ser expressa de maneira bem simples: observou-se que ao imprimir uma força x
indeterminada a um material elástico, este se estendia um comprimento d, ao imprimir uma
força y, sendo y maior que x, este material estendia um comprimento D, sendo D obtido maior
que d. E se realizar esta tarefa novamente, mais uma vez encontravam-se esta mesma relação.
Vale a pena lembrar o primeiro axioma de Hölder para o peso. Ou seja, verifica-se para a
força o mesmo aspecto formal para as condições de Hölder, a medida de x deverá ser maior
ou igual que a medida de y se e só se o objeto x for mais pesado ou igual que o objeto y.
Até aqui, sabe-se que há uma relação, entre a força aplicada à mola, e o deslocamento
da extremidade móvel desta. Mas não sabemos se podemos aplicar isto como medida. Uma
forma de verificar é estabelecer alguns testes, e um deles é altamente significativo para
escalas lineares. Ela segue o outro axioma de Hölder:
Para isso, seria necessário fazer uma referência de pelo menos duas forças para
possibilitar a reprodução da mesma intensidade e a aplicação associada à outra intensidade de
força. Uma vez impressa as duas forças, e marcados os dois deslocamentos conseqüentes,
imprimi-se uma força cuja intensidade equivale à soma das duas forças anteriormente
fornecidas. Marcar a extensão da mola. Se esta extensão da mola equivaler à soma das
extensões realizadas anteriores, nós podemos dizer que a extensão da mola está concatenada
com a força aplicada sobre a mola. Isto é o mesmo que dizer que podemos estabelecer uma
relação entre estas duas grandezas. Para estas, podemos atribuir unidades de referência para
permitir atribuirmos um valor numérico a uma dada quantidade. As marcações dos
deslocamentos seguem este pensamento.
Tendo em vista que a deformação levantada por meio de sua extensão (deslocamento)
e a força por meio de um referencial como o próprio peso, pode-se representar da seguinte
maneira: A=Bx. Para este exemplo: F=kx. Sendo F a intensidade da força e x o deslocamento,
38
k refere-se a uma constante que depende da resistência à deformação pela força. 22 Esta é a
bem conhecida lei de Hooke.
Assim, podemos perceber com este exemplo, que as medidas refletem o pensamento
relacional matemático na aplicação do corpo teórico da física, sendo muitas vezes a relação
entendida como o próprio cerne da física, sendo impossível postular seus axiomas sem por
intermédio deste.
Alguns detalhes do experimento da Lei de Hooke podem ser bastante esclarecedores
no que se refere ao uso dos números em medidas. Vejamos: um ponto fulcral é o processo de
construção de marcas.
Para imprimir marcas referentes a um valor de força no dinamômetro, teremos que
definir quais as unidades de força que serão adotadas. A partir daí, por meio da
proporcionalidade encontrada na relação entre deslocamento e força, procedemos à marcação.
Como a relação é linear, mesmos intervalos de espaço correspondem às mesmas diferenças de
força. Para uma maior precisão do instrumento, devemos escolher unidades menores, de
acordo com a resposta do material elástico utilizado. Contudo, mesmo que nós fizermos
marcações muito espaçadas poderemos por medição com régua medir e calcular o valor
proporcional ao deslocamento, quando este apontar no intervalo entre marcas. Mas sempre
chegaremos a um limite de medida de comprimento, porque esta também é feita por um
instrumento de medida, a régua, e como tal, não permite medir com precisão infinita. Por este
motivo, o dinamômetro não pode fornecer os valores que reflitam a incomensurabilidade dos
números. Pois quantidades em forma de dados são expressas por números; e estes são finitos
para todos os instrumentos de medida.
Mas pode acontecer que notemos que o instrumento nos mostre uma indicação entre
duas marcas. Como as marcas são nossos referenciais objetivos da quantidade de grandeza
medida, a posição intermediária não é objetiva em termos de fornecer um dado discreto, mas
o é em termos de fornecer um intervalo a qual pertence.
O que vemos e compartilhamos é que a medida verificada está entre uma marca e
outra. Mas não deixa de ser um conhecimento. Sabemos que não é um valor exato dentro de
nosso sistema de unidades e referência; que o mundo não se torna discreto porque nós
22 Princípio este que também se utiliza para as balanças de mola, visto que o peso é uma força, e como tal se
pode medi-la com este mesmo expediente. Observar que sabendo a respeito do peso, podemos também conhecer
a massa, visto que se a gravidade for constante, os pesos serão sempre proporcionais às massas, isto é o que se
chama de empréstimo de grandeza.
39
precisamos estabelecer marcas referenciais. O mundo não deixa de ser contínuo.
As medidas estão sujeitas em muitas possibilidades de erros e imprecisões, tanto do
instrumento (que possuem como característica a tolerância aos erros) quanto do sujeito
mensurador. Este intervalo pode expresso da forma x ± y%. Isto é uma forma de devolver a
continuidade das relações entre grandezas que estariam a mercê dos valores discretos
representados pelas marcas referenciais.
1.7 Medida: discreta ou analógica?
Como diz Campbell medir uma grandeza é uma tarefa que está relacionada a levantar
um número. Mas não só. Faz parte da medida a forma como se observa a indicação do
instrumento. Devem-se levar em consideração as características do instrumento no que se
refere ao que podemos reter de sua indicação com confiança, pois nenhum instrumento está
habilitado a fornecer o exato valor dentro da margem de mensuração. Dizemos: o instrumento
nos certifica tal medida. Mas, vemos que esta medida não é exata, na verdade, é um valor
intermediário que se encontra fora da precisão do equipamento.
A impossibilidade de total precisão permite compreender o mundo como contínuo.
Como isso se repete ao longo do aumento progressivo da precisão, é possível entender que
existem valores incomensuráveis em certos intervalos.
Os números fornecidos pelas máquinas são limitados aos inteiros, entretanto, em
termos de aplicação, ao qual a interpretação do homem se torna importante, são reais.
Não existe medida direta da natureza, o que faz com que na Física se necessite de
operações que possibilitem sua execução. Por isso, prevalece a concepção operacionalista,
interpreta-se que a Física trata de medidas e de operações, ao invés da natureza. Os números
em forma de dados são elementos fundamentais para os operacionalistas, pois as operações e
medidas não são possíveis sem eles.
Mas é preciso ser dito que os números não são apenas objetos operacionais. Enquanto
aplicação, os números possuem vários significados. Um deles é expresso pelas vias da
axiomática moderna.
A axiomática moderna é bem ampla, dela surgiram várias ramificações, dentre elas: a
Teoria dos Conjuntos e a Axiomática de Peano. Peano se interessou pelos números por via
intensional, que pode ser bem representada pela contagem. Russell e Frege pela via
extensional expressa por meio da medida.
40
Numa forma introdutória à discussão sobre números, estabelecem-se algumas
concepções sobre eles do ponto de vista da aplicação. Um exemplo: as medidas podem ser
representadas por funções proposicionais, e teoricamente está associada à continuidade que é
atribuída aos entes da matéria.23 Em termos experimentais a continuidade é algo teórico e
ideal, não querendo dizer que se negue a realidade desta. Apenas que não é possível entendêla além de uma intuição, como possibilidade de existência. Isto ocorre, e parece ser estranho
que assim seja, pois a continuidade na prática não pode ser evidenciada senão dedutivamente.
Vejamos os motivos para assim dizer: em termos da aplicação prática torna-se possível
de interpretação aquilo que é possível de se experimentar. Isso deve levar em conta os limites
da medida e da contagem. De fato, o que os aproxima, são justamente estes limites, pois a
medida no seu aspecto funcional é algo fundamentalmente ligado ao contínuo enquanto a
contagem ao discreto. Mas ambos sofrem de limites comuns.
A medida como representação do real retira desta uma amostra suficiente para
interpretações e isto indica que ela é aproximada. Sua aproximação deve ser suficiente para
não perder a consistência e rigor. A álgebra da física aplicada não é exata no sentido
matemático do termo.
Quando fazemos uma medida de uma diagonal de um quadrado de lado 1m, não
encontramos nesta medida o valor da raiz quadrada de 2, mas encontramos um valor
aproximado que nos sirva de referência para outros cálculos. Assim, medimos 1,424214m, ou
1,4m de acordo com a precisão que seja suficiente para nossas intensões.
24
Assim, com uma
régua ou um paquímetro, teremos um valor finito de dígitos à disposição.
Qualquer que seja o instrumento de medição, este terá uma precisão máxima. Por
conseguinte, existe uma quantidade máxima de valores possíveis de apresentações. Por
exemplo, uma régua de 30 cm, com escalas de milímetros e centímetros. Esta régua está apta
a fornecer medidas de comprimentos de 1mm até 3000mm; o que significa que este
instrumento está limitado entre 3000 diferentes valores.
Neste caso, teremos os números limitados em valores discretos espaçados de um 1mm.
Vejamos uma balança analítica eletrônica de capacidade máxima de 210g e precisão de
0,1mg, não podemos dizer que temos numa experiência à disposição, todo o contínuo possível
de massa entre 210g e 0,1mg. Ao invés disso, dispomos de uma determinação de valores entre
23 Continuidade é objeto da matemática, como a continuidade entre números.
24 Na antiguidade, por exemplo, π tinha um valor de 3, pois na época não era necessário um valor mais
preciso, ainda que eles soubessem que este valor era um valor aproximado.
41
0,1mg e 210g. Colocando em números naturais compreendemos valores limites entre 1 x 101
mg e 2100000 x 10-1,mg.
Estes dois exemplos mostram que somos capazes de representar os valores medidos
como números naturais. A quantidade de números que estarão disponíveis será definida pelo
limite máximo suportado e pela precisão. E assim, a diferença entre medida e contagem não
está no caráter contínuo nem no caráter discreto das grandezas que se adquirem quando nos
referimos ao que um instrumento pode nos fornecer. Pois ambos são disponibilizados pelos
instrumentos de maneira discreta. Consequentemente, ao intervalo discreto associa-se
propriedades que são atribuídas aos números naturais. Assim, os dados, vistos como números,
serão interpretados pelas teorias dos números da maneira que for mais conveniente.
O que Peano e seus axiomas dos números naturais pode nos dizer sobre uma medida
de massa? Logicamente os objetos de Peano não falavam de massa, mas falavam de números.
A massa é representada por números, por isso, parece razoável que o que se diz sobre
números também diga algo semelhante sobre a massa.
Qualquer que seja o equipamento de medida haverá uma característica que é geral para
todos eles, seja um super-microscópio, que atualmente tem uma resolução que permite que
cientistas consigam enxergar estruturas de cerca de 100 nanômetros, ou seja, na precisão dos
sensores dos aceleradores de partículas; a precisão será sempre finita. E, consequentemente,
os números que se obtém também. Desta forma, mesmo se reunirmos todos os equipamentos
de medida mais sofisticados do planeta de uma grandeza específica, ocorrerá um intervalo de
números obtidos.
A precisão dos equipamentos de medida revela um aspecto importante, o que faz com
que um equipamento mostre um valor em vez de outro, sabendo-se que, devem-se existir
valores intermediários, visto que as grandezas “contínuas” tornam-se mais precisas à medida
que a precisão dos equipamentos aumenta. Ou seja, com o aumento da precisão, novos
números surgem para uma dada grandeza. Isto indica que devam existir valores
intermediários, algo que se conhece dedutivamente.
Portanto, o equipamento disponibiliza apenas valores discretos; e para estes
equipamentos, não se utiliza a informação de que o valor medido encontra-se entre dois
valores discretos. Isto indica que tanto o sujeito que mede e equipamentos de medida de
tecnologias digitais utilizam de critério para decidir se considera aquele valor como o valor
imediatamente inferior àquele valor indefinido, ou deva decidir pelo valor imediatamente
superior. De fato, uma decisão aqui é necessária, pois a indecisão seria algo indesejável para
42
um instrumento cuja vantagem25 principal é justamente dispensar julgamentos que o sujeito
mensurador deve assumir com relação a qual valor numérico deve ser o mais adequado para
uma dada medida.
A medida sempre será uma estimativa, um valor aproximado. Escolhe-se o valor que
melhor atenda a um corpo teórico, para melhor preservar a consistência e acuracidade do
funcionamento do equipamento frente à teoria que permitiu a sua construção. Lembrando que
no resultado de qualquer medida existe ainda uma margem para o erro, de aferição de
equipamento, e de interpretação do resultado tanto do equipamento quanto do sujeito
mensurador. Este desvio nos possibilita saber o que de fato, é o valor que para nós descreve o
valor que temos confiança que melhor descreve a natureza em termos de quantidade. Neste
caso, ao ser aplicado, o valor originado do equipamento que era discreto, passa a ser um
intervalo. O que resgata a continuidade e incomensurabilidade que acreditamos que a natureza
possui. Visto que a natureza presumivelmente possui componentes contínuos, intuitivamente
observada mediante meios analógicos de instrumentos, mas que são impossíveis de
determinar. A este respeito Otte afirma que:
Quando medimos também obtemos multiplicidade. Cada ato de medir por si só produz
um resultado distinto, mesmo que o objeto medido seja o mesmo. E a dispersão dos
valores medidos é tanto maior quanto mais refinados forem os nossos métodos e
quanto melhor apreendermos com eles a realidade. É de estranhar que o período préindustrial tenha experimentado, por um lado, uma crescente diversidade da realidade
enquanto, por outro, acreditava poder estabelecer uma unidade, mas foi uma unidade
da teoria em oposição à multiplicidade da realidade. OTTE (1991, p.224)
Os instrumentos, tais como osciloscópios, nos fornecem além de quantidade variável
no tempo, a forma de uma oscilação de tensão. Por meio da forma de variação de tensão
temos uma clara noção da continuidade da onda, por exemplo, a onda senoidal ou onda
quadrada. Para uma onda quadrada, encontramos duas formas de entendimento.
Em relação à aplicação com fins digitais, compreende-se que a onda quadrada é
descontínua e, além disso, apresentam-se na camada física apenas dois valores discretos. Uma
função pode ser descontínua e não estar limitada a valores discretos, e também pode ser
contínua e apresentar um valor discreto. Mas o que é necessário entender em termos de
aplicação, é que na camada física de um processo computacional, os valores se apresentam
como uma seqüência de valores de tensão que podem ser entendidos como nível alto ou nível
25 Muitas vezes esta vantagem é vista como uma desvantagem, pois afasta o objeto do julgamento do sujeito
mensurador, é por este motivo que em muitos procedimentos de medida não são dispensados os instrumentos
analógicos. Muitos técnicos em eletrônica preferem o movimento do ponteiro, pois o digital não permite
verificar uma variação contínua no tempo de uma dada grandeza. Exemplo deste tipo é visto em testes de
capacitores, que é necessário observar a carga e descarga deste componente, o equipamento digital é incapaz
de mostrar.
43
baixo. Ela é contínua no intervalo do tempo em que permanecer em qualquer destes níveis.
Entretanto, em termos físicos, a passagem de um nível para outro não se dá
instantaneamente. E num osciloscópio de precisão é possível encontrar valores contínuos
entre estes dois níveis. Na verdade, forma-se uma rampa de variação de tensão entre os dois
níveis. O intervalo de tempo de pulso em que um processador considera como sendo pulso
(seja ele positivo ou negativo) é que determina se o tempo da rampa vai interferir neste
processo.
Assim, temos duas formas de compreender, uma não enxerga a rampa e a outra
enxerga. Porém, isso não significa que a rampa deixa de existir, apenas que uma delas não
encontra aplicação para a sua existência, e o caráter contínuo da onda quadrada não tem
qualquer finalidade. Acreditar na existência de algo não indica que este algo deva ser
aplicado.
No momento da medição se crê que existe continuidade, contudo, no instrumento, se
lê números inteiros, em forma de dados, normalmente ordenados por seqüência de sucessores
unitários. Após nossa leitura, verificamos o fator de desvio, e finalmente adotamos um
intervalo como medida de uma grandeza. Isto significa que até mesmo na prática, colocamos
nossa compreensão de que há continuidade nas coisas. As coisas são analógicas, mesmo
quando verificamos que num instrumento é fornecido um valor discreto (digital).
Voltando ao osciloscópio, sabemos que com ele é possível observar a potência gasta
num circuito resistivo através da sua relação (diretamente proporcional) com a tensão elétrica.
Quando temos uma tensão contínua, temos uma linha reta com valor constante; e a energia
dissipada em forma de calor é um valor constante ao longo do tempo. Quando temos uma
tensão alternada, a onda se apresenta como uma linha contínua, cuja variação pode-se
reconhecer pelas suas regularidades.
A potência dissipada ao longo do tempo é variável, depende do instante de tempo, mas
seu valor médio dentro do ciclo é constante. A tensão alternada cujo centro for a tensão zero,
terá uma média zero, mas a potência dissipada não. E isso parece contraditório, pois a
potência dissipada num circuito resistivo é proporcional à tensão. A potência não é uma
grandeza vetorial, ela indica uma relação de trabalho realizado pelos campos elétricos.
Quando os elétrons circulam no circuito num sentido, estes aquecem o resistor, quando eles
estão submetidos a uma tensão cujo sinal é oposto, os elétrons seguem um caminho oposto.
Ou seja, eles continuam a passar pelo resistor e a aquecê-lo.
Para o pesquisador, observa-se uma potência total constante ser dissipada dentro de
44
um intervalo de tempo. Ele verificou uma regularidade do tipo: em x segundos sempre
dissipará y watts. Mas estes x segundos não poderão ser de qualquer valor. Suponhamos que
venhamos a buscar valores cada vez menores de x, o que encontraremos é uma quantidade
cada vez menor de y, e se colocarmos em série destes intervalos, encontraremos valores de y
variáveis ao longo do tempo. Mas esta quantidade variável de potência dissipada que, na
verdade, vai de um pico positivo a zero e de volta, pode ser novamente enxergada de dois
pontos de vistas. O primeiro refere-se à visualização de sua variação infinita ao longo do
tempo. E outra como um valor médio constante. Uma forma é contínua e a outra discreta.
O osciloscópio mostrará o valor contínuo, e se quisermos saber o valor da tensão num
dado instante, deve compreender que, na verdade, o tempo é definido em fases de um ciclo.
Afinal, num comportamento regular, os eventos se repetem em intervalos iguais de tempo,
então podemos entender o início de um ciclo como um novo referencial de tempo. Assim,
cada intervalo do ciclo é entendido como tempo. Por isso, podemos citar 45o ou 1/4 de onda
como tempo decorrido, porque sempre a fase estará associada a uma função do tipo θ = θо + ft
(sendo θ a fase no tempo t, θо fase inicial, f como freqüência e t como tempo decorrido).
Em cada instante de tempo, é possível plotar a amplitude da onda num osciloscópio.
Deste modo, reconhecemos numa determinada fase um valor de amplitude. Esta amplitude é
considerada como o valor instantâneo naquela fase da onda. O valor fornecido por este
instrumento é como um valor de um número fornecido em uma unidade de medida. A
capacidade do osciloscópio de fornecer números é limitada pela precisão, apesar de que a
forma da onda mostrada pelo equipamento é de uma variação contínua. Isto é visto com muita
naturalidade pelos usuários de tais equipamentos. Pois, para estes, não interessa um número
com uma precisão extraordinária, para ele, é necessário apenas o ordinário; aquilo que eles
podem aplicar com confiança.
A amplitude instantânea, na verdade, não passa de um limite envolvendo duas
grandezas (tensão e tempo). Por isso, o usuário poderá afirmar que naquela fase há uma
amplitude de valor 3.1V ± 1%. Em nível de aplicação, existe o mais ou menos, ou seja, a
quantidade é um intervalo, mas na leitura de um instrumento sempre levantará um número
para grandeza e um número para o desvio.
Vejamos outro exemplo de potência dissipada num circuito resistivo alimentado por
uma tensão alternada. Utilizando-se de um voltímetro digital, um técnico verifica a rede.
Observa que a tensão das tomadas de uma casa é de 110Vrms 26. Na verdade, o que ele obtém
26 Também chamada tensão eficaz, equivalente a 1/√2 da Tensão de Pico.
45
é uma média de um potencial que pode servir para a dissipação de potência. Pois se fosse a
média entre seus valores positivos e negativos obteríamos um valor nulo. Neste caso, esta
média revelaria algo falso, haja vista que se encostarmos a mão num resistor alimentado numa
rede deste tipo, verificaríamos que ele aquece e, portanto, que há corrente elétrica circulando
por ele.
Desta forma, para permitir que se possa ter a compreensão de qual o valor da tensão
elétrica útil, criou-se este tipo de medida, chamada valor médio quadrático ou valor eficaz. A
partir da razão de tensão de pico da onda senoidal e a √2 é possível determinar um valor
médio (tensão de meia amplitude). Ou seja, esta operação de tornar uma onda continuamente
variável no tempo em um valor discreto é feito por meio de um fator irracional! Ou seja, este
valor médio, na verdade, é um esforço para transformar infinitos valores em um valor
representativo de acordo com a potência dissipada num circuito.
Assim, em vez de uma senoidal com infinitos valores até um pico positivo e negativo,
teremos um único valor. Se alterarmos os valores das amplitudes, ou de sua freqüência,
teremos alterações neste número fornecido pelo instrumento. Se o usuário do instrumento não
for ingênuo, saberá o que este número representa, e que a medida da tensão rms, como
qualquer medida, é uma intervenção sujeita aos desvios por parte do sujeito mensurador e do
próprio instrumento. Por isso, deverá considerar que a medida mostrada pelo display é um
valor referente de um intervalo, forma pela qual se caracteriza como número na aplicação.
Podemos entender a margem de números disponibilizada pelos instrumentos como um
conjunto de números compreendidos entre um intervalo que podem ser expressos pelas
proposições de Peano. 27 Mas é preciso lembrar que a possibilidade de compreensão dos dados
fornecidos pelos instrumentos como números, que possuem certas propriedades dos números,
não é o mesmo que falar que os dados são números. Pois refletem quantidades e estas não
encerram as propriedades dos números. Tudo que é dito aqui, é referente a algumas
possibilidades de compreender um dado como número, e não que são números.
Assim, poderemos observar a ordinalidade das quantidades fornecidas. Por exemplo,
se aumentarmos a velocidade de um carro. O valor imediatamente mostrado será o acréscimo
de uma unidade correspondente à precisão do velocímetro. Assim se dá do valor inicial
indicado por um número, até o último, correspondente ao valor máximo suportado pelo
medidor.
27 Com exceção do 5° postulado, pois não cabe aqui a compreensão de números indutivos, afinal, as
quantidades em termos de medida de um instrumento são finitas.
46
Já a cardinalidade é expressa como o “conjunto de todas aquelas classes similares à
classe dada.” RUSSELL (2007, p.78). O que é algo altamente significativo, tendo em vista
que os números levantados são frutos de uma relação; relação que fundamenta o
funcionamento e a construção do instrumento. O número tem relação com uma quantidade, e
esta quantidade está relacionada a uma dada grandeza. Grandeza esta não compreendida a não
ser como uma relação entre outras grandezas, numa relação um a um.
A grandeza por si mesma pode ser vista por meio da relação exclusivamente com a
unidade ou são medidas por meio da assunção de que esta grandeza possui relação com outras
grandezas. Assim é para determinar a massa de um corpo. Para isso, medimos a força-peso,
expressa pela relação da distensão de um corpo elástico. Ou seja, a massa é determinada por
meio da sua relação com a grandeza força e esta por sua vez tem relação com a grandeza
comprimento da distensão de um meio cujas propriedades com relação à força são
previamente conhecidas por outras experiências. A cardinalidade do ponto de vista de Russell
está contemplada pela concepção de olhar o intervalo entre as medidas possíveis como um
conjunto dos números naturais de um intervalo. E, este conjunto está relacionado a um
conjunto de quantidades de grandezas.
Os valores discretos representantes de uma variação contínua é uma extensão do
fenômeno contínuo (intensão). A forma intensional representada num gráfico ou equipamento
tal qual osciloscópio, sismógrafo ou eletrocardiograma é possível plotar relações um a um
entre amplitudes (intensidades) e a linha do tempo ou outra grandeza. Mas para fazer tal
locação, temos que designar um valor discreto para as grandezas relacionadas em cada ponto
analisado. Em qualquer forma de mensuração, considerando ou não a continuidade, haverá
formas intensionais e extensionais sendo aplicadas. Diferentes ênfases são dadas, mas os dois
aspectos estarão presentes nas medidas e nas contagens.
1.8 A contagem
A contagem é realizada por meio da disposição ordinal. Sua principal característica é a
ordinalidade. A contagem é uma espécie de medida, mas se distingue desta por não se basear
no número enquanto cardinalidade.
Quando se conta? Ora, só se conta elementos discretos. O tempo, por exemplo, é
contínuo, por isso, atribuímos uma cadência de eventos que são regulares como forma de
47
contá-lo. Os objetos contáveis os são por meio da possibilidade de distinguir cada unidade de
grandeza entre outras. A massa poderá ser contada se fizermos uma separação de blocos de
unidades de massa. O espaço, também contínuo, por meio de divisões sucessivas de unidades
de comprimento. De fato, tudo isto é muito intuitivo, mas algumas grandezas não são
exatamente desta maneira, como as grandezas derivadas.
Outros aspectos, além destas relacionadas aos instrumentos podem ser observados
quanto à contagem. E este termo encontra algumas particularidades que o distingue da
medida, apesar de que ambos vêm responder a pergunta: quantos?
Por outro lado, a contagem é um ato de determinação de quantidade estabelecida a
partir da ordem dos objetos individuais. Por isso, na contagem, é fundamental os conceitos de
sucessor e antecessor.
Os objetos possuem relação enquanto componentes de uma classe. Na contagem,
distinguem-se cada objeto contado por meio da conformação ordinal, enquanto a medida por
seu valor cardinal por meio da comparação entre classes de conjuntos. A relação que envolve
o valor cardinal da medida pode envolver amostra ou o todo de algo a ser medido.
Aqui se revelam as principais aplicações da contagem: servir de referência para a
construção de instrumentos de medida e a determinação da quantidade de objetos individuais
de um conjunto dado.
A contagem, enfim, representa uma operação concreta, pois esta exige um conjunto de
elementos definidos, que existem no tempo e no espaço. A correspondência da palavra e
termo contável é frequentemente completada pelo ato de apontar e, esse ato exige três
momentos de correspondência:
- correspondência, no tempo, entre a palavra e o ato de apontar;
- correspondência, no espaço, entre o ato de apontar e o elemento da coleção e
- resultado da correspondência da palavra e do elemento.
Assim, o ato de apontar cria uma unidade espaço-tempo, conectando a entidade, ou
elemento existente no espaço e a palavra existindo no tempo. O processo de contagem é, pois,
mediado pelo ato indicativo e pela palavra.
O aspecto ordinal acaba se confundindo com o cardinal, pois para que se chegue a
este, os objetos da coleção devem ser contados e ordenados. Para contar, a criança tem de
passar de um cardinal a seu sucessor - e este é o aspecto ordinal. Ao se fazer a contagem, o
aspecto ordinal é que prevalece, não havendo mais a necessidade de um conjunto-padrão para
a correspondência. No final, o número adquirido é normalmente entendido com seu aspecto
48
cardinal. Por exemplo, um militar, ao contar sua tropa, verifica que havia 37 soldados, ele
sabe que está faltando dois soldados porque este cardinal corresponde a dois a menos que o
total previsto de soldados desta tropa.
A contagem neste tópico foi apresentada de forma primária, do ponto de vista da
aplicação, a explicação de contagem é mais elaborada na matemática. Retomaremos este tema
nos próximos tópicos, especialmente no tópico da Axiomática de Peano.
1.9 Conclusões
A medida e a contagem são operações, e como tal, possuem dois elementos básicos,
ação e planejamento. São ao mesmo tempo, teóricos e práticos. Muitas teorias são
interessantes para defini-los, como as Teorias da Medida. Mas estas se preocupam com o
aspecto teórico (como o próprio nome sugere), mas está interligada à prática por meio da
viabilidade do procedimento da medida, que a envolve, mas não é seu objeto real de estudo.
Já na prática da medida, preocupa-se com a possibilidade de ter fidelidade a realidade
prática. A correspondência entre o resultado do fenômeno e a intervenção para modificar o
fenômeno como se desejar encontrar vestígios com a teoria, que envolve a prática, mas não é
o seu objeto real. Tanto a prática como teoria a são complementares, tanto a ação prática tem
seu conceito e objeto do conceito. A prática teórica tem seus objetos e seus conceitos de
objetos. Ambos formam as operações de medida e contagem. São, portanto, realizados com
mediações ligados por meio da complementaridade entre os seus aspectos intensionais e
extensionais, assunto do próximo capítulo.
49
CAPÍTULO II
2. A COMPLEMENTARIDADE DE MICHAEL OTTE
2.1 Complementaridade
O termo complementaridade refere-se a conceitos opostos que se corrigem
reciprocamente e que se integram na descrição de um fenômeno. Assim, por exemplo,
chamam-se complementares os conceitos de onda e de corpúsculo para a descrição dos
fenômenos ópticos na moderna mecânica quântica. O princípio da complementaridade
formulado por Bohr exprime a incompatibilidade da mecânica quântica com a concepção
clássica da causalidade. Exprime-se assim: “Uma descrição espacio-temporal rigorosa e uma
seqüência
causal
rigorosa
de
processos
individuais
não
podem
ser
realizados
simultaneamente; ou uma ou outra deve ser sacrificada” ABBAGNANO (2007, p.181) Um
exemplo disso, podemos encontrar no cara-coroa das moedas, que não são capazes de mostrar
ambas as faces ao mesmo tempo.
Ou seja, a idéia de complementaridade está associada ao caráter dual de algo. Como a
natureza dualística de onda e corpúsculo da luz e matéria. Não se pode confrontar ambos os
caracteres na mesma experiência, pois leva a uma contradição.
Se se criar uma situação que obrigue o elétron a revelar fortemente o seu caráter
ondulatório, a sua natureza corpuscular tornar-se-á inerentemente indistinta.
Modificando-se as condições, de modo a evidenciar mais fortemente seu caráter
corpuscular, a sua natureza ondulatória ficará necessariamente indistinta. RESNICK
(1984, p. 313)
Ou seja, quanto mais realçarmos numa experiência um aspecto de um fenômeno, o seu
complemento será mais ofuscado. “[...] quando mais yin tanto menos yang e reciprocamente.”
BUNGE (1973, p.123). Niels Bohr foi o primeiro a evidenciar, no seu princípio de
complementaridade, como idéias de ondas e partículas se complementam em vez de se
contrariarem.
BUNGE apresenta que o princípio de complementaridade de Bohr se caracterizava por
ser: uma especificação e uma re-interpretação do dualismo geral. Quanto à re-interpretação do
dualismo geral, “pretendia dizer respeito mais ao complexo sujeito-objecto do que aos
microsssistemas existindo autonomamente.” BUNGE (1973, p.123)28
28 Embora seja um princípio que teve um grande prestígio para a Física no início das investigações sobre
50
A complementaridade é também investigada do ponto de vista epistemológico da
matemática por Michael Otte. Afirma: “Nós chamamos a atenção para o fato de que o
pensamento moderno é caracterizado por uma diferenciação teórico-tipológica básica entre
conceito e objeto do conceito.” OTTE (1991, p.221)
Meios (conceitos) e objetos devem ser complementarmente diferenciados em cada
momento da atividade cognitiva individual, mas eles desempenham no
desenvolvimento global do conhecimento um papel totalmente simétrico. Estas
simetrias (diferença e conexão) entre objeto e meio fundamentam o nascimento e a
dinâmica da matemática pura no século XIX. Estas simetrias implicam que tanto o
conceito quanto o objeto possuem um caráter complementar. A complementaridade,
como constitutiva de uma fenomenologia ou psicologia da atividade cognitiva em si
[...] OTTE (1991, p.222)
Esquematicamente, ele representa a relação entre objeto e meio da seguinte maneira:
−
O objeto e o meio estão conectados: “Também a matemática não pode progredir uma
orientação exclusivamente aos métodos universais e formais. Isto conduziria ao final, à
mecanização e à formalização da própria atividade matemática. Também a matemática
constrói conceitos específicos.” OTTE (1991, p.225)
−
O objeto e meio mantém-se em oposição. “[...] os objetos são, como a própria palavra
indica, resistência ao conhecimento, e os problemas não produzem por si só os meios de
sua solução.” OTTE (1991, p.225)
Otte apresentou a complementaridade do caráter intensional e extensional dos termos
ou conceitos.
As teorias axiomáticas modernas tornam-se, de um lado, teorias intensionais no sentido
que os axiomas como um conjunto de postulados não somente determinam as intensões
dos termos teóricos, mas também constituem as extensões ou referentes. Em geometria
euclidiana, os objetos sobre às quais a teoria fala parecem ser dados por intuição, e
independentemente da teoria. Na Geometria Hilbertiana a situação é totalmente
diferente. 29 [...] OTTE (2003, p.204)
Os termos extensional e intensional podem ser entendidos como formas de se tratar
conceitos. Ou seja, o adjetivo extensional refere-se a denotação dos conceitos, já o adjetivo
intensional se refere a modalidade dos conceitos.
Para entendermos, portanto, os termos extensional e intensional e como eles permitem
uma compreensão das principais maneiras de compreensão de conceitos como números, a
Mecânica Quântica, para muitos físicos como BUNGE (1973, p.124-125), a complementaridade significa
atualmente, uma “desculpa para a obscuridade e para a inconsistência” (1973, p.125).
29 Modern axiomatized theories became, on the one hand, intensional theories in the sense that the
axioms as a set of postulates not only determine the intensions of the theoretical terms, but also
constitute the extensions or referents. In Euclidean geometry, the objects about which the theory speaks
seem to be givens by intuition, and independently of the theory. Hilbert's geometry, the situation is quite
different.
51
forma de tratar pode ser classificada pela forma intensional e extensional. Otte defende que as
duas formas não representam de maneira completa e isoladamente, mas que devem ser vistos
como complementares entre si.
Torna-se óbvio que as relações entre as intensões e extensões de termos matemáticos
são mais complicados que uma lei clássica do inverso das distâncias sugere. Intensão e
extensão tornam-se relativamente independentes uma da outra e são conectadas
circularmente ou complementar uma da outra. OTTE (2003, p.205) 30
O termo extensional refere-se a denotações. Denotação teve origem da aplicação da
palavra conotação, e apesar de surgir da lógica escolástica, teve uma significação atualizada
por Stuart Mill, que o distinguiu os nomes conotativos e não conotativos (denotativos).
Isto nos leva à terceira grande divisão dos nomes, em conotativos e não-conotativos,
estes últimos muitas vezes, mas impropriamente, chamados absolutos. [...]
Termo não conotativo é aquele que denota um sujeito somente, ou um atributo apenas.
Conotativo é o termo que denota um sujeito e implica um atributo. Por sujeito é preciso
entender qualquer coisa que possua atributos. Assim, João, Londres ou Inglaterra são
nomes que denotam um sujeito apenas. Nenhum destes nomes, portanto, é conotativo.
Mas branco, comprido, virtuoso, são conotativos. A palavra branco denota todas as
coisas brancas, como neve, papel, a espuma do mar, etc. MILL (1974, p.93-94)
Conotação de Stuart Mill corresponde, portanto, a compreensão da Lógica de PortRoyal, e intensão da lógica leibniziana e contemporânea. Enquanto denotação refere-se a
extensão. Assim, hoje se entende conotação-denotação como intensão-extensão. Daí, a
compreensão extensional é aquilo a qual se refere.
É comum referir-se a uma lógica como intensional a qual seus termos representam
propriedades ou conceitos em lugar de objetos que têm estas propriedades. Defende-se que a
lógica de Leibniz fosse intencional por este usar uma simbologia para representar conceitos e
suas relações.
2.2 Extensão e Intensão
Frege disse:
30 [...] it becomes obvious that the relations between the intensions and extensions of
mathematical terms are more complicated than the classical law of inverse range suggests.
Intensions and extensions become relatively independent from each other and are circularly
connected or complementary to each other.
52
a, b, c são linhas conectadas nos vértices de um triângulo com os pontos médios de
seus lados opostos. O ponto de interseção de a e b é então o mesmo ponto de
interseção de b e c. Então nós temos diferentes designações para o mesmo ponto, e
estes nomes (‘ponto de interseção de a e b’, ‘ponto de interseção de b e c’) do mesmo
modo indica o modo de apresentação, e aqui a declaração contém o atual
conhecimento. FREGE (1997, p.31)
Quanto aos conceitos, Otte lembra-nos de dois elementos que os constituem: a
extensão e a intensão. “A compreensão (ou intensão) de um conceito é o conjunto das
propriedades que são comuns a todos os sujeitos ou objetos (que formam a sua extensão).”
OTTE (1994, p.71) Para o exemplo fornecido por Frege, o ponto de interseção de a e b e de b
e c, representa a extensão comum entre diferentes intensões. Extensão e intensão são termos
encontrados em conceitos ou definições. Este trabalho trata de procedimentos ou formas de se
definir os números do ponto de vista da aplicação. Isto significa que a definição ou
conceituação é o elemento central desta discussão, além do número. As definições de termos
como números contêm extensões e intensões em sua estrutura, devem ter sentidos e
significados, e a ênfase que se dá na forma (intensional ou extensional) ou a forma
complementar de ambas, revela o que se acredita a respeito da matemática e suas aplicações.
Assim, “A extensão (ou denotação) de um conceito é o conjunto de seres ou
objetos que o conceito abrange e aos quais se aplica.“ OTTE (1994, p.71).
A compreensão e a extensão agem reciprocamente, como afirma Otte:
Por isso, a ação recíproca entre os conceitos matemáticos e as representações deles, ou
entre extensão e intensão dos conceitos, é muito importante. Essa ação recíproca
poderá ser desenvolvida só quando entendermos que os conceitos matemáticos (os
conceitos teóricos em geral) denotam relações entre objetos (ou entre outras relações já
construídas). OTTE (1994, p.71).
Em outras palavras, utilizando o exemplo do conceito de energia, podemos
31 Let a, b, c be the lines connecting the vertices of a triangle with the midpoints of the opposite sides. The
point of intersection of a and b is then the same as the point of intersection of b and c. So we have different
designations for the same point, and these names ('point of intersection of a and b'; 'point of intersection of
b and c') likewise indicate the mode of presentation, and hence the statement contains actual knowledge.
53
perceber que sua compreensão não seria possível sem a relação entre os componentes da
extensão da energia: a energia cinética, a energia potencial etc. Além disso, a relação entre os
tipos de energia (extensão) não seria possível sem algo que os unificassem em mesmas
propriedades (intensão).
FREGE (1974) nos dá exemplos de apreensão de equações através da definição
das extensões com base em um enunciado.
O juízo: a reta a é paralela à reta b. Assim, a // b.
“Da semelhança geométrica resulta o conceito de forma.” FREGE (1974, p.255).
Quanto à forma, é possível encontrar semelhanças geométricas entre as representações
geométricas de dois enunciados, possibilitando a introdução de valores de significado entre os
conceitos. Isto é, que a reta a é paralela à reta b o que significa que a direção da reta a é
igual à direção da reta b.
Após isso, Frege apropria-se por conveniência de um conceito de Leibniz: “São iguais
as coisas que salvo a verdade, podem ser substituídas uma pela outra.” FREGE (1974, p.255).
Deste modo, se pode substituir a direção de a pela direção de b.
Conclusão: direção de a = direção de b.
A direção de a é igual a q.
“q é uma direção se existe uma reta b cuja direção é q.” FREGE (1974, p.257)
“q é igual à direção de b.”(1974, p.257)
A direção da reta a é a extensão do conceito paralelo à reta a.
Frege afirma ao introduzir q: “estaríamos tratando a maneira como é introduzido o
objeto q como uma de suas propriedades, o que ela não é”. FREGE (1974, p.257).
Esta definição, assim como todas as definições, não enuncia, enquanto tal, nada sobre
ele; mas estipula o significado de um sinal, neste caso, q.
Assim, se a extensão do conceito reta paralela à reta a é igual a extensão do conceito
reta paralela à reta b, e inversamente: se as extensões dos conceitos mencionados são iguais,
a é paralela a b.
Otte esclarece um pouco mais a respeito deste assunto:
O tema principal da matemática é essencialmente constituído pela observação de
identidades ou igualdades e diferenças. As características essenciais de um ato de
criação imaginativa consistem em ver um A como um B: A=B. Uma tal equação pode
significar que A e B são aspectos de uma mesma substância. Na terminologia fregeana,
isto significa dizer que A e B são diferentes intenções de uma mesma extensão ou que
são representações com um referente compartilhado, mas com significados diferentes.
OTTE (2001, p.47)
54
E completa:
Isso pode também, contudo, ser interpretado em termos funcionais ou em termos de
uma relação de causa e efeito. Neste caso, A = B significa algo como A produz B ou B
é um resultado ou uma representação de A. OTTE (2001, p.47)
2.3 Função
O conceito de função torna-se importante aqui, pois processos de medição são
baseados nas funções. Frege trouxe da lógica o conceito de extensão, pois como afirma OTTE
(2001, p.47), todo trabalho de Russell sobre função baseou-se nesta noção trazida por Frege.
Esta noção aqui oferece a oportunidade de estabelecer um relacionamento entre
matemática e lógica, mesmo se é verdade que, em linha com a separação dos campos
de trabalho próprio para matemática e lógica, representações exemplares diferentes dos
termos de ‘função’ existem em matemática de um lado, e lógica do outro. Para a
matemática e ciências exatas, o conceito de lei natural produz o caso prototípico de
uma função. Para lógica, contrariamente, uma função ou é uma função proposicional,
ou uma fórmula algébrica. OTTE (2001, p. 47) 32
Otte afirma
que o
entendimento
de função:
“[...]
significa entender a
complementaridade das fórmulas concretas e da relação abstrata [...]” OTTE (2001, p.55).
Assim,
A função é simultaneamente qualitativa e quantitativa, conceitual e construtiva. Ela é
conhecimento (idéia total) e instrumento (fórmula de cálculo) ao mesmo tempo. Esse
conceito tem de ser entendido, obviamente, como um todo, como uma idéia universal,
tanto como uma mera coleção ou conjunto de relações de entrada e saída (input –
output). Essa dualidade é inevitável enquanto nós acreditamos que as funções devem
antes ter certas propriedades, continuidade, por exemplo, para serem matematicamente
interessantes, do que serem concebidas em meros termos da teoria dos conjuntos.”
OTTE (2001, p.54)
Os conhecimentos necessários para o entendimento das fórmulas são complementares,
envolvendo conhecimentos relacionais e instrumentais. Sem o instrumento da equação,
compreender a sintaxe, as operações, procedimentos de substituição de termos, não se
potencializa a aplicação. Sem um conhecimento relacional não se concretiza os recursos que o
instrumento (fórmula) oferece. “[...] uma relação não inclui sua aplicação e emprega, por si
32 This notion hence offers the opportunity of establishing a relationship between
mathematics and logic, even if it is true that, in line with the separation of the fields of work
proper to mathematics and to logic, different exemplary representations of the term of
'function' exist in mathematics on the one hand, and logic on the other. For mathematics and
the exact sciences, the concept of natural law yields the prototypical case of a function. For
logic, against that, a function is either a propositional function, or a algebraic formula.
55
própria, sua função de referente ou de mediação.” OTTE (2001, p.51)
Michael Otte, nesta oportunidade, diz: “Por si mesmos, uma lei, um signo ou um
argumento não podem ser a causa de qualquer coisa.” OTTE (2001, p.51). Pois: “[...] qualquer
signo pode significar muitas coisas diferentes, dependendo do contexto [...]” OTTE (2001,
p.51).
Em termos da Teoria dos Conjuntos as funções são compreendidas como relações xRy
unívoca à direita. OTTE (1991, p. 227).
2.4 Complementaridade dos números
Os números podem ser compreendidos de dois pontos de vista, tal qual a analogia da
moeda da complementaridade de Bohr. Podemos ver duas faces da mesma moeda no caso dos
números. Nenhuma delas é suficiente para descrevê-la. Ora podemos ver uma face, ora outra.
No entanto, a complementaridade proposta por Otte, nos lembra que não será apenas pela
descrição de uma das faces que determinará a natureza da moeda. Mas as duas faces se
complementam, e uma descrição complementar é uma descrição distinta de qualquer das
descrições das faces. É mais complexa, pois a forma de descrever, em termos extensionais ou
intensionais, é completamente diferente uma da outra, e sendo um complemento do outro, a
descrição complementar não segue nem a forma extensional nem a forma intensional.
Sabemos que as analogias são formas rudimentares de indicação de relações. Mas elas
são úteis para formar imagens sobre objetos. Não são confiáveis, mas permitem uma linha de
raciocínio. No caso dos números, proponho perscrutar a imagem da moeda.
A coroa da moeda apresenta um símbolo, uma representação. Mas isso não quer dizer
muito, pois este símbolo deve estar associado a um sistema financeiro, que por sinal, vai
disponibilizar quais seus significados, dentro de estruturas numéricas como: funcionais
(câmbio, por exemplo) e aritméticas (contábeis).
Outras estruturas são fornecidas pelo outro lado da moeda, cara. Ao qual indica o país
de origem. A cara significa sua intensão, enquanto moeda de um país; e sua coroa representa
sua extensão, representação numérica de valor econômico.
Quaisquer dos lados, grosseiramente falando, dizem alguma coisa a respeito da moeda.
Ambos os lados são complementares, em termos de compreensão de moeda. Ainda assim,
podemos compreender as moedas em termos da aplicação, quando se faz necessário conhecer
os significados e sentidos revelados pelos dois lados.
56
A concepção dos números, do ponto de vista da axiomática moderna, pode ser bastante
representativa a partir da análise de dois pontos de vista diferentes: a abordagem de Peano
(intensional) e a de Russell (extensional). Do ponto de vista da aplicação, ou seja, no campo
da interpretação sobre os números, ora se observa um ponto de vista dos números, ora se
observa outra perspectiva.
Deste modo, aplicando os números, podemos seguir um caminho de interpretação dos
números de maneira unilateral; ou podemos compreender que, para cada caso particular,
existem duas formas diferentes de observar. Estas duas formas podem ser postas a uma
disposição tal, que o resultado seria uma noção mais completa de número.
Talvez não seja possível, desta maneira, definir número geral, e nem mesmo ser
necessário. Já que nem tudo que aplicamos necessita-se definir; pois atualmente, se vê nas
definições algo que limita a compreensão dos termos. Para certos conceitos, parece não
possuir fronteiras bem definidas e qualquer tentativa deste tipo, sempre levará a um
ceifamento de aspectos que podem ser importantes para uma dada aplicação. Logicamente,
não há uma conclusão que seja mais ou menos verdadeira quanto a esse assunto. Definir ou
não o número depende do pensamento e da circunstância em que o sujeito estiver envolvido.
Faz sentido definir número? Este debate é profícuo? Há urgência para esta discussão?
De fato, o número é algo importante para ser debatido. Mas isso não significa que deste
debate se retirará ou deverá retirar uma noção definitiva. Mas é, sem dúvida, importante
sabermos abrir perspectivas.
Vejamos um exemplo deste tipo de abordagem através da discussão de parte do livro
APLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET AO ENSINO DA MATEMÁTICA, de Luiz
Alberto S. Brasil, que faz a seguinte observação:
No capítulo III (Números) abordamos a noção de número, deixando subentendido que
cada número caracteriza uma propriedade comum a uma infinidade de conjuntos: assim
todos os conjuntos constituídos por um par de elementos tem em comum a propriedade
de ter dois elementos. BRASIL (1977, p.39)
A abordagem construtivista deste autor busca na teoria dos conjuntos a estratégia de
tratar intuitivamente a noção de número. Ou seja, sua forma de tratar números está
relacionada à quantidade de objetos de uma coleção. A compreensão de eqüipotente é tratada
aqui. E as relações numéricas como: o igual, o maior e o menor são vistas por meio de
comparações um-a-um de objetos de conjuntos.
Alguns questionamentos podem ser levantados, como a definição de número como
propriedade comum a uma infinidade de conjuntos. Ou seja, é uma propriedade de coisas
57
exteriores, como conjuntos? Uma composição semelhante ao de Cantor, “quando chama a
matemática de ciência empírica, na medida em que começaria pelo exame de objetos do
mundo exterior. Apenas por abstração a partir de objetos surgiria o número.” FREGE (1974,
p.225). Quanto à questão de ser o número uma propriedade, questão defendida por Mill: “O
nome de um número designa uma propriedade que pertence ao agregado de coisas que
denominamos pelo nome; e esta propriedade é a maneira característica pela qual o agregado é
composto ou pode ser decomposto em partes”. MILL apud FREGE (1974, p.227)
Sua concepção de número é baseada numa abordagem da Teoria dos Conjuntos, teoria
esta que não é absolutamente uniforme na sua forma de pensar seus conceitos. Em termos
atuais, não prevalecem concepções que atribuem uma realidade física aos números. Esta
dificuldade de atribuir aos números como conjuntos foi também bastante discutida, pois os
números 0 e 1 levariam a inconsistências. Além disso, a existência de paradoxos na Teoria dos
Conjuntos deveria ser evitada.
Russell considerava o número como “qualquer coisa que é o número de alguma
classe” RUSSELL (2007, p.37) e que o “número de uma classe é a classe de todas as classes
que são similares a ele” RUSSELL (2007, p.36). As classes para Russell não faziam parte da
“mobília fundamental do mundo” RUSSELL (2007, p.216).
Assim,
Não podemos tomar classes da maneira extensional pura como meros montes ou
conglomerados. Se fossemos tentados a isso, nos pareceria impossível compreender
como pode haver uma classe como a classe nula, que não tem absolutamente nenhum
membro e não pode ser considerada um “monte”; nos pareceria também muito difícil
compreender como é possível que uma classe que tem apenas um membro não seja
idêntica a esse membro único. RUSSELL (2007, p.217)
FREGE faz um comentário semelhante:
Alguns autores definem o número como um conjunto, multiplicidade ou pluralidade.
Existe aí um inconveniente, que consiste em excluir do conceito os números 0 e 1.
Aquelas expressões são muito indeterminadas: ora aproximam-se mais do significado
de “aglomerado”, “grupo”, “agregado” - pensando-se então em uma reunião espacial –
ora são empregadas quase como equivalentes de “número”, apenas de maneira mais
indeterminada. FREGE (1974, p.232).
Gödel achava que, na verdade, estas declarações eram uma forma exagerada de se
proteger dos paradoxos, tornando os conjuntos nulo e unitários como fictícios. Poderíamos,
assim, entendê-los como pontos no infinito da geometria. OTTE (2001, p.45).
Talvez todas estas questões levantadas a partir da definição de número, não sejam
importantes para o caráter empírico e intuitivo que se deseja dos números por BRASIL.
Parece-nos que as definições prévias de conceitos seguem ao que se deseja construir com eles,
58
mesmo que estes conceitos sejam de caráter puramente pragmático. Julga-se que se a tarefa é
ensinar crianças sobre número, é necessária uma concepção de número definida. O autor
entendeu que esta seria a melhor definição para este fim. Uma questão se levanta: é realmente
necessária uma definição prévia para compreender números?
Evidentemente não seria produtivo discutir o que são os números com as crianças. O
objetivo, na verdade, é desenvolver a habilidade de reconhecer em coleções quantidades de
até quatro objetos. Para isso, o autor propõe algumas tarefas para reconhecer eqüipotentes
envolvendo três tipos de objetos diferentes em três diferentes caixas e, após isso, nomear estas
quantidades. Deste modo, são nomeadas as quantidades (1 para conjunto unitário, 2 para
conjunto com 1 par, 3 para conjuntos com um par + 1, e 4: dois pares). Por exemplo,
transcrevemos a tarefa com o número 2:
Material: Sobre a mesa, dois lápis, duas canetas, duas borrachas e três caixas vazias.
Coloquem na primeira caixa o conjunto dos lápis; na segunda, o conjunto das canetas;
e, na terceira, o conjunto das borrachas.
Qual destes conjuntos tem mais elementos?
São eqüipotentes?
Informação: Todos os conjuntos eqüipotentes aos que acabamos de ver são chamados
conjuntos Pares ou conjuntos de Dois elementos.
Material: Colocamos sobre a mesa mais um lápis, uma caneta e uma borracha. [...]
BRASIL (1977, p.50)
Aqui novamente é conveniente lembrar Russell. Para ele, o termo coleção, pode ser
tratado como classe ou conjunto. E sua concepção de número é:
[...] número é uma maneira de reunir certas coleções, a saber, aquelas que têm um dado
número de termos. Podemos supor todos os pares num feixe, todos os trios em outro, e
assim por diante. Dessa maneira, obtemos vários feixes de coleções, cada feixe
consistindo em todas as coleções que têm certo número de termos. Cada feixe é uma
classe cujos membros são coleções, isto é, classes; assim, cada um é uma classe de
classes. RUSSELL (2007, p. 31)
Além disso, para ele os números tinham que possuir um caráter pragmático.
Queremos que nossos números não meramente verifiquem fórmulas matemáticas, mas
que se apliquem da maneira correta a objetos comuns. Queremos que nossos números
não meramente verifiquem fórmulas matemáticas, mas que se apliquem da maneira
correta a objetos comuns. RUSSELL (2007, p.26)
A forma de apresentação de BRASIL possui consonância com as definições de
RUSSELL. A preocupação de BRASIL é mostrar os numerais como representação de
59
quantidades, e quantidade entendida como representada pela resposta a pergunta: qual
número? Brasil explorou a similaridade dos conjuntos encontrada na eqüipotência. E para esta
similaridade indicou com o nome característico para esta, com um numeral.
Vale notar que não aplicou contagem para esta finalidade. Nem a noção de ordem é
exigida, mas deixou de usá-la na seqüência de objetos colocados à disposição. Assim, os
conjuntos que possuíam um objeto, passavam a possuir dois, posteriormente três e finalmente
quatro. As crianças poderiam verificar em cada caixa um exemplo de cada um dos temas
abordados. Mas nem toda esta abordagem está fundada na Teoria dos Conjuntos.
Na seqüência de passos da abordagem de Brasil, verifica-se que ao passar de um
número para outro, se adiciona mais um objeto de cada coleção, o número passa a ser outro e
de ordem de grandeza maior. Ou seja, o dois é um + um, o três é o dois + um.
Esconde-se na passagem de um número ao outro algo importante sobre os números.
Os números não são apenas uma cardinalidade encontrada entre objetos. Mas também é
possível ordená-los por meio de uma relação envolvendo sucessor e antecessor. Ou seja, se é
adicionado mais um objeto para cada caixa tenho outro número, e se repetir esta operação,
terei mais outro com outro nome.
Isto tudo poderá ser ou não ser percebido pelas crianças, mas há um conhecimento
deste tipo que pode ser disponibilizado neste exercício. A forma de apresentar os números foi,
de fato, enfatizada para uma compreensão da Teoria dos Conjuntos, ou seja, o número “é um
número de alguma classe.” RUSSELL (2007, p. 37). O dois é a classe dos conjuntos que
possuem um par de elementos. Sua forma extensional permite citar cada um dos números, ou
seja, temos os números 1, 2, 3 e 4.
Contudo, os números também podem ser organizados em ordem de sucessão. Ou seja,
o 2 é 1+1, o 3 é 2+1 e assim sucessivamente. Esta é uma versão intensional, por meio da
aplicação de axiomas. Logicamente que esta exposição de aula não prevê a compreensão de
axiomas. Mas, eles estão implícitos aqui.
Por exemplo, quando Peano afirmou inicialmente:
P1) um é um número;
P2) todo número tem um sucessor, que é também um número;
P3) um não é sucessor de nenhum número;
P4) números são iguais se e somente se os seus sucessores são iguais;
P5) se uma subclasse de números contém o número um e sempre que contiver um número,
contiver seu sucessor, então, esta subclasse contém todos os números.
60
Assim, quando colocamos à disposição números em certa ordem, parece ser razoável
que se adotarmos uma seqüência definida, o faremos de acordo com pressupostos primários.
Daí, ao assumir que todos os outros números obedecerão a estes pressupostos, esta noção se
chamará axioma da indução, que Russell prefere entender como princípio.
Os números não só podem ser identificados numa coleção apenas por sua descrição,
sendo ainda necessário verificar similaridades encontradas no mundo real. Mas os números
também podem ser entendidos complementarmente a partir da relação entre eles. A partir da
noção de que um é número, que o sucessor de um é um número, e da relação entre sucessor e
número, entende-se: 1, 2, 3 e 4 são números pois estes atendem às proposições primitivas
sobre números. Além disso, é razoável refletir porque BRASIL não dispôs dos números em
qualquer ordem, procedendo de adição ou subtração de mais de um objeto (inclusive). A
forma ordinal, ainda que implícita, é importante na apresentação da cardinalidade, pois revela
outros aspectos importantes sobre os números, que a cardinalidade apenas não pode revelar.
De um lado, a descrição intensional, de outro, a descrição extensional, isoladamente,
incompletos; mas, quando nos atentamos a ambos os lados, estamos mais aptos a responder
questionamentos mais profundos sobre o assunto.
2.5 Prática vs Teoria – Kirchhoff vs Voltímetro
Em sala de aula, experiências bem realizadas são importantes formas de construir
conceitos. Porém, muitas vezes, os estudantes não associam a teoria como algo complementar
à prática. Mas justamente o contrário! Julgam que há oposição entre o que é real, posto,
observado, com o que é pensado, refletido e abstraído.
Provavelmente estes alunos são impelidos pela idéia de que a experiência fornece um
conhecimento claro, ao contrário da exposição teórica, que é considerada como forma obscura
do conhecimento.
Muitas vezes, a oposição parece se concentrar mais entre teoria e prática que conceito
e objeto do conceito. Objetos como uma mola oscilada descrevendo uma onda estacionária
pode ser interessante para estes alunos, porém, o conceito de onda não. A mola não é o objeto
do conceito; é objeto da experiência. Mas não se deve asseverar que esta discriminação é
necessariamente algo muito natural para os alunos.
61
Desta forma, não se marca facilmente limites entre conceitos e objetos de conceitos.
Estes elementos são complementares, atesta Otte. Mas eles devem manter a sua estrutura entre
a extensão e a intensão de conceitos. Isto indica que para cada objeto tratado cognitivamente
há um conceito a qual ele se refere. Um objeto pode ter mais de um conceito; contudo, nos
referimos aos objetos com um conceito por vez.
A mesclagem de objetos e conceitos de objetos envolvidos numa explicação ou
verificação experimental não permite circularidade destes componentes. Pois não se
relacionam nesta estrutura circular, não se complementam. O resultado possível disto tudo são
idéias vagas, sem conexão.
A medida possui o conceito da medida. A medida não deve ser confundida com o
procedimento da medida nem com a grandeza que se deseja medir. A grandeza, a medida, o
fundamento do procedimento da medida, e o procedimento da medida possuem conceitos.
Por exemplo: a medida da tensão é um valor da diferença de potencial de campos
elétricos adquirido entre dois pontos. Outras palavras tais como: diferença de potencial,
campo elétrico, diferença e valor possuem seus próprios conceitos. E assim sucessivamente;
estes termos também possuem outros termos a qual se referem. O fundamento do
procedimento de medida trata-se da aplicação do conceito de medida de tensão com uma
carga de prova, ao qual se verifica o seu comportamento. O procedimento da medida é
verificar entre dois pontos que se deseja medir, com o instrumento de medida adequada33, na
sua escala e polaridade adequada.
Estes quatro objetos possuem quatro conceitos. E, a compreensão dos conceitos destes
objetos depende da descoberta e do esforço para correção entre as possíveis combinações
entre os objetos e os conceitos de objetos. Assim, pode-se pensar: a tensão é o valor mostrado
no voltímetro quando colocamos as ponteiras de teste em dois pontos diferentes. Um
eletricista talvez não se dê conta de que este conceito poderá levá-lo a contradições em
algumas ocasiões práticas. Vejamos:
A figura abaixo representa um circuito elétrico. Segundo a Lei das Tensões de
Kirchhoff, a soma algébrica das tensões da malha fechada é igual a zero. Assim, cada resistor
terá um valor esperado de 3,5V.
33 Voltímetro.
62
Fig. 2.1 – Diagrama de circuito com duas fontes.
Mas eis que ao montar o circuito numa plataforma experimental se procedeu da
seguinte maneira:
Em princípio não parece haver nenhuma incoerência, porém, ao medir com um
voltímetro o resistor inferior, um eletricista verificou uma tensão zero e do superior 7V.
Pensou: ora, a tensão é um valor mostrado no meu multímetro, se ele mostra para mim que a
tensão no resistor inferior é zero, então ele deverá ser, de fato, zero. E se a teoria me dizia que
era 3.5V então ela está errada, pois meu instrumento está perfeitamente aferido.
Positivamente, este raciocínio possui lógica. Mas está fundado em termos
incompatíveis. A primeira é que, para este eletricista, a tensão é um valor medido no
voltímetro.
Na verdade, o seu objeto não é a tensão, mas a medida da tensão nos resistores. A
medida da tensão é o valor da diferença de potencial entre dois pontos. Na medição da tensão
usa-se o voltímetro. Em suma: seu objeto e o conceito a ele referente não são adequados para
a atividade de medida.
Afinal, não o capacita a perceber que não há inconsistência na teoria. Pois, ainda que a
medida e a montagem do circuito tenham sido aparentemente realizadas de maneira correta, o
eletricista não estava apto a compreender o que ocorreu na realidade.
Se ele compreender a medida entre dois pontos como sendo o grau da diferença de
potencial elétrica em relação a uma unidade padrão, estará mais habilitado a compreender que
existe uma diferença entre o circuito montado e o projetado. Ao verificar que as tensões das
63
fontes34 fornecem os devidos valores (5V e 12V), estes 5V e 12V são diferenças de potencial
entre dois pontos, um deles é o pólo positivo e o outro o negativo. No caso da fonte das duas
tensões, o terra ou comum é o pólo negativo. O detalhe é que pólo negativo é comum a ambas
as fontes. Resultado: o valor do resistor deverá, de fato, ser zero, pois ambos os terminais
estão ligados no mesmo ponto.
Se utilizarmos diferentes referências de negativo, o resultado mudará e teremos, com
efeito, o valor 3.5V para ambos os resistores.
Agora temos duas fontes sem um ponto comum. Em uma o pólo negativo é o próprio
terra, comum à fonte de 5V e a outra fonte de 12V é totalmente autônoma quanto ao seu pólo
negativo. A compreensão necessária aqui é básica. Exige-se apenas compreender que
diferença de potencial é a diferença entre dois pontos, e se temos dois pontos dados como os
pontos entre o resistor inferior, ligados aos pólos negativos das fontes, estes deverão ter
diferentes valores e, portanto, a tensão entre estes dois pólos deverá ser diferente de zero.
Diferença de potencial continua a ser diferença, por isso, podemos dizer que a
diferença entre dois pontos é negativa ou positiva de acordo com a ordem que nós dispomos
os elementos na operação. Assim, a diferença entre o negativo da fonte de 12V e o negativo
de 5V poderá ser positiva ou negativa. Assim, a simples compreensão da relação entre o
objeto (medida da tensão) e o conceito do objeto (valor da ddp entre dois pontos) permite
enxergar uma diferença entre o terra e pólo negativo de uma fonte de tensão, ainda que em
muitas circunstâncias estes termos se confundam.
A tensão é um conceito. Conceitos não são definidos por instrumentos, mas justamente
o contrário. O instrumento efetua a medida, o que pode parecer ser desnecessário
compreender o conceito da medida. Mas os conceitos não são calculados, são julgados. E
julgar que tensões aparentemente iguais, na verdade, se comportam de forma diferente requer
julgamento da aplicação de um conceito. Ou seja, apenas objetos não são suficientes.
Distinguem-se objetos apenas no julgamento de conceito. Os valores numéricos das medidas
não tem significado sem conceitos que acompanhem.
Ainda que tenhamos em mãos o objeto (a medida) ela terá significado apenas dentro
de estruturas de aplicações automáticas. A carência do conceito acarreta algumas
impossibilidades como a de explicar o que se está realizando, e também de resolver problemas
que fogem a esfera da rotina.
34 Fontes de tensão elétrica.
64
Neste exemplo, encontramos duas fontes com mesma medida, mas que se
comportavam de maneira diferente com relação a um circuito. Estas medidas não foram
suficientes para determinar a incompatibilidade do uso de uma delas. Novas medidas no
circuito foram feitas, resultados diferentes foram encontrados. As fontes de tensão
apresentavam mesma medida de tensão, ou seja, não era possível distinguir ambas as fontes
apenas com o instrumento.
Porém, quando colocamos em relação com o circuito por meio do julgamento da
medida de tensão, verificamos que uma delas não pode ser usada, pois apresenta resultados
indesejados. A tensão é uma grandeza relativa, seu entendimento está nas relações, nos meios,
nos conceitos dos objetos em que envolvem os objetos.
2.6 - Relatividade e Complementaridade
Houve uma igualdade de medida de duas grandezas que durou cerca de 300 anos para
ser considerada a mesma grandeza. O motivo é justamente o contrário do exemplo anterior. O
exemplo anterior tratava de uma igualdade de medidas de duas grandezas diferentes
35
não
justificada por conceitos relacionais. Aqui os conceitos não justificavam, mas passaram a
justificar uma igualdade a partir de novas formas de compreender os conceitos. Trata-se da
igualdade da massa inercial e da massa gravitacional.
É possível conhecer os objetos como Força, massa e aceleração? O que se pode falar
de força? A sua idéia enquanto ser em si mesmo não encontra formas de elaboração cognitiva.
Tanto quanto tema, como mundo, Deus e paz, quando vistos em si mesmos, como objetos,
não permitem elaboração de conhecimento.
Mas, como sabemos, a Força é apresentada enquanto conceito, dentro de um contexto
em que é possível medi-la, e esta experiência (medição) só é possível a partir de conceitos e
leis gerais a priori da relação entre o conceito Força e outros conceitos. A possibilidade da
experiência permite que a força se torne passível de se conhecer em termos de fenômeno
físico. Isto pode ser evidenciado num episódio histórico envolvendo o conceito de massa.
Para Newton, existia uma dicotomia quanto à massa com relação ao tipo de força a ela
aplicada:
35 ddp (diferença de potencial) entre o terra e o pólo positivo e ddp entre o pólo positivo e o negativo
65
No Principia, a grandeza que representa a quantidade de matéria contida num corpo,
que chamamos de massa, possui naturezas diferentes quando aplicamos a 2a lei de
Newton ao campo gravitacional. A igualdade entre a massa inercial e gravitacional foi
um mistério na física Newtoniana, sendo apenas aceita por ser fato experimental. Mas
em nenhum momento essa igualdade é explicada. CASTELLANI (2001)
Na definição III, do Principia Mathematica Isaac Newton afirma:
A força inata (ínsita) da matéria é um poder de resistir pelo qual cada corpo, enquanto
depende dele, persevera em seu estado, seja de descanso, seja de movimento uniforme
em linha reta. Essa força é sempre proporcional ao seu corpo, e não difere da inércia da
massa senão no nosso modo de conceber. É pela inércia da matéria que todo corpo
dificilmente sai de seu estado de descanso ou de movimento. Mas um corpo só exerce
essa força quando da mutação de seu estado por outra força impressa em si; e o
exercício dessa força pode ser considerado sob duplo aspecto de resistência e de
ímpeto: resistência, enquanto, para conservar o seu estado, o corpo se opõe à força
impressa; ímpeto, enquanto o mesmo corpo, dificilmente cedendo à força do obstáculo
oposto, esforça-se por mudar o estado deste. [...] NEWTON (1974, p.11).
Dando continuidade, segue na sua definição IV: "Esta força consiste somente na ação,
nem permanece no corpo depois dela. De fato, um corpo persevera em todo novo estado,
apenas pela força de inércia [...]" Newton (1974, p.12). Daí nos lembra CASTELLANI
(2001):
Logo, uma leitura mais exata da 2a lei nos mostra a verdadeira natureza dessa massa.
Quando Newton usa o termo força motriz, ele se refere a uma força (ação) que atua em
um intervalo de tempo pequeno (Definição IV), ou seja, somente para alterar o estado
do corpo. CASTELLANI (2001)
A massa inercial é, portanto, a massa referida na sua segunda lei, no entanto, se
conservava obscurecida a igualdade desta massa com a massa gravitacional, assim, se colocou
um problema, até que ponto é fiável assumir esta igualdade? Justifica CASTELLANI (2001):
“[...] pois o peso é uma força que atua em um intervalo de tempo muito grande, ou seja, o
peso está sempre atuando no corpo e a 2a lei não se refere a este tipo de força. Mas como
resolver este problema se o peso é uma força?”
Galileu, no seu “Diálogo de Duas Novas Ciências” faz referência entre a equivalência
entre aceleração e gravidade, que em conseqüência da segunda lei de Newton, nos faz
concluir que se F=W então que a massa inercial X aceleração = massa gravitacional X
gravidade. Daí, massa inercial igual a massa gravitacional.
Na mecânica newtoniana essa igualdade é simplesmente uma coincidência, não
havendo nenhuma explicação para esse fato. A natureza nos mostra que existe essa
igualdade, pois se isso não fosse verdade, dois corpos abandonados da mesma altura
chegariam ao solo em tempos diferentes, logo com velocidades diferentes.
CASTELLANI (2001).
66
Esta questão foi retomada por Einstein quando estava formulando a sua Teoria da
Relatividade Geral, quando apresenta seu princípio da equivalência: “Um referencial
acelerado é idêntico a um referencial em repouso em um campo gravitacional.”
CASTELLANI (2001).
O próprio Einstein explica seu princípio:
Imagine um homem no interior de um elevador sem ter conhecimento algum do que
ocorre no exterior. Leve este elevador para o espaço sideral longe de qualquer campo
gravitacional. O homem ficará flutuando no interior do elevador, pois não há a atuação
da força peso. Se ele soltar uma bola, ela permanecerá no mesmo lugar em que foi
solta, pois do mesmo modo não há força gravitacional atuando. Agora deixe esse
elevador em queda livre num campo gravitacional. O homem e o elevador irão cair
juntos. As paredes do elevador não se movem em relação ao homem, dando-lhe a
impressão de que ele está flutuando. Se ele soltar uma bola, esta continuará na mesma
posição em relação ao homem (pois cai junto com ele). Ou seja, para o homem os
experimentos que ele fizer se comportarão da mesma maneira nas duas situações.
Imagine o mesmo homem no mesmo elevador na superfície de um planeta. O homem
deixa cair uma bola no interior do elevador e verifica que ela cai com aceleração da
gravidade g. O próprio homem sente a ação do campo, pois seu corpo pressiona o chão
do elevador. Agora leve este elevador para o espaço sideral, longe de qualquer ação
gravitacional (lembre-se que estamos considerando que o homem não percebe nada).
Acelere o elevador para cima com uma aceleração g. Tal aceleração será transmitida
para o homem em sentido oposto. O homem solta uma bola e verifica que esta atinge o
chão do elevador com aceleração g. Ele mesmo sente seus pés pressionarem o chão do
elevador. Logo, tudo se passa como se ele estivesse em um campo gravitacional, ou
seja, o homem não consegue distinguir um referencial acelerado de um referencial
imerso num campo gravitacional. EINSTEIN apud CASTELLANI (2001).
Esta conclusão, que verifica uma igualdade entre termos, teve um interstício bastante
longo, entre a hesitação de Newton em proceder a uma equivalência e as conclusões de
Einstein. Talvez o grande avanço e dificuldade da ciência dão-se neste processo de provar e
aplicar a equivalência (caso específico da igualdade) entre coisas que participam de
fenômenos equivalentes. A dúvida move a ciência, a falta de uma elaboração que chegasse a
uma correspondência, apesar dos dados experimentais demonstrarem uma mesma quantidade,
revela um conhecimento ainda a ser construído, como a questão da natureza da gravidade, que
passou a ser objeto de estudo de Einstein.
A razão tem de tomar a dianteira com princípios que determinam os seus juízos
segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em
vez de se deixar guiar por esta. A não ser assim, as observações feitas ao acaso,
realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão
procura e de que necessita. KANT BXIII(2001, p. 19)
Os dados paradoxais que conflitam com a teoria, isto é, com os princípios a priori, não
servem de base para a formação do conhecimento científico. De fato, os dados discordantes só
67
serão validados quando estiverem definidos dentro de um aparato formal, ou seja, os dados da
experiência devem ser acomodados nos seus respectivos campos, e caso não estejam de
acordo com a regra em que está incluída não será considerada como informação válida, pois
desrespeitam a ordem pré-estabelecida (preceitos a priori). Na formação das fórmulas a não
conformidade indica que a inclusão de uma variável com esta característica irá impedir a
manutenção da regra maior que é a igualdade, de forma absoluta ou de proporcionalidade.
Por fim, após 300 anos, se reconheceu a igualdade, porque se pode estabelecer uma
relação de semelhança na forma de apresentar os conceitos. Afinal, tínhamos uma igualdade
baseada não só pela igualdade numérica, quantitativa, objetiva. Mas não havia conexão entre
os conceitos. As medidas de massa inercial e massa gravitacional eram coincidentes
numericamente, mas não eram consideradas as medidas de um mesmo objeto. Ao se mostrar
que os objetos (massa gravitacional e massa inercial) poderiam ser referidos num mesmo
conceito, estes objetos passaram a ser um único objeto.
Einstein foi um grande unificador de objetos.
2.7 - A medida e a relatividade.
A relatividade coloca no rol das grandezas relativas o espaço, o tempo e a massa. A
velocidade da luz torna-se uma importante constante, pois ela é absoluta, - qualquer que seja a
velocidade do agente emissor – e um limite, afinal, nenhum ente físico pode se deslocar a uma
velocidade superior.
A relatividade trata de relações de dois pontos de vistas, cada qual relativo ao outro.
De acordo com o estado dos observadores com relação a acontecimentos, as medidas terão
valores diferentes. As medidas são paradoxais por serem diferentes para cada observador. O
paradoxo está no fato de que nenhum dos observadores obtém uma medida incorreta. Daí, um
mesmo objeto pode ter valores diferentes quanto a sua medida e, eles dependem da velocidade
relativa entre os observadores. Antes da relatividade de Einstein duas importantes grandezas
foram apresentadas por Galileu como relativas: a distância e a velocidade. Esta era a
relatividade de Galileu. A medida era uma forma de adquirir a verdade das coisas. A maioria
das discussões envolvendo propriedades de objetos poderia ser encerrada por meio de uma
simples medida. Pois a medida envolvendo as grandezas primárias (comprimento, tempo e
68
massa) era absoluta para qualquer situação. Para um físico verificar 1 + 1 = 2 não envolveria
uma discussão da forma que um matemático faria. Com um instrumento calibrado facilmente
verificaria, por exemplo, que 1N + 1N = 2N. N (unidade de força) inclusive envolve as três
grandezas que perderam o cunho de absolutas (kg.m/s2).
O que de fato interliga duas medidas passa a ser a velocidade. Isto é mais claramente
verificado em velocidades próximas à velocidade da luz. Em velocidades muito menores,
como os 108.000km/h da velocidade da Terra em relação ao Sol, as diferenças com as Leis de
Newton e a geometria euclidiana são desprezíveis, mas suficiente para se proceder ajustes em
procedimentos críticos, como operações espaciais. A relatividade de Einstein não destruiu a
relatividade de Newton, nem mesmo a geometria de Euclides, mas é mais amplo, e prevê
idealmente acontecimentos físicos.
A Teoria da Relatividade é uma forma sofisticada da idealização do mundo físico.
Dados experimentais foram essenciais para este trabalho, como a verificação de que a
velocidade da luz não se altera em nenhum sistema de coordenadas inerciais. Para que isto
fosse possível, era necessário que o tempo se dilatasse e o comprimento entre pontos se
contraísse em direção da velocidade. Experiências como a realizada por Michelson-Morley
resultaram na obtenção de nenhum dado desejável. Pois não havia nenhuma teoria que
atendesse a estes dados. A luz possui propriedades ondulatórias, e como tal deveria possuir
um meio para se propagar, tal quais as ondas mecânicas e acústicas. Isto é absolutamente
lógico. O meio de propagação da luz era chamado de éter. O éter nunca foi detectado, sua
existência era deduzida por base de analogia das propriedades das ondas. O movimento da
Terra foi usado para determinar a velocidade do éter. Mas qualquer que fosse o sentido
aplicado à luz, não se chegou a um valor diferente. Ou seja, a luz não possui uma velocidade
relativa a um objeto dado, como o éter. A velocidade da luz, na verdade, é que é absoluta para
qualquer observador. 36
O conceito de éter não se associou a nenhum objeto que se pudesse indicar sua
existência. Por isso, não se configurou como um conhecimento. Mas como uma dedução, mas
que não possuía uma concepção consistente com um método de detectá-lo. A compreensão da
realidade de uma coisa depende destes dois elementos: o intensivo e o extensivo. O éter
possuía o conceito (intensão), mas não a extensão do conceito (extensão).
36 Ver anexo no final da dissertação.
69
A medida passou a ter um novo plano teórico a grandes velocidades. Medir significa
mais que nunca, utilizar de um plano teórico que deva se afastar mais das aparências. Mas não
significa se afastar de toda compreensão matemática adquirida até então.
Por exemplo, quando verificamos a relação entre o movimento de um feixe de luz por
um relógio de luz visto por um observador móvel e outro parado, utilizou-se de Pitágoras37, e
da geometria convencional. As marcações verificadas38 não se diferem muito das
representações de espaço e número de Euclides.
Não foi aplicada uma nova álgebra para seu entendimento39. Mas a mudança cognitiva
de valores como coisas absolutas exigem o esforço de se adequar conceitos de objetos e os
objetos mesmos dentro de perspectivas consistentes, ainda que de forma estranha ao plano
que estamos habituados a seguir.
Quando se verifica um objeto não esperado, - que teoricamente não se esperava; como
a medida zero, por exemplo, da diferença da velocidade da luz entre braços do interferômetro
– pode-se pensar que, foi um esforço inútil. Mas olhando com mais cuidado, o objeto éter não
foi encontrado tal qual o conceito. Mas o outro objeto que serviu para determinar extensões
suas passou a existir em substituição desta. Ou seja, o éter não era mais objeto, mas sim a
diferença de velocidade da luz em diferentes sistemas inerciais, utilizando a velocidade da
Terra. O número zero passou a ser uma importante extensão, um novo objeto. Juntamente com
um novo conceito deste objeto: diferença da velocidade da luz em diferentes sistemas
inerciais. Um novo ponto de partida iniciava numa emocionante jornada cognitiva ao se
estabelecer mais um objeto e conceito de objeto que surgiu no início do século XX.
Na matemática, é certo que: se a=b, e b=c, então a=c. Mas na Física Relativística isto
não mais se verifica. Por exemplo, um mesmo objeto observado por um observador móvel e
por outro fixo em relação ao objeto.
40
A medida destes observadores não se concordará. No
entanto, é o mesmo objeto. A forma Euclidiana de se construir um triângulo eqüilátero41 não
se aplica aqui. Pois não se tem uma referência, como Euclides tinha o raio para determinar a
igualdade entre os lados. Isto não invalida Euclides, pois este tratava de objetos geométricos
37 Ver ilustração 12, pág. vii do anexo.
38 Ver ilustração (57, p. xxiii), (60, p. xxiv), (63, p.xxv) e (64 e 65 da pág. xxvi) do anexo.
39 Ainda que se saiba que Einstein utilizou-se de muitas notações diferentes, na verdade, eram formas de se
sintetizar outras expressões que se repetem.
40 Ver pág. xv do anexo.
41 Ver fig. 3.1 pág. 77.
70
inertes, dentro de uma perspectiva e métodos próprios, mas totalmente consistente com as
demandas da época.
Mesmo antes de Einstein e Lorentz, esta igualdade se verificava. Mas quando foi
necessário encolher os espaços
42
e expandir o tempo 43, uma nova geometria foi necessária,
mas voltado para as necessidades físicas. Pois uma igualdade se apresentava objetivamente 44,
sendo natural buscar um conceito que seja adequado ao novo objeto. A velocidade da luz, e as
transformações 45 necessárias surgiram para o procedimento da medida envolvendo grandezas
tidas como absolutas tais como massa, tempo e espaço em movimento, em especial em
velocidades próximas à velocidade da luz.
Vejamos esta declaração de Einstein:
O nosso mundo não é euclidiano. A natureza geométrica do nosso mundo é moldada
por massas e suas velocidades. As equações gravitacionais da teoria da relatividade
generalizada tentam revelar as propriedades geométricas deste mundo EINSTEIN
(1980, p.194).
Deste modo, podemos adiantar que a ligação de Einstein com geometrias não
euclidianas foi importante na construção de novos objetos. Afinal, ambos, construíram novos
objetos cognitivos, ligados fortemente ao plano mental.
[...] O campo gravitacional, a Geometria não-euclidiana e os relógios com ritmos
diferentes estão, todos, para mim estritamente relacionados entre si. Aceitando
qualquer Sistema de Coordenadas, devo ao mesmo tempo, admitir a existência de um
campo gravitacional apropriado com sua influência sobre hastes rígidas e relógios.
EINSTEIN (1980, p.188).
Em outra ocasião afirmou ainda:
[...] podemos imaginar discrepâncias, como por exemplo, a de que a soma dos ângulos
internos de um triângulo grande, construído de hastes, que por muitas razões tinham de
ser consideradas rígidas, não é 180 graus. Como já estamos acostumados com a idéia
da representação concreta dos objetos da Geometria euclidiana por corpos rígidos,
provavelmente buscaríamos alguma força física por causa desse inesperado mau
procedimento de nossas hastes. Tentaríamos determinar a natureza física dessa força e
sua influência sobre os fenômenos. Com o propósito de salvar a Geometria euclidiana,
acusaríamos os objetos de não serem rígidos, de não corresponderem exatamente ao da
Geometria euclidiana. Tentaríamos encontrar uma representação melhor dos corpos
comportando-se do modo esperado pela Geometria euclidiana. Se, contudo, não
tivéssemos êxito em combinar a Geometria euclidiana e a Física em um quadro simples
e consistente, teríamos de abandonar a idéia de ser euclidiano o nosso espaço e de
buscar um quadro convincente da realidade sob suposições mais gerais sobre o caráter
geométrico de nosso espaço. EINSTEIN (1980, p.185).
42
43
44
45
Ver pág. i-iii do anexo.
Ver pág. vi-vii do anexo.
A já comentada igualdade da velocidade da luz em qualquer sistema de referência inercial.
Transformações de Lorentz, ver no anexo.
71
Neste sentido, verificamos que, a adoção de uma alternativa para a geometria foi útil
quando se tratou de questões físicas. Por isso, a Física é importante para a Matemática, pois
amplia e instiga, como na Física-Matemática, novos objetos e novas formas cognitivas. O
mundo das possibilidades encontra um campo fértil para novas construções. A diferença entre
Matemática e Física fica clara aqui. Os objetos Físicos são ligados ao real. Sua realidade é
dupla, é objetiva e conceitual. A realidade física é o próprio conhecimento físico. Como em
tantos outros ramos do conhecimento e da linguagem, a circularidade da Complementaridade
sugerida por Michael Otte é claríssima. A Física busca apreender explicações e
sistematizações através de medidas, e as medidas só podem ser feitas adequadamente por
meio de explicações e sistematizações.
2.8 Conclusões
A complementaridade de Michael Otte é um importante instrumento para o
entendimento da construção cognitiva de conceitos e suas relações com os objetos de seus
conceitos. A distinção destes e o discernimento da relação entre os aspectos intensionais e
extensionais ajudam na compreensão dos elementos necessários para uma boa relação entre
sujeito e conhecimento.
A medida e o conceito de medida são elementos essenciais quando tentamos analisar a
natureza de forma quantitativa. Eles são elementos complementares dos assuntos da Física. E
não só a identificação de seus elementos, mas também a relação de complementaridade entre
eles vislumbra um grande potencial de aplicações concretas, tanto na explicação da medida,
conceito e processo cognitivo em que o aluno se encontra.
De fato, a prática com os números não é nada sem seus fundamentos. A sistematização
dos números surgiu com Euclides. Sua idéia explicava os números e suas relações. Mas estava
atrelada a intuição que sua geometria fornecia. Até que surgisse uma nova geometria, ainda
ligada à geometria euclidiana, mas como negativa, a geometria não-euclidiana.
72
CAPÍTULO III
FUNDAMENTOS TEÓRICOS DOS NÚMEROS
A medição e a contagem são atividades que se desenvolveram historicamente sem
a necessidade de teorias que as explicassem. Pois se referem às atividades do mundo prático e,
para este mundo, basta que sirva a um propósito conveniente para que tanto a medida quanto a
contagem dêem a impressão de confiança na sua relação com a realidade.
Não sabemos bem o que é real, mas queremos que as nossas medidas e contagem
nos garantam algo justo como representação da realidade. Assim, temos uma relação
pragmática de confiança em métodos de medida e contagem, quando temos a impressão que o
que medimos ou contamos, representa com justiça a realidade. De fato, as medidas
geométricas surgiram como uma forma de uma divisão de terras mais justa entre os egípcios, assim como na atualidade. Queremos que a balança do açougue meça a massa com precisão,
pois queremos pagar o preço justo pela massa de carne que condiga com a realidade.
Embora queiramos ter todas as garantias de que a medição e a contagem digam
algo de verdade com o real, na prática, não nos atemos ao que fundamenta estas duas
atividades. Isto é feito num campo da filosofia das ciências. Na educação em ciências, o
pragmatismo destas atividades não pode ser apresentado sem um fundamento sobre eles.
Quando medimos em laboratório, ou quando estamos fazendo uma suposição de
aplicação de uma medida, estamos fazendo relação entre o ente físico e uma quantidade em
forma numérica. Os números, a partir daí, são adotados por leis matemáticas, assumindo o
domínio da situação.
A Física fornece a lei, se a lei possui uma forma de equação, esta equação
necessita de números para se tornar aplicável, mas quem julga se ela é consistente, é a
matemática. Para isso, é necessário se estabelecer princípios fundamentais.
Os princípios fundamentais das definições e aplicações matemáticas ocuparam o
pensamento de matemáticos, cientistas em geral, além de filósofos. E a maneira de se
compreender e estabelecer estes princípios é bastante diversificada. Talvez não haja muitos
domínios livres de conflitos. Muitas vezes, porém, o conflito pode ser substituído pela
compreensão de que teorias aparentemente contrárias, na verdade, apresentam aspectos
complementares de uma teoria mais ampla.
73
A proposta deste trabalho então visa entender como se fundamentam a contagem e
medida em termos de seus fundamentos como a Axiomática e a Teoria dos Conjuntos.
3.1 A axiomática
Para encontrarmos os fundamentos da concepção de número como contagem para
aplicação, vamos recorrer principalmente para o matemático italiano Giusepe Peano, ao qual
levaremos em consideração pela forma representativa da idéia de número enquanto número
ordinal, que em termos aplicativos, é o número adquirido a partir da contagem.
Peano nos forneceu uma fundamentação de número, e esta é baseada na sua concepção
dos próprios alicerces da matemática. Esta concepção é chamada Teoria Axiomática. Mas
também a Teoria dos Conjuntos é um esforço axiomático. A axiomática moderna mudou o
foco da matemática, e do mesmo modo a forma de entendimento sobre números e suas
aplicações. A Física não ficou isolada deste processo. Compreender número como aplicação
necessita entender o que é axiomática. Pois, as suas formas mais representativas, - como a
Axiomática de Peano e a Teoria dos Conjuntos de Frege e Russell, - são diferentes abordagens
da axiomática moderna.
O que é axiomática?
Esta pergunta, tais quais todas as perguntas que se referem aos termos ligados a uma
raiz filosófica, não possui uma forma categórica única.
Segundo Abbagnano ainda a axiomática pode ser considerada como “resultado da
aritmetização da análise que ocorreu na matemática a partir da segunda metade do século XIX
[...]” ABBAGNANO (2007, p.116). Daí define entre seus significados: “[...] Axiomatizar uma
teoria significa, em primeiro lugar, considerar, em lugar de objetos ou de classes de objetos
providos de caracteres intuitivos, símbolos oportunos, cujas regras de uso sejam fixadas pelas
relações enumeradas pelos axiomas. [...]”ABBAGNANO (2007, p.102).
Sabemos que a axiomática moderna não dá importância às formas intuitivas da razão,
pois seu suporte encontra-se em um formalismo lógico. Este mui arraigadamente ligado à
aritmética. E quanto à relação da lógica, como uma disciplina da filosofia, e a aritmética como
uma disciplina da matemática, há concepções diferentes, como por exemplo, se a aritmética é
base para a lógica ou se o contrário. Uma discussão que não se desatualiza, e que talvez não
haja uma solução definitiva; mas que aprofunda, entre outras coisas, a relação existente entre
74
estes campos de conhecimento. A Física se insere neste contexto como uma aplicação desta
discussão, ou seja, ela pode ser vista como o laboratório em que se observam as diferentes
formas de ver os papéis envolvendo a filosofia e matemática no mundo moderno.
As concepções axiomáticas não se referem exclusivamente à matemática ou a
filosofia que, segundo BUNGE (1973, p.30), existem duas missões principais para os
fundamentos da Física: “realçar a clareza das ideias físicas e aperfeiçoar a sua organização.”
A ordem e a força argumentativa não tem apenas um valor estético: quanto melhor
organizado estiver um corpo de idéias tanto mais fácil é apreendê-lo e retê-lo
(vantagem psicológica) e tanto melhor se proporciona à avaliação, à critica, e
eventualmente a sua substituição por um diferente sistema de idéias. Por estas razões,
os matemáticos, desde o tempo de Euclides, valorizaram a formulação axiomática das
teorias. Não é apenas uma questão de gosto, nem mesmo principalmente uma questão
de ensino mas é uma questão de metodologia; a axiomática é cientificamente válida
porque torna explícitas todas as suposições realmente empregues e assim torna possível
mantê-las sob controlo. BUNGE (pp. 30-31).
3.2 A axiomática de Euclides
O que torna a axiomática de Euclides interessante é sua referência para efeito de
comparação com o entendimento da axiomática moderna e do conceito de axioma. Além
disso, buscaremos apresentar com relação aos números, algumas relações que ainda são atuais
em termos da sua aplicação.
Sabe-se que Euclides foi o autor de pelo menos dez trabalhos, mas dos que restaram o
mais importante são Os Elementos. Esta obra obteve grande impacto pelo caráter sintético do
conhecimento da matemática da época; e sua importância ultrapassou a barreira do tempo. É
considerado o segundo livro mais editado, perdendo apenas para a Bíblia; foi adotado para o
ensino de geometria por dois mil anos. Mas em relação a sua importância quanto à ciência, foi
o livro mais influente de todos os tempos. Os Elementos são divididos em treze livros,
contendo 465 proposições, sendo que os seis primeiros livros tratam de geometria.
Utilizava-se de dois instrumentos (o compasso e a régua), que passaram a ser
chamados de instrumentos euclidianos. “Com a régua permite-se traçar uma reta de
comprimento indefinido passando por dois pontos distintos dados. Com o compasso permitese traçar uma circunferência com centro num ponto dado passando por um segundo ponto
qualquer dado.” EVES (1997, p.134).
Com estes instrumentos, é impressionante a quantidade e as formas fascinantes de
construções possíveis.
75
Analogamente, o mesmo pode-se falar de outro instrumento divulgado por
Euclides: o método axiomático. Pois é possível dispor de muitas proposições e construções a
partir de poucos axiomas básicos. Entenda-se por construções o ato de compor figuras
geométricas, como retas paralelas a uma reta dada, traçar perpendiculares; e procedimentos
como dividir um ângulo em partes iguais. Apenas aplicando poucos instrumentos, axiomas e
postulados. Já postulado pode ser entendido como usar premissas em deduções.
Os Elementos não tratam apenas de geometria. Há muito conteúdo da teoria dos
números e álgebra elementar (geométrica). Mas o seu método de sistematização axiomática
foi uma das maiores contribuições para o desenvolvimento da ciência. O Livro I começa com
definições, postulados e axiomas preliminares necessários. Suas definições não são definições
da maneira moderna.
[...] Uma das dificuldades de Euclides era estabelecer definições. Para ele, um ponto,
por exemplo, por definição, é aquilo que não tem partes. Os termos “aquilo”, “parte” e
“ter parte” não eram esclarecidos no texto. Suas “definições” não eram exatamente
definições no sentido do que hoje, em matemática, se entende por definição. Para
alguns historiadores as “definições” de Euclides tinham a simples pretensão de oferecer
uma visão intuitiva dos conceitos matemáticos. [...] SANT'ANNA (2003, p.2)
A partir de conceitos fundamentais como o ponto, a reta e o plano, Euclides
estabelece postulados e axiomas (ou noções comuns). Postulados eram sentenças que
forneciam relações entre os conceitos fundamentais.
Já as noções comuns eram referentes a 'fatos evidentes' e não exclusivamente
concernentes à geometria, e não exclusivamente concernentes à geometria, apesar de
lhe serem aplicados. Essa distinção entre postulados e axiomas era enfatizada por
Aristóteles. A primeira noção comum dizia que coisas que são iguais a uma mesma
coisa são também iguais entre si. SANT'ANNA (2003, p.2)
Euclides assumiu 5 postulados e 5 axiomas básicos:
A1 Coisas iguais à mesma coisa são iguais entre si.
A2 Adicionando-se iguais a iguais, as somas são iguais.
A3 Subtraindo-se iguais de iguais, as diferenças são iguais.
A4 Coisas que coincidem uma com a outra são iguais entre si.
A5 O todo é maior do que a parte.
P1 É possível traçar uma linha reta de um ponto qualquer a outro ponto qualquer.
P2 É possível prolongar uma reta finita indefinidamente em linha reta.
P3 É possível descrever um círculo com qualquer centro e qualquer raio
76
P4 Todos os ângulos retos são iguais entre si.
P5 Se uma reta intercepta duas retas formando ângulos interiores de um mesmo lado
menores do que dois retos, prolongando-se essas duas retas indefinidamente elas se
encontrarão no lado em que os dois ângulos são menores do que dois ângulos retos.
EVES (1997, p.180)
O esforço depositado nos Elementos, na dedução de suas 465 proposições a partir das
10 sentenças acima, apresenta como aplicar a derivação dedutiva.
[...] O desenvolvimento é sintético, consistindo em derivar o desconhecido e mais
complexo do conhecido e mais simples. Sem dúvida o processo contrário, chamado
análise, consistindo em reduzir o desconhecido e o mais complexo ao conhecido, teve o
seu papel na descoberta das provas de muitos dos teoremas mas não na exposição da
matéria. EVES (1997, p.180)
Outros autores também se referem à geometria euclidiana como sintética, ainda por
outro motivo, como por exemplo, Mendes:
Chamamos a atenção, também, para o fato de a geometria proposta por Euclides n’Os
Elementos, ser uma geometria sintética, ou seja, sem números. Isso significa que toda a
sua formulação teórica está baseada em um processo de construção sistemática do
pensamento geométrico através de um princípio lógico-dedutivo [...]MENDES (2005,
p.8)
O que MENDES afirma ao relacionar a síntese à ausência de número pode ser
promissor à investigação acerca dos números e o antigo método axiomático. Mas parece ser
ainda não satisfatório que se apresente apenas pela forma não numérica os motivos da
axiomática euclidiana ser sintética. O caráter sintético está associado a condições a priori de
uma experiência e ao papel da intuição nesta. O que é evidentemente, muito mais amplo. A
forma não numérica é de fato sintética, por vários motivos, o que é diferente da afirmação que
a axiomática de Euclides é sintética porque não usa números. Podemos nos aprofundar quanto
a esta possibilidade mais tarde, por enquanto, podemos avaliar a importância da dedução,
levantada por este autor, que é algo que Euclides se baseava para desenvolver suas
construções.
A dedução é aqui entendida como um método que utiliza-se de hipóteses conhecidas e
de raciocínio dedutivo, que pode ser bem exemplificado pela proposição I que afirma:
Sobre uma linha reta determinada descrever um triângulo eqüilátero (Fig.3.1).
77
Fig. 3.1. Triângulo eqüilátero construído por Euclides
Seja a linha reta AB de certo comprimento. Deve-se sobre ela descrever um triângulo
eqüilátero.
Com o centro A e com o intervalo AB descreva-se (Postulado 3) o círculo BCD; e com
o centro B e com o intervalo BA descreva-se o círculo ACE. Do ponto C, onde os círculos se
cortam reciprocamente, se tirem (Postulado 1) para os pontos A, B as retas CA, CB. O
triângulo ABC será eqüilátero. Sendo o ponto A o centro do círculo BCD, será AC=AB
(Definição 15). E sendo o ponto B o centro do círculo CAE, será BC=BA. Mas temos visto
CA=AB. Logo, tanto CA, como CB, é igual a AB. Mas as coisas, que são iguais a uma
terceira, são iguais entre si (Axioma 1). Portanto, será CA=CB. Logo os três segmentos de
retas AC, AB, BC são iguais; e por conseqüência o triângulo ABC, feito sobre a reta dada AB,
é eqüilátero.
MUELLER questiona: “Em qual sentido Euclides deriva a proposição I dos princípios
fundamentais?” 46 MUELLER (1969, p. 291) Para ele, a justificação não significa mostrar que
uma asserção é verdadeira, mas mostrar que uma operação é permitida.
Ao final da prova não é descrito como mostra algo ser verdadeiro, mas como fazer o
que era para estar pronto. À conclusão parece inescapável que aquela proposição I, a
qual gramaticamente é o mesmo como postulados 1, 2, e 3, não é uma asserção
formulada diferentemente, mas a descrição de uma tarefa a qual Euclides ‘prova’ por
faze-lo. MUELLER (1969, p. 291). 47
Mueller afirma ainda, que a dedução euclidiana é um tipo de juízo experimental, ou
seja, busca mostrar como proceder certas operações, ou para mostrar que certos tipos de
objetos possuem certos tipos de propriedades. MUELLER (1969, p. 292)
A proposição I de Euclides é uma construção mental, nisto se fundamenta as operações
em que este autor se lança; e o papel das construções na formação do conhecimento
matemático é algo que chamou a atenção de filósofos como Kant. Ele comentou sobre o tipo
de juízo envolvido nas construções, mas ressalta a apresentação a priori da intuição nestas.
46 In what sense does Euclid derive proposition I from first principles?
47 At the end of the proof it is described not as showing something to be true, but as doing what was to be
done. The conclusion seems inescapable that that proposition I, which grammatically is the same as
postulates 1, 2, and 3, is not an oddly formulated assertion but the description of a task which Euclid
'proves' by doing it.
78
O conhecimento filosófico é o conhecimento racional por conceitos, o conhecimento
matemático, por construção de conceitos. Porém, construir um conceito significa
apresentar a priori a intuição que lhe corresponde. Para construção de um conceito
exige-se, portanto, uma intuição não empírica que, consequentemente, como intuição é
um objecto singular, mas como construção de um conceito (de uma representação
geral), nem por isso deve deixar de exprimir qualquer coisa que valha universalmente
na representação, para todas as intuições possíveis que pertencem ao mesmo conceito.
Assim, construo um triângulo, seja pela simples imaginação na intuição pura, seja, de
acordo com esta sobre o papel, na intuição empírica, mas em ambos os casos
completamente a priori, sem ter pedido o modelo a qualquer experiência. A figura
individual desenhada é empírica e contudo serve para exprimir o conceito, sem
prejuízo da generalidade deste, pois nesta intuição empírica considera-se apenas o acto
de construção do conceito, ao qual muitas determinações como as da grandeza, dos
lados e dos ângulos, são completamente indiferentes e, portanto, abstraem-se estas
diferenças que não alteram o conceito de triângulo. KANT B741-742 /A713-714
(2001, p.580).
A relação entre a experiência e a sua condição a priori é explicitada por Kant quando
afirma:
Com efeito, a própria experiência é uma forma de conhecimento que exige concurso do
entendimento. Cuja regra devo pressupor em mim antes de me serem dados os
objectos, por conseqüência, a priori e essa regra é expressa em conceitos a priori, pelos
quais têm de se regular necessariamente todos os objectos da experiência e com os
quais devem concordar. KANT BXVII (2001, p.20).
A construção euclidiana é experimental. O que significa dizer que é dependente da
intuição e de forma a priori. O que possibilita que seja, apesar de empírica, uma representação
geral de um objeto. O que faz com que “[...] Derivações euclidianas são totalmente diferentes
das Hilbertianas, a qual são frequentemente ditos não envolver o uso de intuição espacial.” 48
MUELLER (1969, p.292)
Mueller enfatiza que os passos envolvendo suposições produziram o método
axiomático. Numa tentativa de se estabelecer clareza e ordem na geometria. E coloca em
discussão a respeito da falsa dicotomia da aparência d'Os Elementos: ou os seus argumentos
são intuitivos, indutivos e inconcludentes ou eles são formais, lógicos, dedutivos e
conclusivos.
MUELLER (1969, p.295). Para isso, busca definir os termos indutivo e
dedutivo.
Na sua definição de argumento indutivo descreve como algo na qual a “conclusão é
alcançada à todos os membros de uma classe, com base no exame de alguns dos membros.”
(a conclusion is reached about all of the members of a class on the basis of an examination of
some of the members). MUELLER (1969, p.295)
Visto que os argumentos de Euclides se relacionam a um só exemplo, a idéia de que se
48 Euclidian derivations are quite different from Hilbertian ones, which are usually said to involve no use of
spatial intuition
79
trata de um pensamento indutivo não encontra sintonia com esta definição. Apesar da
matemática grega e da filosofia terem um caráter não empírico, não se pode confundir a
tentativa de se idealizar e generalizar a matemática com a idéia de que por isso, não pode ser
intuitivamente imaginável, o que é intimamente ligado ao empírico. Mueller lembra-nos que:
"A separação da concepção matemática de uma linha intuitiva era um processo gradual que
inicia com a descoberta da geometria analítica e do cálculo e terminava, talvez, com a
definição geral de continuidade.” 49MUELLER (1969, p.296)
O caráter dedutivo d'Os Elementos é devido ao sentido que suas proposições são
derivadas dos primeiros princípios, característica esta já anunciada aqui.
Outras características da axiomática encontradas n'Os Elementos são melhor
compreendidas quando fazemos uma comparação desta com a axiomática moderna. Estas
diferenças fazem com que se apresentem mais claramente os contornos do que ambas as
axiomáticas possuem em comum.
E o que representa hoje a axiomática depende da
compreensão do que representou a axiomática no passado, especificamente na contribuição de
Giuseppe Peano e Grassmann.
Antes de buscarmos definir e caracterizar o conhecimento axiomático, é interessante
observar ainda neste tópico os juízos referentes à aritmética e geometria segundo Os
Elementos de Euclides.
Os livros VII-IX são dedicados a conceitos sobre teoria dos números tais como a
divisibilidade de inteiros, a adição de séries geométricas e algumas propriedades dos números
primos. Encontramos também, o "algoritmo de Euclides", para determinar o máximo divisor
comum entre dois números (proposição 2, Livro VII), o mais antigo registro, de uma prova
formal, por recorrência, “qualquer número composto é medido por algum número primo”
(proposição 31, Livro VII), e ainda o "Teorema de Euclides", segundo a qual existe uma
infinidade de números primos “existem mais números primos que qualquer quantidade dada
de números primos.” (proposição 20, Livro IX).
As proposições 21 e 22 do livro IX d'Os Elementos poderão revelar algumas
características da forma de concepção da aritmética segundo a axiomática antiga.
Proposição 21: Se tantos números pares quantos se queira forem adicionados a soma é um
número par.
49 […] the separation of the mathematical conception of a line from the intuitive one was a gradual
process which began with the discovery of analitic geometry and the calculus and ended, perhaps, with
the general definition of continuity.
80
Proposição 22: Se tantos números ímpares quantos se queira forem adicionados e a
quantidade de números ímpares for par, a soma será também par.
Estas duas proposições podem ser entendidas da seguinte forma:
Proposição 21:
Colocando algum número de números pares AB, BC, CD, DE, juntos, diz-se que o
total, AE é par. Desde que cada um dos números AB, BC, CD e DE forem pares, ou seja, cada
um deles têm a metade de uma parte. Assim, AE possui a metade de uma parte. Tendo ciência
que o número par é aquele que é divisível por dois.
Proposição 22:
Se uma multitude par de números ímpares for colocada junta, o total será par. Ou seja,
colocando juntos uma multitude arbitrária par de números ímpares, AB, BC, CD e DE; pode
ser dito que o total é par, desde que AB, BC, CD, ED sejam ímpares. MUELLER (1969, p.
302)
Não podemos declarar que Euclides considerasse os números como os segmentos de
reta apresentados. Mas, representava as proposições originalmente aritméticas com artifícios
intuitivos, assim como representava as proposições de forma geométrica. A axiomática
moderna trata estas inferências de acordo com a associatividade e comutatividade da adição, a
maneira em que Euclides trata é de forma tácita.
Tratando os números como segmentos de reta, não exemplificando a partir de números
de objetos, por exemplo, como na apresentação de O. Becker, que colocava conjuntos de
diferentes números de seixos com duas cores diferentes, cada conjunto com igual número de
seixos de cada cor, e a partir da soma dos seixos e organização dos seixos pela cor, se
resultava uma quantidade de seixos igual de cada cor. Ambos provam intuitivamente a
proposição 21, mas cada um dos exemplos possui um grau maior ou menor de generalização.
Na forma euclidiana, porém, se vê que o que torna uma proposição generalista é a
disposição arbitrária de unidade de medida, para permitir dizer que o número representado é
par ou ímpar. Ou seja, se AB é divisível pela unidade um número que é divisível por dois,
então é par, uma contagem é necessária neste caso, pois temos que saber quantas vezes cada
um dos segmentos de reta contém a unidade, para definir se são pares ou ímpares.
No final, novamente se faz a contagem do número de unidades de segmento de retas
que o segmento total possui. O exemplo de O. Becker 50, já se tem definido o que é a unidade,
50 Ver MUELLER (1969, p.302)
81
isto é, a unidade é um seixo, mas poderia ser outra unidade, por exemplo, um conjunto de dois
ou três seixos, assim, poderia querer saber se a quantidade de trios de seixos é par ou ímpar. É
necessária, do mesmo modo, a contagem de seixos; se levarmos em consideração a
quantidade como argumento para descrever se o conjunto possui um número par ou ímpar. Se
for um número igual de seixos, ou de conjunto de seixos, então cada conjunto conterá um
número par de seixos.
Intuitivamente o poder de generalização pelo método de Euclides exige um pouco
mais que a intuição pode mostrar. Afinal, o método de O. Becker pode ser resolvido a partir
de uma correspondência par de cada conjunto, sem a necessidade de contagem. Ou a partir de
uma simetria, que é uma forma fortemente prejudicada pela dificuldade de verificar a simetria
com o avanço de número de seixos.
Enquanto o método de Euclides prevê uma amarração maior em conceitos prévios,
como os conceitos de número par e número ímpar, de unidade, divisibilidade, prévias, além
do instrumento de medida e contagem, o método de O. Becker necessita por outro lado, de
conceitos de número ímpar e par, de unidade e distingüibilidade para a separação entre os
seixos diferentes. Não precisa contar nem medir.
Uma dificuldade própria dos processos da abordagem intuitiva se apresenta mais
claramente quando se aumenta o número a partir das representações. Um número maior como
a soma de 37293 ao número 23566, se tornaria um trabalho exaustivo, e se estender o
aumento progressivamente, os procedimentos se tornariam impossíveis.
Na demonstração do teorema IX, 22, por exemplo, nós lemos: ‘Subtrairemos de
qualquer número primo, AB, BΓ, ГΔ e d ΔE, e torna-se um número par.’ Esta é só uma
declaração verbal com a demonstração, e nada é incumbido para ilustra-lo sobre a
seção mencionada acima de uma linha reta. SZABÓ apud MUELLER (1964, p.41).51
Mueller questiona Szabó ao levantar a possibilidade de que se o fato de aplicar linhas
em vez de pontos significa ao mesmo tempo nenhum uso de diagramas e ao fazê-lo, significa
o “maior grau de generalidade”. Ele lembra-nos que “[...] A maioria das proposições
aritméticas nos Elementos se referem para um número arbitrário de números ou operações
apesar dos diagramas e provas objetivarem com um número específico.” 52 MUELLER (1964,
51 [...] In the demonstration of the theorem IX, 22, for instance, we read: 'Let us subtract on from any odd
number, AB, BΓ, ГΔ and ΔE, and it becomes an even number' This is only a verbal statement within the
demonstration, and nothing is undertaken to illustrate it on the above-mentioned sections of a straight
line
52 for most of the arithmetic propositions in the Elements refer to an arbitrary number of numbers or
operations although the diagrams and proofs deal with a specific number
82
p.41).
Desta forma, o que se vê no diagrama são quatro números, isto é, a inferência da
conclusão que a soma de quatro números pares é par, - para a conclusão que isto é verdade de
algum número de números pares, - parecem ser do mesmo tipo da inferência: 'a soma de
quatro, seis, dez e dois é par' é semelhante à concepção de que qualquer soma de quatro
números pares é par'. MUELLER (1969, 304).
Fica claro que os matemáticos gregos tentavam geometrizar a aritmética. Em vez de
pontos, os números eram representados por linhas. Assim, era feito em relação às operações
envolvendo números.
Mueller observa que, em termos aritméticos, os diagramas não provam tanto quanto
provam em geometria MUELLER (1969, p.304), como no caso da proposição 21 do livro IX,
que ilustra sua representação somente com a adição de quatro números e não dividir a metade
e recolocá-los.
3.3 Aplicação da axiomática euclidiana
Com relação à forma de tratamento com relação às definições, vamos
exemplificar com alguns postulados e sua aplicação imediata na Física. Podemos verificar que
apesar da forma em que as definições são apresentadas, ou seja, sem uma categorização exata,
ainda hoje Euclides encontra muitas aplicações.
Vejamos agora alguns postulados dos Elementos de Euclides no Livro VII, que
possui 22 definições sobre a teoria dos números.
Definição 1
Uma unidade é aquela que em virtude da qual, cada coisa que existe é chamada um.
A unidade a que Euclides se refere é o 1. O um está relacionado às coisas, ou seja,
podemos identificar facilmente de maneira empírica algo que seja unitário para nós. Já definir
o número 1 não é algo fácil. A unidade é importantíssima tanto para a medição quanto para a
contagem. Pois quando contamos os objetos precisamos estabelecer uma individualidade para
cada coisa, mas estas coisas para serem indivíduos necessitam fazer parte de uma coleção com
qualidades afins.
Não nos referimos ao Sol do nosso Sistema Solar o termo um Sol, mas o Sol. Mas
podemos associar o 1 ao número de sóis quando desejamos determinar o número de sóis que
temos dentro do nosso Sistema Solar. Empiricamente, a contagem dos conjuntos unitários não
83
faz sentido, pois a contagem está bastante associada a uma identificação de indivíduos entre
membros semelhantes.
Assim, a unidade pode ser entendida como unicidade, consequentemente não poderá
associá-lo a um conjunto dos números. Pois as coisas únicas são tidas como tal justamente por
meio da perspectiva de que não existem coisas semelhantes a elas.
Suponhamos que não sabemos que o sol é único, a contagem um fará sentido; pois
indicaremos o número um ao número de sóis. Quando contarmos, e verificarmos que somente
havia um sol para contar; diremos: só há um único sol.
Esta análise do um permite reconhecer que o desconhecimento do número de um
conjunto de coisas e a sua necessidade nos induz a contar. Não contamos uma caixa completa
de ovos quando se expõe previamente que esta caixa comporta 12 ovos. Não designamos
também primeiro ao único elemento de um conjunto. Pois o número ordinal necessita como
vimos anteriormente à identificação de um objeto em relação ao outro.
Pedir para contar o único sol existente em nosso Sistema Solar pode não fazer sentido.
Não obstante, quando perguntamos quantos sóis existem no Sistema Solar e respondemos que
há um sol, faz tanto sentido quanto responder que existem 200 bilhões de sóis na Via Láctea.
O número um aqui pode até ser obtido de uma contagem, porém, quando o informo, não
relaciono o conjunto dos sóis a uma ordem de contagem, mas a uma cardinalidade. Não me
refiro a uma atividade, mas a uma informação.
Como vimos anteriormente, na Física a unidade está associada a uma grandeza. Neste
caso o 1 padrão é uma quantidade que arbitrariamente se assume como 1. As grandezas são
relações quantitativas que necessitamos definir o seu padrão. Consequentemente, se ao
determinarmos a quantidade de algo sem recorrer a uma convenção, por exemplo, a simples
contagem de indivíduos de um conjunto, o número 1 estará associado a cada indivíduo e não
será, portanto, uma grandeza.
Resta dúvida se Euclides desejava atribuir à unidade uma condição de número.
Definição 2
Um número é uma multitude composta por unidades.
Aqui o que podemos ver é uma representação de número geral para um número três,
podemos dedutivamente saber, de antemão, como Euclides poderia representar os outros
números. Não há referências de Euclides com respeito a sua interpretação do número como
84
segmentos de reta. De fato, tudo leva crer que ele utilizava para atribuir uma generalidade a
um exemplo. O que pode parecer contraditório, pois, afinal, os exemplos são sempre
particulares.
Entretanto, em Euclides eles são parcialmente particulares. Pois o segmento A é geral,
representando um padrão unitário. Talvez por ser unidade, não seja a representação do número
um. O número um seria então representado por qualquer dos segmentos BC, CD ou DE. De
fato, A não é número um, mas uma unidade, algo que cuja existência se baseia exclusivamente
na compreensão de base para a determinação dos números. A só seria um número se servisse
de comparação consigo mesmo.
A maneira intuitiva característica de Euclides poderia ser entendida tanto como ele
relacionava o número a uma grandeza; passível de ser medida ou tanto como uma contagem
de indivíduos semelhantes.
A medida é visualizada pela quantidade de A's que poderiam ser usados para substituir
os outros segmentos de reta que possuem uma correlação de ordem de grandeza
eqüinumérica.
A contagem seria entendida como o ato de se levantar a quantidade de elementos que
possuem as características de A.
Ambas as estratégias podem ser encontradas no exemplo euclidiano. Na Física, o
exemplo espacial apresentado é o que podemos entender por determinação da quantificação
do espaço. Mas este exemplo pode ser usado para qualquer instrumento de medida.
Todos os instrumentos necessitam de um padrão, e os números serão determinados a
partir de determinada forma que associarmos este padrão com o que queremos comparar. Pois
os instrumentos físicos propriamente ditos, perfazem uma relação deste tipo. Os instrumentos
de medida seriam aqueles que atribuiriam um número que indicaria a razão entre uma
quantidade de padrões que um objeto possui. Os instrumentos contadores seriam
equipamentos que teriam o entendimento do que significa individuo, ou seja, 1 unidade, e
faria a contagem de indivíduos do objeto.
Sua forma diagramática dos números sugere ser de caráter mais limitado do que com
relação à geometria. O grau de generalização do número fica restrito a um intervalo qualquer
de uma grandeza. Justamente esta impossibilidade de separação entre número e grandeza, em
termos representativos, faz com que a definição seja muito mais reveladora do que o seu
diagrama. Isto não é visualizado com relação aos diagramas geométricos.
A semântica responde bastante para sua generalização, não totalmente, mas tem um
85
largo alcance. Já a axiomática moderna, além de utilizar uma forma mais livre de definir, não
sujeita a uma amarração com aspectos intuitivos, se apresenta de uma forma simbólica
baseada em formas lógicas da aritmética. O que é uma ampliação do poder de generalização
da axiomática frente aos diagramas de Euclides, tanto em termos semânticos, lógicos ou
formais.
A hegemonia da axiomática euclidiana se estendeu até meados do século XIX, com o
surgimento de outras axiomáticas, mas até lá, a discussão quanto à questões tão fundamentais
como número tem como plano de fundo a forma sistematizada por Euclides, como do espaço.
O que se entendia por número e suas propriedades deveriam passar pelo entendimento de
espaço.
A forma de conceber o espaço, o tempo, as relações e os números mudaram
juntamente com a maneira de compreender a axiomática e a geometria. De fato, hoje
estranhamos definições como o próprio Leibniz dava para axiomas como:
Existe uma espécie de proposições que, sob o nome de máximas ou axiomas, passam
como sendo os princípios das ciências; pelo fato de serem evidentes por si mesmas,
costuma-se denominá-las inatas, sem que ninguém tenha jamais procurado mostrar a
razão e o fundamento da sua extrema clareza, a qual por assim dizer nos força a darlhes o nosso consentimento. Entretanto, não é inútil entrar neste exame e ver se esta
grande evidência se estende apenas a estas proposições, como também examinar até
que ponto elas contribuem para outros conhecimentos nossos. LEIBNIZ (1974, p.284)
Sabe-se que Peano se interessou em dar resposta a este e outros anseios de Leibniz,
mesmo que de alguma forma viesse a dar uma nova faceta à compreensão de axioma.
A discussão em torno da axiomática de Euclides é bastante fértil, e se desejar-se
estender o assunto não terá dificuldades. Dessa forma, o interesse depositado neste assunto
não é definitivo.
É preciso ter consciência de que quase tudo relacionado aos Elementos de Euclides é
interessante, com relação a axiomática moderna e quanto a concepção de número. Mas aqui
tomamos por satisfeitos a apresentação dos conceitos básicos e alguns debates envolvendo o
tema.
O contexto em que se inserem a intuição, abstração, geometria, aritmética, síntese,
análise e representações de número não se encerra na antiguidade, mas antes, se insere nos
nossos dias, com o advento da lógica matemática e axiomática moderna. Pois, se estas
sistematizações se apresentam como oposição às formas intuitivas da matemática grega, elas
estarão definitivamente ligadas na sua genealogia e nos seus conceitos.
O que aparece como novo, depende da existência do antigo.
86
3.4 A Geometria Não-Euclidiana
No século XIX, ocorreram as primeiras formas concretas de uma geometria diferente
dos moldes euclidianos. Isso exigia uma característica importante para este intento: a
consistência. Entenda-se por consistência a característica de uma teoria que se apresenta livre
de contradições.
A teoria das paralelas de Euclides foi o tema que propiciou uma longa discussão que
permitiu a busca por alternativas de raciocínio geométrico.
A teoria das paralelas se encontra no quinto postulado. Que diz: Se uma reta
interceptar duas outras, formando ângulos interiores de um mesmo lado menores do que dois
retos, prolongando-se essas duas retas indefinidamente elas se encontrarão no lado em que os
dois ângulos são menores do que dois ângulos retos. EVES (1997, p.180)
Observando este postulado, podemos verificar que ele não é evidente por si mesmo,
muito ao contrário. Inclusive nada se parecendo com a simplicidade dos outros postulados
como: “É possível traçar uma linha reta de um ponto qualquer a outro ponto qualquer”. Dizse que na verdade este postulado era para os gregos, - que compartilhavam algumas
dificuldades com ele, - mais assemelhado a uma proposição. Este postulado só parece ser
necessário na proposição I 29, que afirma: “O triângulo acutângulo é o que tem todos os
ângulos agudos”.
Por este motivo Eves afirma: “Assim, era natural ter a curiosidade de saber se esse
postulado era realmente necessário e cogitar que talvez ele pudesse ser deduzido, como
teorema, dos outros nove 'axiomas' e 'postulados' ou, pelo menos, ser substituído por um
equivalente mais aceitável” EVES (1997, p.539). De fato, estas cogitações ocorreram por
mais de 2000 anos ao qual “culminaram em alguns dos desenvolvimentos de maior alcance da
matemática moderna.” EVES (1997, p.539).
Houve muitas contribuições neste esforço, como Jonh Playfair (1748 – 1819) que
formula uma nova forma de apresentar. Por exemplo: “Por um ponto, fora de uma reta dada
não há mais do que uma paralela a essa reta” ou como alternativa ao quinto postulado: “Há
pelo menos um triângulo cuja soma dos ângulos internos é igual a um ângulo raso”. Esta nova
maneira prevê de forma concreta a existência de entes geométricos. Ao contrário de Euclides
que apresenta da forma:
87
IX. Triângulo escaleno é o que tem os três lados desiguais ( Fig. 3.2).
Triângulo retângulo é o
que tem um ângulo reto
( Fig. 3.3 ).
Fig. 3.2 – Triângulo escaleno
Fig. 3.3 – Triângulo Retângulo
Triângulo obtusângulo é o que tem um ângulo obtuso ( Fig. 3.4 ).
Fig. 3.4 – Triângulo obtuso.
Ou seja, o que Euclides faz é definir os termos, enquanto a forma moderna a que
Plafair propõe estabelece que algo deve ser investigado a partir da sua existência. Isso implica
que em vez da possibilidade de traçar uma linha reta de um ponto qualquer a outro ponto
qualquer, diz-se existe apenas uma reta que passa por dois pontos.
O fato de definir ou declarar que existe a possibilidade por Euclides, está relacionado,
como foi dito anteriormente, ao fato de que Euclides se interessava em possibilitar
construções de forma didática, a prova da existência era feita na forma da prova de que era
verdade que se construiu uma entidade geométrica antecipadamente definida.
Outros eminentes matemáticos se debruçaram no esforço de analisar os preceitos
euclidianos a partir da perspectiva de sua verificação. A diferença destes matemáticos como
Saccheri (1667- 1773), o suíço Johann Heinrich Lambert, Adrien-Marie Legendre (17521833) é o espírito crítico principalmente quanto ao Quinto Postulado de Euclides. Entenda-se
que o termo criticidade se refere não apenas à contestação dos preceitos d'Os Elementos; mas
uma criticidade em termos de sua razão lógica; o que significa a busca de outras formas de se
confirmar ou não as proposições euclidianas.
Algumas questões se tornavam fundamentais para transformar as obras de Euclides em
um todo sistemático como, por exemplo, a questão das hipóteses dos ângulos agudos e
obtusos.
Não é de surpreender que não se tenha encontrado nenhuma contradição sob a hipótese
do ângulo agudo, pois hoje se sabe que a geometria desenvolvida a partir de axiomas
compreendendo um conjunto básico acrescido da hipótese do ângulo agudo é tão
consistente quanto a geometria euclidiana desenvolvida a partir do mesmo conjunto
básico acrescido da hipótese do ângulo reto, isto é, o postulado das paralelas é
88
independente dos demais postulados e devido a isso não pode ser deduzido dos demais.
Os primeiros a suspeitarem desse fato foram o alemão Gauss, o húngaro Janos Bolyai
(1802-1860) e o russo Nicolai Ivanovitch Lobachevsky (1793-1856). EVES (1997, p.
541)
A partir do postulado da forma de Playfair pelo qual por um ponto dado pode-se traçar
mais do que uma, exatamente uma ou nenhuma paralela a uma reta dada, essas situações
equivalem respectivamente, às hipóteses do ângulo agudo, reto e obtuso.
Gauss não publica os seus trabalhos que indicam ser anteriores aos de Bolyai e
Lobachevsky. A geometria de Lobachevsky é por ele chamada de geometria imaginária, que
significou ser uma nova geometria, não euclidiana que deixa de satisfazer apenas o quinto
postulado. Uma geometria eqüiconsistente com a geometria euclidiana.
A geometria imaginária mostrou que a geometria não precisava mais estar vinculada à
visão intuitiva que temos de espaço físico. O matemático pôde criar geometrias
abstratas que escapassem de qualquer intuição física. A matemática caminhava para um
domínio mais abstrato e mais geral, sem a necessidade de estar diretamente
comprometida com o mundo real mensurável ou o mundo real das sensações físicas.
S'ANTANNA (2003, p.7-8)
A matemática nestes tempos se libertava da geometria. E também do mundo físico ou
real. A multiplicação de possibilidades permitiu que a matemática enquanto disciplina, se
desvinculasse da atividade empírica. Não mais se importava com a veracidade e a autoevidência a qual não mais fazia sentido.
Com a possibilidade de inventar geometrias puramente 'artificiais', tornou-se evidente
que o espaço físico devia ser visto como um conceito empírico derivado de nossas
experiências exteriores e que os postulados da geometria, formulados para descrever o
espaço físico, são expressões dessas experiências, como as leis de uma ciência física. O
postulado de Euclides, por exemplo, na medida em que tenta interpretar o espaço real,
revela ter o mesmo tipo de validade da lei de queda livre dos corpos de Galileu, isto é,
ambos são leis que decorrem da observação e ambos são suscetíveis de verificação
dentro dos limites do erro experimental. EVES (1997, p. 544)
As novas possibilidades adquiridas com a geometria imaginária alimentaram a idéia de
que a liberdade sugerida à geometria poderia ser conquistada também, com mesmo potencial,
com relação à estruturação do método axiomático que se baseava em Euclides, o que teria
conseqüências com relação à sua implicação e influência na constituição da lógica e da
própria filosofia. Aqui devemos nos ater às mudanças paradigmáticas quanto a lógica formal e
a estruturação axiomática moderna.
A geometria imaginária contribuiu de forma significativa e pioneira para demonstrar,
com o passar do tempo que o método axiomático não era apenas uma ferramenta
didática. Ele era, por seu próprio mérito, assunto de grande interesse matemático. A
idéia de demonstrar a independência de postulados em sistema axiomático demanda o
uso de recursos matemáticos formais que tornam o método axiomático objeto de
estudos. S'ANTANNA (2003, p.8)
89
Nos tempos de Euclides, se distinguia hipótese, postulado e axioma. Hoje, estes
termos são sinônimos.
Uma teoria axiomática é um “caso particular de teoria formal” SANT'ANNA (2003,
p.13)
Assim, torna-se necessário estabelecer o que se entende por teoria formal. Uma
verdade é formal quando diz respeito à forma do conhecimento e é conforme às regras da
lógica. A linguagem formal, a qual as teorias formais são expressas, é caracterizada pela
artificialidade e precisão, o que a contrasta da linguagem natural.
De fato, há uma oposição clara com o que chamamos de natural, e esta oposição é o
próprio cerne do entendimento de natural e artificial. Estas palavras não fazem sentido sem a
sua oposição. A linguagem natural é espontânea, não têm objetivos pré-determinados; uma
linguagem artificial é criada precisamente para um fim previamente definido. Assim, juntamse em oposição a formalidade e a informalidade.
A matemática sempre aplicou a lógica, e ela por si mesma, não existe sem uma
mínima articulação formal. As proposições não podem ser colocadas em qualquer ordem. A
forma em que se estrutura o raciocínio é fundamental para a sua validação. O formal é, pois, o
que possibilita o raciocínio ser justificado. A sua estrutura é lógica e pode ser sistematizada
através de fórmulas.
A definição de teoria formal foi fornecida por Sant’anna da seguinte maneira:
Uma teoria formal Γ consiste dos seguintes ingredientes:
1. Um conjunto não vazio de símbolos, denominados os símbolos primitivos ou,
simplesmente, os símbolos de Γ.
2. Um conjunto de expressões, as quais são simplesmente quaisquer seqüências
finitas de símbolos de Γ
3. Um conjunto não vazio de expressões significativas chamadas de fórmulas bem
formadas de Γ, as quais abreviamos por WFFs (do inglês well-formed formulas)
4. Um procedimento efetivo que permita decidir quais as expressões são fórmulas
bem formadas denominado o conjunto de axiomas de Γ
5. Um conjunto de fórmulas bem formadas denominado o conjunto de axiomas de Γ
6. Um conjunto não vazio e finito de relações R1,R2,..., Rn entre fórmulas bem
formadas.
7. Um procedimento efetivo para se decidir se uma dada m-upla ordenada de
fórmulas bem formadas satisfaz ou não cada relação Ri. Tal procedimento efetivo exige
que se houver seqüência de fórmulas bem formadas A1, A2,..., Am-1 tal que para uma
dada relação Ri existe Am de modo que Ri (A1, A2, ..., Am-1, Am), ou seja, a seqüência
90
A1, A2, ..., Am-1, Am satisfaz a relação Ri, então a fórmula bem formada Am é única.
SANT'ANNA (2003, p.15)
Estes ingredientes revelam que os fundamentos de uma teoria formal como a lógica
matemática, na verdade, tem grande importância as relações entre objetos em vez da natureza
dos objetos. No caso da matemática, o conjunto de relações entre fórmulas bem formadas é
considerado por vezes o próprio objeto matemático propriamente dito.
Quanto à teoria axiomática como “caso particular de teoria formal” se estende a
compreensão da distinção dos axiomas de outras WFF's. Ou seja, possui ingrediente extra:
“Um procedimento efetivo para decidir quais WFF's são axiomas.” SANT'ANNA (2003, p.
17)
A consistência que no passado revelava a preocupação de que os axiomas
representassem o real através das verdades geométricas e por meio das relações dos números,
na axiomática moderna já não ocupa o mesmo espaço. Os axiomas podem ser contraditórios
entre si.
Por isso, alguns autores distinguem axiomáticas como materiais e axiomáticas
abstratas, as materiais estão ligadas à intuição e as abstratas aos sistemas lógicos sem ligação
com elementos intuitivos.
Esta classificação é contestável por sua simplicidade, mas é certo que a questão da
intuição é essencial para a idéia de que há duas maneiras de se estabelecer formas
axiomáticas, ambas possuem uma relação com a intuição. Por meio da sua negação ou por
meio da sua aplicação.
É interessante notar que a axiomática abstrata é manifestada através de sistemas
lógicos. Desta forma, a abstração é algo independente da intuição, mas dependente de
fórmulas. Um elemento muito importante neste processo é a prioridade destinada à aritmética,
em contraposição à geometria, ou como fórmula moderna para representá-la; como no caso do
desenvolvimento da geometria analítica.
Ao falarmos em abstração na matemática, lembraremos da aplicação lógica formal. E
lembramos igualmente da aritmética, que é formal por natureza. A aritmética, inclusive, se
confunde com sua própria linguagem e propriedades dos números e expressões lógicas. Ela
não se confina apenas nestas composições. A sua artificialidade frente ao mundo real é base
para o que hoje entendemos por abstração, e linguagem formal.
A reivindicação da prioridade da aritmética sobre geometria, talvez não seja algo
possível de se estabelecer. Pois, hoje temos a geometria analítica e as geometrias não91
euclidianas que se estruturam sobre uma base não intuitiva. A geometria não desapareceu, mas
se vê de uma perspectiva não intuitiva.
A álgebra libertou-se do seu vínculo concreto com o mundo físico; o uso de símbolos
pela álgebra possibilita o uso abstrato de formulações lógicas de forma generalizada.
Substituindo primitivos por símbolos como x, y, z, então os postulados dos conceitos passam
a se referir a estes símbolos, sem a necessidade de estabelecer significados concretos destes
conceitos. Dispensam-se os fatores primitivos como base das conclusões, sendo esta base
substituída pela estruturação lógica das proposições.
O fato de surgir geometrias diferentes da geometria euclidiana sugere uma maior
liberdade para o raciocínio matemático. Fato semelhante ocorreu com a álgebra.
Parecia inconcebível, no início do século XIX, que pudesse haver uma álgebra
diferente da álgebra comum da aritmética. Tentar, por exemplo, a construção de uma
álgebra consistente na qual não se verificasse a lei comutativa da multiplicação não só
provavelmente não ocorria a ninguém da época, como também, se ocorresse,
certamente seria descartada por parecer uma idéia ridícula; afinal de contas, como seria
possível uma álgebra lógica na qual a x b fosse diferente de b x a? Era essa a impressão
sobre a álgebra quando, em 1843, William Rowan Hamilton foi forçado, por
considerações físicas, a inventar uma álgebra em que a lei comutativa da multiplicativa
não valia. EVES (1997, p.548)
Hamilton contribuiu para a libertação da álgebra através do tratamento dos números
complexos como pares de números reais, onde aparecia como a+bi, sendo i a raiz quadrada de
-1. Outro matemático que foi importante foi Hermann Gunther Grassmann que escreveu um
tratado sobre geometria projetiva.
Sobre o trabalho de Grassmann, trataremos a parte.
Outro nome que deve ser lembrado é George Boole (1815-1864)
[...] Em 1847 Boole publicou um pequeno livro intitulado The Mathematical Analysis
of Logic, louvado por De Morgan como uma obra para marcar época. Nesse trabalho
Boole defendia que o caráter essencial da matemática reside em sua forma e não em
seu conteúdo; a matemática não é (como alguns dicionários ainda hoje afirmam)
simplesmente 'a ciência das medidas e dos números', porém, mais amplamente,
qualquer estudo consistindo em símbolos juntamente com regras precisas para operar
com esses símbolos, regras essas sujeitas apenas à exigência de consistência interna.
EVES (1997, p.557)
Após a libertação da geometria e da álgebra, um terceiro movimento foi importante
para o desenvolvimento da matemática moderna. Este movimento foi chamado de
aritmetização da análise.
Os matemáticos foram consideravelmente além do estabelecimento do sistema
números reais como o fundamento da análise. Pode-se também fazer com
geometria euclidiana se baseie no sistema dos números reais através de
interpretação analítica e foi demonstrado pelos matemáticos que a maior parte
92
dos
que
sua
dos
ramos da geometria é consistente se a geometria euclidiana é consistente. Ademais,
como o sistema dos números reais, ou alguma parte dele, pode fazer depender uma boa
parte da álgebra desse sistema. De fato, pode-se afirmar hoje que essencialmente, a
consistência de toda matemática existente depende da consistência do sistema dos
números reais. EVES (1997, p.611)
Com Dedekind (1831-1916), Georg Cantor (1845-1918) e Giuseppe Peano (1858 –
1932) estes fundamentos se assentaram na demonstração de que o sistema dos números reais
e, em conseqüência, a maior parte da matemática “pode ser deduzido de um conjunto de
postulados para o sistema dos números naturais” EVES (1997, p.611)
Mais tarde, entendeu-se que estes números naturais poderiam ser entendidos a partir
da teoria dos conjuntos. Na busca destes fundamentos, Beltrand Russell (1872-1970) e Alfred
North Whitehead (1861-1947) deduziram a teoria dos conjuntos a partir dos cálculos
proposicionais da lógica.
Na matemática o trabalho de lógicos como Peano intensionaram fornecer um
formulário que fosse possível não utilizar da linguagem comum e de diagramas intuitivos.
3.5 Grassmann
Hermann Günther Grassmann nasceu em 1809, em Stettin, Alemanha. Foi um eminente
matemático do século XIX que juntamente com Hamilton compartilhou o título de precursor
da análise vetorial.
Não alcançou cargo em universidade, tendo ensinado somente em escolas secundárias,
Grassmann talvez tenha sido prejudicado justamente pela forma inovadora em que apresentou
sua abordagem de apresentar a álgebra. O reconhecimento do valor dos trabalhos de
Grassmann foi tardio para alcançar sua meta.
Grassmann empregou os métodos de vetor para um ensaio na Teoria das Marés. Este
ensaio contém o que atualmente se chama de álgebra linear e espaço vetorial. Em 1844
publicou sua principal obra, chamada Die Lineare Ausdehnungslehre, ein neuer Zweig der
Mathematik (A teoria de extensão linear, um novo ramo da matemática), mais conhecida
como Ausdehnungslehre ou como Teoria da extensão ou Teoria das magnitudes extensivas, ou
ainda mais simplesmente como A1. Desde que A1 propôs uma fundação nova para toda a
matemática, o trabalho começou com as definições completamente gerais de uma natureza
filosófica.
A seguinte declaração faz parte da introdução de A1, em 1844, descrevendo como ele
fez sua descoberta:
93
O incentivo inicial foi fornecido pela consideração de negativos em geometria; eu
apliquei para considerar o deslocamento AB e BA como magnitudes opostas. Disto
segue que se A, B, C são pontos de uma linha reta, então AB + BC = AC é sempre
verdade, se AB e BC não são interpretados meramente como distâncias, mas antes suas
direções são simultaneamente retidas assim como, de acordo ao qual eles são
precisamente orientados opostamente. Então a distinção era dada entre a soma de
comprimentos e a soma de tais deslocamentos na qual as direções eram dispostas
dentro do cálculo. Disto segue a necessidade para estabelecer este conceito tardio de
uma soma, não somente pelo caso de que o deslocamento sejam dirigidos similar ou
opostamente, mas também para todos os outros casos. 53
Isto pode ser mais facilmente declarado se a lei AB+BC=AC é imposta mesmo quando
A, B, C não seguem sobre uma simples linha reta. Então o primeiro passo era feito
através de uma análise que subsequentemente levasse para um novo ramo da
matemática apresentada aqui. Portanto, eu então não reconheci o domínio rico e
frutífico que eu tinha encontrado; além disso, o resultado pareceu pouco digno de nota
até ele ser combinado com uma idéia relatada.
Enquanto eu possuía o conceito de produto em geometria como tinha sido estabelecido
por meu pai, eu concluía que não só retângulos mas também paralelogramos em geral
podem ser considerados como produtos de seus comprimentos, mas como aquela dos
dois deslocamentos com suas direções feitas dentro dos cálculos. Quando eu combinei
este conceito do produto com aquele previamente estabelecido para a soma, resultou na
mais notável harmonia; então se eu multipliquei a soma (no sentido exato dado) de dois
deslocamentos por um terceiro deslocamento por meio de um mesmo plano, ou os
termos individuais pelo mesmo deslocamento e adicionando os produtos com a devida
consideração para seus valores positivos e negativos, o mesmo resultado será obtido e
deverá sempre obter.
A harmonia de fato permite-me perceber que um domínio completamente novo tem
então sido descoberto, que se poderia levar para resultados importantes. Ainda esta
idéia permaneceu adormecida por muito tempo desde as demandas de meu trabalho
levaram-me para outras tarefas; também, eu estava inicialmente perplexo pelo
resultado notável que, apesar das leis da multiplicação ordinária, inclusive a relação de
multiplicação com adição, permaneceu válida para este novo tipo de produto, poder-seia somente intercambiar fatores se simultaneamente mudar o sinal (isto é, mudar + por
– e vice versa) 54 GRASSMANN apud CROWE (1985, pp.56-57)
53 The initial incentive was provided by the consideration of negatives in geometry; I was used to
regarding the displacements AB and BA as opposite magnitudes. From this it follows that if A, B, C
are points of a straight line, then AB + BC = AC is always true, whether AB and BC are directed
similarly or oppositely, that is even if C lies between A and B. In the latter case AB and BC are not
interpreted merely as lengths, but rather their directions are simultaneously retained as well,
according to which they are precisely oppositely oriented. Thus the distinction was drawn between the
sum of lengths and the sum of such displacements in which the directions were taken into account.
From this there followed the demand to establish this latter concept of a sum, not only for the case
that the displacements were similarly or oppositely directed, but also for all other cases.
54 This can most easily be accomplished if the law AB + BC = AC is imposed even when A,
B, C do not lie on a single straight line. Thus the first step was taken toward an analysis that
subsequently led to the new branch of mathematics presented here. However, I did not then
recognize the rich and fruitful domain I had reached; rather, that result seemed scarcely
worthy of note until it was combined with a related idea.
While I was pursuing the concept of product in geometry as it had been established by my
94
Grassmann, primeiro matemático a propor, mesmo que de forma inconsciente, a
Axiomatização da Aritmética, foi discutido no artigo: A debate about the axiomatization of
arithmetic: Otto Hölder against Robert Graβmann de Mircea Radu, no qual se encontra um
debate a respeito da Axiomatização da Aritmética sob dois pontos de vista. Por um lado,
temos Otto Hölder que acreditava na natureza sintética da Matemática, e assim rejeitava o
método axiomático como base para a mesma, por outro lado, Robert Grassmann e Hermann
Grassmann55 apresentaram uma abordagem da Aritmética, aparentemente, axiomática. No
desenvolvimento da pesquisa de Radu, indicamos que as bases da axiomatização da
Aritmética estavam no bojo das grandes transformações ocorridas na Matemática durante o
século XIX e início do XX, como: o aparecimento das Geometrias não-euclidianas, a
libertação da Álgebra das veias da Aritmética e o processo intrincado da Aritmetização da
Análise.
Também, nesse período, desenvolveu-se a discussão da pertinência ou não do uso do
método axiomático, como um fundamento da Aritmética. Concluímos que, apesar de toda a
polêmica desse período, a possibilidade da axiomatização da Aritmética e a adoção do
princípio axiomático nas ciências formais contribuíram para o avanço das ciências exatas.
3.5.1 Grassmann: conceito de vetor
Vetores são números. Portanto, possuem propriedades semelhantes aos outros
father, I concluded that not only rectangles but also parallelograms in general may be
regarded as products of an adjacent pair of their sides, provided one again interprets the
product, not as the product of their lengths, but as that of the two displacements with their
directions taken into account. When I combined this concept of the product with that
previously established for the sum, the most striking harmony resulted; thus whether I
multiplied the sum (in the sense just given) of two displacements by a third displacement lying
in the same plane, or the individual terms by the same displacement and added the products
with due regard for their positive and negative values, the same result obtained, and must
always obtain.
This harmony did indeed enable me to perceive that a completely new domain had thus been
disclosed, one that could lead to important results. Yet this idea remained dormant for some
time since the demands of my job led me to other tasks; also, I was initial perplexed by the
remarkable result that, although the laws of ordinary multiplication, including the relation of
multiplication to addition, remained valid for this new type of product, one could only
interchange factors if one simultaneously changed the sign (i.e. changed + into – and vice
versa).
55 Robert Grassmann e Hermann Grassmann, na verdade, concordavam com a idéia de Hölder, pois rejeitavam
o método axiomático.
95
números, ou seja, obedecem às regras e propriedades da aritmética, como as propriedades
comutativas e associativas.
Os vetores ficaram conhecidos pela necessidade de representação de entidades físicas
como o centro de gravidade desenvolvida ainda por Arquimedes, ou outras como força ou
velocidade. De fato, temos representações de vetores bem antes de Grassmann e Hamilton,
mas o que estes pensadores fizeram foi colocá-lo nos domínios da aritmética e,
consequentemente, da lógica.
A consideração de que, por um lado, os vetores são quantidades para os físicos,
e por outro, números (matemáticos) podem ser entendidos como uma sinonímia. Em termos
gerais, o mesmo não pode ser colocado na concepção de número e quantidade, pois existem
números e quantidades na física, por exemplo, uma constante é um número, não uma
quantidade. O vetor, por seu turno só existe como quantidade de uma grandeza chamada
vetorial para os físicos.
Quando se mede um comprimento, o resultado é expressado como um número de
unidades. O comprimento de uma vara poderá ser de um metro; o peso de algum
objeto, de dois quilos; um intervalo de tempo medido poderá ser de tantos minutos ou
segundos. Em cada um desses casos, o resultado da medição é expressado por um
número. Um número sozinho é, contudo, insuficiente para descrever alguns conceitos
físicos. O reconhecimento desse fato marcou um avanço distinto na investigação
científica. É essencial uma direção além de um número, para caracterização de uma
velocidade, por exemplo. Tal quantidade, possuindo tanta grandeza como direção, é
chamada vetor. [...] EINSTEIN (1980, p.22)
Galileu e Newton foram fecundos ao dar um novo tratamento aos vetores, quando
vieram respectivamente estudar o movimento e a força. Newton por exemplo, apresentou em
forma de paralelogramo a ação de forças em um corpo.
Se toda força produz algum movimento, uma força dupla produzirá um movimento
duplo e uma tripla um triplo, quer essa força se imprima conjuntamente e de uma vez
só, quer seja impressa gradual e sucessivamente. E esse movimento, por ser sempre
orientado para a mesma direção que a força geratriz, se o corpo se movia antes, ou se
acrescenta a seu movimento, não concorde com ele. Ou se subtrai dele, caso lhe seja
contrário, ou, sendo oblíquo, ajuntar-se-lhe obliquamente, compondo-se com ele
segundo a determinação de ambos. NEWTON (1974, p.20)
O vetor pode ser entendido na física a partir do movimento. E dentro desta fronteira do
movimento, temos a concepção de inércia. Ao qual o movimento de todos os corpos se fazem
em linha reta. LEI I: “Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento
uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impressas
nele.” NEWTON (1974, p.20)
Os movimentos em geral, portanto, passaram a serem vistos como um conjunto de
96
componentes que seriam retas. Esta forma de reduzir todos os movimentos, inclusive os
movimentos angulares, rotações e translações, por meio de uma possível decomposição de
movimentos em linha reta, permitiu simplificar e colocar em uma forma mais próxima do que
entendemos por números.
A pista para uma explicação do movimento em linha reta foi simples: a força externa é
responsável pela alteração da velocidade, o vetor de força tem a mesma direção que a
alteração. Mas que deverá ser considerado a pista para o movimento curvilíneo?
Exatamente o mesmo! A única diferença é que a alteração de velocidade tem agora um
significado mais amplo do que antes. [...] Se for conhecida a velocidade em todos os
pontos ao longo da curva, a direção da força em qualquer ponto pode ser logo
deduzida. Devem-se desenhar os vetores de velocidade de dois pontos separados por
um intervalo de tempo muito curto, correspondentes, portanto, a posições muito
próximas uma da outra. O vetor que vai da extremidade do primeiro à extremidade do
primeiro à extremidade do segundo indica a direção da força atuante, Mas é essencial
que os dois vetores de velocidade sejam separados apenas por um intervalo de tempo
“muito curto”. A análise rigorosa de expressões como “muito próximo”, “muito curto”
está longe de ser simples. Na verdade, foi essa análise que levou Newton e Leibniz à
descoberta do cálculo diferencial. EINSTEIN (1980, p.30)
Mas um vetor apresenta algo a mais, que é a informação de origem e destino. O
deslocamento de A para B é diferente do deslocamento de B para A; mas sabemos que isso foi
percebido pelo alemão Augusto Ferdinand Mobius (1790-1868) que estudou o cálculo do
centro de gravidade ou centróide. No primeiro capítulo de
seu livro chamado Der
barycentrische Calcul, apresentou, que no seu sistema, dois pontos dados podem ser
representados por A e B enquanto o segmento de reta AB, designando o segmento de um
ponto A para B, enquanto BA ou -AB poderia representar o segmento de B para A; ele dizia
que se dois segmentos fossem colineares poderia fazer a somatória.
O fato de possuirmos dois segmentos de reta somados pode ser entendido da mesma
forma. Assim, podemos representar o deslocamento, que é uma grandeza física. O
deslocamento é a grandeza que permite, pela derivação das grandezas pelo tempo (grandeza
não vetorial), dizer que a velocidade, a aceleração, a força etc. são vetoriais. Ou seja, o
sentido do deslocamento sempre foi sujeito a atenção dos físicos, como por exemplo, por
Galileu quando este estudou o lançamento de projéteis, ou quando estudou a queda dos
corpos. Assim, as grandezas derivadas do deslocamento, sempre estiveram de alguma forma
relacionadas com a compreensão de vetor.
EINSTEIN nos ensina um pouco mais de vetor no A evolução da Física (1938):
Uma bala disparada de um canhão, uma pedra lançada em ângulo com o plano
horizontal, um jato de água emergido de uma mangueira, descrevem, todos, trajetórias
familiares de um mesmo tipo, a parábola. Imagine-se, por exemplo, um velocímetro
adaptado a uma pedra, de modo que o seu vetor de velocidade possa ser desenhado
para cada instante.
97
Fig. 3.5 – Trajetória de um projétil
O resultado bem poderá ser o que está representado na figura acima. A direção da força
que atua sobre a pedra é simplesmente a da alteração da velocidade, e vimos como
pode simplesmente a da alteração da velocidade, e vimos como pode ser determinada.
O resultado, mostrado no desenho abaixo indica que a força é vertical e dirigida para
baixo.
Fig. 3.6 – Decomposição de vetores de pontos da trajetória de um projétil
É exatamente a mesma de quando se deixa uma pedra cair do topo de uma torre. As
trajetórias são assaz diferentes, o mesmo dando com as velocidades, mas a alteração de
velocidade tem a mesma direção, isto é, rumo ao centro da Terra.
Uma pedra presa à extremidade de um pedaço de barbante e girada em um plano
horizontal se move em uma trajetória circular.
[...]
98
É muito semelhante o exemplo mais importante da revolução da Lua em torno da Terra.
Essa translação pode ser aproximadamente representada como um movimento circular
que foi dirigida para a mão no exemplo anterior. Não há cordel algum ligando a Lua à
Terra, mas podemos imaginar uma linha unindo os centros dos dois corpos. A força
situa-se ao longo dessa linha e é dirigida para o centro da Terra exatamente como a
força que atua sobre uma pedra lançada ao are deixada cair de uma torre.
Tudo o que dissemos relativamente ao movimento pode ser resumido em uma única
sentença: Força e alteração da velocidade são vetores que têm a mesma direção. Esta é
a pista inicial para o problema do movimento, mas certamente não chega para uma
explicação completa de todos os movimentos observados. A transição da linha de
pensamento de Aristóteles para a de Galileu formou a mis importante pedra angular do
fundamento da ciência. EINSTEIN (1980, pp. 30-32).
De fato, a possibilidade de representação dos movimentos a partir de deslocamentos
em linha reta permite aplicar a geometria, pois passa-se a considerar as componentes dos
movimentos como segmentos de reta e, deste modo, utilizar-se das suas propriedades;
inclusive, as propriedades que possuem implicações aritméticas.
Concluindo: segmentos de retas podem representar números e operações. O
deslocamento pode ser representado por segmentos de retas, e se estes segmentos de retas
interferirem em algo comum e ainda forem colineares, estes segmentos podem ser somados
tal qual a forma euclidiana, por exemplo. Mas e se os vetores não forem colineares?
Uma nova forma de ver os números se formava ao se visualizar os números como
pontos de uma linha reta que determinavam um segmento. E ainda mais quando se
considerava como pontos de um plano e de um espaço tri-dimensional. Havia, inclusive, a
possibilidade de se atribuir mais dimensões além do três com Grassmann.
Contudo, mesmo com apenas a duas dimensões, permitia-se muitas aplicações
surgirem com respeito ao número, por exemplo, como o número imaginário. Dando maior
liberdade de direções ao número, tornava-o mais amplo em termos de aplicação e em termos
de abstração. Afinal, tomar os números como diferentes segmentos de reta é bem mais fácil
que compreendê-los como segmentos de retas com direções opostas e ainda mais com
infinitas direções.
Sem dúvida, o conceito de número foi ampliado, pois representava uma quantidade de
unidades tomadas de qualquer origem e destino. Quantidade esta que isoladamente podia-se
colocá-lo em segmentos da maneira euclidiana, ou seja, que não se importa com a origem e o
fim de um segmento, mas apenas com a quantidade de unidades que este possui.
Mas esta conversão de vetor a número sofre de alguns problemas quando
necessitarmos realizar operações com outros vetores. Pois aí, de fato, devemos considerar se
eles estão na mesma direção e sentido, se não estiverem, uma nova abordagem é necessária, e
99
aí Euclides não responde mais. Uma nova abordagem geométrica se torna necessária, mais
abstrata, e consequentemente menos intuitiva. As construções que tanto Kant valorizava eram
substituídas por decomposições de entidades numéricas complexas. Jayme Júnior resumiu da
seguinte forma:
A busca das álgebras geométricas se fez novamente presente já nos tempos modernos
através de Descartes. Essa tentativa também não logrou êxito, e o motivo principal foi
o mesmo dos gregos: a noção de congruência usada por Descartes era a mesma de
Euclides. O mesmo problema preocupou Leibniz (1646-1716), um dos criadores do
cálculo diferencial e integral. Do ponto conceitual Leibniz teve bem claro a idéia de
uma álgebra geométrica e da sua necessidade. Ele a denominou uma geometria de
situs, que podemos traduzir como uma geometria de posição ou de sítio. Leibniz
escreveu um ensaio sobre esse assunto que ficou esquecido por muito tempo. Quando
redescoberto e publicado (em torno de 1833) foi instituído um prêmio para quem
desenvolvesse as idéias de Leibniz. Apenas um matemático se inscreveu: Grassmann.
O que permitiu a Grassmann desenvolver com êxito a idéia de uma álgebra geométrica
foi o fato dele não usar a noção de congruência de Euclides, mas sim uma outra
relacionado com o conceito que hoje conhecemos como vetores. JUNIOR (2008, p.1)
3.6 Conclusões:
A sistematização do conhecimento matemático pode fundar o conhecimento como um
bem universal. De fato, organizar o pensamento é tão importante quanto pensar. Pois além de
tudo, é possível desenvolver a capacidade de se comunicar o conhecimento. Assim, pensar
matemática é tornar-se capaz de ser comunicável, claro e consistente com relação às
propriedades matemáticas.
A axiomática surge para esta finalidade, e seu entendimento foi abruptamente mudado
no final do século XIX. A axiomática de Euclides, com forte apelo à geometria intuitiva, foi
tão importante e ainda é. De tal forma, que não se trata de geometria nem de axiomática sem
referir ao seu nome (ainda que seja como referência negativa).
A geometria não-euclidiana, tão importante para a Física moderna - tal como a
geometria euclidiana foi para Galileu e Newton, - inaugurou uma maior independência do
pensar com os órgãos sensores. Novas possibilidades surgiram, novos objetos eram possíveis,
em contraste com os objetos euclidianos que se mostravam, e que na maioria das vezes se
podia apontá-los. Não-euclidiano significou novos mundos conceituais, e assim, surgiram
novos objetos para complementá-los.
Na Física, destacou-se Grassmann, que tornou possível uma álgebra com vetores. É
arriscado dizer que ele livrou a Física do uso da intuição, tal como Newton usava
explicitamente, mas é certo que sua forma simbólica foi essencial para o desenvolvimento da
Física como entendemos hoje. Outras formas intuitivas são encontradas na idéia de conjunto
100
ou na forma diagramática das funções. Mas a forma lógica na linguagem matemática trouxe
avanços no caráter formal das ciências em geral e na aplicação da lógica pura, na forma de
álgebra e geometria independentes da intuição; porém, ligadas de forma concreta à lógica.
O resultado deste esforço mais contundente é encontrado na aplicação da lógicamatemática, amplamente utilizada nos nossos processadores e circuitos lógicos. Os números
complexos passaram a ser conceitos e objetos de aplicação na tecnologia e na Física. Os
novos conceitos e objetos tiveram como fonte mais imediata no que se conseguia imaginar do
que nos sentidos. Para a aplicação dos números, neste contexto do avanço da axiomática,
destacamos três importantes teóricos na concepção dos números: Peano, Russell e Frege.
101
TEÓRICOS MODERNOS DOS NÚMEROS
4.1 Peano
Giuseppe Peano (1858 – 1932) - Matemático italiano e um dos fundadores da lógica
simbólica. Investigava as fundações da matemática e o desenvolvimento da linguagem lógica
formal.
Seu trabalho era motivado pelo desejo de expressar toda matemática em termos de
cálculo lógico. Ele é conhecido particularmente pelas suas pesquisas em álgebra vetorial e
lógica formal. Reduziu a maior parte da matemática para a estrita forma simbólica. O
simbolismo desta linguagem ideográfica era largamente adaptado por lógicos matemáticos
por causa de sua simplicidade.
Em torno de 1900, Peano inventou um novo sistema de símbolos lógicos. Aumentou a
extensão da lógica simbólica por introduzir símbolos como є (pertence à classe de), ∪ (soma
lógica ou união), ∩ (produto lógico ou intercessão) e ʗ (contém) para representar outras
noções lógicas.
Peano estudou matemática na Universidade de Turin e se uniu ao corpo docente em
1880, sendo designado a uma cadeira em 1890. Ele também tomou o posto de professor na
Accademia Militare em Turin de 1886 a 1901. Fez diversas descobertas importantes que eram
altamente contra-intuitivos e se convenceu de que a matemática poderia ser desenvolvida
formalmente se erros forem evitados. Seu Formulaire de mathématiques, publicado de 1894
para 1908 com colaboradores; estava interessado em desenvolver Matemática de postulados
fundamentais, usando notação de lógica de Peano e sua linguagem internacional simplificada.
Apesar do declínio após a Primeira Guerra Mundial, parte da notação lógica de Peano foi
adaptado por Bertrand Russell e Alfred North Whitehead em seu Principia Mathematica
(1910-13).
Calcolo differenziale e principii di calcolo integrale de Peano e “Lições de Análise
Infinitesimal” (1884), são dois dos mais importantes trabalhos sobre o desenvolvimento da
teoria geral de funções desde o trabalho do matemático francês Augustin Louis Cauchy (17891857).
Em 1889 Peano publicou os seus axiomas famosos, chamados axiomas de Peano, que
definiram os números naturais em termos de conjuntos. Em 1891, fundou a Rivista di
matematica: um diário dedicado principalmente à lógica e aos fundamentos da matemática.
Em 1992, anunciou nesta revista o projeto Formulario. Peano desejava que o resultado deste
102
projeto fosse uma publicação da coleção de todos os teoremas conhecidos em vários ramos da
matemática. Houve cinco edições do Formulario, o primeiro apareceu em 1895 e o último em
1908, e contém 4200 teoremas.
O interesse de Peano não se concentrava na lógica em si, mas de seu uso na
matemática. Por isso, seu sistema é chamado de lógica matemática. As últimas edições do
Formulario introduzem seções sobre lógica apenas como provas de teoremas matemáticos. Os
postulados dos números naturais assumiram sua definitiva forma em 1898, tendo sido
inicialmente apresentado em 1889.
Peano estava cônscio de que os postulados não
caracterizavam os números naturais e, portanto, não forneciam a definição de número. Nem
usou sua lógica matemática para reduzir a matemática à lógica. KENNEDY (2002, p.24)
Em carta para Felix Klein (1894) Peano escreveu: “A proposta da lógica matemática é
analisar as idéias e razões que especialmente figuram nas ciências matemáticas”
56
PEANO
apud KENNEDY (2002, p.24).
Sua posição é tida nem como formalista no sentido de Hilbert, nem como logicista.
Sua crença se baseava na concepção de que as idéias matemáticas são derivadas da nossa
experiência do mundo material.
A matemática, então, tem conteúdo e não é meramente um jogo.
Em 1923 Peano afirmou:
A matemática tem lugar entre a lógica e as ciências experimentais. Ela é lógica pura;
todas suas proposições são da forma: 'Se se supõe A, então B é verdadeiro.' Mas estas
construções lógicas não devem ser feitas para mero prazer de raciocinar sobre elas. O
objeto estudado por elas é dado pelas ciências experimentais; elas devem tem um
objetivo prático. 57 PEANO apud KENNEDY (2002, p.64)
Peano acredita que ciências experimentais devem orientar as construções lógicas dos
matemáticos. A aplicação é importante para ele, tanto quanto a lógica. Há dois lados: as
ciências que possuem objetos que não são formais por natureza e a lógica que não tem
objetos, mas possui forma. Assim, desenham-se uma matemática que intermedeia o real e o
formal. Emprestando forma à realidade.
Além de contribuições para a pesquisa em lógica e aritmética, Peano também
introduziu os elementos básicos de cálculo geométrico, aos quais forneceu diversos sistemas
56 The purpose of mathematical logic is to analyze the ideas and reasoning that especially figure in the
mathematical sciences.
57 Mathematics has a place between logic and the experimental sciences. It is pure logic; all its
propositions are of the form: ‘If one supposes A, then B is true.’ But these logical constructions must not
be made for the mere pleasure of reasoning about them. The object studied by them is given by the
experimental sciences; they must have a practical goal.
103
de axiomas.
Peano é também conhecido como o criador da Latino sine Flexione, uma linguagem
artificial posteriormente chamada Interlingua. Baseada na síntese de latim, francês, alemão e
vocabulário inglês, com uma maior simplicidade gramatical, a Interlingua estava interessada
em ser aplicada como uma linguagem auxiliar internacional.
Embora seja um fundador de lógica matemática, o filósofo e matemático alemão
Gottlob Frege (1848-1925) é considerado o pai de lógica matemática.
No dia 20 de abril de 1932, vítima de um ataque de coração, faleceu em Turim – Itália.
4.1.1 A axiomática de Peano
O uso moderno de termos indefinidos de um sistema matemático aplicando axiomática
foi popularizado pela observação de Hilbert : “Dever-se-á estar apto a dizer em todos tempos
– em vez de pontos, linhas retas, e planos – mesas, cadeiras, e canecas de cerveja
58
”
HILBERT apud KENNEDY (2002, p.23) Este tipo de abordagem não foi aceita até o século
XX, e mesmo nos dias atuais ainda se encontram definições como “evidente por si mesmo” e
“princípio geralmente aceito” do termo axioma.
O que motivou um movimento contrário a este ponto de vista foram as geometrias não
euclidianas, que significavam a possibilidade de basear a geometria no uso de axiomas. Um
marco importante neste processo foi a obra Pasch que entre 1882 a 1889 escreveu
Vorlesungen über neuere Geometrie para o I principii di Geometria logicamente esposti de
Peano.
Pasch observava que tudo que necessitasse deduzir os teoremas poderia ser encontrado
entre os axiomas; estes axiomas, por outro lado, deveriam ser completos e deveriam fornecer
a base para rigorosa prova dos teoremas. “O pai do rigor em geometria é Pasch
59
”
FREUDENTHAL apud KENNEDY (2002, p.23)
Pasch afirma: “De fato, desde que a geometria seja verdadeiramente dedutiva, o
processo de inferência deverá ser inteiramente independente do significado dos termos
geométricos, como deverá ser independente das figuras.”
60
E em Grundlagen der Geometrie
58 One must be able to say at all times —instead of points, straight lines, and planes—tables, chairs, and beer
mugs.
59 The father of rigor in geometry is Pasch
60 In fact, provided the geometry is to be truly deductive, the process of inference must be entirely independent
of the meaning of the geometrical terms, just as it must be independent of the figures
104
exemplifica o seu método: “Vamos considerar três sistemas distintos de coisas. As coisas
compõem o primeiro sistema, nós chamaremos de pontos, e designá-las por letras A, B e C...”
61
PASCH apud KENNEDY (2002, p.23)
E explica que a base para o seu estudo é assumir coleções de entidades de uma
natureza arbitrária. Estas entidades poderão ser chamadas de pontos, e são independentes da
natureza.
Sabe-se que Peano trabalhou baseado em Pasch, no sentido de se dirigir a um método
axiomático. Nas suas palavras, pode-se observar claramente sua visão nesse sentido:
O signo 1 é lido ponto [...] Nós então temos uma categoria de entidades, chamadas
pontos. Estas entidades não são definidas.
Também, dados três pontos, nós consideramos a relação entre eles, indicado por c ε ab,
e esta relação é igualmente indefinida. O leitor pode entender pelo signo 1 qualquer
categoria das entidades, e por c ε ab qualquer relação entre três entidades daquela
categoria. 62 PEANO apud KENNEDY (2002, p.24)
A axiomática moderna surgia com a exigência de ser completa, independente e
consistente. Quanto a propriedade de independência, Peano afirmou: “Eu tenho prova moral
da independência das proposições primitivas da qual eu iniciei, em sua substancial
coincidência com as definições de Dedekind”
63
PEANO apud KENNEDY (2002, p.25)
4.2 Conceito de número natural
Em 1939, Peano escreveu:
O conceito de número é distinguido de muitos outros conceitos dos cursos da escola
por sua primariedade. Isto significa que na maioria esmagadora das formas na qual
matemática pode ser desenvolvida como um sistema lógico, a idéia de número pertence
ao conjunto daqueles conceitos que não são definidos em termos de outros conceitos,
mas junto com os axiomas participam da listagem do dado inicial. Isto significa que a
matemática não contém com ela mesma uma resposta para a questão 'o que é um
número?' - uma resposta, que é, pela qual poderia consistir de uma definição deste
conceito em termos de conceitos que tem sido introduzido um estágio prévio; a
matemática dá esta resposta numa forma diferente, por listar as propriedades de um
61 Let us consider three distinct systems of things. The things composing the first system, we will call points,
and designate them by the letters A, B, C,...
62 The sign 1 is read point [...] We thus have a category of entities, called points. These entities are not
defined. Also, given three points, we consider a relation among them, indicated by c ε ab, and this
relation is likewise undefined. The reader may understand by the sign 1 any category whatever of entities,
and by c ε ab any relation whatever among three entities of that category.
63 I had moral proof of the independence of the primitive propositions from which I started, in their substantial
coincidence with the definitions of Dedekind.
105
número como axiomas. 64 PEANO apud KENNEDY (2002, p.25)
As obras de Peano foram importantes para a lógica e para os fundamentos da
matemática, mas este discordava da posição de Russell quanto a redução da matemática à
lógica.
Em 1889, com Arithmetices principia, nova methodo exposita, Peano inicia seu
famoso postulado dos números naturais, obra mais famosa de Peano. Seu trabalho era
independente do trabalho de Dedekind, que no ano anterior havia publicado uma análise dos
números naturais tratando do mesmo objeto de Peano; porém, considerado de menor clareza.
Arithmetices principia, nova methodo exposita, inclui também importantes inovações em
notação lógica tais como ε (pertence a), e muitas outras notações foram apresentadas e
adotadas na lógica moderna. KENNEDY (2002, p.23).
Peano desenvolveu o sistema de número real de seus postulados de números naturais.
Em 1891, Peano publica Sul concetto di numero, ao qual se apresenta três termos
indefinidos, que são: número (N), 1, e a+ (o sucessor de a, sendo a um número). Ele
simplifica eliminando os termos indefinidos simbolizados pelo sinal de “=”. Os cinco axiomas
são:
(1) 1 ε N
(2) + ε N \ N
(3) a, b ε N . a+ = b+ :
a=b
(4) 1 − ε N+
(5) s ε K . 1 ε s . s+‫ כ‬s : ‫כ‬N ‫כ‬s. KENNEDY (2002, p.40)
Que podem ser entendidos como
P1) um é um número;
P2) todo número tem um sucessor, que é também um número;
P3) números são iguais se e somente se os seus sucessores são iguais;
P4) um não é sucessor de nenhum número;
64 The concept of number is distinguished from many other concepts of the school course by its primarily.
This means that in the overwhelming majority of ways in which mathematics can be developed as a
logical system, the idea of number belongs to the set of those concepts which are not defined in terms of
other concepts, but together with the axioms enter into the ranks of the initial data. It means that
mathematics does not contain within itself an answer to the question ‘what is a number?’ – an answer,
that is, which would consist of a definition of this concept in terms of concepts that had been introduced
at an earlier stage; mathematics gives this answer in a different form, by listing the properties of a
number as axioms.
106
P5) se uma subclasse de números contém o número um é sempre que contiver um número,
contiver seu sucessor, então, esta subclasse contém todos os números.
Na sua versão moderna mais conhecida apresenta-se estes quatro axiomas:
1. Existe uma função s: N → N, que associa a cada n ∈ N um elemento s(n) ∈ N, chamado o
sucessor de n.
2. A função s : N → N é invectiva.
3. Existe um único elemento 1 no conjunto N, tal que 1 ≠ s(n) para todo n ∈ N.
4. Se um subconjunto X ⊂ N é tal que 1 ∈ N e s(X) ⊂ X (isto é, n ∈ X ⇒ s(n) ∈ X), então X
= N.
Esta maneira de apresentar os números foi modificada em 1898, em vez de iniciar com
1 a seqüência passa a iniciar com 0. O conjunto dos números naturais era então chamado de
N0 em vez de N. Esta mudança acarretava outras mudanças, como apresentado por HUBERT
KENNEDY (que publicou relevantes biografias e trabalhos sobre a vida e obra de Peano):
Por exemplo, em 1891 (como já em 1889) a adição de números naturais era definida
por uma simples equação: a + (b + 1) = (a + b) +1. (Isto é entendido, como Peano
explicou, no sentido que se a e b são números e o membro do lado direito da equação
tem significado, mas se lado esquerdo tem sido neste ponto indefinido, então a
expressão sobre o esquerdo tem o significado da expressão sobre o direito). Pelo
postulado da indução matemática, a adição é então definida por todos os pares de
números naturais. Em 1898 a definição recursiva da adição requeria duas equações: a +
0 = a, a + (b+) = (a + b)+. 65 KENNEDY (2002, p.43)
Em 1901 incrementou mais um postulado, que é N0 ε Cls, ou seja, que os números
naturais formam uma classe KENNEDY (2002, p.42). Abaixo, temos sua representação
formal dos números naturais. E a forma a+ é substituída pela forma a+1.
(0) N0 ε Cl
(1) 0 ε N0
(2) a ε N0 . ‫ כ‬a+ ε N0
(3) s ε Cls . 0 ε s : x ε s . ‫ כ‬x x+ ε s : ‫ כ‬N0 ‫ כ‬s
(4) a, b . ε N0 . a + l = b + 1 . ‫ כ‬. a = b
(5) a ε N0 . ‫ כ‬a + l − = 0
Que pode ser entendido como:
1. O zero é um número.
65 For example, in 1891 (as already in 1889) addition of natural numbers was defined by the single
equation: a + (b + 1) = (a + b) +1. (This is to be understood, as Peano explained, in the sense that if a
and b are numbers and the right hand member of the equation has meaning, but the left has to this point
been undefined, then the expression on the left has the meaning of the expression on the right.) By the
mathematical induction postulate, addition is then defined for all pairs of natural numbers. In 1898 the
recursive definition of addition required two equations: a + 0 = a, a + (b+) = (a + b)+.
107
2. Qualquer número natural ou o zero, a , tem um sucessor imediato. a + .
3. O zero não é sucessor de nenhum número natural.
4. Não existem dois números com o mesmo sucessor imediato.
5. Qualquer propriedade que seja do zero e também do sucessor imediato de qualquer
número natural, é uma propriedade de todos os números naturais.
Neste postulado, que é apresentado através de três termos primitivos, o zero é
apresentado como número. A mudança para N0 de N (N1 como ele foi agora designado) traz
outras mudanças. 65
Por exemplo, em 1891 a adição de números naturais era definida pela simples equação
a+ (b+1) = (a+b) +1. Pelo postulado da indução matemática, a adição é então definida para
todos pares de números naturais.
Para compreender estes postulados devemos considerar três entes intuitivos que
denominaremos de Número natural, Zero e Sucessor. Não é necessária nenhuma idéia
concebida sobre esses entes, e é preferível partir do princípio de que não sabemos o que eles
são; apenas devemos saber que eles existem. Sobre esses entes admitiremos os cinco axiomas
acima.
Padoas (1900) fez duas famosas perguntas sobre o método axiomático: podem os
termos primitivos serem irredutíveis? Ou pode ser definidos por meio de outros? A primeira
pergunta é desenvolvida por Peano pelo seu método padrão para prover a independência de
um conjunto de postulados. A segunda pergunta encontra resposta no chamado método de
Padoas.
Ele define um sistema de símbolos indefinidos como irredutíveis, com respeito ao
sistema de axiomas, se é impossível dar uma definição de qualquer dos símbolos indefinidos
por meio dos outros. Para provar esta irredutibilidade, é suficiente encontrar uma
interpretação de sistema de símbolos indefinidos, tal que eles continuem a satisfazer o sistema
de axiomas quando o significado de um deles é mudado separadamente, e isto, para cada um
dos símbolos indefinidos.
Um número natural pode ser definido como um elemento do conjunto dos números
naturais. Estes axiomas podem ser usados para provar muitos teoremas importantes sobre
operações básicas e predicados, que são: adição, multiplicação e ordem. Adição e
multiplicação são importantes operadores binários, e a ordenação é um importante predicado
binário. Eles podem ser definidos como segue:
Ordenação
108
Sy > y
O sucessor de um número y é maior do que o número y
x > y → Sx > y
Se x é um número maior do que um número y, então o sucessor de x é maior do que y
Adição
x+0=x
A soma de qualquer número com zero retorna o próprio número
x + Sy = Sy+x
A soma de um número x com o sucessor de um número y é o sucessor da soma de x e y.
Multiplicação:
x.0=0
O produto de um número com zero é zero
x . Sy = x + xy
O produto de um número x com o sucessor de um número y é a soma de x com o
produto de x e y.
Em 1891, Peano tinha feito uma representação dos números inteiros:
A combinação do signo do inverso – e do número positivo b é que é chamado número
negativo. Aqui o signo – 5 tem o significado 'inverso, e então repetido cinco vezes.'
Então se xp indica 'o pai de x' a expressão xp-2 significa 'o filho do filho de x'; e se x é
um número natural, x+-5 significa 'que é obtido por portar a operação inversa ao
sucessor de x cinco vezes' ou 'o número precede x por cinco lugares'. Nós não temos a
necessidade de introduzir qualquer símbolo para indicar 'número negativo' desde que a
notação −N for suficiente. .66 KENNEDY (2002, p.43)
Em 1898, Peano reapresenta os números negativos da forma -a, e as palavras números
negativos com − N0 e os positivos +N0 . Em artigo do Formulaire, ele define os números
negativos e frações como as operações de subtração e divisão.
Peano apresenta assim a igualdade de dois números inteiros: “O total de dois números
x e y é igual, por definição, quando por cada número positivo u, nós temos u + x = u + y, tanto
66 The combination of the sign of the inverse − and of the positive number b is what is called negative
number. Hence the sign −5 has the meaning “invert, and then repeat five times.” Thus, if xp indicates
“the father of x,” the expression xp−2 means “the son of the son of x”; and if x is a [natural] number,
x+−5 means “that which is obtained by carrying out the operation inverse to successor of x five times”
or “the number preceding x by five places.” We shall have no need to introduce any new symbol to
indicate “negative number,” since the notation −N is sufficient.
109
quanto estas operações são possíveis sobre números positivos.”
67
PEANO apud KENNEDY
(2002, p.44)
Já a “definição” de Peano com relação aos números racionais é dada pelas
proposições:
R = :: [xε] :. p,qεN, p/q = x : − =p,q Λ
R é um conjunto não vazio de todo x de forma que p e q são inteiros positivos. E
x=p/q.
m,p,q ε N . ‫ כ‬. m(p/q) = mp/q.
Se mp/q tem um significado, então m(p/q) tem o mesmo significado.
a,bεN . ‫ כ‬. b/a = N[xε] (xa = b).
Se a e b são inteiros positivos, então b/a é positivo inteiro quando multiplicado por a é
igual a b. Então m(p/q) é inteiro positivo, neste caso, se o p for múltiplo de q, o produto de
mp/q ou m(p/q) é inteiro.
De acordo com PEANO apud KENNEDY, em linguagem comum,
“b/a precede o número, ou magnitude, sobre a qual se opera, e significa 'dividir por a e
multiplicar por b.' [...] Mas nós preferimos dar para b/a, a qual seguem os números
sobre a qual opera-se, o significado 'múltiplo por b e dividir por a', em ordem para
fazer a operação possível num maior número de casos.” 68 PEANO apud KENNEDY
(2002, p.44)
Peano desenvolveu o sistema de número real iniciando seus estudos dos números
naturais, sobre a possibilidade de se definirem os números, a partir de seus postulados dos
números naturais. Em Sul concetto di numero, Peano apresenta esta possibilidade:
Os primeiros números apresentados, com a qual nós formamos todos os outros, são os
números inteiros positivos. E a primeira questão é: Podemos definir número como
soma de dois números?
A comum, definição euclidiana de número,’número é a coleção de várias unidades’,
pode servir como uma clarificação, mas não é satisfatório como uma definição. De
fato, muitas criancinhas usam as palavras um, dois, três, etc. Mais tarde elas adotam a
palavra número, e só posteriormente a palavra coleção aparece em seu vocabulário. De
fato, a filologia ensina que estas palavras parecem nesta mesma ordem no
desenvolvimento das linguagens Indo-Européias. Aqui, do lado prático, para mim a
questão aparece estar colocada, não há necessidade para o professor dar qualquer
definição de número, parece que esta idéia é muito clara para os alunos, e qualquer
definição poderá somente ter o efeito de confundi-los. A maioria dos autores também
67 P031. ‘Two whole numbers x and y are equal, by definition, when for each positive number u, we have u + x
= u + y, so long as these operations are possible on positive numbers.
68 b/a precedes the number, or magnitude, on which one operates, and means ‘divide by a and multiply by b
´.[...]But we prefer to give to b/a, which follows the number on which one operates, the meaning ‘multiply by
b and divide by a’, in order to make the operation possible in a larger number of cases.
110
compartilha esta opinião. 69 PEANO apud KENNEDY (2002, p.51).
Este texto pode surpreender, pois Peano sempre insistiu no rigor e na simplicidade.
Para ser rigoroso, dizia ele, não é necessário designar tudo. As entidades iniciais não podem
ser definidas. Definição mesmo não pode ser definida, isto é, o sinal =. Para Peano uma
definição deveria ter a forma: objeto sendo definido = [palavras e sinais previamente
conhecidas e mais simples]. Deste ponto de vista, a definição euclidiana de unidade como
sendo aquilo segundo o que cada uma das coisas existentes é dita um não pode ser tomada
como uma definição. As palavras aquilo e um não foram previamente definidas. Aqui se está
definindo o desconhecido pelo desconhecido. Também a definição euclidiana de reta, como
aquilo que tem extensão, mas não tem largura, não pode ser tomada como uma definição, pois
o mais simples está sendo definido pelo mais complexo: extensão e largura.
O artigo “Sobre o conceito de número” contém as Fórmulas da lógica matemática.
Nele compara-se sua análise com a de Dedekind em Was sind und was sollen die Zahlen?
(1888). Prova ao mesmo tempo, a independência dos cinco axiomas para os números naturais.
Na segunda parte desta obra, ele levanta questões como: Poderá a idéia de número ser
definida, usando simples idéias? Poderá a propriedade comutativa ser deduzida de simples
propriedades? Suas respostas são:
Para estas questões podem ser dadas diferentes respostas por vários autores, pois a
simplicidade pode ser entendida diversamente. Da minha parte, a resposta para a
primeira é que número (inteiro positivo) não pode ser definido (vendo que as idéias de
ordem, sucessão, agregado, etc., são tão complexas quanto os números). A resposta
para a segunda tem sido afirmativa. 70 PEANO apud KENNEDY (2002, p.54)
Neste quadro, Peano não via vantagem em definir número. Toma-o, então, como
conceito primitivo, não definido. No entanto, a exigência de rigor de Peano não podia deixar o
69 The first numbers presented, with which we form all the others, are the positive integers. And the
first question is: Can we define one, number, sum of two numbers?
The common, Euclidean, definition of number, ‘number is the collection of several units’, may
serve as a clarification, but is not satisfactory as a definition. Indeed, very young children use the words
one, two, three, etc. They later adopt the word number, and only much later does the word collection
appear in their vocabulary. Indeed, philology teaches that these words appear in this same order in the
development of the Indo-European languages. Hence, from the practical side, the question appears to
me to be settled, or rather, there is no need for the teacher to give any definition of number, seeing that
this idea is very clear to the pupils, and any definition would only have the effect of confusing them. The
majority of authors also share this opinion.
70 To these questions may be given different answers by various authors, since simplicity can be diversely
understood. For my part, the answer to the first is that number (positive integer) cannot be defined
(seeing that the ideas of order, succession, aggregate, etc., are just as complex as that of number). The
answer to the second has been affirmative.
111
conceito de número sujeito à arbitrariedade. Explicita os termos primitivos que serão usados e
deixa as regras do jogo com os termos. Peano considera os números sob uma perspectiva
axiomática.
Do lado teórico, decidir a questão da definição de número, primeiro deveria ser dito
quais idéias pode usar. Aqui nós suponhamos conhecer somente as idéias representadas
pelos signos ∩ (e), ∪(ou), - (não), ε (é), etc., ao qual tem sido tratado na nota
precedente. Conseqüentemente, os números não podem ser definidos, desde que seja
evidente que aquelas palavras são combinadas entre si, nós nunca podemos ter uma
expressão equivalente para número. Se os números não podem ser definidos,
entretanto, nós podemos ainda estabelecer aquelas propriedades pelas quais as muitas
outras propriedades dos números são derivadas.
Os conceitos, então, que nós não definimos são aqueles de número N, de 1, e de
sucessor de um número a, a qual nós indicamos por a+. Estes conceitos não podem ser
obtidos por dedução, é necessário obtê-los por indução (abstração). O sucessor de a é
aqui indicado por a+, em vez do costumeiro a+1, e isto é feito para indicar por um
único sinal, +, a operação fundamental 'sucessor de'. Antes, nas seções seguintes, tendo
definido a soma a+b de dois números, nós devemos ver que aquele a+1 tem
precisamente o valor de a+, i.e., o sucessor de a, e então nós retornamos para a
costumeira notação. 71 PEANO apud KENNEDY (2002, p.52)
Considerando a noção de definição em matemática há uma interessante classificação
elaborada por C. Burali-Forti, no texto Logica Matematica, de 1898, aos quais compõem:
definição nominal, definição por símbolos, por abstração etc.
Daqueles vários tipos de definições, o nominal aparece para ser o mais satisfatório.
Muitas definições dos outros tipos contidos nos trabalhos prévios de lógica matemática
poderiam ser transformadas em definições nominais. Das definições por abstrações, em
F2N2 (Aritmética) [i.e. O Formulaire de 1898] o uso é feito uma vez apenas, em
P210,1, para definir o número cardinal ou potência, de um conjunto. 72 BURALI apud
KENNEDY (2002, p.52)
O termo definição por abstração é entendido como um termo técnico, que foi usado
71 From the theoretical side, to decide the question of the definition of number, one should be told first
what ideas he may use. Here we suppose known only the ideas represented by the signs ∩ (and), ∪(or) , −
(not) , ε (is), etc., which have been treated in the preceding note. Therefore, number cannot be defined,
since it is evident that however these words are combined among themselves, we can never have an
expression equivalent to number. If number cannot be defined, however, we can still state those properties
from which the many other well known properties of the numbers are derived.
The concepts, then, that we do not define are those of number N, of one 1, and of successor of a number
a, which we indicate for the moment by a+. These concepts may not be obtained by deduction; it is
necessary to obtain them by induction (abstraction). The successor of a is here indicated by a+, instead
of the customary a + 1, and this is done so as to indicate by a single sign, +, the fundamental operation
‘successor of’. Besides, in the following sections, having defined the sum a + b of two numbers, we shall
see that a + 1 has precisely the value of a+, i.e., the successor of a, and thus we return to the customary
notation.
72 Of these various types of definitions, the nominal appears to be the most satisfactory. Many definitions of the
other types contained in the early works of mathematical logic could be transformed into nominal
definitions. Of definitions by abstraction, in F2N2 (Arithmetic) [i.e. the Formulaire of 1898] use is
made only once, in P210·1, to define the cardinal number, or power, of a set.
112
para referir-se aos postulados dos números naturais.
Quanto à definição por abstração PEANO acredita ser aquela que não pode ser
definida.
Vamos considerar u um objeto; por abstração, deduz-se um novo objeto φ u. Nós não
podemos formar uma igualdade φ u = expressão conhecida.
Por ψ u entende-se um objeto de uma natureza diferente de todos aqueles que nós
temos considerado para o presente.
Além disso, nós definimos a igualdade ψu = ψ v da forma
hu,v ‫כ‬: ψu = ψ v . =. Pu,v
onde hu,v é a hipótese sobre os objetos u e v. Então
φu =φv significa o mesmo que Pu, v, a qual é uma condição, ou relação, entre u e v,
tendo um conhecido o significado previamente.
[...]
Os objetos indicados por ψu é conseqüentemente o que obtêm por considerar em u
todas e só aquelas propriedades que ele tem em comum com os outros objetos v tal que
φu =φv. 73 PEANO apud KENNEDY (2002, p.54)
Peano dava como um exemplo desta definição de raio de duas magnitudes no livro V
dos Elementos.
Qualquer que seja a maneira de pensar, se uma ciência não contém idéias primitivas,
como acontece em toda teoria avançada, pode-se definir e provar tudo nelas. Mas se a
73 Let u be an object; by abstraction, one deduces a new object φ u. We cannot form a
equality
φ u = known expression,
for ψ u is an object of a nature different from all those that we have considered up to the
present. Rather, we define the equality ψu = ψ v by setting
hu,v ‫כ‬: ψu = ψ v . =. Pu,v
where hu,v is the hypothesis on the objects u and v. Thus
φu =φv means the same as Pu, v, which is a condition, or relation, between u and v,
having a previously known meaning.
[...]
The object indicated by ψu is therefore what one obtains by considering in u all and
only those properties that it has in common with the other objects v such that φu =φv.
113
ciência tocá-las muitos elementos, e se há idéias que não podem ser definidas, também
serão encontradas proposições que não podem ser provadas, e pelas quais todas as
outras seguem. Nós podemos chamar estas proposições primitivas, abreviadas por Pp;
elas são também chamadas axiomas, postulados, e algumas vezes hipóteses, leis
experimentais, etc. Estas proposições determinam ou, se preferir, definem as idéias
primitivas que não tem sido dada uma definição direta. 74 PEANO apud KENNEDY
(2002, p.55)
Em outra oportunidade, Peano insiste nesta forma de definição: “Por definição
simbólica de um novo símbolo x nós entendemos a convenção de chamar x um grupo de
símbolos já tendo um significado conhecido; e nós indicamos isto por x = a Def.”
75
PEANO
apud KENNEDY (2002, p.54)
Uma das regras para notações do Formulaire é que elas sejam as mais simples e mais
precisas para representar as proposições com a qual elas são relacionadas. Outra indica que
toda definição é expressa por uma igualdade, no primeiro membro um símbolo definido, a
qual é um novo símbolo ou uma nova combinação de símbolos conhecidos; no segundo é seu
valor. É necessário que os dois membros sejam homogêneos, eles poderão conter as mesmas
letras variáveis.
Em 1900, Peano apresentou no Congresso Internacional de Filosofia de Paris o
problema do que constitui a definição em matemática:
Uma definição é redutível a uma igualdade, onde um membro (o primeiro) é o nome
que se define, e o outro exprime o valor. Exemplo: (derivado de uma função) = (limite
do relatório do desenvolvimento da função e da variável).
Em conseqüência, uma proposição que não for uma igualdade não poderá ser uma
definição. 76 PEANO apud KENNEDY(2002, p.56).
Peano não se interessa pelo que é a definição, mas de identificar quais as igualdades
são ou poderão ser feitas como definições. Trabalhou especialmente a questão da igualdade 0
= a - a, como definição do zero. Peano via dois problemas nesta definição: primeiro, porque é
74 Whatever the manner of reasoning, if a science does not contain primitive ideas, as happens in every
advanced theory, one can define and prove everything in it. But if the science touches its very elements,
and if there are ideas that cannot be defined, one will also find propositions that cannot be proved, and
from which all the others follow. We shall call these primitive propositions, abbreviated by Pp; they are
also called axioms, postulates, and sometimes hypotheses, experimental laws, etc. These propositions
determine or, if you like, define the primitive ideas that have not been given a direct definition.
75 By symbolic definition of a new symbol x we understand the convention of calling x a group of symbols
already having a known meaning; and we indicate this by x = a Def.
76 Une définition est réductible à une égalité, dont un membre (le premier) est le nom qu’on définit,
et l’autre en exprime la valeur. Example : (dérivé d’une fonction) = (limite du rapport des
accroissement de la function et de la variable).
En consequence, un proposition qui n’est pas une égalité ne pourra pas être une definition.
114
incompleta, pois não foi designado valor a a. Segundo, porque mesmo que se determinasse
que a é número, ocorre uma heterogeneidade com relação aos lados da igualdade, de um lado
uma constante 0 e, do outro, uma função com variável a. Para Peano, a forma abaixo seria
mais apropriada:
A proposição:
0 = (o valor constante da expressão a – a, independentemente dos números a)
é uma igualdade homogênea, porque, embora no segundo membro figure a letra a, é
apenas conveniente, dado que o valor deste segundo membro não é uma função de a.
Esta proposição é uma definição possível. 77 PEANO apud KENNEDY(2002, p.56-57).
A axiomática define o universal e o indeterminado, nunca o determinado e individual.
De fato, isso pode ser encontrado na forma como trata a necessidade das definições como, por
exemplo, dos números. Seu foco se aproxima da generalidade dos termos. O que, de fato,
significa um número bem definido? A definição de um objeto como número limitaria seu
alcance. Para Peano, a definição na teoria é desnecessária, mas na prática a definição é
indispensável.
Finalmente, consideramos que todo signo ou palavra definida numa ciência pode ser
suprimido, sob a condição de substituí-lo pelo seu valor. Em outras palavras, toda
definição expressa uma abreviação, pela qual é teoricamente desnecessária; na prática
ela pode ser conveniente e mesmo indispensável para o progresso da ciência. A
supressão numa teoria de um signo definido é um utilíssimo exercício para reconhecer
a exatidão da definição, por não poder substituí-lo por seu valor em toda parte, a
definição é incompleta. Isto serve também para julgar a utilidade da definição, se as
proposições nas quais o signo ocorre não são consideradas tão longas quando elas são
suprimidos, é conveniente suprimi-los. Em se tratando de matemática há muitas boas
palavras que serão convenientes suprimir. 78 PEANO apud KENNEDY (2006, p. 133)
Em 1901, como parte de um projeto de dicionário de matemática, Peano escreveu um
curto dicionário de lógica. Reforça sobre a forma da definição como igualdade e comenta
sobre o importante conceito de definição por abstração:
77 La proposition:
0 = (la valeur constante de l’expression a – a, quel que soit le nombre a)
est une égalité homogène, car, bien que dans le second membre figure la lettre a, elle n’y figure qu’en
apparence, puisque la valeur de ce second membre n’est pas une fonction de a. Cette proposition est
78 Finally, we remark that every sign or word defined in a science may be suppressed, on the
condition of replacing it by its value. In other words, every definition expresses an abbreviation,
which is theoretically unnecessary; in practice it may be convenient and even indispensable to the
progress of the science. The suppression in a theory of a defined sign is a very useful exercise for
recognizing the exactness of the definition, for if one cannot replace it by its value everywhere, the
definition is incomplete. This serves also for judging the usefulness of the definition, for if the
propositions in which the sign occurs are not made too long when they are suppressed, it is suitable to
suppress them. In treatises of mathematics there are a good many words that it would be suitable to
suppress.
115
Em lógica matemática, o que é chamado “definição por abstração” é a definição de
uma função φx tendo a forma:
φx =φy . = .(expressão composta dos símbolos precedentes)
isto é, o símbolo isolado φx não é definido, mas apenas a igualdade
φx =φy.
79
PEANO apud KENNEDY(2002, p.57).
Em 1902, em publicação em Bulletin des sciences mathématiques et physiques Peano
desenvolve a idéia de definição:
x = a Df.
ou x é o signo simples que define-se, e a é um agrupamento de signos conhecidos. O
sinal = acompanhado de Df significa 'é igual por definição' ou 'nomeamos'. 80 PEANO
apud KENNEDY(2002, p.57).
Peano forneceu alguns exemplos de definição por abstração, como:
Vários analistas introduzem os números racionais por abstração, designando a, b, c, d ε
(números naturais). ‫כ‬: a/b = c/d . = . ad = bc, mas aquilo não é necessário, porque
pode-se dar uma Df de primeira espécie.
De uma maneira análoga, o nosso Df 1 é um Df por abstração, porque define uma
igualdade.
Ora, é bom observar que pode-se definir os números imaginários da Df de primeira
ordem, e que não é necessário recorrer do Df por abstração. 81 PEANO apud
KENNEDY (2002, p.57).
Peano passou a se ocupar da interlíngua, em 1903 foi influenciado pela publicação de
Bertrand Russell, com seu Princípios da Matemática a qual Peano escreveu para Russell:
79 In mathematical logic, what is called “definition by abstraction” is the definition of a
function φx, having the form: φx =φy . = .
(expression composed of the preceding symbols), that is, the isolated symbol ⱷx is not
80 x = a Df.
ou x est le signe simple qu’on definit, et a est un groupement des signes connus. Le signe
= accompagné de Df signifie 'est égal par definition' ou 'nous nommons'.
81 Plusieurs analystes introduisent les nombres rationnels par abstraction, enposant a,b,c,d ε
(nombres naturels) . ‫כ‬: a/b = c/d . = . ad = bc, mais cela n’est pas necessaire, car on peut en
donner une Df de première espèce.
D’une façon analogue, notre Df 1 est une Df par abstraction, car elle definit une égalité.
Or, il est bon de remarquer qu’on peut définir les nombres imaginaires par des Df de première espèce,
et qu’il n’est pas necessaire de recourir à des Df par abstraction.
116
“marcou uma época no campo da filosofia da matemática.”
82
PEANO apud KENNEDY
(2002, p.59)
Peano não aceitava tudo que Russell estava fazendo. Em termos de definição de
número cardinal, rejeitava a idéia de “classe de classes” publicada no jornal de Peano em
1901. Peano apresentou em Formulaire de mathématiques que definia número cardinal de um
conjunto a, simbolizado por Num a, “por abstração”: “mas não se pode identificar Num a com
as Cls de Cls consideradas, porque estes objetos têm propriedades diferentes” 83 PEANO apud
KENNEDY (2002, p.59)
Em 1905, Russell em seu Princípios de Matemática comentou sobre o comentário de
Peano. “Ele não falou-nos quais propriedades são, e por minha parte e sou inapto para
descobri-los.” 84 RUSSELL apud KENNEDY (2002, p.59)
Há discussão sobre os motivos que Peano reagiu ao conceito de Russell sobre número
natural, da forma “classe de classes”. Talvez devesse a postura de oposição aos postulados dos
números naturais que a teoria de Russell indicava para satisfazer aos seus requisitos. PEANO
afirmou: “sua definição indutiva de 'número de objetos de uma [finita] classe' resultou em dar
para entidades primitivas 0, N0, + (ou 'suc') o significado intuitivo. 85 apud KENNEDY (2002,
p.59).
Em 1906, Peano dava demonstrações de que, de fato, não havia muitas diferenças
entre as teorias envolvidas. Deixava clara a posição de Peano quanto à identificação dos
números naturais com números cardinais finitos. Em outros momentos, Peano passa a aceitar
que a definição nominal possa ser usada, mas também defende sua definição por abstração:
Isto é, deduzimos teoremas idênticos para os postulados da aritmética. Entretanto, para
os símbolos da aritmética 0, N, +, existe uma interpretação que satisfaz o sistema de
postulados. Então ele tem sido provado (se prova é necessária), que os postulados da
aritmética, a qual os colaboradores do Formulaire tem mostrado ser necessário e
suficiente, não envolvem uma auto-contradição.
Outros exemplos de entidades que satisfazem ao sistema de postulados têm sido dados
por Burali-Forti e por Russell. Mas uma prova que um sistema de postulados da
aritmética, ou de geometria, não envolve uma auto contradição não é, eu penso,
necessário, como postulados as mais simples informações que, ou escrevem numa
maneira explícita ou implicitamente, são ao todo tratado da aritmética ou da geometria.
Nossas análises do princípio destas ciências é a redução das declarações comuns para
um mínimo necessário e suficiente. Sistemas de postulados da aritmética e da
geometria são satisfeitos pelas idéias de número e ponto que todo escritor de aritmética
82 marked an epoch in the field of philosophy of mathematics.
83 mais on ne peut pas identifier Num a avec la Cls de Cls considérée, car ces objets ont des propriétés
différentes.
84 He does not tell us what these properties are, and for my part I am unable to discover them
85 his inductive definition of ‘number of objects of a [finite] class’results in giving to the primitive entities 0,
N0, + (or ‘suc’) the intuitive meaning.
117
e geometria tem.
86
PEANO apud KENNEDY (2002, p.60).
Em 1913, escreveu:
A página 363 inicia o tratamento de números cardinais. Os autores eliminam definições
por abstração. Em muitos casos matemáticos introduzem uma nova entidade ⱷx, não
por uma definição da forma
φx = expressão composta de x e símbolos conhecidos, mas eles definem somente a
igualdade:
φx =φy . = . relação Px,y composta de x, y e elementos conhecidos.
Os autores provam que definições por abstração podem ser reduzidas para definições
nominais;
é suficiente ajustar
x = y З(Px,y). 87 PEANO apud KENNEDY (2002, p.60).
Quanto a questão da abstração, Peano refere-se a Russell numa posição de
neutralidade:
86 That is, we have deduced theorems identical to the postulates of arithmetic. Therefore, for
the symbols of arithmetic 0, N, +, there exists an interpretation that satisfies the system of
postulates. Thus it has been proved (if proof were necessary), that the postulates of
arithmetic, which the collaborators of the Formulaire have shown to be necessary and
sufficient, do not involve a self-contradiction.
Other examples of entities that satisfy the system of postulates have been given by Burali-Forti and
by Russell. But a proof that a system of postulates of arithmetic, or of geometry, does not involve a
self contradiction is not, I think, necessary. For we do not create postulates at will, but we assume as
postulates the simplest statements that, either written in an explicit way or implicitly, are in every
treatise of arithmetic or of geometry. Our analysis of the principles of these sciences is the reduction
of the ordinary statements to a necessary and sufficient minimum. Systems of postulates of arithmetic
and of geometry are satisfied by the ideas of number and point that every writer of arithmetic and
geometry has.
87 Page 363 begins the treatment of cardinal numbers. The authors eliminate definitions by
abstraction. In many cases mathematicians introduce a new entity ⱷx, not by a definition of
the form
φx = expression composed of x and known symbols, but they define only the equality:
φx =φy . = . relation Px,y composed of x,y, and known elements.
The authors prove that definitions by abstraction can be reduced to nominal
definitions;
it suffices to set
x = y З(Px,y).
118
A questão da abstração pertence a lógica pura, e nós podemos dar exemplos não
matemáticos. São as seguintes equações verdadeiras ou não?
Brancura = coisas brancas,
Doença = pessoas doentes,
Juventude = pessoas jovens,
Itália = os italianos,
Justiça = juízes, polícia, prisão
A teoria de Russell responde numa afirmativa. Eu, investindo comigo mesmo a
autoridade de Euclides (como um burro vivo coberto com o couro de um leão morto),
nem afirmo nem nego. Esta identidade é negada pelo doutor que diz 'não há doença,
mas só pessoas doentes', assim como pela teoria oposta que diz 'Eu conquistei a doença
e matei as pessoas doentes'.88 PEANO apud KENNEDY (2002, p.60).
4.3 Russell e Peano
Um evento marcante da história da matemática foi o encontro de Bertrand Russell com
Peano. Este fato se deu no Congresso de Filosofia em Paris, em 1900. Em sua auto-biografia
ele escreveu:
O congresso foi um momento de transição intelectual, porque foi lá que encontrei
Peano. Eu já o conhecia de nome e havia visto alguns de seus trabalhos, mas não havia
tentado entender completamente as suas notas. Durante a discussão no Congresso eu
observei que ele era sempre mais preciso que qualquer outra pessoa, e que
invariavelmente, ele tinha melhor argumento no que ele embarcava. Na medida em que
os dias se passavam, entendi que isto se devia à sua lógica matemática. Eu consegui
que ele conseqüentemente desse-me todos seus trabalhos, e assim que o congresso
acabou eu retirei-me de Fernhurst para estudar quietamente cada palavra escrita por ele
88 The question of abstraction pertains to pure logic, and we can give non-mathematical
examples. Are the following equations true or not?
whiteness = white things,
sickness = sick people,
youth = young people,
Italy = the Italians,
justice = judges, police, jail.
The theory of Russell answers in the affirmative. I, investing myself with the authority
of Euclid (like a live ass covered with the hide of a dead lion), neither affirm nor deny. This
identity is denied by the doctor who says ‘there are no sicknesses, but only sick people’, as
well as by the opposite theory that says ‘I conquered the sickness and killed the sick person’.
119
e por seus discípulos. Tornou-se claro para mim que sua notação teve recursos para um
instrumento da análise lógica tal como eu tinha procurado por anos, e assim,
estudando-o adquiri uma nova técnica poderosa para o trabalho que eu desejava por
muito tempo fazer. 89 RUSSELL (1998, p.147)
A notação de Peano foi considerada um importante avanço para Russell. Ele a
demonstrou a partir da seguinte aplicação:
A partir das proposições:
Sócrates é mortal
Todos os gregos são mortais.
Pode-se entender, na forma:
s ε M and x ε G ‫ כ‬x s ε M.
ou seja, compreende-se que
sεM
não é o mesmo que x C M
Russell entendia que esta notação simbólica era conveniente para distinguir entre
classes e funções preposicionais. Algumas teorias de Russell como a Teoria das Classes, cuja
formulação baseava-se na aplicação da axiomática. “[...] Como a teoria das classes é uma
parte essencial da lógica, torna-se natural a idéia de reduzir a matemática à lógica. A tese
logicista é, assim, um esforço de sintetização sugerido por uma importante tendência na
história da aplicação do método axiomático.” EVES (1997, p. 678)
Esta aproximação talvez venha alimentar a idéia de que Peano também compartilhava
das concepções logicistas. Assim, tornam-se interessante para o debate as diferenças
existentes entre Russell e Peano.
4.4 Era Peano um logicista?
Esta pergunta pode ser pertinente para tratar das concepções filosóficas de Russell. Era
89 The Congress was a turning point in my intellectual life, because I there met Peano. I already knew him
by name and had seen some of his work, but had not taken the trouble to master his notation. In
discussions at the Congress I observed that he was more precise than anyone else, and that he
invariably got the better of any argument upon which he embarked. As the days went by, I decided that
this must be owing to his mathematical logic. I therefore got him to give me all his works, and as soon
as the Congress was over I retired to Fernhurst to study quietly every word written by him and his
disciples. It became clear to me that his notation afforded an instrument of logical analysis such as I
had been seeking for years, and that by studying him I was acquiring a new powerful technique for the
work that I had long wanted to do.
120
clara a prioridade de Russell na direção dos fundamentos da matemática. E estes fundamentos
se baseavam nas suas concepções filosóficas. Os números naturais eram um ponto importante.
Por isso, Russell se interessou pela axiomática e suas formas lógicas de apresentar as
proposições. Porém, havia entre eles discordâncias no que se refere ao que é considerado o
tema mais fundamental para compreensão da matemática. A concepção de número. É sabido
que Russell é um logicista, mas era também Peano?
A definição de logicismo é tradicionalmente dada como segue:
LOGICISMO: A tese do logicismo é que a matemática é um ramo da lógica. Assim, a
lógica, em vez de ser apenas um instrumento da matemática, passa a ser considerada
como a geradora da matemática. Todos os conceitos da matemática têm que ser
formulados em termos de conceitos lógicos e todos os teoremas da matemática têm que
ser desenvolvidos como teoremas da lógica; a distinção entre matemática e lógica passa
a ser uma questão de conveniência prática. EVES (1997, p.677)
São representantes desta escola, Dedekind (1888) e Frege (1884-1903), que buscavam
a redução de conceitos matemáticos a conceitos lógicos. Na obra Principia mathematica de
Russell e Whitehead propõe-se com detalhes esta redução. Outros aprimoramentos foram
adicionados a este programa por Wittgenstein (1922), Chwistek (1924-1925), Ramsey (1926),
Langford (1927), Carnap (1931), Quine (1940) etc.
Peano garantiu uma base para a construção do logicismo através da enunciação de
teoremas matemáticos por meio de um simbolismo lógico. Mas isso não vem a significar que
Peano era adepto a esta visão da matemática como uma forma pragmática da lógica. Para ficar
clara esta posição é interessante compreender como Russell e Frege viam os números.
Em Sul concetto di numero (1891), Peano dizia: “As proposições expressam as
condições necessárias e suficientes que as entidades de um sistema podem fazer para
corresponder univocamente para a série dos números naturais.”
90
PEANO apud KENNEDY
(1975, p.8)
Peano não parecia estar interessado em caracterizar os números naturais. Isto foi
confirmado em seu Formulaire de mathématiques (1898)
Estas proposições primitivas… suficientes para deduzir todas as propriedades dos
números que encontraremos na seqüela. Há, entretanto, uma infinidade de sistemas que
satisfazem as cinco proposições primitivas. […] Todos os sistemas que satisfazem as
cinco proposições primitivas estão na correspondência linear com os números naturais.
Os números naturais é o que se obtém por abstração de todos estes sistemas; ou seja, os
números naturais é o sistema que tem todas as propriedades e somente aquelas
propriedades listadas nas cinco proposições primitivas. 91 PEANO apud KENNEDY
90 The propositions express the necessary and sufficient conditions that the entities of a system can be made to
correspond univocally to the series of natural numbers.
91 These primitive propositions . . . suffice to deduce all the properties of the numbers that we shall meet in the
sequel. There is, however, an infinity of systems which satisfy the five primitive propositions. . . . All systems
121
(2002, p.8)
De fato, o esforço de Peano é no sentido de trabalhar a axiomatização e não em
responder a questão: O que é um número? Ele não busca a definição, mas as propriedades
fundamentais dos números. Por este motivo, é possível afirmar que enquanto Peano era
intensional, por focalizar mais o conceito do objeto mais que o próprio objeto, Russell era
extensional, pois seu foco estava no objeto, mais que no conceito do objeto.
Peano costumava a se apresentar como incompetente para julgar as questões
filosóficas, por isso, era freqüentemente evasivo com relação a elas. No entanto, no que
concerne ao conceito de número pode ser definido como ele escreveu em Sul concetto di
numero: “Os primeiros números apresentados e com a qual damos forma a todos os outros são
os inteiros positivos. E a primeira pergunta é: Podemos nós definir a unidade, número, a soma
de dois números?” 92 PEANO apud KENNEDY (2002, p.9)
Afirmava que se na prática é útil definir número, desde que a noção seja, de antemão,
clara para os estudantes. Assim, as palavras “um”, “dois”, “três”, etc. já devem compor o
vocabulário deles. Na teoria, entretanto, devemos tomar primeiro qual noção será usada. Se
nós usamos só a noção de lógica desenvolvida em Mathematices Principia, “então o número
não pode ser definido, considerando que é evidente que entretanto estas palavras estão
combinadas, nunca resultará numa expressão equivalente ao número”
93
PEANO apud
KENNEDY (2002, p.9)
Sobre a possibilidade de se definir número usando idéias mais simples, Peano
considera:
“A esta pergunta pode-se dar respostas diferentes dos vários autores, observando que a
simplicidade pode ser compreendida diferentemente. Quanto a mim, a resposta é que o
número (inteiro positivo) não pode ser definido (considerando que as idéias da ordem,
da sucessão, do agregado, etc., são tão complexas quanto aquela do número)” 94
PEANO apud KENNEDY (2002, p.9-10)
Peano disse: “Estes conceitos [número, unidade, sucessor de um número] não podem
which satisfy the five primitive propositions are in one-to-one correspondence with the natural numbers. The
natural numbers are what one obtains by abstraction from all these systems; in other words, the natural
numbers are the system which has all the properties and only those properties listed in the five primitive
propositions
92 The first numbers presented and with which we form all the others are the positive integers. And the first
question is: Can we define unity, number, the sum of two numbers?
93 then number cannot be defined, seeing that it is evident that however these words are combined, there will
never result an expression equivalent to number
94 To this question one can give different answers from various authors, seeing that simplicity can be
understood differently. For my part, the answer is that number (positive integer) cannot be defined
(seeing that the ideas of order, succession, aggregate, etc., are as complex as that of number).
122
ser obtidos pela dedução; é necessário obtê-los pela indução (a abstração)”
95
PEANO apud
KENNEDY (2002, p.10)
Algumas conclusões são tiradas destas concepções da possibilidade de se definir
número ou não. Ou seja, se os conceitos podem ser reduzidos aos conceitos lógicos ou se não
depende da maneira em que se entende da forma em que se pode ou não ter uma definição
definitiva de número. A idéia de número, desta forma, mostra o quanto é algo fundamental,
para o entendimento de toda a matemática. Se os números são definidos por dedução ou se
são definidos por indução permite ver se a matemática é fundamentalmente reduzida a uma
parte da lógica, ou se a lógica é um instrumento da matemática para delimitar regras de
ordenação das suas proposições.
O Principia Mathematica foi escrito em defesa do logicismo, o livro foi instrumento
no desenvolvimento e popularização da lógica matemática moderna. Deu impulso para a
pesquisa na fundação da matemática no século XX.
O logicismo é o entendimento que a matemática pode ser reduzida à lógica. É
freqüentemente apresentado em duas formas: primeiro, ele consiste da declaração que toda
verdade matemática pode ser traduzida em verdades lógicas, isto é, que o vocabulário da
matemática constitui um próprio subconjunto do vocabulário da lógica; segundo, consiste da
concepção que toda prova matemática pode ser entendida como prova lógica.
O Principia provê derivações detalhadas de muitos teoremas da teoria dos conjuntos,
aritmética finita e transfinita, e teoria de medida elementar, dois axiomas em particular eram
de caráter não-lógico: o axioma da infinidade e o axioma da redutibilidade. O axioma da
infinidade afirma que há um infinito número de objetos. Assim, assume-se que é mais um
pensamento empírico que lógico. O axioma da redutibilidade era usado para evitar paradoxos
tal como o paradoxo de Russell.
Russell e Whitehead exibiram claramente o poder dedutivo da nova lógica,
reafirmando a conexão entre logicismo e dois ramos da filosofia tradicional: a metafísica e a
epistemologia.
O Principia mathematica começa com idéias e proposições primitivas que não se
sujeitam a interpretação.
[...] restringindo-se tão-somente aos conceitos intuitivos da lógica; devem ser
considerados, ou pelo menos aceitos, como descrições plausíveis ou hipóteses a
respeito do mundo real. Em resumo, prevalece um ponto de vista concreto em vez de
abstrato e, portanto, não se faz nenhuma tentativa de provar a consistência das
95 These concepts [number, unity, successor of a number] cannot be obtained by deduction; it is
necessary to obtain them by induction (abstraction)
123
proposições primitivas. O objetivo do Principia mathematica é desenvolver os
conceitos e teoremas matemáticos a partir dessas idéias e proposições primitivas,
começando com o cálculo de proposições, passando pela teoria das classes e das
relações, deduzindo o sistema dos números naturais e daí toda a matemática que se
assenta nesse sistema. Nessa abordagem, os números naturais emergem com o caráter
de unicidade que comumente se atribui a eles e não como coisas quaisquer, não
necessariamente únicas, que satisfazem certo conjunto de postulados abstratos. EVES
(1997, p. 678)
4.5 Introdução à Filosofia da Matemática
Outro livro importante de Russell para o entendimento dos números naturais é
Introdução à Filosofia da Matemática, que guarda o número como principal tema. Neste
livro, que se trata de uma introdução como o nome mesmo indica, encontra-se uma análise da
matemática. A própria palavra análise se confunde com filosofia da matemática nos termos de
Russell. Para ele, a filosofia da matemática é um estudo que se dirige da complexidade à
simplicidade lógica cada vez maior. E assim,
“[...] Vamos descobrir que, ao analisar nossas noções matemáticas comuns, adquirimos
nova penetração, novas capacidades e meios para alcançar temas matemáticos inteiramente
novos, adotando após nossa viagem para trás.” RUSSELL (2007, p.18) Por viagem para trás
ele se referia a abordagem construtiva da matemática, ou seja, aquela que se refere a uma
complexidade cada vez maior.
Quanto à sua prioridade com relação ao número, esta está mais explícito no prefácio
da segunda impressão pelo qual aborda o objetivo do livro: “[...] Ele expõe de forma
elementar a definição lógica de número, a análise da noção de ordem, a doutrina moderna do
infinito e a teoria das descrições e classes como ficções simbólicas.” RUSSELL (2007, p.13)
Passaremos a tratar o número pelo ponto de vista logicista de Russell através deste
livro, Introdução à Filosofia da Matemática, escrito em 1918, na prisão. Russell havia
insultado os Estados Unidos por provavelmente tender a intimidar grevistas na Grã-Bretanha
e na França após a guerra. Talvez por sua precariedade na prisão, esta obra tenha um caráter
didático maior que outras de Russell.
No primeiro capítulo, RUSSELL trata da série dos números naturais. Ele justifica a
importância deste tema da seguinte maneira:
Toda a matemática pura tradicional, incluindo a geometria analítica, pode ser encarada
como consistindo inteiramente em proposições acerca dos números naturais. Isto é, os
termos que ocorrem podem ser definidos por meio dos números naturais, e as
proposições podem ser deduzidas das propriedades dos números naturais – como a
adição, em cada caso, das idéias e proposições da lógica pura. (2007, p.20)
124
Como foi dito anteriormente, Peano foi um pensador muito importante para Russell,
de sua notação e proposições sobre os números, procede a sua fundamentação. Ele fala
claramente a respeito das proposições de Peano:
Tendo reduzido toda a matemática pura tradicional à teoria dos números naturais, o
passo seguinte em análise lógica foi reduzir essa teoria ela própria ao menor conjunto
de premissas e termos indefinidos de que era possível derivá-la. Esse trabalho foi
levado a cabo por Peano. Ele mostrou que toda a teoria dos números naturais podia ser
derivada de três idéias primitivas além daquelas da lógica pura. Essas três idéias e
cinco proposições tornaram-se dessa maneira, por assim dizer, reféns de toda a
matemática pura tradicional. Se elas pudessem ser definidas e provadas em termos de
outras, toda a matemática pura também poderia sê-lo. Seu 'peso' lógico, se podemos
usar esse termo, é igual ao de toda a série de ciências que foram deduzidas da teoria
dos números naturais; a verdade dessa série toda é assegurada se a verdade das cinco
proposições primitivas estiver garantida, contanto, é claro, que não haja nada errôneo
no aparato puramente lógico que também está aí envolvido. O trabalho de análise
matemática é extraordinariamente facilitado por esse trabalho de Peano. RUSSELL
(2007, p.21)
Entretanto, Russell acreditava que a concepção de número fornecida por Peano não era
definitiva. Primeiro por que os termos primitivos, o zero, o número e sucessor permitem
diferentes significações, todas compatíveis com as cinco proposições.
Russell dá alguns exemplos para demonstrar isso com diferentes entendimentos de
zero, número e sucessor. Como a suposição de que 0 significa 100 e que número seja tomado
como os números a partir de 100.
Neste caso, todas as nossas proposições primitivas ficam atendidas, mesmo a quarta,
pois, embora 100 seja o sucessor de 99,99 não é um “número” no sentido que estamos
dando agora à palavra “número”. É obvio que qualquer número pode substituir 100
neste exemplo. RUSSELL (2007, p.24)
Outro exemplo foi o apresentado por 0, dois, quatro, seis, oito...
Que é um caso de entender número pelo que entendemos por números pares. Se
entendermos o número 1 por zero e sucessor como metade, então teríamos: 1, ½, ¼, 1/8...
Assim, podemos utilizar como número quaisquer símbolos, sem prejuízo às cinco
proposições, como a, b, c, d, e,...
Russell coloca como série x0, x1, x2, x3, x4, ...xn,...
Assim, temos 0 como x0, número como o conjunto dos termos e como sucessor de xn
temos xn+1. Então:
(1) ‘0 é um número', isto é, x0 é membro do conjunto.
(2) ‘O sucessor de qualquer número é um número’, isto é, tomando qualquer termo xn
no conjunto, xn+1 está também no conjunto.
(3) ’Dois números diferentes nunca têm o mesmo sucessor’, isto é, se x m e xn são dois
125
membros diferentes do conjunto, xm+1 e xn são diferentes; isso resulta do fato de que
(por hipótese) não há repetições no conjunto.
(4) ‘0 não é sucessor de nenhum número’, isto é, nenhum termo no conjunto vem antes
de x0.
(5) Isso se torna: qualquer propriedade que pertença a x 0 e pertença a xn+1, contanto que
pertença a xn, pertence a todos os xs. RUSSELL (2007, p.25)
A forma geral de número fornecida por Peano incomodava Russell, que possuía uma
necessidade pragmática para esta definição. Isto fica claro com sua afirmação sobre a
impossibilidade de definir número com Peano, quando enfatiza a vinculação do conceito de
número com os objetos do mundo real.
[...] que “0” e “número” e “sucessor” não podem ser definidos por meio dos cinco
axiomas de Peano, devem ser definidos por meio dos cinco axiomas de Peano.
Devendo ser compreendidos independentemente, é importante. Queremos que nossos
números não meramente verifiquem fórmulas matemáticas, mas que se apliquem da
maneira correta a objetos comuns. Queremos ter dez dedos, dois olhos e um nariz. Um
sistema em que “1” significasse 100 e “2” significasse 101, e assim por diante, poderia
estar muito bem para a matemática pura, mas não seria apropriado à vida diária.
Queremos que “0” e “número” e “sucessor” tenham significados que nos dêem a
quantidade certa de dedos, olhos e narizes.” RUSSELL (2007, p.26)
A concepção em Russell de número está claramente relacionada ao desejo do que se
presta o número, ou seja, da maneira em que queremos utilizá-lo. Para Russell, o cinco, deve
então, estar relacionado diretamente ao que entendemos pelo número de dedos da mão. O que
Russell quer dos números, está relacionada à necessidade pragmática do número, e este
pragmatismo é colocado em tudo o que pensa sobre o número. É preciso lembrar que Russell
achava a matemática como uma aplicação da lógica, o que significa que a matemática deve ter
uma relação direta com o mundo real.
Além de tudo, o que perturbava Russell era, de fato, que os termos primitivos
necessitassem serem conhecidos, mas não pudessem ser definidos. Assim, haveria a
possibilidade de dar um tom formal aos postulados de Peano, em vez de que os termos tenham
um significado definido, embora não fossem definidos, que se utilizassem variáveis com
[...] relação aos quais fazemos certas hipóteses, a saber, aquelas expressas nos cinco
axiomas, mas que são sob outros aspectos indeterminados. Se adotarmos esse plano,
nossos teoremas não serão provados com relação a um conjunto determinado de termos
chamado 'os números naturais', mas com relação a todos os conjuntos de termos que
possuam certas propriedades. RUSSELL (2007, p.27)
Mas por achar que os seus números deveriam ter um significado definido, e não
possuam apenas certas propriedades formais, rejeita este tipo de formulação. Por isso, acredita
que este significado definido é “definido pela teoria lógica da aritmética”. RUSSELL (2007,
126
p.27)
Russell na sua tentativa de definir número, no capítulo 2 “Definição de número” cita
como fazê-lo aplicando uma teoria que Russell dava grande importância para suas concepções
matemáticas e filosóficas: a Teoria dos Conjuntos. Para isso, antes de seguirmos na definição
do número por Russell, vamos fazer algumas considerações com respeito a esta teoria.
4.6 A Definição de Número por Russell
Bertrand Russell inicia fazendo uma distinção entre número e pluralidade. Segundo
ele,
[...] número é característico de números, como homem é característico dos homens.
Uma pluralidade não é um caso de número, mas algum número em particular. Um trio
de homens, por exemplo, é um caso de número 3, e o número 3 é um caso de número;
mas o trio não é um caso de número. RUSSELL (2007, p.28)
Ou seja, um número em específico pode permitir a relação entre conjuntos, de
um lado, um conjunto de objetos e, por outro, o conjunto de números, mas a correspondência
não é direta entre estes conjuntos.
Num parágrafo posterior, apresenta com relação ao número a sua conexão com os
conjuntos.
Um número particular não é idêntico a nenhuma coleção de termos que possua esse
número; o número 3 não é idêntico ao trio que consiste em Brown, Jones e Robinson.
O número 3 é algo que todos os trios têm em comum e que os distingue de outras
coleções. Um número é algo que caracteriza certas coleções, a saber, aquelas que têm
aquele número. RUSSELL (2007, pp. 28-29)
Este parágrafo ainda nos coloca a posição do número enquanto característica de
conjuntos. As suas declarações podem ser apresentadas na forma de alguns teoremas básicos
da Teoria dos Conjuntos entendidas nos tempos atuais.
Uma delas, já foi explorada, trata-se do entendimento do que seria dois conjuntos
iguais ou não entre e si. Ou seja, se o conjunto A é igual ao conjunto B, todos os membros de
A são idênticos a todos os membros de B. De fato, o trio não é idêntico ao número três, mas
este o possui enquanto característica. Também é fato notório que um trio, como o exemplo
fornecido por Russell, só será igual a outro trio, se este comportar os mesmos componentes, a
saber, Brown, Jones e Robinson, devem compor este outro conjunto. Em outras palavras, um
conjunto só será igual a ele mesmo na notação A=B, se A for o mesmo que B.
Isto parece ser óbvio, mas é um conceito importantíssimo na compreensão de número
127
do ponto de vista logicista e na compreensão de relações em geral. Além disso, remete a idéia
de extensão. A extensão de A=B, sugere a idéia de que a equação representa que algo que
encontramos em A é o mesmo que encontramos em B.
Na Teoria dos Conjuntos com relação à extensão do conceito de número, vamos
considerar duas interessantes formas: a primeira quanto à introdução de número fracionário e
a segunda com relação à extensão da equivalência de conjuntos.
Antes façamos a seguinte consideração: os conjuntos podem ser classificados como
finitos ou infinitos. Quanto ao conjunto dos infinitos estabelece-se uma nova classificação: tal
como os conjuntos enumeráveis e os conjuntos não-enumeráveis.
Com respeito ao conjunto infinito e conjunto enumerável cita-se:
Dos conjuntos infinitos, o conjunto dos números naturais, cujos elementos nós
podemos pensar como sendo dado em sua ordem natural da sucessão {1.2.3,…}, é
especialmente escolhido, e chamado um conjunto enumerável. Mais geralmente, um ɱ
infinito do conjunto seria enumerável se, e somente se, pode escrever como uma
seqüência {m1, m2, o m3,…}; isto é, se e somente se, a todo elemento m do conjunto,
um número natural e a cada número natural corresponde precisamente um elemento do
conjunto. 96 KAMKE (1950, pp.1-2)
Deste modo, os números racionais podem ser classificados segundo Cantor como um
conjunto enumerável.
Prova: Deixe-nos primeiro focar somente aos números racionais positivos. Nós
podemos imaginar ser escrito para abaixo em ordem de valor, primeiro, todos os
números inteiros, isto é, todo os números com denominador 1; então, todas as frações
com denominador 2; então, todas as frações com denominador 3; etc.
1,
2,
3,
4,
.....
½,
2/2 ,
3/2,
4/2, .....
1/3,
2/3,
3/3,
4/3, .....
....
.....
.....
....
.....
Se nós escrevermos os números numa ordem de sucessão indicada pela linha
desenhada (deixando de lado números que já apareceram), então todo número racional
positivo certamente aparece, e também uma vez. A totalidade destes números racionais
é assim escrita como uma seqüência.
1, 2, ½, 1/3, 3, 4, 3/2, 2/3, ¼ ....
97
KAMKE (1950, pp. 2-3)
96 From the infinite sets, the set of natural numbers, whose elements we may think of as being given in
their natural order of succession {1,2,3,...}, is especially singled out, and is called an enumerable set.
More generally, an infinite set ɱ is said to be enumerable if, and only if, it can be written as a sequence
{m1, m2, m3,...}; i. e., if, and only if, to every element m of the set, a natural number and to every natural
number corresponds precisely one element of the set.
97 Proof: Let us first deal only with the positive rational numbers. We can imagine to be
written down in order of magnitude, first, all whole numbers, i.e. , all numbers denominator
128
A primeira extensão de conceito de número, segundo KAMKE (1950, p.12), consistiu
na introdução de frações:
Numa rigorosa introdução dos números racionais, deve-se, por todos os meios,
abandonar o método primitivo de “dividir um todo em um determinado número de
partes”, e em vez disto, encaminha-se como segue: Se considera, como um tipo novo
de 'número' , um par de números naturais, a, b, que, com esta interpretação, será escrito
no formulário a/b, em conformidade com a maneira usual da fração da escrita, isto,
entretanto, não realizaria ainda completamente o que uma gostaria de ter. Para, todos os
pares a/b do número, 2a/2b, 3a/3b serão considerados meramente como representações
diferentes do mesmo número racional. A introdução correta do número racional pode
conseqüentemente ocorrer como segue: Em primeiro lugar, faz-se a estipulação que
cada par dos pares pa/pb e qa/qb do número, compostos de números naturais, será
considerado como equivalentes. Em segundo lugar, se concorda que um número
racional estará compreendido para ser um representante arbitrário escolhido de uma
classe consistindo de pares de números equivalentes. 98KAMKE (1950, pp. 12-13)
Já a consideração com relação a equivalência de conjuntos, a extensão de conceito de
número é feita com base na seguinte definição:
Definição: Um conjunto  é dito equivalente ao conjunto ŋ, em símbolos: ~ŋ se é
possível fazer os elementos de ŋ corresponder aos elementos de para-um; isto é, se é possível fazer corresponder todo elemento m de 
ŋ em tal maneira que, sob a base desta correspondência, para todo
1; then, all fractions with denominator 2 ; then, all fractions with denominator 3; etc[…]
1,
2,
3,
4,
.....
½,
2/2 ,
3/2,
4/2, .....
1/3,
2/3,
3/3,
4/3, .....
....
.....
.....
.... .....
If we write down the numbers in the order of succession indicated by the line drawn in
(leaving out numbers which have already appeared), then every positive rational number
certainly appears, and also only once. The totality of thus rational numbers is thus written as
a sequence
1, 2, ½, 1/3, 3, 4, 3/2, 2/3, ¼, ....KAMKE (1950, pp. 2-3)
98 In a rigorous introduction of the rational numbers, one must, by all means, abandon the primitive
method of “dividing a whole into a certain number of parts”, and instead of this, proceed as follows:
One considers, as a new kind of 'number', a pair of natural numbers, a, b, which, with this
interpretation, shall be written in the form a/b, in conformity with the usual manner of writing fraction,
This, however, would not yet accomplish altogether what one would like to have. For, the number pairs
a/b, 2a/2b, 3a/3b are all to be regarded merely as different representations of the same rational number.
The correct introduction of the rational number can therefore occur as follows: In the first place, one
makes the stipulation that every pair of number pairs pa/pb and qa/qb, composed of natural numbers,
shall be regarded as equivalent. In the second place one agrees that a rational number shall be
understood to be an arbitrary representative chosen from a class consisting of equivalent number pairs.
129
elemento de ŋ, um e somente um,
elemento de Ao invés de dizer correspondência um para um, nós também
chamamos, por brevidade, de um traço. O conjunto vazio deve ser equivalente somente
para ele mesmo. 99 KAMKE (1950, p.14)
O que implica que entre os conjuntos  e ŋ, há as propriedades reflexivas, simétricas e
transitivas.
Para Russell, a concepção de extensão é fundamental para o que ele chama de classe.
Para ele, uma definição que enumera é uma definição por extensão, enquanto uma definição
que apresenta uma propriedade é uma definição por intensão. Segundo o seu ponto de vista, a
definição por intensão é mais importante. Assim, as classes de Russell podem ser definidas de
forma extensiva ou intensiva. A forma intensiva torna-se fundamental por dois motivos: “[...]
(1) que a definição extensional pode sempre ser reduzida a uma intensional; (2) que a
definição intensional muitas vezes não pode nem teoricamente ser reduzida à extensional.”
RUSSELL (2007, p.29)
Com relação ao segundo motivo, cita-se de Russell a seguinte explicação:
[...] De fato, nenhum homem poderia enumerar todos os homens, ou mesmo todos os
habitantes de Londres; no entanto, sabe-se muito sobre cada uma dessas classes. Isso
basta para mostrar que a definição por extensão não é necessária para o conhecimento
acerca de uma classe. Mas quando passamos a considerar classes infinitas, descobrimos
que a enumeração não é sequer teoricamente possível para seres que vivem apenas por
tempo finito. Não podemos enumerar todos os números naturais: eles são 0, 1, 2, 3, e
assim por diante. Em algum ponto devemos nos contentar com “e assim por diante”.
Não podemos enumerar todas as frações ou todos os números irracionais, ou todos os
termos de qualquer outra coleção infinita. Assim, nosso conhecimento acerca de todas
essas coleções só pode ser derivado de uma definição por intensão. RUSSELL(2007,
p.30)
Os números, por pertencerem a uma coleção infinita, não podem ser definidos por
meio de sua extensão, mas sim pela sua intensão, o que significa que devem ser definidos pela
propriedade comum aos seus elementos. Por ser a propriedade comum aos números o que
permite uma definição deles, realça no pensamento russelliano a importância das classes, pois
a definição de classe está associada à compreensão de qualidades. No entanto,
99 Definition: A set  is said to be equivalent to a set ŋ, in symbols: ~ŋ, if it is possible to
make the elements of ŋ correspond to the elements of  in a one-to-one manner; i.e., if it is
possible to make correspond to every element m of  an element n of ŋ in such a manner
that, on the basis of this correspondence, to every element of  there corresponds one, and
only one, element of ŋ, and, conversely, to every element of ŋ, one, and only one, element of
. Instead of saying one-to-one correspondence, we also speak, for brevity, of a mapping. The
empty set shall be equivante only to itself.
130
[...] A diferença vital entre as duas consiste no fato de que há somente uma classe que
possui determinado conjunto de membros. Ao passo que há sempre muitas diferentes
características pelas quais uma dada classe pode ser definida. Os homens podem ser
definidos como bípedes implumes, ou como animais racionais, ou (mais corretamente)
pelos traços com que Swift delineia os Yahoos. É esse fato de uma característica
definidora nunca ser única que torna as classes úteis; de outro modo poderíamos nos
contentar com as propriedades comuns e peculiares a seus membros. RUSSELL (2007,
p.31)
Aplicando esta concepção de classes, pode-se chegar a uma definição de número a
partir da compreensão do número como classe de classes. O que significa que sendo um
número uma classe, caracterizaria algo, sendo que este algo não caracterizaria um conjunto
em específico, mas caracterizaria outros conjuntos pertencentes a classes diferentes. Ou seja,
o termo classe de classes, na verdade, não se refere a um conjunto de objetos, mas à
característica comum entre conjuntos de objetos classificados por características comuns.
RUSSELL nos fornece um exemplo:
Podemos supor todos os pares num feixe, todos os trios em outro, e assim por diante.
Dessa maneira, obtemos vários feixes de coleções, cada feixe consistindo em todas as
coleções que têm certo número de termos. Cada feixe é uma classe cujos membros são
coleções, isto é, classes; assim, cada um é uma classe de classes. (2007, p.31)
Outra conseqüência do fato da coleção dos números ser infinita é que não poder-se-á
aplicar a contagem como uma definição. Assim, “[...] não podemos de maneira alguma, sem
um círculo vicioso, usar a contagem para definir números, porque usamos números para
contar. [...]”
Por achar que a contagem não possa definir se dois conjuntos possuem mesma
quantidade de termos, Russell busca uma alternativa para esta operação. E encontra isso na
relação entre conjuntos. As relações sugeridas são um-um (função bi-unívoca), um-muitos e
muitos-um.
Diz-se que uma relação é “um-um” quando, se x tem a relação em questão com y,
nenhum outro termo x' tem a mesma relação com y, e x não tem a mesma relação com
nenhum termo y' que não y. Quando somente a primeira dessas duas condições é
preenchida, a relação é chamada “um-muitos”; quando somente a segunda é
preenchida, ela é chamada “muitos-um”. Convém observar que o número 1 não é usado
nessas definições. RUSSELL (2007, pp. 32-33)
De fato, para Russell a concepção destas relações de coleções é algo fundamental para
a matemática, especialmente para a definição de número. Afinal, aplica-se à definição de
equivalência ou similaridade entre coleções, isto é, quando A ~ B. “Diz-se que duas classes
são 'similares' quando há uma relação um-um que correlaciona cada um dos termos de uma
com um termo da outra [...]” RUSSELL (2007, p.33)
131
Chama-se domínio à classe daqueles termos que têm uma dada relação com uma coisa
ou outra; domínio inverso é o domínio de seu inverso. Daí: “Diz-se que uma classe é 'similar'
à outra quando há uma relação um-um da qual a primeira é o domínio, enquanto a outra é o
domínio inverso.” RUSSELL (2007, p.34)
Contudo, é possível realizar contagem de um conjunto finito, através da relação biunívoca entre os elementos deste conjunto e o conjunto dos números naturais. Ainda que a
ordem seja aplicada na contagem, ela não é logicamente necessária, segundo Russell. Pois
basta sabermos que a relação é bi-unívoca para ser suficiente para termos ciência que dois
conjuntos são similares. Isto não significa que é necessário ter conjuntos finitos para notarmos
que dois conjuntos possuem uma relação bi-unívoca. Por exemplo: com a função f(x) = 1/x,
pode-se relacionar o conjunto dos números naturais x com f(x).
Russell recoloca a questão da maneira como queremos que os números representem os
objetos do mundo real.
A idéia de similaridade sugere a definição de mesmo número de termos entre
conjuntos. Daí, Russell formula a seguinte definição: “O número de uma classe é a classe de
todas as classes que são similares a ele.” RUSSELL (2007, p.36). E de forma ainda mais
geral: “um número é qualquer coisa que é o número de alguma classe.” RUSSELL (2007,
p.37). É definido como número em geral algo que é número de alguma coisa, como o número
de alguma classe. “[...] se queremos definir números quadrados, temos primeiro de definir o
que temos em mente ao dizer que um número é o quadrado de outro, e depois definir números
quadrados como aqueles que são os quadrados de outros números.”
Uma questão fundamental com relação ao conceito de número para Russell é também
a determinação da finidade dos conjuntos. Assunto que ocupa o Terceiro Capítulo do seu
Introdução à Filosofia da Matemática. Para determinar isso, Russell aplica a concepção de
indução matemática de Peano, contida na sua quinta proposição primitiva, que diz: “Qualquer
propriedade que pertença a 0 e também ao sucessor de qualquer número que tenha esta
propriedade pertence a todos os números.” RUSSELL (2007, p.22).
O Princípio da Indução é um eficiente instrumento para a demonstração de fatos
referentes aos números naturais. Também é importante conhecer o seu significado e sua
posição dentro do arcabouço da Matemática. Muitos matemáticos acreditam que entender o
Princípio da Indução é praticamente o mesmo que entender os números naturais.
O papel fundamental do axioma da indução na teoria dos números naturais e, mais
geralmente, em toda a Matemática, é de método de demonstração, chamado o Método de
132
Indução Matemática, ou Princípio da Indução Finita, ou Princípio da Indução.
O Princípio da Indução não é utilizado somente como método de demonstração. Ele
serve também para definir funções f : N → Y que têm como domínio o conjunto N dos
números naturais.
Para se definir uma função f : X → Y exige-se em geral que seja dada uma regra bem
determinada, a qual mostre como se deve associar a cada elemento x ∈ X um único elemento
y = f (x) ∈ Y.
Entretanto, no caso particular em que o domínio da função é o conjunto N dos
números naturais, quando definimos uma função f : N → Y não é necessário dizer, de uma só
vez, qual é a receita que dá o valor f(n) para todo n ∈ N.
Russell busca a determinação da finidade, considerando de forma lógica a definição de
número natural, ou seja, entende o princípio da indução matemática como definição e não
como princípio.
[...] Poincaré considerava-a um princípio da máxima importância, por meio do qual um
número infinito de silogismos podia ser condensado num único argumento. Sabemos
agora que todas essas idéias são errôneas, e que a indução matemática é uma definição,
não um princípio. Há alguns números aos quais pode ser aplicada, e há outros a que
não pode. Nós definimos os “números naturais” como aqueles aos quais provas por
indução matemática podem ser aplicadas, isto é, como aqueles que possuem todas as
propriedades indutivas. Segue-se que tais provas podem ser aplicadas aos números
naturais não em virtude de alguma intuição, axioma ou princípio misteriosos, mas
como uma proposição puramente verbal. RUSSELL (2007, p.46)
Russell tem o propósito de diminuir o número de proposições de Peano, além de
fornecer uma definição dos termos primitivos, principalmente o número zero e sucessor. As
definições de Russell são as seguintes: “Os 'números naturais' são a posteridade de 0 com
respeito à relação 'predecessor imediato'.” RUSSELL (2007, p.41) Sendo considerado
posteridade como consistindo nele mesmo e todos os números naturais maiores.
Assim, o zero “é a classe cujo único membro é a classe nula” RUSSELL (2007, p.42)
Pois,
O número 0 é o número de termos numa classe que não em membro algum, isto é, na
classe chamada “classe nula”. Pela definição geral de número, o número de termos na
classe nula é o conjunto de todas as classes similares à classe nula, isto é, o conjunto
que consiste unicamente na classe nula, ou seja, a classe cujo único membro é a classe
nula. RUSSELL (2007, p.41)
Na sua definição de sucessor temos: “O sucessor de número de termos na classe α é o
número de termos na classe que consiste em α juntamente com x, em que x é qualquer termo
não pertencente à classe.” (2007, p.42). O que significa que se α é uma classe com n termos e
133
se adicionarmos x, não pertencente a α, teremos a somatória de termos como n+1.
Os números naturais, por causa da definição relacionada com a indução matemática,
são chamados por Russell números indutivos. Desta maneira, ele conclui, em relação à
indução matemática:
A indução matemática proporciona, mais do que qualquer outra coisa, à característica
essencial pela qual se pode distinguir o finito do infinito. O princípio da indução
matemática poderia ser expresso popularmente sob alguma forma do tipo “o que pode
ser inferido de vizinho para vizinho pode ser inferido do primeiro para o último.”
RUSSELL (2007, p.46)
Desta maneira, com relação à questão da finidade dos conjuntos a indução é possível
de ser vislumbrada. Ao contrário, a infinidade não permite garantir que o os números naturais
apresentam as mesmas propriedades por indução. Afinal de contas, como a indução
matemática prevê propriedades até o último número de um conjunto, não é possível aplica-la
nos conjuntos infinitos.
A questão tocante aos conjuntos infinitos possui importância na fundamentação da
matemática por Russell. Sua sistematização é realizada através do axioma da infinidade.
Russell se baseia nos trabalhos de Cantor e Frege no campo da teoria lógica dos números.
Este axioma trata da concepção de que as coleções infinitas existem.
Quanto ao número infinito ou transfinito, RUSSELL nos fala:
A diferença mais digna de nota e espantosa entre um número indutivo e esse novo
número é que este permanece inalterado pela adição ou subtração de 1; permanecerá
igualmente inalterado se o dobrarmos, ou o dividirmos por 2, ou o submetermos a
qualquer das operações que nos parecem tornar um número necessariamente maior ou
menor. O fato de não ser alterado pela adição de 1 é usado por Cantor para a definição
do que ele chama números cardinais “transfinitos”; mas por várias razões, algumas das
quais emergirão à medida que prosseguirmos, é melhor definir um número cardinal
infinito como um número que não possui todas as propriedades indutivas, isto é,
simplesmente um número que não é um número indutivo. RUSSELL (2007, p.103
Otte nos mostra algumas semelhanças e diferenças entre Russell, Frege e Kant, em
questões pertinentes. E que revela o quanto era importante o axioma da infinidade para
Russell. Kant levanta duas questões fundamentais para a matemática, que são importantes
para Russell. A primeira se refere à questão da possibilidade do conhecimento da matemática
ser a priori, a outra se recorre ao caráter sintético da aritmética.
4.7 A definição de número de Frege
Frege fundou a moderna disciplina Lógica Matemática. Ele desenvolveu um sistema
134
de notação conceitual (inspirada no conceito de Leibniz de cálculo racional), e apesar de não
utilizarmos muito sua notação, seu sistema constitui o primeiro cálculo de predicados.
Os cálculos de predicados de segunda ordem eram baseados sobre a análise de funçãoargumento de proposições e libertava lógicos das limitações da análise de sujeito-predicado da
lógica aristotélica.
Frege derivou o Axioma de Peano com relação aos números naturais do princípio
atualmente chamado de Princípio de Hume (também chamado Teorema de Frege). Frege é
bem conhecido entre filósofos por sugerir que as expressões de linguagem tenham sentido e
uma denotação (i.e., que ao menos duas relações semânticas são requeridas para explicar o
significado de expressões lingüísticas).
A visão de Frege era que números pertencem a conceitos (Russell disse que eles
pertenciam a classes). Isto não quer dizer que os números sejam propriedades de conceitos,
embora predicados numéricos se apliquem às coisas apenas na medida em que estas são
ordenadas sob um conceito. Frege sustenta que os números são objetos e o número que
pertence ao conceito F é, segundo sua definição, a extensão do conceito igual ao conceito F.
O argumento é o seguinte: pode-se dizer que dois conjuntos, ou classes, de objetos
organizados pelos conceitos F e G são eqüinuméricos se seus membros podem ser colocados
numa correspondência um-a-um – algo que, como demonstra Frege, não pressupõe o conceito
de número. Frege pergunta o que significa dizer que o número que pertence ao conceito F é o
mesmo que pertence ao conceito G, e responde ao longo dos mesmos princípios. Isto equivale
a dizer que a extensão do conceito igual ao conceito F é o mesmo que igual ao conceito G,
isto é, as classes que formam sua extensão têm o mesmo número de membros.
(Analogamente, Russell disse que cinco era a classe de todos os quintetos, e o número de
classes de todas as classes semelhante a uma dada classe). Frege define em seguida o zero
como o número que pertence ao conceito “não idêntico consigo mesmo” (nada havendo que
não seja idêntico a si mesmo). Tendo definido zero, e em seguida dada a noção de sucessão,
que é definível em termos lógicos, é possível determinar todos os números subseqüentes.
A falha que Russell descobriu residia no fato de que era possível construir um
paradoxo sobre a noção de classe de todas as classes, perguntando-se se a classe de todas as
classes que não são membros de si mesmas é um membro de si mesma ou não. Se é, então não
é, e se não é, então é. A possibilidade de produzir-se esse paradoxo pareceu lançar dúvida
sobre a própria noção de uma classe de todas as classes. Frege tentou resolver o problema
135
restringindo sua teoria. Russell propôs a teoria dos tipos, que se assemelha a uma teoria de
categorias, ao proibir que se incluam coisas de diferentes tipos no mesmo nível. O paradoxo
de Russell e sua “solução” despertou o interesse por uma faixa inteira de paradoxos de tipo
análogo e pela questão de como devem ser resolvidos.
Em Os Fundamentos da Aritmética, Uma Investigação Lógico-Matemática sobre o
Conceito de Número, traduzido do original alemão Die Grundlagen der Arithmetik – Eine
logisch mathematische Untersunchung uber den Brgriff der Zahl, Breslau, 1884, Johann
Gottlob Frege faz uma interessante alusão à aritmética e os números.
Na introdução deste livro levanta a questão: “o que é o número um? Ou: o que
significa o sinal 1?” FREGE (1973, p.203). De fato, Frege empregou muito do seu esforço na
definição do um.
Além desta questão, levanta outras interessantes, como o número um é uma coisa?
Qual a definição de número? As operações aritméticas são sintéticas ou analíticas? Mas seu
foco se concentra na questão do número e seus fundamentos, principalmente o número 1.
A cerca do que é o número um, Frege faz o seguinte comentário:
Muitos estimarão decerto que isto não paga a pena. Deste conceito tratam
suficientemente, acreditam eles os livros elementares, encerrando-se assim o assunto de
uma vez por todas. Pois quem julga ter ainda o que aprender sobre algo tão simples?
[...] Falta, portanto, frequentemente aquele primeiro pré-requisito da aprendizagem: o
saber do não saber. [...] FREGE (1973, p.204).
4.8 Conclusões
Talvez nunca na História da Matemática se tenha estudado tanto os números como no
fim do século XIX e início do século XX. De fato, a liberdade de se construir uma nova
axiomática utilizando antes a lógica que a intuição deve ter permitido muitas outras
aplicações.
Discussões sobre o caráter intensional e extensional dos números é bem interessante. A
axiomática de Giusseppe Peano compreende os números do ponto de vista intensional, ou
seja, através de conceitos. Mas não acreditava que seria possível definir número. Por isso,
lançava mão de recursos concretos dos termos primitivos, aos quais, outros termos eram
derivados. Para Peano não fazia sentido definir os números, ao contrário de Russell e Frege.
Para eles, os números são extensões dos conjuntos. Frege trouxe o termo extensão da
filosofia e lógica, e acreditava tanto quanto Russell na Matemática como ramo da Lógica.
Peano, entretanto, não era logicista ao que parece. Acreditava no poder da indução
136
matemática, em vez da dedução para definir os termos.
Mas ambas as escolas se ocupavam com bastante interesse na construção de uma
Matemática livre das intuições100. Em termos da aplicação elas são interessantes para
compreender os fundamentos para contagem e medição. Peano é bastante aplicável à
contagem, e Russell à medição. Em termos de aplicação, é interessante o uso da contagem,
usado tanto em dispositivos eletrônicos digitais, como em outras operações mentais e de
cálculo. Na medição, Russell é bem lembrado, pois a Teoria dos Conjuntos é uma forma
bastante útil na forma de quantificar objetos contínuos.
100 Se compreendermos, por exemplo, os conjuntos como formas intuitivas que apenas substituíram os
diagramas de Euclides e tão valorizados por Kant. Diagramas em termos de aplicação são muito aplicados,
muitos estudos, como a busca por uma equação para definir um comportamento físico muitas vezes é intuída
por meio de uma simples verificação da forma das linhas de um gráfico representando um comportamento.
137
CAPÍTULO V
EXEMPLOS DE APLICAÇÕES DOS NÚMEROS
5.1 Aplicação dos números
O que significa aplicar números? Para responder a esta pergunta, pode-se seguir o
caminho da compreensão de como se aplicam os números. Em particular, podemos buscar
nesta aplicação, o uso científico dos números como instrumento de sistematização do
conhecimento. Ainda mais particularmente, da aplicação na Física. Em termos de exemplo de
aplicação vamos levantar a experiência histórica do italiano Galileu Galilei, não só por ser
representativo quanto ao seu método científico com relação à ciência moderna, mas por este
ter desempenhado um papel importante na história da aplicação do número.
Posteriormente, iremos buscar nas principais formas de se aplicar ou adquirir os
números as definições que servirão de base para uma fundamentação de número.
5.2 Aplicação dos números na Ciência
Na história do conceito de número, pode-se distinguir quatro fases: 1a. Fase Realista,
2a. Fase Subjetivista, 3a. Fase Objetivista e a 4a. Fase Convencionalista. ABBAGNANO
(2007, p.838)
Em termos gerais, a primeira fase descreve que o número é algo real, pois é acessível à
razão, apesar de não o ser em relação aos sentidos. Os representantes desta visão, são os
pensamentos pitagóricos, segundo ao qual Aristóteles, Platão e Euclides seguiam em suas
diferentes formas. O número é “uma pluralidade medida ou uma pluralidade de medida”, e a
unidade não é um número, mas medida do número ARISTÓTELES (Metafísica, XIV, 1,
1088). Esta definição repete a de Platão e antecipa Euclides, que diz que o número é uma
“multidão de unidades” (Elementos, VII, 2), crença esta ligada a visão pitagórica do número
como um sistema de unidades.
A segunda fase conceitual é a subjetivista, que pensa o número como algo existente
138
apenas no nosso pensamento. O número é uma idéia. Como representantes desta concepção
são citados Descartes, Hobbes, Locke, Berkeley, Wolf, Kant, Stuart Mill, Cantor e Dedekind.
Entre os físicos destacou-se Newton, mas também adiciono aqui Galileu, mas com o caráter
que normalmente se confere a esta personalidade, ou seja, como o marco de transição entre
fases; como o elo para a concepção mais influente da era moderna.
Nesta fase, a característica mais fundamental é o caráter operacional do número. O
número é uma operação de abstração executada sobre coisas sensíveis. NEWTON apresenta o
número como “não tanto a multidão das unidades quanto a relação entre a quantidade abstrata
de uma qualidade e uma unidade” (Arithmetica universalis, cap.2) apud ABBAGNANO
(2007, p.839)
Pertencem ainda a esta fase, segundo ABBAGNANO (2007, p.838) as doutrinas de
Cantor e Dedekind.
Para Cantor, o fundamento do Número é a faculdade que o pensamento tem de agrupar
os objetos e de abstrair da natureza e da ordem deles (o que dá lugar ao Número
cardinal). Dedekind, por sua vez, fundou o conceito de Número na operação de
emparelhar ou acoplar as coisas. Conquanto matematicamente profícuas, essas noções
mantêm o conceito de número no âmbito da subjetividade.
A terceira fase é a objetivista, que vê o número como um objeto, ainda que não real.
Não vê o número como uma operação mental. É representada por Frege, Whitehead e Russell.
Frege define como: “o número que convém ao conceito F é a extensão do conceito
'eqüinumérico ao conceito F'” FREGE (1974, §68, p.256).
Já Russell, possui outra definição, mas que possui um ponto de vista semelhante de
estabelecer proposições sobre os números. “Um número é qualquer coisa que é o número de
alguma classe.” RUSSELL (2007, p.37) enquanto “o número de uma classe á a classe de
todas as classes similares a ele.” RUSSELL (2007, p. 36). Mas ambos conservam o esforço
de apresentar uma definição pré-estabelecida de número.
A quarta fase é a convencionalista, representada principalmente por Peano, Hilbert,
Zermelo e Dingler. Pensa-se o número como signo, definido por um sistema de axiomas. Pode
ser resumido da seguinte maneira:
a) não existe um objeto ou entidade única chamada número, cujas especificações sejam
os números definidos nos diversos sistemas numéricos;
b) a validade dos diversos sistemas numéricos depende apenas da coerência intrínseca
de cada sistema, definida pelos axiomas fundamentais;
139
c) o conceito de número presente em um sistema numérico não está ligado a uma
interpretação determinada, mas é susceptível de interpretação indefinidamente
varáveis. ABBAGNANO (2007, p.838)
Estas quatro fases podem ser apresentadas como diferentes concepções de caráter mais
acentuadamente filosófico e matemático. Porém, não estão isoladas da concepção do número
enquanto aplicação. O avanço da axiomática, da aritmética e da lógica do final do século XIX
foi um ambiente fértil para muitas discussões e reflexões sobre os números. Talvez fora o
período em que mais se pensou sobre os números. Muito se disse, portanto, muitos riscos e
equívocos foram assumidos, mas não pode-se negar o avanço que este debate proporcionou e
ainda proporciona.
Do ponto de vista matemático, não é nenhum desafio levantar a importância destas
autoridades, mas do ponto de vista da aplicação, há muito o que fazer, pois muitos temas
devem ser contextualizados para as ciências aplicadas. Posso citar, por exemplo, temas que
ainda causam nos estudantes destas ciências muita estranheza: lógica, lógica-matemática,
axiomática, postulados, noções epistemológicas como síntese, análise, extensões, intenções,
conceitos, objetos, etc.
Mas estes temas são importantes, em especial, destaco a axiomática. Que pode auxiliar
enormemente à capacidade de explicação de um professor de ciências. A axiomática é um
conceito difícil, entretanto, é poderosa no sentido de proporcionar clareza. Pois muitos
conceitos não possuem uma definição clara, e tornar isto de forma explícita é importante.
Física e Matemática tratam de conceitos e objetos, e, portanto, deve-se saber manejar com
estes termos. E quanto mais buscar competência com os conceitos e objetos, mais estará
favorecendo a sua capacidade de lidar com os conceitos e objetos da sua disciplina.
Os caminhos para o formalismo atual da Física com relação aos seus conceitos e
objetos constituíram-se mais fortemente nos primórdios da Idade Moderna. E ninguém
representa tanto a transição epistemológica como Galileu Galilei.
Precisamos compreender a fase operacional, portanto, por ser especialmente marcante
para a aplicação. Sua forma de compreender os números e a maneira de explicar
matematicamente o universo não é coincidente com a do Newton. Porém, Galileu foi muito
significativo enquanto transição científica e forma de aplicação da primeira fase para a
segunda.
Newton representa a segunda fase. Embora a classificação apresentada seja bastante
140
ampla, - inclusive Newton aparece ao lado de Leibniz, - não é possível falar das duas fases
posteriores sem falar desta, não apenas porque ela é uma transição. Talvez até o termo “fase”
não seja apropriado, pois não foi um “caso resolvido”.
A classificação apresentada com relação ao conceito histórico dos números não pode
ser imediatamente transportada para as concepções históricas dos físicos a respeito do
número. Com relação ao número, a Física não tem necessariamente uma elaboração direta, os
números são usados em fórmulas e são adquiridos através da medida. O realismo matemático
é diferente do realismo físico, justamente pelo que cada um pensa ter existência real, da
mesma forma distinguimos subjetivismo, operacionalismo e convencionalismo matemático e
físico.
Fica um desafio que é encontrar uma conexão entre a filosofia da matemática e a
filosofia da física com relação ao número. Pois a pergunta de um estudante ao professor sobre
como a física concebe o número, não merece uma resposta sem uma apresentação dos
fundamentos sobre o número e sobre a aplicação.
Pois a Física dispõe dos números enquanto referentes a quantidades. Daí, por um lado,
pode-se reduzir a relação entre duas grandezas por um número, por outro, os números
representativos de uma relação entre grandezas é feita por meio de um sistema de axiomas
convencionados, mas não únicos. Por um prisma, o número é um instrumento, por outro, é
resultado do instrumento. Por um lado, define, por outro, é definido por hipóteses.
A subjetividade, a intuição, a objetividade, a lógica, a forma e os axiomas estão
entrelaçados através de uma rede de concepções complexas que regem o fenômeno físico, da
mesma maneira se comporta a matemática.
O que revela a Física em comum com a Matemática? Talvez não haja uma resposta
definitiva a esta e outras questões, e não é objeto deste presente trabalho, mas revela o quão
complexo é dizer o que significa os números para a Física.
E podemos fornecer, como professores, em vez de uma resposta aparentemente
definitiva, dar algumas pistas de procedimentos para uma fundamentação deste tema.
5.3 Os números na Física e suas relações com a Matemática
Ao depararmos com um livro de Física, não encontraremos uma definição de número.
141
Depara-se em alguns livros didáticos com uma revisão matemática inicial, pelo qual se
apresenta sucintamente os conhecimentos matemáticos necessários para o desenvolvimento
do conteúdo da Física como: aritmética, álgebra, geometria e cálculo vetorial.
De fato, a definição de número não é comum; mesmo em livros de Matemática. Não
se fala em números, fala-se sobre o que se relaciona a eles. No ensino de Física se espera
apenas que se aprenda a resolver problemas numéricos, utilizando-se de estratégias de seleção
de dados, variáveis e equações (fórmulas). Na Física teórica, é pouco usual falar de número.
Mas é mais comum falar da relação da Física com a Matemática. Entretanto, não há dúvida
que a Física, assim como as “Ciências Exatas” em geral utilizam-se dos números. Entretanto,
a Física não se coloca a disposição para compreender o número.
O número não é problema da Física, é problema da Matemática. Sendo que o seu
conceito de competência da Filosofia da Matemática. A matemática é entendida como suporte
das propriedades dos números que poderão ser utilizados na aplicação dos conhecimentos
físicos.
Fica claro que não há interesse pelos números enquanto objeto de estudo pela Física,
mas preferivelmente pela aplicação das propriedades dos números. Não se busca encontrar
propriedades dos números, objeto claramente matemático, como foi dito, mas se propõe a
aplicá-los conforme melhor conveniência. Se perguntar a um físico se um número é um
conceito ou um objeto, ele poderá “dar de ombros” e não ver sentido na pergunta. Isto não
pareceria tão estranho, afinal os físicos não se preocupam com números enquanto objeto
epistemológico. Até mesmo a respeito das palavras conceito e objeto, relacionados aos
números causarão certo embaraço. É preciso que se diga que isto poderá diferença
principalmente no que refere à qualidade da explicação.
Se se perguntar sobre a função da Matemática, a pergunta terá mais cabimento, e por
mais inconsistente que seja a resposta, o professor de Física não se esquivará de responder.
Bunge responde consistentemente:
O papel da matemática na ciência moderna é duplo: formação de conceitos e
computação. Não há conceito de velocidade momentânea sem o conceito derivativo,
não há lei de movimento sem equações diferenciais ou de operador. Os conceitos
matemáticos não são apenas auxiliares cómodos: são o próprio cerne das idéias físicas.
BUNGE (1973, p.44)
Embora as propriedades dos números sejam uma ocupação essencialmente
investigação matemática isso não encerra todas as suas atividades na Física. BUNGE nos
alerta sobre a aplicação dos conceitos que a Física usa.
142
Sabemos que a Física e a Matemática fizeram parte de uma mesma ciência, mas com o
tempo se distanciaram e criaram seus próprios modelos e ferramentas MANIN (1983, ix).
“Físicos eram movidos pela inter-relação entre pensamento e realidade, enquanto matemáticos
eram movidos pela inter-relação entre pensamento e fórmulas.” 101 MANIN (1983, ix).
O interesse pelas inter-relações entre pensamento e realidade caracteriza os
fundamentos da Física, mas esconde nesta relação, a dependência dos meios para atingir esta
meta. Daí, revela-se que a intermediação é feita pela matemática - que é diferente da
afirmação de que a matemática é resumida a isso.
A necessidade de aplicar a matemática à Física de forma sistemática deu-se de forma
mais contundente na figura histórica de Galileu. Personagem histórico que perseguiu
concretamente novos caminhos para a Ciência da Natureza, “uma nova forma de conceber o
real para atender às exigências do espírito humano.” GARCIA (1987, p.2)
A forma inicial se deu pelas certezas geométricas, seu uso de axiomas e utilização da
lógica. Mais tarde, com a aritmetização da geometria e o distanciamento com a intuição,
maior aproximação com a lógica e formalismo deu novos impulsos para o desenvolvimento
da matemática. Novamente, a Física utilizou-se destes avanços.
Concebendo estes esforços como matematização da natureza, propõe-se neste trabalho
uma apresentação da forma em que os números se estabeleceram nas bases da ciência
moderna, mais especificamente da Física. “Física esta concernente à estrutura da ciência
física, destacando o papel da Matemática na construção da ciência do real. Temos assim a
matematização do real.” GARCIA (1987, p.1).
5.4 Os números como quantidade e a experiência de Galileu
As matemáticas representam, na nossa cultura, um modelo paradigmático de
conhecimento certo.
Mas, de onde vem a confiabilidade nessa ciência? Quais são as verdadeiras razões
pelas quais estamos seguros de que a matemática não pode nos enganar? Existe uma resposta
clássica a esse problema, que a princípio pode ser paradoxal: podemos confiar na matemática
porque ela não fala de nada, não tem um conteúdo legítimo. Portanto, não pode ser
confirmada nem falseada pela experiência.
Não obstante Galileu, ao dar o primeiro passo ao que seria a ciência moderna, afirmou
101 Physicists were disturbed by the interrelation between thought and reality, while mathematicians were
disturbed by the interrelation between thought and formulas
143
que o livro da natureza, que está aberto ante nossos olhos, “está escrito em linguagem
matemática”. Depois disso, devemos nos perguntar: é, de fato, possível que essa linguagem
não tenha nada a ver com os conteúdos de que esse livro fala?
A matematização da natureza proposta por Galileu é interessante com relação aos
números por vários motivos, entre eles, encontramos a quantificação de grandezas
cinemáticas. O movimento passava a ser investigado por meio da quantificação. Assim, a
quantidade passava a ser atribuída às relações entre grandezas envolvendo corpos que se
movem. Mais: era possível compreender grandezas por meio de relações de quantidades.
Outro aspecto interessante, e que é coerente com a forma de quantificar a natureza, é a
forma que Galileu compõe a experiência. Afinal de contas, Galileu foi um desenvolvedor de
tecnologia, e se destacou principalmente na construção de instrumentos de medida. Sabemos
que a mensuração nos diz respeito aos números do ponto de vista da aplicação.
5.4.1 Quantificação da natureza por Galileu
Galileu Galilei foi um dos pioneiros no uso de experimentos quantitativos. Seus
resultados poderiam ser analisados com precisão matemática (mais típica da ciência ao tempo
eram estudos qualitativos).
O pai de Galileu, Vicenzo Galilei, um teórico musical, tinha desenvolvido experiências
estabelecendo relações não lineares em física, umas das mais antigas registradas. Estas
experiências seguiam uma tradição pitagórica sobre a música. Pelas quais encontrou relações
matemáticas interessantes quanto a escalas musicais, e suas harmônicas, e as marcas num
instrumento musical.
Esta experiência de Pitágoras é considerada uma das primeiras registradas da história
da Ciência. Pitágoras construiu um instrumento composto por uma única corda estendida, que
poderia ser pressionada em lugares calculados e assim, geravam sons que mantinham relações
aritméticas.
Vejamos: Colocando-se uma seqüência numérica 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, podemos
perceber que o número 2 é obtido acrescentando 1 ao número anterior, e assim
sucessivamente. Mas as notas obtidas na maneira pitagórica geradas por relações aritméticas
produzem, a cada oitava, não as mesmas notas da primeira, mas outras, sutilmente desiguais.
Esta diferença faz com que novos conjuntos de notas sejam diferentes do primeiro.
Se pensarmos um esquema para representar este fenômeno sonoro, as escalas
pitagóricas geram não um círculo, mas sim a um espiral de notas.
144
Assim, Galileu pode presenciar por meio de seu próprio pai, observações físicas com
relações envolvendo quantidades entre grandezas de diferentes naturezas que seguem leis
matemáticas.
As quantidades não existem independentes das relações, a recíproca também é
verdadeira quando nos referimos às relações quantitativas. A quantificação foi algo
precocemente aplicado na história do homem. Era resultado de um número acompanhado de
alguma coleção de coisas que necessitassem ser definidas. A quantidade era uma forma de
definição. Pois a partir de sua exposição com relação à unidade, permitiu-se julgar a realidade
e a tomada de uma atitude mais racional a respeito dela. Vimos anteriormente que as
quantidades e relações são complementares, e que cada um destes termos é descrito pela
prioridade na focalização nos objetos ou nos conceitos dos objetos. Objetos como grandezas
não possuem sentido sem seus conceitos, que são relações.
Uma das mais importantes características da Física moderna é a de que as conclusões
tiradas das pistas iniciais são não apenas qualitativas, mas também quantitativas.
Consideremos novamente uma pedra deixada cair do alto de uma torre. Vimos que a
sua velocidade aumenta com a queda, mas gostaríamos de saber muito mais. Qual o
valor dessa alteração? E quais a posição e a velocidade da pedra em qualquer tempo
depois que ela começa a cair? Queremos estar capacitados a prever os acontecimentos
e a determinar pela experimentação se a observação confirma essas previsões e, assim,
as suposições iniciais. EINSTEIN (1983, p.33)
Os números, por meio da quantidade, surgiram da necessidade prática, isto é, são
elaborações humanas ligadas originalmente à ação. Pois o número é sempre levantado na
quantificação para ser usado num julgamento decisório das ações posteriores. A geometria
egípcia foi desenvolvida principalmente para dividir quantidades iguais de terras para
agricultura. A álgebra e aritmética para resolver problemas práticos envolvendo quantidades.
Tanto a geometria quanto a álgebra se interessam pelas relações de quantidades entre
elementos de mesma natureza de grandeza, como os segmentos de reta, área, volume, ângulos
(todos descritos espacialmente). Na antiguidade, a Física era qualitativa, a noção de
quantidade não envolvia relações entre quantidades de grandezas diferentes. Para que se
buscasse esta nova forma de abstrair a realidade foi necessário o surgimento de novo
paradigma. Galileu, sem dúvida, foi o maior expoente de uma nova ciência, por verificar que
se pode fazer com relação ao movimento o que Pitágoras realizou com relação a
comprimentos de cordas, sons e números.
Os conceitos dos termos, ou leis, em Galileu, representam as razões que irão reger a
experiência. Para ele, como em todo conhecimento, encontramos uma complementaridade dos
elementos intensivos e extensivos.
145
[...] se pode considerar o entender de dois modos, ou seja, intensive ou também
extensive; ou seja, quanto à multiplicidade dos inteligíveis que são infinitos, o entender
humano é como que nulo, ainda que entendesse milhares de proposições, porque mil
em comparação com a infinidade é como um zero; mas tomando o entender intensive,
enquanto tal termo importa intensivamente, ou seja, perfeitamente, alguma proposição,
afirmo que o intelecto humano entende algumas tão perfeitamente, e tem delas uma
certeza tão absoluta, quanto tem delas a própria natureza; tais são as ciências
matemáticas puras, ou seja, a geometria e a aritmética, das quais o intelecto divino sabe
infinitas proposições a mais, porque as conhece todas, mas daquelas poucas entendidas
pelo intelecto humano acredito que a cognição iguala-se à divina na certeza objetiva,
porque chega a compreender a necessidade, para além da qual não parece existir
certeza maior. [...] GALILEU (2003, p.183-184)
Continua:
[...] e onde nós, para chegar, por exemplo, à ciência de algumas propriedades do
círculo, que possui infinitas, começando por uma das mais simples e tomando aquela
como sua definição, passamos pelo raciocínio a uma outra, e desta à terceira, e depois à
quarta etc. [...] pois, em suma, dizer que no triângulo, o quadrado oposto ao ângulo reto
é igual aos outros dois quadrados sobre os lados que formam o ângulo reto, em que é
diferente de dizer que são iguais entre si os paralelogramos que têm uma base comum e
estão entre as mesmas paralelas? E isso não é finalmente o mesmo que serem iguais
aquelas duas superfícies que superpostas não se excedem, mas ficam dentro dos
mesmos limites? Ora essas passagens que nosso intelecto faz no tempo, avançando de
passo em passo, o intelecto divino, à maneira da luz, percorre-as num instante, o que é
o mesmo que dizer que as tem todas sempre presentes. Concluo, portanto, que nosso
entendimento, seja quanto ao modo, seja quanto à multiplicidade das coisas entendidas,
é superado pelo intelecto divino por um intervalo infinito; mas nem por isso avilto-o
tanto, a ponto de considerá-lo absolutamente nulo; pelo contrário, quando considero
quantas e que coisas maravilhosas têm os homens entendido, investigado e operado,
ainda mais claramente conheço e entendo que a mente humana é obra de Deus e das
mais excelentes. GALILEU (2003, p.184-185)
A quantidade das grandezas pode ser entendida como uma extensão das grandezas, e
as grandezas como intensão a qual a quantidade se refere. Uma parte ínfima, com relação aos
conceitos, mas essencial para a formação da ciência moderna. O aforismo de Bacon,
"Naturam renunciando vincimus"
102
, reflete a essência da revolução ocorrida no espírito
renascentista que fertilizou o pensamento matemático, promovendo seu desenvolvimento ao
estado atual. Por paradoxal que possa parecer, o processo para arrancar à natureza seus
mistérios e dominar suas forças é renunciar ao conhecimento de sua "essência". Esta idéia já
estava em Galileu, que se afastou da tradição aristotélico-medieval renunciando a investigar
as causas do movimento de corpos, para se limitar ao decurso da queda e das trajetórias
balísticas. Tal tipo de renúncia tem por conseqüência um estreitamento do horizonte de
respostas possíveis.
102 “pela renuncia venceremos a natureza”
146
5.4.2 O espaço, tempo, grandezas e unidades
Dois elementos são de grande importância para a base de estudo de Galileu, - visto que
ele se aprofundou principalmente na busca de um fundamento sobre a cinemática – que são o
espaço e o tempo. Para o pensamento aristotélico, o espaço e o tempo não recebem uma
atenção especial enquanto entendimento do real. Os objetos são considerados como formas
qualitativas ao invés de sua forma geométrica.
O espaço e tempo na posição aristotélica aparecem como conceitos de Física, sendo
abstraídos do movimento. Quando os examinamos, verificamos serem as suas
propriedades matemáticas, uma vez que resultam da abstração do que há no objeto de
propriamente físico. [...]
O espaço, segundo Aristóteles, não é algo subjacente aos objetos, algo ocupado por
eles, senão o limite entre um objeto e aquilo que o rodeia, estando pois o seu caráter
ligado à materialidade do Universo. Já o tempo é na sua totalidade infinito, englobando
uma contínua transformação da potência e ato, como um meio de tornar inteligível a
mudança, de tal modo que o presente é imóvel, porém, continuamente absorve o futuro.
GARCIA (1987, pp.142-143)
Galileu dá um passo na busca de mensurações a partir da concepção de que a
matemática pode ser aplicada como meio, assim como os seus instrumentos inventados.
Grande parte, no sentido de garantir um acesso aos objetos por meio de uma via indireta; não
confiando que a redução empírica de explicar a natureza pudesse ser revelada para nossos
sentidos; como algo claro, indiscutível.
Em tese publicada sob o tema TEORIA E EXPERIÊNCIA NO DIÁLOGO SOPRA I
DUE MASSIMI SISTEMI DEL MONDO DE GALILEU GALILEI, ELENA MORAES
GARCIA, desenvolveu uma reflexão sobre a obra de Galileu e sua relação com a filosofia.
A medida, para Galileu, passa a funcionar como um índice da realidade da natureza,
por que as qualidades sensíveis da natureza não comportam uma mensuração direta.
Desta forma, natureza é matematizável indiretamente porque não pode ser atingida nela
mesma. Isso remete à objetividade do conhecimento, que resulta da utilização da
Matemática em fazer do mundo indeterminado, um mundo objetivo. GARCIA (1987,
p.144)
De fato, os instrumentos de Galileu se desenvolveram nesta concepção de que eram
meios para ter acesso ao real por meio da teoria que permitiu a própria construção do
instrumento como intermediário entre a confirmação da teoria e o objeto. Dentro dos objetos
de grande importância para Galileu, destacamos o movimento.
A redução a termos matemáticos tem a finalidade de tornar o movimento um objeto
científico, mas, para tal, o movimento precisa ser considerado como um processo
unitário e rigorosamente ordenado e não a simples sucessão de estados isolados. Esta
unidade de movimento resulta da conexão intrínseca existente entre a relação espaço-
147
tempo de cada momento concreto do movimento com o processo total. Em suma, cada
momento do movimento se faz consoante à lei que estabelece a relação entre o espaço
e tempo.
Para expressar esta lei, resulta necessário reproduzir o nexo e a combinação das
grandezas no espaço através de números que simbolizam determinadas formas
fundamentais do espaço. GARCIA (1987, p. 144)
Assim, “o espaço e o tempo, embora incompatíveis entre si, ao serem considerados
como coisas são colocados em relação a partir da referência numérica.” CASSIRER apud
GARCIA (1987, p.144)
Na mecânica galileana, a quantificação do espaço e tempo, estava associada à
preocupação sobre o movimento, em especial, o movimento uniformemente acelerado.
Quanto ao seu conceito mesmo de movimento, nos apresenta Galileu Galilei:
[...] quando ele (ARISTÓTELES) escreveu que tudo o que se move, move-se sobre
alguma coisa imóvel, duvido que se equivocasse ao dizer que tudo se move, move-se
com respeito a alguma coisa imóvel, porque esta proposição não possui dificuldade
alguma, enquanto que a outra tem muitas. GALILEU (2003, p.197)
O conceito de movimento compreendia relatividade, mas isto não significa a
impossibilidade de quantificá-la. “A redução a termos matemáticos tem a finalidade de tornar o
movimento um objeto científico, mas, para tal, o movimento precisa ser considerado como um
processo unitário e rigorosamente ordenado e não a simples sucessão de estados isolados”.
GARCIA (1987, p.143).
Galileu por meio de seu personagem Salviati no Diálogo apresenta como realizar esta
tarefa:
Antes de mais nada, é necessário considerar que o movimento dos graves descendentes
não é uniforme, mas, partindo do repouso, vão continuamente acelerando-se; [...] Mas
esse conhecimento geral não traz qualquer proveito, quando não se sabe com que
proporção é feito esse aumento de velocidade, conclusão que ficou até os nossos
tempos desconhecida para todos os filósofos, e por primeira vez encontrada e
demonstrada pelo Acadêmico, nosso amigo comum: o qual em alguns escrito ainda não
publicados, mas que foram confidencialmente mostrados a mim e a outros amigos seus,
demonstra como a aceleração do movimento reto dos graves se faz segundo os
números ímpares ab unitate (a partir da unidade), ou seja, que indicados quais e
quantos tempos iguais forem necessários, se no primeiro tempo, partindo o móvel do
repouso, tiver percorrido um tal espaço, como, por exemplo, uma cana, no segundo
tempo percorrerá três canas, no terceiro cinco, no quarto sete, e assim sucessivamente
segundo os números ímpares sucessivos; o que, em suma, é o mesmo que dizer que os
espaços percorridos pelo móvel, partindo do repouso, têm entre si o quadrado daquela
proporção que têm os tempos nos quais tais espaços são medidos, ou queremos dizer
que os espaços percorridos estão entre si como os quadrados dos tempos. GALILEU
(2003, p.303-304).
148
Este parágrafo é especialmente interessante, por vários motivos, em primeiro lugar,
porque se observa que saber que há uma proporção entre grandezas não necessariamente
precisa levantar um valor numérico. Entretanto, isso não terá serventia sem definir qual a
proporção103, não revela um conhecimento útil na ciência moderna. A passagem do caráter
qualitativo das relações para o entendimento que a simples existência destas relações 104 não é
mais suficiente. Uma grandeza continua a denotar por meio de uma relação com outra, mas é
preciso dizer qual a relação ou proporção. É necessário fornecer a proporção numericamente.
Mais um exemplo como conceitos de objetos e objetos são cognitivamente complementares.
Naquele
mesmo
parágrafo,
apresenta-se
um
exemplo
de
como
definir
quantitativamente proporções. De fato, na relação entre tempo e espaço percorrido num
movimento acelerado, verifica-se que há uma proporção. E verificou-se que ela se dá por
meio das relações que caracterizam os números quadrados, por exemplo.
Se denotarmos por Qn o enésimo quadrado perfeito, temos, portanto Qn = n2, n =
1,2,3,.... Pode-se, por completeza, definir Q0 = 0. Observe que Qn + 1 − Qn = (n + 1)2 − n2 =
2n + 1 o que permite estabelecer a relação de recorrência Qn + 1 = Qn + 2n + 1.
Exemplos:
Q1
Q2
Q3
Q4
Q5
.
.
.
Qn = Qn − 1
Números quadrados = 1
= Q1 + 3 = 1 + 3
= Q2 + 5 = 1 + 3 + 5
= Q3 + 7 = 1 + 3 + 5 + 7
= Q4 + 9 = 1 + 3 + 5 + 7 + 9
.
.
.
+ (2n − 1) = 1 + 3 + 5 + ... + (2n − 1)
= 12
= 22
= 32
= 42
= 52
.
.
.
= n2
Tabela 5.1 – Relação entre números ímpares e quadrados.
Dito de outra forma: a soma dos primeiros n números ímpares é igual a n2, ou seja, Qn
= 1 + 3 + 5 + ... + (2n − 1).
Aqui, ainda verificamos que estas relações foram possibilitadas por meio da eleição da
unidade. No exemplo dado, estabeleceu-se que as grandezas escolhidas seriam: o
deslocamento e o tempo. Para o espaço percorrido, escolheu-se a cana. Para o tempo,
103 Deixar proporções com um feitio indefinido, no sentido de se dizer que uma coisa tem com outra coisa uma
relação de proporcionalidade.
104 Que confere a duas grandezas, uma relação, ou seja, uma grandeza pode ser denotada como algo que tem
relação com outra
149
simplesmente se declarou que se tratava de uma unidade de tempo.
O foco se concentrava na idéia de proporção entre tempo e deslocamento de um corpo
em movimento. As grandezas eram assim definidas: como quantidade de tempo, tendo a
unidade de tempo, como iguais quantidades de tempo e o deslocamento tendo a grandeza
medida por meio da comparação com a unidade 1 cana. O fato é que não é necessário, para
definir qual a proporção, saber qual o valor absoluto da unidade de tempo (não definida) e o
espaço (definida como cana, mais a título de exemplo, por Galileu). Essa maneira geral pode
ser entendida como possibilidade de estabelecer qualquer convenção e esta é absolutamente
necessária. Pois, não se realizam as experiências com base em unidades gerais. Isto indica que
mesmo que o resultado seja uma relação, mesmo assim, nos apresentará um resultado
quantitativo.
Por seguinte, uma vez escolhida a unidade de tempo, esta será utilizada para
incrementar intervalos de mesmo valor. Desta maneira, um tempo cuja quantidade seja
determinada em uma unidade de tempo escolhida, terá estas como intervalos em uma
seqüência ordinal (temporal). O primeiro intervalo de tempo não será entendido como o
mesmo intervalo de tempo do quarto, mas sua quantidade em relação à unidade terá um
mesmo valor. O que nos permite entender que no tempo, entenderemos que intervalos de
tempo podem fazer referência a um número natural. Designando: intervalos 1, 2, 3, 4, ... , n,
em relação a cada intervalo de tempo, obteremos a quantidade de unidades de tempo. Por
exemplo: se cada intervalo possui 200 segundos e a unidade é um segundo, o cardinal
referente à quantidade de unidades de tempo é 200.
Portanto, podemos fazer muitas associações envolvendo o número com relação à
aplicação e ele se apresenta, ao que parece, em associação com a grandeza numa combinação
complementar entre números cardinais e ordinais. Os números ordinais podem ser entendidos
como extensões de cada intervalo que estão dispostos em ordem. E os números cardinais
podem ser vistos como o que denota, ou seja, intensão dos intervalos do qual tratamos.
Normalmente, na aplicação se escolhe o 1 como cada intervalo para facilitar os cálculos e
explicação, mas este 1 não é uma unidade, a unidade é o valor da grandeza 1. Mas, se
definimos os intervalos como 1s, o um denota qual o valor da unidade, ou seja, o um é um
acidente envolvendo a unidade e o intervalo escolhido.
Assim o fez Galileu, dentro de um intervalo de tempo, uma unidade de tempo. Não
sabemos qual a unidade de tempo escolhida, mas ao contrário, temos claro que o um do
150
intervalo de tempo, é um valor definido, isto é, uma unidade. Temos, portanto, o cardinal 1,
como o valor da quantidade de unidades de tempo dentro de cada intervalo de tempo da
experiência.
O outro passo foi relacionar, um-a-um os intervalos de tempo, - agora designados
extensivamente, como intervalo 1, 2, 3, e assim por diante, - com os valores dos
deslocamentos com relação à unidade de espaço (cana) escolhida em cada intervalo de tempo
correspondente.
Feita a correspondência, é possível verificar as regularidades nas relações entre os
conjuntos, de um lado, os valores ordinais dos intervalos, e do outro, os valores cardinais que
designam a quantidade de unidades de espaço deslocado em cada um destes intervalos.
Desta maneira, poderemos encontrar no intervalo 1, a medição do deslocamento 1
cana. No intervalo 2, foi medido o deslocamento 3 canas e no intervalo 3, foi medido 5 canas.
“E assim sucessivamente” por números ímpares sucessivos.
Este sucessivamente é verificado após uma quantidade de verificações considerável
para compreender que se pode prever, por indução, que o próximo valor medido será ímpar
tendo o primeiro tido como 1. Por ser impossível repetir a experiência infinitas vezes, se
estabelece indutivamente que o fenômeno irá acontecer. Portanto, a indução matemática
encontrada numa seqüência indefinida, não tem um valor de certeza absoluta, mas uma
certeza indutiva. O número 1 enquanto quantidade de deslocamento no intervalo de tempo 1,
pode ser facilmente obtido se conformarmos a quantidade medida no intervalo como nova
unidade, e em termos de número, podemos utilizar esta nova unidade, ou manter uma relação
com a unidade original.
Este valor pode, assim, ser obtido de várias maneiras, vejamos alguns exemplos: uma
vez estabelecido a unidade como o espaço deslocado no intervalo de tempo um, poderemos
contar os deslocamentos em outros intervalos de tempo com base nesta unidade de espaço. Ou
poderemos medir o deslocamento no primeiro intervalo de tempo, e definir como 1 nova
unidade (obteremos uma relação quantitativa entre a unidade original, que já possui
instrumento de medida aferido nesta unidade). As outras medidas poderão assim, serem feitas
por meio do mesmo instrumento de medida, na unidade a que se destina, e, após isso, por
meio da relação entre as unidades, obtermos a unidade que nos passará a ser a unidade de
referência. Na primeira forma, obtemos por meio de contagem, na segunda forma, por meio
de medida e relação de medida. Este é um caso em que o 1 apresenta-se como valor
151
facilitador, mas em termos de relações isto não configura uma necessidade.
No exemplo de Galileu foi notado que as seqüências 1, 2, 3 e 4, etc. obtiveram os
respectivos valores 1, 3, 5, 7 em cana. Mas o que vem a significar? É certamente a forma
didática que Galileu busca provar esta relação por meio uma lei matemática conhecida. Pois,
para ele, as leis da matemática eram fundamentos para a verdade das proposições. De fato, ele
poderia apresentar da seguinte forma: no intervalo 1 foi deslocado 1 cana, em duas unidades
de tempo, 4 canas, em três unidades de tempo, 9 canas, etc. O que também permitiria a
relação quadrática entre o tempo e o deslocamento de um corpo que parte do repouso num
movimento retilíneo uniformemente acelerado.
A forma apresentada por Galileu coloca o tempo como números ordinais e o espaço
com valores cardinais. Mas poderemos apresentar os valores de tempo de forma cardinal, e o
espaço de forma ordinal. Explico: quando se diz que em três unidades de tempo, o corpo se
deslocou 9 canas, pensa-se que ao passar três unidades de tempo, o corpo se encontra num
ponto que podemos defini-lo como nona cana, isto é, a ordem passa a situar o espaço. Uma
forma ou outra de estabelecer relações entre duas grandezas parecem levar a compreensão que
os números se apresentam alternadamente de forma ordinal ou extensional, ou da forma
cardinal ou intensional.
A experiência é fundamental na construção do conhecimento, pois torna o
conhecimento objetivo, por outro lado, a razão deve orientar a experiência, em vez de o objeto
orientar a experiência. Deve-se descrever o objeto tal quais os sentidos nos informam, mas
devem-se escolher as descrições que possam ser relacionados num sistema teórico comum. O
objetivo da escolha dos elementos referentes de uma descrição, em outras palavras, o
levantamento das extensões, é encontrar as relações gerais. Dentro dos vários objetos
possíveis, podemos levantar dois que foram os mais importantes para o surgimento da ciência
moderna: quantidades e relações.
5.4.3 Galileu, modelos físicos e números
Os modelos empregados por Galileu sugerem que estes tinham um sentido pragmático. E
podem ser escolhidos de acordo com os objetivos desejados. Assim, muitos modelos utilizados
152
por Galileu podem ter aplicação didática, pois as suas principais obras, como Diálogo Sobre os
Dois Máximos Sistemas do Mundo, possuía a meta de apresentar ao mundo, de forma clara, uma
nova maneira de entender a ciência. O leitor será levado a realmente experimentar a física ao pensar
sobre os fenômenos.
A moldura conceitual em que se estabelecem os modelos galileanos, de fato, se confunde
mesmo com a experiência. Os corpos em queda livre em certas situações necessitam estarem no
vácuo, as superfícies inclinadas precisam ser totalmente lisas, o ar não mais imprime qualquer
resistência. Os modelos de Galileu são inseparáveis da imaginação para quem se predispõe a
apreendê-los. A mente se tornou o mais importante laboratório que um cientista poderia ter.
Galileu mostrou como relacionar matemática, física teórica e física experimental. Ele
entendia a parábola, por uma dupla visão: como seção cônica e em termos de ordenada (y)
variando com o quadrado da abscissa (x). A parábola tinha a trajetória teoricamente ideal
como movimento acelerado, na ausência de fricção e outras interferências. Ele também notou
que há limites para a validade desta teoria, declarando que ele era apropriado somente para
certas condições experimentais modelos. Reconheceu também que seus dados experimentais
nunca poderiam concordar exatamente com qualquer forma teórica ou matemática, por causa
da imprecisão da medição, fricção irredutível e outros fatores.
Entendemos que o conceito de vértice da parábola de lançamento de projéteis pode ser
compreendido por dois pontos de vistas importantes: o intensivo e o extensivo, os atributos do
vértice, como funções, é sua intensão, enquanto sua determinação quantitativa é sua extensão.
Determinando a parábola como um conjunto de pontos, o vértice desta, passa a ser uma
extensão e a função pelos quais todos os pontos concordam é a intensão. A Física moderna se
apresenta originalmente de forma complementar entre estes dois pontos de vistas. Por um
lado, busca leis gerais, por outro, elementos que representem estas leis gerais.
A representação de quantidade é garantida a partir de modelos físicos. Um modelo é
um símbolo de um sistema físico. Ele denota o sistema físico: como a forma em que uma
linha vertical em um diagrama de Galileu denota um intervalo de tempo, elementos de um
modelo científico denota elementos de seu objeto. Dir-se-á que um pêndulo ideal é similar ao
pendulo material; o pêndulo ideal denota seu objeto. O pêndulo ideal é um objeto abstrato. Em
que sentido ele é similar a um pêndulo material está longe de se ter clareza.
Aqui Matemática freqüentemente possui um papel essencial na Física: é um dos recursos
dedutivos dos modelos físicos. A interpretação é o inverso da denotação: os resultados
demonstrados precisam ser interpretados novamente em termos experimentais. A interpretação
153
faz-nos voltarmos para o mundo das coisas.
Nesta parte veremos como apresentam-se os modelos de Galileu de fenômenos de
movimento na Segunda Jornada do “Diálogo”. Primeiro, apresentaremos os teoremas e
posteriormente analisaremos. Selecionamos aquelas proposições que têm um caráter informativo
com respeito a representação.
EXEMPLO I:
Galileu trata a respeito da queda de corpos, em queda livre e em um plano inclinado.
Sabe-se que a velocidade do corpo depende de sua altura. Vejamos pelo diagrama:
Fig. 5.1 - Diagrama galileana de plano inclinado
Para afirmar esta igualdade, é necessário escolher uma definição mais ampla de
velocidade.
SALVIATI – Portanto, ainda mais falso parecer-vos-á, se eu disser que as velocidades
dos corpos que caem pela perpendicular e pela inclinada são absolutamente iguais.
Entretanto, esta é uma proposição muito verdadeira, assim como também é verdadeira
esta que diz que o móvel cadente move-se mais velozmente pela perpendicular que
pela inclinada.
SAGREDO – Acrescentemos ainda esta outra, ou seja, que se dizem serem iguais as
velocidades, quando os espaços percorridos têm a mesma proporção que os tempos nos
quais são percorridos; e esta será uma definição mais universal. GALILEU (2003,
p.104)
Destacando que a ampliação do conceito de igualdade de velocidade representou um
avanço na forma de conceber as grandezas relacionais (entendendo aqui grandeza relacional
uma grandeza derivada de uma composição com outras grandezas). A concepção de igualdade
da velocidade de dois corpos com base na igualdade de iguais espaços e iguais tempos,
necessita de duas igualdades. Ou seja, a relação aqui é de um para um, se o corpo A deslocouse sA, num tempo tA, saberemos que o corpo B está a mesma velocidade se ele deslocar sB
num tempo tB. Se tA = tB e sA = sB, então sA/tA = sB/tB, portanto, os corpos A e B estão na
mesma velocidade. Não precisamos saber a velocidade para dizermos se dois corpos estão à
mesma velocidade, o que significa que esta estratégia não define qual a quantidade da
154
velocidade dos corpos. A quantidade aqui não é uma forma de definir a igualdade ou
desigualdade de velocidades entre corpos.
Mas, ao ampliar o conceito de velocidade, como proporção entre deslocamento e
tempo decorrido, a quantidade é o elemento que permite reconhecer esta igualdade. Iguais
quantidades de velocidade, concebendo v = s/t, estabelece uma nova maneira de compreender
grandezas, não importa as aparências, ou as possíveis contradições que poderiam surgir, como
foi disposto por Salviati.
A velocidade pelo plano inclinado é igual à velocidade pela perpendicular, e o
movimento pela perpendicular mais veloz que pela inclinada. A compreensão da verdade de
uma proposição quando se trata de comparação de grandezas só se revela válida quando
relacionamos quantidades, os números passam a ser argumento não só para as relações
geométricas, mas para a natureza visto do ponto de vista de corpos que se movem.
EXEMPLO II
Fig. 5.2. Diagrama de Galileu do aumento contínuo do movimento acelerado
Pois, sendo contínuo o aumento no movimento acelerado, não se pode compartir os
graus de velocidade, a qual sempre cresce sem qualquer número determinado, porque,
mudando de instante em instante, são sempre infinitos: mas podemos exemplificar
melhor nossa intensão desenhando um triângulo, como seria este ABC, tomando no
lado AC quantas partes iguais quisermos, AD, DE, EF, FG, e traçando a partir dos
ponto D, E, F, G linhas retas paralelas à base BC; onde quero que imaginemos as partes
marcadas na linha AC serem tempos iguais, e as paralelas traçadas pelos pontos D, E,
F, G representarem os graus de velocidade igualmente acelerados e crescentes em
tempos iguais, e o ponto A ser o estado de repouso, a partir do qual o móvel tenha por
exemplo, no tempo AD adquirido o grau de velocidade DH, no tempo seguinte ter
acrescida a velocidade para além do grau DH até o grau EI, e consequentemente, maior
nos tempos sucessivos, segundo os aumentos das linhas FK, GL etc. Mas porque a
aceleração se faz continuamente de momento em momento, e não intercaladamente de
155
parte quanta de tempo em parte quanta, sendo posto o término A como momento
mínimo de velocidade, ou seja, como estado de repouso e como primeiro instante do
tempo subseqüente AD, é evidente que antes da aquisição do grau de velocidade DH,
efetuado no tempo AD, passou-se por outros infinitos graus menores e menores,
obtidos nos infinitos instantes que existem no tempo DA, correspondentes aos infinitos
pontos que estão na linha DA: por isso, para representar a infinidade de graus de
velocidade que precedem o grau DH, é necessário imaginar infinitas linhas sempre
menores e menores, que se supõem traçadas a partir dos infinitos pontos da linha DA,
paralelas a DH, infinidade de linhas a qual representa, por último, a superfície do
triângulo AHD; e, desse modo, entenderemos que qualquer espaço percorrido pelo
móvel com um movimento que, começando do repouso, vai uniformemente
acelerando-se, consumando e usando infinitos graus crescentes de velocidade,
conforme às infinitas linhas, que, começando do ponto A, imaginam-se traçadas
paralelas à linha HD e às linhas IE, KF, LG, BC, continuando depois o movimento
quanto se queira. GALILEU (2003, p.310)
Aqui temos a representação quantitativa de grau de velocidade uniformemente
acelerada. A quantidade pode ser adquirida a partir de duas formas, a partir de quantas, ou
seja, quantidades discretas, e a partir de graus, que observa a quantidade dentro de uma
variação contínua. A forma de a Física adquirir os números discretos de um fenômeno é a
partir da contagem, e a forma de adquirir os graus é medindo-os ou calculando-os. As
definições de contagem e medição vão sendo paulatinamente sendo inseridas durante este
trabalho, mas detenhamos no exemplo de Galileu. De fato, sua representação de movimento
acelerado não contém números, da sua forma numeral. Contudo, apresenta um modelo
científico para apresentar as relações entre grandezas na natureza.
Os segmentos de reta representam quantidades, e as quantidades representam relações.
As relações podem ser apresentadas na forma numeral, caso queira, porém não
necessariamente. Assim, definindo a linha vertical como representação do tempo (pela qual
podemos marcar intervalos iguais conforme a conveniência através de pontos), espaçados em
dimensões iguais. A relação entre quantidades de velocidade e tempo pode ser representada
geometricamente e podem ser adquiridos os numerais a partir de unidades de referência.
Portanto, os segmentos de reta são, de fato, representações de números. Sendo, neste caso, os
numerais uma forma na Física de representar os números, não a única.
O grau de uma grandeza é uma quantidade de grandeza que pode possuir infinitos
valores numéricos, tal qual a quantidade de pontos que podem ser encontrados num segmento
de reta. A velocidade de um corpo uniformemente acelerado partindo do repouso terá infinitos
valores intermediários.
A continuidade das grandezas físicas possui uma semelhança formal com a
continuidade dos números num intervalo. Este tipo de descoberta, que permite a analogia
entre conceitos matemáticos e conceitos de outras ciências, foi traduzido como a possibilidade
156
de se aplicar os conceitos matemáticos em outros conceitos que possuam tal analogia.
Vejamos: o modelo apresentado por Galileu por meio de diagrama geométrico representando
um fenômeno físico toma por empréstimo a abordagem axiomática euclidiana de representar
seus diagramas. Ainda que em outro parágrafo iremos falar mais sobre esta abordagem,
adianto que esta mesma fórmula é encontrada n'Os Elementos de Euclides. Que apresentava
seus axiomas, proposições e conceitos com o auxílio valoroso dos diagramas. Lá podemos
encontrar a unidade, o número, as relações, como em Galileu, representado por segmentos de
reta ou outros conceitos geométricos, e as relações são feitas por meio de relações de
proporcionalidade quantitativa entre estes conceitos.
Deve-se atentar que diagrama em si não representará objetos matemáticos nem objetos
ideais (representando objetos reais) se, no próprio desenho ou projeção, não houver
possibilidade de antecipar ou obter resultados que se encontram ocultos no desenho ou
projeção.
No exemplo de Galileu, temos que a velocidade do corpo será dada com relação a
unidade de tempo, um valor que está expresso por meio de segmentos de reta horizontais.
Com este modelo, saberemos a velocidade em qualquer ponto, da vertical que representa o
tempo. Intervalos e pontos são números, potencialmente definidos pela assunção da unidade.
Assim, com uma régua, obteremos, no diagrama, quaisquer valores. A geometria analítica
ampliou a projeção de objetos, as quais valores e funções são adquiridos da forma das curvas
ou retas presentes entre as ordenadas e abscissas.
O modelo galileano, de fato, paralisa o movimento através do diagrama. Por isso,
obtém um controle maior das suas propriedades, por meio da analogia geométrica. Os objetos
de Euclides não se moviam, podiam ser muitas vezes entendidos como os próprios objetos
diagrama. Por outro lado, os objetos de Galileu se moviam, e não podem ser de maneira
alguma, confundidos como os objetos expressos nos diagramas ou modelos. Estes eram
instrumentos para paralisar o objeto, e assim, analisar suas propriedades. Mais: os objetos de
Euclides envolviam grandezas relacionadas ao espaço e suas relações possíveis. Embora
Galileu mantivesse a forma intuitiva com relação ao espaço, também se utilizava
intuitivamente de outras grandezas, relacionando-as entre si.
Os números podem ser entendidos na Física como as próprias relações entre grandezas
quando estamos representando comportamentos da natureza. Assim, as formas de representar,
seja por meio de relações entre dimensões de figuras geométricas, como no exemplo de
Galileu, ou por meio de representações funcionais como v = v0 + at, ou outras formas
157
explicitamente numéricas (mais comumente chamada de computacional).
Aproveitando-se da oportunidade apresento um exemplo da forma computacional
encontrada em Galileu:
Por isso, tendo, com diligente experiência, observado como um tal móvel percorre,
caindo, a altura de 100 braças em 5 segundos, diremos: se 100 braças se percorrem em
5 segundos, 588000000 braças (que tantas fazem 56 semi-diâmetros da Terra) em
quantos segundos serão percorridas? A regra, para esta operação, é que se multiplique o
terceiro número pelo quadrado do segundo; obtemos 14700000000, o qual se deve
dividir pelo primeiro, ou seja, por 100, e a raiz quadrada do quociente, que é 12124, é o
número procurado, ou seja, 12124 segundos, que são 3 horas, 22 minutos e 4 segundos.
GALILEU (2003, p.306)
Poderemos ainda apresentar uma forma interessante apresentada por MANIN, outro
exemplo como os físicos trabalham com as relações numéricas:
As mais simples operações matemáticas são computações aritméticas da seguinte
forma: (0.24/20 x Ѵ13/1.1) x (7.8x104/2.04x105) x (2x0.048/0.021+ 0.019) = 0.038.
Por verissimilidade este exemplo não foi copiado de um trabalho de um estudante, mas
de um estudo de Enrico Fermi e E. Amaldi “Sobre a absorção e difusão de nêutrons
lentos” 105 MANIN (1981, p.1)
Nota-se que a aplicação dos números na Física, se faz por meio de relações. Os
números na Física não têm finalidade se não tiverem uma relação. Seja qual for a forma que
os números apareçam, - o seu fim, além de servir de base para os modelos físicos e a
utilização da indução matemática, - servem como forma de se verificar a própria teoria com a
realidade. O que pode ser entendido como a possibilidade de se projetar antecipações,
previsões. Por isso, não podemos deixar de compreender que a fórmula v = v0 + at é uma
representação de relações numéricas, se fizer parte de um modelo coerente com a realidade
física.
Qualquer modelo ou forma quantitativa, na física, possibilita um acréscimo no
conhecimento sobre os números. E quando falamos sobre o conhecimento sobre os números,
nos referimos às suas propriedades. Algumas leis da matemática pura podem ser confirmadas
pelas experiências entre grandezas que mantêm relações que estão em correspondência com a
matemática, leis da matemática podem revelar relações entre grandezas para a Física e
relações na Física podem ser entendidas ou validadas pela correspondência com as leis
matemáticas. Sobre isso, trataremos mais adiante.
105 The simplest mathematical operations are arithmetical computations of the following
sort: (0.24/20 x Ѵ13/1.1) x (7.8x104/2.04x105) x (2x0.048/0.021+ 0.019) = 0.038.
For verismilitude this example was not copied from a student's workbook, but from a paper by
158
5.4.4 Instrumentos e experiência em Galileu
Galileu deu um grande número de contribuições para o que hoje conhecemos como
tecnologia. Esta não é a mesma distinção feita por Aristóteles, que poderia ter considerado
toda a Física de Galileu como techne ou conhecimento prático, como oposto a episteme, ou
investigação filosófica das causas das coisas. Galileu desenvolveu o Compasso Militar e
Geométrico. Construiu ainda um instrumento geométrico, habilitado para construir qualquer
polígono regular, cálculo da área de qualquer polígono ou setor circular, e uma variedade de
outros cálculos. Galileu construiu uma espécie de termômetro, usando a expansão e contração
do ar em um bulbo para mover água em um tubo fechado.
Galileu foi o primeiro a usar um telescópio refrator como um instrumento para
observar estrelas, planetas e luas. Mais tarde, também compôs um microscópio. Quando
totalmente cego, idealizou um mecanismo para um relógio de pêndulo, um modelo vetorial,
que foi completado por Christiaan Huygens em 1650.
Sabe-se que Galileu foi um esplêndido construtor de ferramentas de investigação
científica. O telescópio por ele aperfeiçoado, por exemplo, foi importante para verificar que
havia manchas no sol, que a lua possuía irregularidades ou que outros planetas possuíam
satélites.
A importância que Galileu dava à construção de instrumentos permitirá verificar que
ele depositava desconfiança aos sentidos humanos. Por isso, para defender uma idéia, ele
busca meios de assegurar que as proposições que a defendem sejam descrições de registros
originados de instrumentos. Contra a idéia da corrupção dos astros, há a proposição de que
foi observada através de telescópio a existência de manchas. Isto permitiu compreender que,
para defender que os corpos celestes são perfeitos, não podemos dar ao luxo de não buscar
confirmar isso. Não é suficiente as aparências. Para se declarar uma proposição é preciso de
evidências, e quanto mais buscar melhor precisão e exatidão tanto melhor.
O que Galileu negava não eram os sentidos em si, pois ele necessitava deles de
qualquer maneira. Mas o seu principal interesse se baseava na concepção de que não se deve
dispensar o uso de um instrumento para verificar algo que nos parece evidente em si, ou
porque alguma autoridade defende. Galileu contestava que proposições pudessem ser
incontestáveis.
Galileu não confiava nos sentidos, tal qual Platão, que confiava antes nas idéias.
Desconfiava do movimento aparente do Sol. Mas não defendeu a tese copernicana que a Terra
159
gira em torno do Sol sem antes ser convencido pelo argumento matemático e da observação
mais cuidadosa através de instrumentos de visualização e medida. A experiência de Aristóteles
tomou um novo formato, agora ela é movida em torno da teoria.
No Diálogo, Galileu apresenta este ponto:
Portanto, dessas duas proposições, que são ambas doutrina de Aristóteles, a segunda,
que afirma que se deve antepor os sentidos ao discurso, é uma doutrina muito mais
firme e resoluta que a outra, que considera ser o céu inalterável; e por isso, filosofaríeis
mais aristotelicamente dizendo: 'o céu é alterável, porque assim nos persuade o
discurso de Aristóteles'. Acrescentai que nós podemos muito melhor do que Aristóteles
discorrer sobre as coisas do céu, porque, tendo ele confessado que lhe era difícil tal
conhecimento pelo distanciamento dos sentidos, acaba por conceber que aquele a quem
os sentidos melhor pudessem representá-lo, com maior segurança poderia filosofar
sobre o assunto: ora nós, graças ao telescópio, aproximamo-lo trinta ou quarenta vezes
mais do que o era para Aristóteles, tal que podemos discernir nele cem coisas que ele
não podia ver, entre outras, estas manchas no Sol, que eram para ele absolutamente
invisíveis: portanto, podemos tratar do céu e do Sol com maior segurança que
Aristóteles. GALILEU (2003, p.136)
De um lado Galileu, acreditava que, de fato, a experiência era bastante importante,
mas discordava de Aristóteles pelo fato de que ela não poderia ser o elemento norteador dos
conhecimentos científicos. Para ele, a origem do conhecimento deveria se vincular à razão.
Daí o desacordo entre Galileu e Aristóteles quanto ao papel da experiência no controle
da explicação, por julgar Galileu ser o método adequado à apreensão do real, uma nova
associação entre a teoria e a experiência, na qual a própria experiência vai direcionada
pela teoria, não estando calcada sobre os dados oriundos da percepção sensível, como
colocado por Aristóteles. GARCIA (1987, p. 4)
Quanto a esta questão, Kant é digno de nota:
Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas, com uma aceleração que ele
próprio escolhera, quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que antecipadamente
sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água, ou quando, mais
recentemente, Stahl transformou metais em cal e esta, por sua vez, em metal, tirandolhes e restituindo-lhes algo, foi uma iluminação para todos os físicos. Compreenderam
que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem
que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis
constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se
deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao acaso, realizadas sem
plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que
necessita. A razão tendo por um lado os seus princípios, únicos a poderem dar aos
fenômenos concordantes a autoridade de leis e, por outro, a experimentação, que
imaginou segundo esses princípios, deve ir ao encontro da natureza, para ser por esta
ensinada, é certo, mas não na qualidade de aluno que aceita tudo o que o mestre afirma,
antes na de juiz investido nas suas funções, que obriga as testemunhas a responder aos
quesitos que lhes apresenta. Assim, a própria física tem de agradecer a revolução, tão
proveitosa, do seu modo de pensar, unicamente à idéia de procurar na natureza (e não
imaginar), de acordo com o que a razão nela pôs, o que nela deverá aprender e que por
si só não alcançaria saber; só assim a física enveredou pelo trilho certo da ciência, após
tantos séculos em que foi apenas simples tateio. KANT (2001, BXII-BIV, p.18)
A mediação entendida como algo fora do sujeito, marca a possibilidade da
160
objetividade. Essa objetividade, entretanto, é sempre relativa às condições de realização
desses experimentos e verificações, sem ter pretensão a um conhecimento absoluto ou
definitivo. Algo objetivo, que sirva de intermediação, pode ser interpretado de diversas
maneiras, mas as interpretações válidas serão as que possuam a componente racional que
esteja de acordo com a estrutura teórica que deu origem a constituição do experimento. No
caso da Física, esta estrutura teórica é a lógica e a matemática. Os objetos de Galileu não eram
entidades, seus objetos não eram alguns corpos em específico, eram primordialmente relações
e elementos que participavam das relações.
Os objetos de Galileu tinham, entretanto, um compromisso com a realidade. E como
tal, entre a total justaposição entre a teoria e a experiência (não totalmente controlado)
encontram-se desvios. Na Física, é importante compreender os resultados apresentados de
forma numérica ou quantitativa como uma relação que leva em conta o que está localizado
entre o abstrato e a matéria.
Assim como, para querer que os cálculos correspondam aos açucares, às sedas e às lãs
é necessário que o contador leve em conta a tara das caixas, embrulhos e outras
embalagens, assim também, quando o filósofo geômetra quer reconhecer em concreto
os efeitos demonstrados em abstrato, é necessário que desconte os impedimentos da
matéria; pois, se souber fazer isso, asseguro-vos que as coisas se corresponderão de
modo não menos ajustado que os cálculos aritméticos. Os erros, portanto, não residem
nem no abstrato nem no concreto, nem na geometria ou na física, mas no calculador
que não sabe fazer bem as contas. GALILEU (2003, p,289)
Assim, de algo subjetivo como dizer que um corpo é mais quente que outro através do
tato, eu meço com um termômetro e verifico qual corpo possui um valor numérico maior que
o outro, ou maior valor numa escala não numérica. Torno o julgamento com base em
marcações objetivas, ou seja, qualquer um que saiba utilizar-se deste instrumento poderá
reconhecer o mesmo que eu. Galileu, com suas experiências, inaugurou uma nova abordagem
do real, não mais era feita diretamente por meio dos sentidos, mas por intermédio de
instrumentos.
Em seus experimentos Galileu estabeleceu padrões de distância e tempo, tanto que
medições feitas em diferentes dias e em diferentes laboratórios poderiam ser comparadas num
feitio reproduzível.
A mediação entre o real e o pensamento, passa ser o diferencial em Galileu, e ele deu
algumas pistas disto. A importância que ele imprimia aos instrumentos, que podem ser
entendidos como a mediação entre o observador e o objeto, pode ser reconhecida nesta
estrutura: o observador (componente que porta o pensamento), o instrumento (mediação
reconhecida por meio do pensamento) e o objeto (realidade). O instrumento é legitimado por
161
meio da razão, pois se não fosse assim, por exemplo, o pulso de Galileu não serviria para
contar o tempo. Como a contagem dos batimentos cardíacos é algo (ao qual possuíam uma
razoável regularidade no tempo) que poderia ser usado no lugar de uma contagem mental, pelo qual se caracterizaria como um dado estritamente subjetivo.
Por mais que fosse uma forma bastante imprecisa de contagem de tempo, qualquer um
poderia contar as suas próprias pulsações. Neste caso, como em todos os instrumentos, sua
adequação deve-se a sua confiabilidade baseada na lógica e na razão. Por exemplo: a
contagem por meio da pulsação poderia ser testada por outras experiências que se possam ser
comparadas entre si, como o giro completo de um moinho, por exemplo; neste caso, o moinho
poderia servir também para contagem de tempo, pois em relação a um evento, sua contagem
de voltas seria algo confiável.
Com relação ao instrumento, como mediador, deve ser algo que possua uma relação
com uma teoria que o coloque como um referencial seguro bastante para que possibilite
afirmar algo sobre a realidade. Uma teoria ou a desconfiança de uma teoria vem antes de um
instrumento. O aperfeiçoamento dos instrumentos de contagem e medida demonstra que
houve uma mudança da relação pensamento-realidade. Antes se confiava nos sentidos para
validar uma experiência, posteriormente, passou-se a desconfiar-se destes sentidos, pois eles
nos apresentavam algo subjetivo e qualitativo. Deste modo, para dar objetividade ao
conhecimento científico, procurou-se um paralelo com relação ao que era qualitativo, ou seja,
o quantitativo.
Um instrumento construído por Galileu que pode ilustrar bem estas afirmações é um
precursor do termômetro, que atribuía escalas numéricas relacionadas à temperatura.
De fato, atualmente não se propõe explicações sem um instrumento que possibilite a
aquisição destas explicações. Assim, para dizermos que um corpo está mais quente que outro,
não é suficiente cientificamente que toque os dois corpos e faça a distinção. Pois sabemos que
o nosso tato pode nos confundir. Para afirmar tal coisa necessitamos de um instrumento que
sirva de testemunha para mim, que diga que não foi um julgamento por base no meu tato, mas
sim de algo exterior a nós, construído com base na razão e na lógica; e que por isso, permita
que depositemos grande confiança de que este instrumento irá nos apresentar algo que
possamos creditar como representando a verdade da realidade.
Assim, fica claro um duplo interesse de Galileu para sua predileção aos números. Pois
suas propriedades, baseadas em quantidades, entre elas, tinham como mediadores a razão e a
lógica. A realidade é, portanto, mediada materialmente pelo instrumento, e racionalmente
162
através da teoria. Ambos, teoria e instrumento, são aplicáveis à investigação científica se
tiverem um suporte matemático: o instrumento por se relacionar com suas propriedades
geométricas, métricas, escalares, etc.; e a teoria por aplicar à lógica e o raciocínio próprios da
matemática.
5.4.5 Relações entre a matemática e a realidade
Muito se discute sobre as bases filosóficas de Galileu, a tese de Garcia, por exemplo,
defende: “Em Galileu, a matematização da natureza segue o caminho platônico.” GARCIA
(1987, p.1)
A razão de tudo isto decorre de ser a meta galileana a consonância entre a realidade e a
Matemática, entre o pensamento e a realidade. A abordagem galileana do real não pode
ficar atada apenas à razão matemática, embora esta seja colocada a todo momento
como sendo o fundamento de todo o discurso sobre o real, de toda experiência que visa
torná-lo inteligível. GARCIA(1987, p.1)
Neste aspecto, Garcia nos coloca alguns aspectos importantes neste empreendimento.
Primeiro: Galileu empreendeu a interligação entre a matemática e a Física através de
conceitos como matéria e movimento. A cinemática, uma vez matematizada, tornou-se um
marco para a Física, pois representou o uso da geometria e dos cálculos aritméticos para
corpos que se moviam. Esta inovação colocada sistematicamente vinha contrastar com a
filosofia aristotélica. 106
Para Galileu os objetos físicos e suas relações são essencialmente matemáticos,
especificamente geométricos.
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante
nossos olhos (isto é, o universo), que não pode compreender antes de entender a língua
e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua
matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas,
sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós
vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. GALILEI (2000, p.46)
GARCIA completa:
Em Galileu o “como” do movimento se converte em objeto de análise, passando a ser
estudado com o método da ciência matemática. De onde decorre a necessidade de
desenvolver uma nova terminologia que traduza “o processo do movimento mesmo”
para que os matemáticos tenham um ponto de apoio firme nos fenômenos. Assim, o
problema de Galileu é a criação de uma nova ciência matemática para substituir a física
qualitativa dos aristotélicos. [...] GARCIA (1987, p.142)
Segundo GARCIA, a importância que Galileu destinou a geometria foi uma postura
106 Ainda que Galileu não o tivesse como seu oposto, pois em muitas oportunidades utilizava argumentos
aristotélicos contra os próprios aristotélicos - que para Galileu eram os seus verdadeiros opositores.
163
platônica, que acreditava que o homem poderia alcançar a divindade através da compreensão
do número por meio da razão. Nas palavras de SALVIATI, o porta-voz de Galileu no seu
Dialogo Entre Duas Novas Ciências:
Que os pitagóricos tenham tido em soberana estima à ciência dos números, que Platão,
ele mesmo, tenha admirado o intelecto humano e considerasse-o participante da
divindade por entender a natureza do número, eu o sei muito bem, e não estaria longe
de fazer o mesmo juízo sobre isto. GALILEU (2003, p.91).
Acreditava-se que as coisas possuíam um número, que lhe dava a sua essência. Então
possuía uma determinada característica porque tinha como essência um determinado número.
Galileu, apesar de reverenciar os números, não buscava explicações deste tipo, baseadas em
porquê. Buscava, de fato, como se pode atribuir um número a algo.
Por esta razão, a título de exemplo, que se creditava às três dimensões do espaço uma
razão, um porquê, nas palavras de Simplício, - um interlocutor ptolomaico, - encontramos:
[...] Não tendes, em primeiro lugar, que além das três dimensões não existe outra,
porque o três é cada coisa e o três está em todas as partes? E isso não está confirmado
pela autoridade e pela doutrina dos pitagóricos, que dizem que todas as coisas são
determinadas pelo três, princípio, meio e fim, que é o número do todo? [...] o todo e o
perfeito são formalmente o mesmo; e que por isso, somente o corpo entre as grandezas
é perfeito, porque só ele está determinado pelo 3, que é o todo, e sendo divisível de três
modos, é divisível em todas as direções [...] GALILEU (2003, p.90)
Assim, Galileu, através de seu interlocutor Salviati, apresenta suas razões para o limite
em três dimensões do espaço:
Figura 5.3. Diagrama de Galileu das três dimensões do espaço
SALVIATI – Portanto, se estabelecerdes algum ponto como início e término das
medidas, e desse ponto traçardes uma linha reta como determinante da primeira
medida, ou seja, do comprimento, será preciso necessariamente que aquela linha que
deve definir a largura forme um ângulo reto com a primeira, e que aquela que deve
representar a altura, que é a terceira dimensão, partindo do mesmo ponto, forme,
conjuntamente com as outras duas, ângulos não oblíquos, mas retos; e, desse modo, a
partir das três perpendiculares, tereis determinado as três dimensões, AB comprimento,
AC largura, AD altura, a partir de três linhas únicas, exatas e mais curtas. E sendo
evidente que para o mesmo ponto não pode concorrer outra linha que forme com
164
aquelas ângulos retos, e que as dimensões devem ser determinadas somente pelas
linhas retas que formam ângulos retos entre si, as dimensões, portanto, não são mais
que 3; e o que tem as 3, tem todas, e o que tem todas é divisível em todas as direções, e
o que assim for perfeito etc. [...]
SIMPLÍCIO – Não afirmarei que esta vossa razão não possa ser concludente, contudo,
direi melhor com Aristóteles que nas coisas naturais não se deve sempre procurar uma
necessidade de demonstração matemática.
SAGREDO – Sim, onde talvez ela não se possa obter; mas se aqui ela existe, por que
não quereis usar?[...] GALILEU (2003, p.92-93)
O numeral três tinha um significado metafísico; o espaço tem três dimensões por que o
três estará presente quando se trata do todo e da perfeição. Galileu não busca um significado
do três, os números não possuem um significado em si mesmo, em vez disso, procura avaliar
como é possível concluir que há apenas três dimensões. Um aspecto interessante da sua visão
sobre número é que a sua obtenção, como a quantidade de dimensões possíveis do espaço, não
é obtida por meio metafísico ou mesmo físico; na verdade, o número é obtido por meio do
raciocínio matemático.
5.5 O número como aplicação
Os fundamentos dos números encontram nos pensadores como Peano, Russell e Frege
referências importantes para uma discussão a respeito do que representa e caracteriza os
números. Eles tornaram-se referências através de influentes obras divulgadas na história da
matemática com implicações, inclusive, na filosofia.
O confronto de seus pontos de vistas e principalmente a busca de uma articulação
entre estas diferentes idéias permitem não só o entendimento da natureza dos números, mas
também uma maior compreensão da natureza da sua aplicação e da ciência que os aplica.
Os números naturais enquanto contagem ou como medida revela grande parte da sua
aplicação na Física. Vamos estabelecer, para isso, o que entendemos por aplicação e Física
aqui. Aplicação é a forma de utilizar-se de algo. Imprime a idéia da ação humana na direção
de colocar em prática as conseqüências de proposições. Assim, aplicar é experimentar um
conceito num contexto estranho a sua origem. O testemunho de que uma proposição, que se
refere à natureza, é verdadeira ou não, depende imensamente se ela corresponde a uma
consistência com a realidade. Talvez, por este motivo, não seja fácil identificar nos dados
adquiridos pelas ciências aplicadas, características dos números. Pois as ciências não servem
diretamente para comprovar os conceitos sobre os números, pois estes conceitos não são
165
objetos das ciências em geral.
Os conceitos são gerados pela matemática, mas não significa dizer que são ou não
objetos da matemática, nem que a matemática possua objetos. Portanto, as ciências em geral,
principalmente as que aplicam os números dizem algo sobre os números, mas dizem de
maneira indireta, a partir da investigação de outros objetos. Frege e Russell acreditam que a
matemática possui objetos e que números são objetos. Portanto, entendem os números numa
ótica extensional. Já axiomáticos como Peano, pensam a matemática como um arranjo de
raciocínio, e que não possuem objetos como a Física e Biologia. Assim, sua perspectiva
focaliza aspectos intensionais dos números. Busca os conceitos.
Para Russell, a matemática possui a possibilidade concreta de aplicar os números. A
compreensão da matemática como aplicação se generaliza para os lógicos na busca por uma
redução da matemática à lógica. Deste modo, a matemática seria uma aplicação da lógica. E
os números seriam uns excelentes instrumentos para realizar tal tarefa.
O que podemos dizer quanto a Peano? Peano se apresenta como alguém que vê a
matemática de um ponto de vista mais estruturalista. Ou seja, busca a estrutura do pensamento
matemático revelado a partir do raciocínio, especialmente matemático. O número não seria
um objeto. E a matemática não é uma ciência necessariamente de vocações voltadas para a
aplicação. Ainda que não signifique dizer que não exclua a aplicação entre seus estudos.
Os números como contagem ou como medida, são vistos respectivamente na
perspectiva axiomática e na teoria dos conjuntos.
A contagem tem relação com o que se entende por ordenação. Algo que pode
estabelecer numeração a objetos, entre outras características. A relação dos objetos com os
números em sucessão e sujeito à indução matemática permite a conexão entre os objetos e
uma estrutura teórica, mediado pelas relações. Os números permitem ainda um pensamento
abstrato dos objetos, a partir de contextos particulares em que se pode conjecturar
considerando as relações entre objetos a partir de sistemas estruturais do pensamento.
Os números como medida é mais bem visualizado pela Teoria dos Conjuntos de
Russell e Frege. De fato, a Teoria dos Conjuntos se direciona a estabelecer para os números
uma relação entre conjuntos. Assim, um trio é um caso particular do número 3, segundo
Russell, é uma classe de classes.
As conseqüências desta visão possibilitam pensar o número como uma relação entre
conjuntos, como a relação entre os números que são indicados numa coluna de mercúrio para
representar a temperatura, isto é, pode-se correlacionar um-a-um a medida da posição da
166
coluna de mercúrio com a temperatura. Tudo isto pode ser representado por funções, que é
uma forma de se generalizar as relações entre estes objetos, a partir de regularidades
aritméticas encontradas pelas relações entre números.
A relação entre medidas apresentadas aqui não necessariamente deve-se a Russell, mas
são conseqüências de seu pensamento, envolvendo a caracterização do número enquanto
classe de classes. Enquanto a ênfase de Peano se concentra nos números naturais de caráter
ordinal, Russell se interessa por seu caráter cardinal. O que isso representa?
De fato, a cardinalidade ou ordinalidade do número são qualidades do número. São
diferentes intensões do número. Em termos de aplicação, dependendo do contexto, uma das
qualidades se sobressairá. Mas o que determinará o contexto é a aplicação do número.
Aplicação é um termo amplo. Pois se pode proceder às aplicações em abrangências
teóricas ou práticas. Em contextos abstratos ou em contextos concretos. Mas se considerarmos
a questão da aplicação nas fronteiras da Física, não limitaremos estes diferentes contextos,
afinal, a Física é representativa na forma em que aplica os conceitos, tanto na sua forma
pragmática quanto na sua forma de abstrair os conceitos que emprega. Se compreendermos
aplicação como interpretação, as teorias podem servir como base de apoio ao entendimento.
5.5.1 Números, algoritmos e homens
Máquinas como computadores e processadores em geral, tomam decisões por meio de
algoritmos. Da mesma forma, procede para decidir se um número é maior ou menor que outro
por meio de algoritmo.
Se tivermos dois números com dois dígitos, por exemplo, o algoritmo antecipa que se
devem comparar os dígitos do extremo esquerdo, o número que tiver o valor maior será
considerado como o maior, sem mesmo a necessidade de se avaliar o número da extremidade
direita.
As máquinas processam algoritmos como o Algoritmo de Euclides107, utilizando de
cálculo proposicional. Algoritmos e noções de grandeza de números podem e são
demonstrados por meio de proposições lógicas, mas isto não permite entender que o algoritmo
tem o mesmo significado para a máquina ou para o homem.
Voltando ao Algoritmo de Euclides. É possível determinar o máximo divisor comum
entre dois números. Se tivermos dois números como o comprimento do lado de um quadrado
107 O Algoritmo de Euclides podem revelar para os homens aspectos da incomensurabilidade do espaço e
consequentemente entre números euclidianos
167
e a diagonal deste, terá divisões recorrentes infinitas entre eles. Ou seja, considerando l como
o lado do quadrado e d a diagonal do quadrado, se fizermos divisão teremos como resto r. Se
considerarmos r agora como o divisor e o lado como dividendo, teremos r1 como novo resto e
assim por diante enquanto tiver resto diferente de zero.
Este tipo de recorrência caracteriza os algoritmos, e no caso do exemplo apresentado,
sua recorrência será infinita, tal qual seria se dividirmos a circunferência pelo raio. Mas
máquinas como os processadores não podem fazer tais cálculos infinitamente, pois isso
contraria a capacidade de armazenar os dígitos resultados dos cálculos. Além do mais, quando
inserimos dois números como os referentes ao lado de um quadrado e a sua diagonal, já
encontramos limites na inclusão deste número. Pois um destes números é incomensurável.
Assim, o computador deverá receber um número “arredondado”, ou seja, aproximado.
Há limites para cálculos em máquinas; e os homens também são impotentes quanto a
isso. O que não significa muito em termos pragmáticos, afinal, sabemos que números
irracionais não podem ser colocados em papel em toda sua extensão. Temos desta forma, uma
intuição. Os algoritmos são formas de representar operações recorrentes, e nela não há
restrição quanto às recorrências infinitas. Mas nem os homens e nem as máquinas são capazes
de empreendê-lo indefinidamente.
As máquinas apenas calculam. O suporte lógico para a computação como a lógica
matemática não garante que elas poderão fazer qualquer cálculo, pois as máquinas possuem
capacidade finita em qualquer aplicação108. Assim, a lógica matemática com todo o seu vigor,
em termos de aplicação, estará sujeita às aproximações. E o que poderia ser algo
matematicamente compreendido como inconsistência, na aplicação é tolerado. A lógica
matemática foi adotada pela computação. Mas é bom lembrar que os desenvolvedores de
programas e processadores sabem que existe um compromisso entre a consistência lógica
levada radicalmente e o que é um resultado aceitável ou suficiente para a aplicação
(limitações do hardware, precisão dentro das necessidades do usuário, etc.).
O prestígio que a lógica tem e teve ao longo da história do pensamento humano nos
faz acreditar que ela seja o próprio fundamento do pensamento racional. Um exemplo
interessante é encontrado numa experiência utilizando 35 adultos que deveria classificar todos
os números arábicos de dois dígitos entre 31 e 99 como sendo maiores ou menores que 65,
enquanto suas respostas eram cronometradas com precisão de milisegundo. As respostas mais
rápidas eram as que apresentavam uma maior diferença numérica. Enquanto as respostas mais
108Há um limite físico das memórias, por exemplo.
168
demoradas encontravam-se entre as que possuíam uma diferença menor. Verificou-se ainda
que os resultados para as comparações como 79 e 65 e ainda 71 e 65 havia diferença de tempo
de resposta, mesmo observando que em ambas as comparações o número maior possuía a
dezena 7, sendo a resposta à comparação de 79 e 65 mais rápida. Observou-se que a resposta
da comparação entre 71 e 65 era um pouco mais rápido que à comparação entre 69 e 65. Isto
pode indicar que o cérebro humano não “processa” a respeito dos números tal qual uma
máquina.
Uma conclusão possível é que nossa resposta não necessariamente depende de um
processo semelhante ao algoritmo, ou que o reconhecimento de certas propriedades
particulares de números não necessariamente tenha que se espelhar em decisões lógicas para
esta finalidade.
Assim colocado, parece que a lógica não é a única forma de julgamento a respeito dos
objetos. Se o homem percebe o número além de seu aspecto formal, indica que o número em
termos cognitivos não está restrito a este campo, e neste caso, abre-se mão de recursos
analíticos como a decomposição do todo. Assim, vê-se o número como um todo, e não apenas
o dígito da esquerda primeiro para depois verificar se houver concordância, o dígito da direita.
O número 23 em hexadecimal é dificílimo de ser entendido, o que traz muito desconforto em
estudantes se disser que, na verdade, ele representa o que entendemos por 35 em decimal. O
levantamento dos pesos posicionais, quanto da base do sistema numérico, é uma análise
lógica do número.
A relação entre homens e números parece ser naturalmente intuitiva, e apenas com
esforço racional podemos estabelecer regras de pensamentos que busquem a liberdade quanto
à intuição. Entretanto, a busca de estruturas lógicas de pensamento para fundamentar nossas
concepções sobre objetos complexos como os números, modernamente decidiu-se pelo
caminho do afastamento da intuição; o que, de fato, trouxe muitos avanços.
Mas tudo isto, o esforço e os avanços não podem negar que inevitavelmente a intuição
existe; ainda que venhamos a considerar que as teorias estejam descontaminadas dela. Ela
existe, e nos faz tomar decisões, sem que nós nem mesmo percebamos. E, não seria de
admirar, que encontrássemos um pouco dela em teorias como as analíticas, mas isto é outra
história.
Isto não significa dizer que o julgamento de que 65 é menor que 71 seja puramente
intuitivo, mas que, aparentemente, ocorreu abstenção de um recurso lógico que poderia
poupar bastante tempo. E isso pode ser entendido como uma aproximação à intuição. Afinal,
169
intuitivo e lógico em muitas oportunidades são tidos como opostos. A abstração lógica, como
análise formal, pode permitir máquinas decidirem sobre conceitos lógicos, mas as máquinas
não lidam com números como quantidades ou relações, como nós. Pois por mais lógicos que
queiramos ser, - considerando os números como apenas símbolos que se coadunam com
certos aspectos formais, - sempre haverá momentos em que relacionaremos os números com
quantidades e relações. Seja quando julgamos se o preço de uma mercadoria é alto, seja
quando entendemos que 2 miliamperes representa uma corrente muito baixa para um
determinado circuito.
Ver o número como um todo é interessante porque o número passa a representar todos
os conjuntos que têm aquele número. 65 é sessenta e cinco representa todas as operações, e
hipóteses de relações entre números que como resultado encontre 65. Sem dúvida a redução
do número em termos posicionais compreendendo o número como seis dezenas e cinco
unidades é muito pouco em comparação à experiência que temos com os números cuja
grandeza é o próprio 65 ou números próximos a este. Assim, a redução que é o segredo para
aplicações da lógica no mundo real não pode ser considerada como a única ou a melhor forma
para julgarmos algo sobre números. Os números significam muito mais que isto, e a
sistematização lógica não podem envolver todo ele, pois para isso, a lógica deveria deixar de
ser lógica como conhecemos.
Mas não podemos negar a importância da lógica em absoluto, pois seu formalismo cria
objetividade ao nosso mundo. O mundo dos conceitos não é produtivo sem os objetos. A
linguagem associada pelo formalismo, que Peano ajudou a construir, a Lógica que Frege
trouxe da filosofia para matemática, as sistematizações de Russell ajudaram não só a construir
novos alicerces para a matemática, mas para toda nossa atual tecnologia. Tal qual Boole que
não tinha a menor idéia da aplicação que sua álgebra iria proporcionar nas camadas físicas dos
nossos processadores. Também Russell, Peano e Frege não tinham com relação à
programação e circuitos calculadores. Vejamos como alguns instrumentos modernos se
relacionam com estes pensadores.
5.5.2 O contador digital
Na eletrônica, encontramos interessantes formas de funcionamento de máquinas
lógicas. Apesar da compreensão de que estas máquinas, na verdade, executam intenções
humanas, elas podem revelar o quanto as teorias podem corresponder a uma possível
170
realidade. O que significa dizer que não representam a natureza desconhecida ou a natureza
em termos gerais, mas a natureza em forma construída, funcional e particular. Seu
comportamento é, pois, antecipado na mente humana, e o limite desta antecipação é a
possibilidade de algo acontecer na experiência.
Os sinais digitais são de dois tipos em Eletrônica Digital, um nível alto e um nível
baixo. O nível alto é comumente considerado como 1 e o nível baixo como 0. O sistema de
numeração destes sinais é formado por dois dígitos, os cardinais 0 e 1.
De duas formas podemos entender estes 0 e 1.
Uma possibilidade é vê-los como símbolos lógicos, cuja principal característica é a
oposição lógica entre os dois. 0 seria então, o não 1. Neste caso, poderíamos chamá-los como
a ou b, ou como quisermos. Pois não representam números, mas variáveis lógicas. A lógica
booleana os utilizaria na sua álgebra em três operações básicas, não, e e ou. 0 é não 1, e é a
operação que tem saída 1 apenas quando as entradas são 1 e ou é a operação que tem saída 1
bastando que uma das entradas seja 1. Todas as outras operações são dependentes destas três
operações. O mesmo caráter formal poderia ser conservado para outras variáveis, sejam a,b;
x,y ou 5V, 0V. Referem-se a menor carga de informação, sim ou não, está ou não está, morto
ou vivo. É chamado bit (binary digit).
Outra possibilidade se apresenta em considerar 0 e 1 como números num sistema
numérico binário. As operações envolvidas são as mesmas para operações aritméticas, como
soma, subtração etc. Assim, temos como o que entendemos como cardinal 3 no sistema
decimal, o número 112. O que podemos entender como três pode ser expresso na teoria dos
conjuntos, como a classe dos conjuntos que contém três objetos, tal qual Russell atribuía de
forma pragmática.
Para números como este, ou seja, que compreendemos intuitivamente como uma
quantidade de objetos é possível utilizar-se deste artifício de Russell sem maiores prejuízos.
Do mesmo modo, o dez dos números do sistema decimal é entendido como 1010 2 ou
como 128 ou mesmo A16. O símbolo não importa, nem mesmo o sistema numérico, aplicando
a compreensão de número como classe de classes para os chamados números indutivos de
Russell o significado de número não se altera. Mas isso não implica, desde já, que podemos
definir número em geral numa aula de sistema numérico, por exemplo, a partir desta definição
de Russell. Para números em específico, poderemos fazê-lo, mas a noção do número em
particular se torna mais difícil na medida em que o número se torna grande. De fato, isto
ocorre em qualquer sistema numérico.
171
Para entendermos como o número é encontrado em termos de aplicação, vamos
explanar sobre os contadores. Os contadores lógicos, como exemplo de máquinas eletrônicas,
são circuitos digitais que variam os seus estados, sob o comando de um clock109, de acordo
com uma seqüência pré-determinada. São utilizados principalmente para contagens diversas,
divisão de freqüência, medição de freqüência e tempo, geração de formas de onda e conversão
de analógico para digital entre outros.
Os contadores podem ser síncronos ou assíncronos na medida em que os clocks
acionam todas as unidades básicas do contador simultaneamente ou na medida em que
acionam apenas a primeira unidade básica. A unidade básica do contador digital é chamada
flip-flop.
O flip-flop é um circuito com dois estados estáveis, designados por estados 0 e 1. O
flip-flop pode conservar, ou armazenar, um bit de informação devido às suas características de
biestável. Se uma entrada o faz assumir o estado 1, esse permanecerá, ou será armazenado,
mesmo que o sinal da entrada seja retirado, até que outra excitação na entrada o conduza ao
estado 0. Analogamente, este estado permanecerá até uma nova excitação. Esta característica,
de reter seu estado, o capacita a operar como dispositivo armazenador ou elemento de
memória. Existem vários tipos de flip-flops, vamos nos concentrar nos chamados flip-flops T.
A excitação destes estados são os chamados clocks. Estes flip-flops possuem apenas
um modo de operação: respondem somente à transição (positiva ou negativa) do clock, isto é,
na passagem do pulso do nível baixo para o alto ou do nível alto para o baixo
respectivamente.
A tabela-verdade a seguir representa o funcionamento do flip-flop T:
Clock
Qn+1
Não Qn+1
↓
Não Qn
Qn
Tabela 5.2 – Tabela-verdade de flip-flop T
Qn e não Qn representam as saídas, sendo Qn, a saída do estado anterior, enquanto Qn+1
a saída posterior ou final. ↓ representa a transição negativa que aciona o flip-flop.
A entrada dos pulsos se faz através da entrada clock do primeiro flip-flop, sendo as
entradas clock dos flip-flops seguintes conectadas às saídas Q dos respectivos antecessores
conforme o circuito na figura abaixo.
109 seqüência de pulso e interrupção distribuída de forma regular e contínua ao longo do tempo, base do
sincronismo de um circuito.
172
Fig. 5.4 – Contador composto por quatro flip-flops em série
Vamos fazer inicialmente com que todos os flip-flops assumam saídas iguais a 0. A
cada descida do pulso de clock (E) o primeiro flip-plop irá mudar de estado, sendo esta troca
aplicada à entrada do segundo flip-flop, fazendo com que estes troquem de estado a cada
descida da saída Q0, e assim sucessivamente.
Considerando Q0, como bit menos significativo (LSB) e Q3 como mais significativo
(MSB), têm, ainda nas saídas, o sistema binário em seqüência (0000 a 1111). Notamos ainda,
que após a 16ª. descida de clock, o contador irá reiniciar a contagem. A figura abaixo
apresenta toda a seqüência obtida graficamente, a partir da variação aplicada à entrada clock
do sistema.
Fig. 5.5 – Disposição dos pulsos em cada saída em função do tempo
Desde que os flip-flops estão ligados em cascata, as larguras de pulso dobram em cada
etapa, o que é claramente visto na tabela abaixo:
173
E
S3
S2 S1 S0
nada 0
0
0
0
1
0
0
0
1
2
0
0
1
0
3
0
0
1
1
4
0
1
0
0
5
0
1
0
1
6
0
1
1
0
7
0
1
1
1
8
1
0
0
0
9
1
0
0
1
10
1
0
1
0
11
1
0
1
1
12
1
1
0
0
13
1
1
0
1
14
1
1
1
0
15
1
1
1
1
16
0
0
0
0
Tabela 5.3 – Saída de cada flip-flop ordinalmente pela seqüência de pulsos.
Analisando os gráficos, notamos que o período de Q0 é o dobro do período do clock,
logo, a seqüência de Q0 será a metade da freqüência do clock, pois f = 1/T. Analisando a saída
Q1, veremos que seu período é o dobro do período de Q0 e um quarto da freqüência do pulso
de clock. Isto se estenderá sucessivamente aos demais flip-flops. Assim sendo, podemos notar
que uma das aplicações dos contadores será dividir a freqüência de sinais aplicados à entrada
clock. No caso deste contador, a divisão será por um número múltiplo de 2N, onde N é o
número de flip-flops utilizados.
Sob o ponto de vista de um contador de pulso, o número de pulsos que ele é capaz de
contar dependerá do número de flip-flops adicionados. O que representa o acréscimo de um
contador é o incremento de uma unidade a potência de dois. Para um limitado número de flipflops a contagem voltará a ser zero e reiniciará a contagem.
Se desejarmos contar quantas vezes se reiniciou a contagem num contador, pode-se
adicionar outro contador para isso. E a contagem deste segundo contador também será
limitada à quantidade de flip-flops utilizados. O contador de contador, na verdade, pode ser
entendido como uma ampliação do primeiro contador. Pois ao serem colocados em seqüência,
forma-se na prática, um único contador. Poderemos proceder a várias combinações de
contadores de contadores, mas para isso só necessitamos escolher as ligações entre os flip174
flops. Uma conseqüência de tudo isso, é que todos os flip-flop’s são ou podem ser
considerados contador de contador.
Das várias características interessantes deste tipo de circuito, uma delas é que ele
representa com grande clareza o axioma da indução de Peano. A cada pulso de clock, temos
um sucessor do número apresentado, 0 é um número, que representa o estado inicial e a
ausência de pulso. Assim, após uma seqüência de 5 pulsos teremos a contagem de 5. E estes
números serão números indutivos da forma russelliana, no entanto que seja para contar um
número finito de pulsos. A finidade, como foi dito, é determinada pelo número de flip-flops.
O entendimento de que a marcação 0101 representa 5 é devido à compreensão lógica
da posição dos algarismos e seus respectivos pesos num sistema numérico. Ou seja, o
algarismo da esquerda possui peso 1, o algarismo a sua esquerda possui peso 2, e na
seqüência 4 e 8. Assim, tomando-se a ordem dos algarismos, podemos dizer que na ordem da
esquerda para direita temos como pesos a base dois seguido das potências iniciadas por, 0,
dando seqüência aos números naturais 1,2,3,... Poderíamos da mesma forma, atribuir pesos
em binários assim, a segunda posição teria peso de 102, a terceira de 1002, e a quarta 10002.
De fato, a forma de apresentar apresenta uma ordem da forma em que é levantada por
Peano, no caso dos números binários, da mudança do estado de cada posição dos algarismos a
cada incremento de mais um, no caso do contador de pulsos, a cada chegada de um pulso. Por
exemplo, se temos o número binário 0100, e somarmos 1, teremos 0101, neste caso, o que
ocorreu foi uma mudança de estado do primeiro algarismo da esquerda para direita (o
algarismo menos significativo), após o incremento de mais uma unidade temos a mudança do
estado do primeiro algarismo e também a mudança do segundo algarismo, em ordem. Os
outros algarismos não se alteram, mas os dois primeiros sim (o primeiro a cada incremento e o
segundo após dois incrementos). Mas a mudança do terceiro algarismo só vai ocorrer a
chegada do quarto incremento. Esta ordem que pode ser verificada pela potência de dois, pode
ser verificada em termos da ordem de chegada de pulsos.
Assim, o terceiro pulso representará duas mudanças de estado do primeiro algarismo e
uma mudança de estado no segundo algarismo. Deste modo, o número 0112 poderá
representar a passagem de três veículos a um detector de presença, o que poderá ser
facilmente conferido aplicando vários trios de veículos. Para testar melhor a aplicação dos
números binários, - como representação de quantidades, - verificaremos outros conjuntos,
como quartetos, quintetos e etc. O número 1 seria uma presença, sem possibilidade de
correlacionar ordem, e o número 0 a ausência. O número 011 2 seria registrado no contador
175
após o terceiro veículo ser detectado, e o conjunto dos objetos detectados podem ser
apreendidos em uma coleção, que poderá ser colocada em relação um-a-um com outros
conjuntos contendo trios.
Uma vez feita a contagem, - o que implica a verificação de uma seqüência numérica
em progressão, - faremos uma indicação do número de elementos de um conjunto através da
indicação do último número ordinal apurado. Já o número de elementos de um conjunto de
objetos é verificado a partir da relação entre outros conjuntos que contém a mesma
quantidade. Assim, de um ponto de vista, a quantidade é obtida da seqüência, de outro ponto
de vista, ela vem da relação com outros conjuntos que participam da mesma classe dos
conjuntos que possuem a mesma quantidade.
O aspecto formal da quantidade retirada da ordem dos algarismos, sob pesos
posicionais, também informam a quantidade. Se uma seqüência qualquer fosse adotada para
representar a contagem, não teríamos propriamente uma seqüência lógica.
Se fosse estabelecido que a contagem inicialmente partisse de 01012 e seu sucessor
11102 e o sucessor deste 00012 não teríamos dificuldades em contar, se antes soubéssemos que
0101 representa nosso 0, e 1110 representa 1 e 0001 representa 2. Mas se desejarmos saber
por exemplo que número é 1001001000112? Como o limite de contagem de um contador
depende do número de flip-flops, e que com um número finito de possibilidade permite adotar
um número para cada combinação. Mas isto seria uma adoção particular. Assim seria
impossível alguém interpretar 1001001000112 com qualquer número. Pois não há uma
seqüência lógica entre um número e outro.
Quando desejarmos que um sistema seja geral, é necessário que esteja baseado na
lógica. Por isso, como o sistema binário é um sistema numérico, faz mais sentido adotar o
procedimento geral de sistema numérico para determinar qual a quantidade que ela pode estar
representando. Por isso, se escolhe logicamente a adoção de sistema de pesos posicionais,
cujas bases referem-se aos sistemas numéricos.
Nesta perspectiva, pode-se verificar que a contagem da axiomática estabelece o
movimento, no sentido de aplicação da mudança como elemento do ato de contar, isto é
necessário para se conseguir diferenciar os objetos numa seqüência, uma identificação não no
sentido definitivo, mas apenas para fins de processo de contagem. Enfim, para contarmos
precisamos apontar. Como o contador faz, compreendendo o ato de apontar como sendo a
detecção de uma transição negativa de um pulso.
Com relação à Teoria dos Conjuntos, vislumbram-se a necessidade de paralisar os
176
objetos, de forma que não individualizada em ordem dos objetos. A paralisia é importante
para se possibilitar a relação com outros conjuntos, pois se não tivermos este controle entre
seus elementos, não poderemos estabelecer uma relação um-a-um. Na Teoria dos Conjuntos
esta verificação é um ato, um processo, que implica o confinamento dos elementos dos
elementos e posterior comparação das coleções.
De fato, isso não ocorre na contagem, pois neste caso, a relação aplicada é entre a
ordem e o conjunto dos números naturais. Mas quem conta não aplica uma relação um-a-um
entre estes conjuntos, para contar é necessário apenas registrar o último elemento da
contagem. Se num determinado tempo for registrado um terceiro veículo que foi detectado e
contado, o número de veículos que passou durante aquele tempo é 3. Saber que houve um
primeiro e um segundo veículo e a sua verificação após a contagem não é necessária, pois é
sabido que se passou um terceiro objeto, isto significa dizer que se detectaram dois outros
objetos anteriormente.
Na idéia de ordem, está implícita a indução matemática. Pois se for alertado que houve
um veículo que foi verificado sua passagem antes do que era atribuído o primeiro, isto implica
que o que era primeiro, passa a ser segundo, o segundo terceiro e o terceiro quarto.
Como não há necessidade de termos o controle sobre a representação de todos os
objetos, - o que não deixa de ser possível, - faz-se necessário apenas que não registramos por
último um terceiro veículo, mas um quarto veículo, o que significa dizer que o número de
veículos não são 3 mas sim 4.
5.5.3 Velocímetro
A velocidade é uma grandeza derivada e é dada por meio de contagem ou relação
(medida). É necessário determinar quantas unidades espaço em uma determinada quantidade
de unidades de tempo que um corpo se moveu.
O velocímetro pode ser digital ou analógico. Fundamenta-se, por um lado, pela
contagem de eventos (digital), ou pela relação entre o número de eventos e intensidade de
uma grandeza física (analógica).
Na forma digital, se estabelece um intervalo de tempo específico para a operação de
contagem. Quando o evento é o acionamento de um sensor por uma ou mais marcas na roda
do veículo quanto mais veloz um veículo, mais voltas as rodas darão, e consequentemente,
mais acionamentos dos sensores serão registrados durante certo tempo, até reiniciar o
177
processo.
Enquanto na forma analógica, as grandezas envolvidas nestes aparelhos necessitam de
eventos ao longo do tempo para indicar uma medida. O número de ocorrências (sejam voltas
das rodas do veículo) cria outras ocorrências como, por exemplo, correntes de Foucault. Se ao
longo do tempo diminuir a quantidade de eventos, da mesma forma, diminuirão as
intensidades desta grandeza. Se não for registrada nenhuma volta das rodas, nenhuma
deflexão será registrada no aparelho, pois não há corrente de Foucault sendo criada para atuar
no ponteiro.
No primeiro caso, se faz uma relação entre a corrente e o número de voltas, verifica-se
uma proporcionalidade. Enquanto no caso do velocímetro digital, há claramente uma
contagem. No primeiro caso, temos uma relação, uma medição. Ambos chegam
aproximadamente aos mesmos valores, dentro de certa precisão; se estiverem bem ajustados.
Porém, um terá um valor de forma analógica. O que significa dizer que é possível e
mais provável o valor intermediário entre duas marcas na deflexão do ponteiro. Ainda que não
saibamos qual o valor, temos uma idéia mais próxima do que intuitivamente acreditamos ser
real.
A informação digital, por meio de contagem, enumera os valores de forma direta,
através de números em display.
De certa maneira, podemos dizer que o analógico está associado mais à medida,
enquanto o digital está mais associado à contagem. Contudo, esta associação não pode ser
entendida como uma exclusividade, porque tanto os sistemas analógicos como os sistemas
digitais possuem aspectos tanto de operações de contagem quanto de medida.
A contagem do tempo indicada por meio de oscilações de badalos ou por meio da
indicação de displays de relógios possuem diferenças comuns entre os meios analógicos e
digitais. Modernamente, o termo contagem está tecnologicamente ligado aos meios digitais.
Mas não podemos pensar a respeito dos meios digitais como formas de quantificar
exclusivamente por contagem. Podemos encontrar a medida de tensão, que se utiliza da
concepção de pesos distribuídos a resistores por meio de detectores de níveis de tensão. Os
pesos de níveis de tensão são direcionados a pesos posicionais, que permitem fornecer um
valor numérico. Neste caso, não temos um exemplo de contagem, mas da utilização de
propriedades ordinais e cardinais por meio de uma configuração formal de números e por
estabelecer uma relação entre conjuntos (quantidade de tensão e quantidade numérica). Temos
um exemplo de medida utilizando-se de relações neste caso.
178
Além disso, a contagem é muito importante no ambiente digital, até porque o
processamento computacional se dá dentro de um sistema sincronizado; para dar ordem às
tarefas no seu devido tempo. A hierarquia de operações da aritmética é muito bem vinda para
a tecnologia digital, e não só isso, o próprio cálculo proposicional é o próprio âmago da
computação.
A contagem é ainda mais interessante quando estamos tratando do tempo. Fenômenos
como os eletromagnéticos, pela qual necessitam de uma compreensão de regularidades
encontradas em oscilações, não podem ser entendidos ou reproduzidos sem a contagem do
tempo. Nos meios analógicos se obtêm a freqüência de uma oscilação por meio de uma
amostra regular da oscilação, que é mostrada num osciloscópio por meio de uma imagem
paralisada da oscilação. E a partir daí, podemos calculá-la por meio da contagem de
marcações e unidades escolhidas na escala do instrumento. A contagem aqui é de ciclos num
segundo, em forma de marcas de tempo de um ciclo. Desta forma, relacionamos as marcas de
tempo com a freqüência. Por outro lado, nos meios digitais se contam os números de ciclos
em determinado tempo. No osciloscópio a precisão dependerá da escala e da disposição das
marcas, enquanto o freqüencímetro digital terá sua precisão levantada pela detecção de fase
da onda. O primeiro depende da capacidade do sujeito mensurador distinguir em qual marca
está o início e o fim de um ciclo. Enquanto o segundo depende do equipamento detectar fases
de um ciclo (em unidade de ângulo). O equipamento analógico (osciloscópio) permite
verificar outras qualidades da onda, como a sua forma e amplitude. Enquanto o
freqüencímetro apenas fornece o número referente à sua freqüência em seu display, ou
número de pulsos (para esta função este equipamento é particularmente chamado de contador
de pulsos).
O osciloscópio mostra valores relacionados à tensão ao longo do tempo através de um
tubo de raios catódicos, um instrumento claramente funcional, pelo qual mostra regularidades
ao longo do tempo, envolvendo estas duas grandezas. O freqüencímetro é mais prático, não
exige uma intervenção com o equipamento mais profunda, entretanto, apenas nos fornece um
valor numérico. É interessante notar que estes dois equipamentos, que foram contemporâneos
entre si, foram associados no mesmo equipamento. Assim são os osciloscópios modernos, ele
tanto conta os ciclos como também fornece a forma da onda. Ele tanto fornece a tensão
numericamente em qualquer ponto da onda, como permite que contassem as marcas referentes
a uma dada escala. O analógico não foi substituído pelo digital, mas co-habitam, um como
complemento do outro. Mesmo se tratando em sinais digitais, como os pulsos quadrados, é
179
necessária a verificação de certas características como a rampa de subida e descida da tensão
de uma onda quadrada, ruído, etc. Estas características são visualizadas pela interface
analógica. Pois revelam o contínuo através da forma da onda, e ao mesmo tempo, nos
apresenta um número comensurável para ser aplicado.
A discussão sobre números também envolve o caráter analógico e digital. Tanto o
mundo, os instrumentos, o pensamento, podem ser pensados, com razoável produtividade, de
acordo com estes aspectos. Mas em termos cognitivos e intuitivos, não há concorrência, mas
sim, complementaridade. Juntos, permitem objetividade e ao mesmo tempo uma relação
cognitiva com a noção intuitiva de que a natureza é contínua e incomensurável.
Diagrama em blocos simplificado do velocímetro digital didático
Fig. 5.6 -Diagrama esquemático do funcionamento de um velocímetro digital
Precisamos calcular quantas voltas da roda teremos em 1km. O comprimento da
circunferência da roda é dado pela fórmula C = 2πR. Sendo R o raio da roda.
Usando regra de três simples chegamos ao total de voltas da roda para rodar 1km
C →1
1km → V
Isto é, se o comprimento da circunferência é equivalente a uma volta, em 1km teremos
X voltas.
V = 1000/C
Onde:
V = número de voltas dadas pela roda a cada km
180
C = Comprimento da circunferência da roda
Para maior precisão, faremos com que a cada volta não gere apenas um pulso de clock,
mas vários, para assim termos uma precisão melhor.
A quantidade de pulsos gerados por quilômetros será:
P = (V x número de Pulsos por volta)
Fazendo o cálculo de 1km/h usando novamente a regra de três:
3600 → P
Bt → 1
Se em uma hora teremos o número P de pulsos, no tempo Bt teremos 1 pulso. Este
deverá ser mostrado no display quando estivermos medindo a velocidade de 1km/h
Bt = 3600/P
Donde:
Bt = base de tempo para mostrarmos no display o equivalente à velocidade
desenvolvida.
P = Quantidade de pulsos em 1 Km.
A Base de tempo (Bt) será o intervalo de tempo que o contador estará habilitado para
desta maneira mostrar no display o valor equivalente à velocidade desenvolvida em km/h.
Comentário:
A Axiomática moderna é muitas vezes colocada como formal. Ainda que Peano não
seja considerado particularmente um formalista, contribuiu bastante para trazer, para a
matemática, proposições que só eram possíveis para a lógica.
Os números apresentados através de seus axiomas são obtidos por meio de contagem e
não são definíveis, mas possuem propriedades que permitem uma ordenação.
Na Teoria dos Conjuntos, a obtenção dos números pode ser interpretada enquanto
quantidade como relação entre grandezas e unidades, da forma: x=my. De forma que podemos
encontrar as relações um-um entre conjuntos. De fato, podemos encontrar nos princípios
teóricos de funcionamento de um velocímetro este tipo de relação.
3600 → P
Bt → 1
e
C → 1
1km → V
Tendo em vista a relação que Russell verificou nas frações x/y=m/n pode-se encontrar
181
na fração m/1 a relação x=my. Assim, temos as seguintes relações na forma de regra de três,
quando pode ser interpretado como Bt = 3600/P e V=1km/C.
V = 1km/C, refere-se a quantidade de voltas da roda em um 1 km, cada volta tem uma
quantidade de pulsos determinada. Assim, 1km pode ser expresso por em quantidade de
pulsos. Temos as intensões quantidade de pulsos em unidade de km.
Por meio da relação volta da roda e quantidade de pulsos, pode-se pensar que de um
pulso para outro existe um intervalo, e uma determinada quantidade multiplicada pelo
espaçamento entre dois pulsos irá ser um número igual, ou seja, possuem iguais extensões por
definição. Pois quero antecipadamente que este número de pulsos se refira a 1 km.
Qual o tempo de cada pulso na velocidade de 1km/h? Por isso, se divide 3600s/P.
Assim, se neste tempo receber 1 pulso, teremos esta velocidade. Se neste mesmo tempo
contarmos dois pulsos, teremos 2 km/h, e assim sucessivamente. Daí, duas intensões como
velocidade em km/h e número de pulsos contados possuem uma mesma extensão, nos termos
de Frege. E a contagem segue um formalismo lógico próprio dos sistemas digitais.
Segundo Russell: “O ato de contar consiste em estabelecer uma correlação um-um
entre o conjunto dos objetos contados e os números naturais (excluído o zero) que são usados
no processo.” RUSSELL (2007, p. 34). Os números são classe de classes. Dois pulsos está em
relação com 2km/h. Mas o dois foi obtido por meio de contagem, do número 1 com seu
sucessor, por meio do incremento do número 1. Outros números serão obtidos por meio deste
artifício, seguindo o quinto axioma de Peano, os outros números podem ser entendidos
indutivamente.
Para visualizar este aumento consecutivo de velocidade deve-se acelerar lentamente.
Pois esta forma de aquisição dos números não garante que os números serão mostrados no
display de forma progressiva. De fato, é possível que se mostre 3km/h e, logo após, 10km/h.
Sem mostrar os números intermediários. Isto pode ocorrer se a precisão do medidor não for
suficiente para perceber mudanças em menor tempo. Assim, a precisão está na quantidade de
pulsos por volta. Para se ter uma precisão melhor, basta aumentar esta quantidade e a base de
tempo. Será efetuada a contagem num tempo menor e terá mais pulsos por volta.
Poderemos, então, acompanhar a seqüência dos números através do aumento
progressivo da velocidade, que por sinal, é mostrado por contagem de pulsos.
E se considerarmos que a seqüência lógica de um contador de pulsos (por meio de
pesos posicionais) representa uma aplicação que os números naturais podem ser
caracterizados tal qual Peano apresentou, a seqüência apresentada será um bom exemplo para
182
entendimento do número enquanto relação ordinal.
Contudo, se olhamos pelo prisma das relações envolvidas entre as grandezas, tal qual
pode ser bem representadas por Russell, veremos que os números possuem ainda um
significado particular.
Em termo de velocidade, quando vemos uma placa de trânsito indicando que a
velocidade máxima é de 50km/h e estamos a uma velocidade de 55km/h isto significa que
devemos diminuir. E se estamos a 100km/h devemos nos corrigir com maior presteza. Se
alguém está dirigindo a uma velocidade de 36km/h poderá lembrar que se encontra numa
velocidade aproximada do recorde dos 100m rasos. Se alguém nos fala que alcançou 190km/h
numa estrada, nos admiramos, porque temos idéia do que isto significa.
De fato, comparamos o número com outros números dentro de uma grandeza, e isto é
grandemente auxiliado pela intuição. Mas não podemos esquecer que as relações não são
dependentes exclusivos desta, as relações devem possuir uma ordem que crie aplicações
gerais e devem fazer sentido. A lógica age como um importante aderente entre coisas e ainda
mais quando tratamos de grandezas físicas. A Teoria dos Conjuntos é uma forma muito
importante de ver esta lógica que formaliza as relações. É notório como estas relações são
essenciais para o desenvolvimento de aplicações como medidas. No exemplo do velocímetro
esta relação é um-um, o que significa que é possível identificar o sentido destas relações,
como a relação número de pulsos → quantidade de velocidade.
Relações um-um dão uma correlação de duas classes, termo por termo, de tal modo que
cada termo em cada uma das classes tem seu correlato na outra. [...] Dizemos que uma
relação e seu inverso têm “sentidos” opostos; assim o “sentido” de uma relação que vai
de x para y é o inverso daquele da relação correspondente de y para x. O fato de uma
relação ter um “sentido” é fundamental, e é parte da razão porque a ordem pode ser
gerada por relações adequadas. Convém observar que a classe de todos os referentes
possíveis para uma dada relação é seu domínio, e a classe de todos os referidos
possíveis é seu domínio inverso. RUSSELL (2007, p.69)
Assim, na constituição do velocímetro encontramos as seguintes relações numéricas
envolvidas nas relações um-um entre grandezas: volta da roda e a circunferência da roda,
deslocamento de 1km e voltas da roda, voltas da roda e quantidade de pulsos gerados, 1 hora e
3600 segundos, número de pulsos numa base de tempo e velocidade.
A velocidade que é normalmente entendida como deslocamento no tempo, passa a ser
entendida como número de pulsos em um intervalo de tempo calculado para que cada pulso,
naquele intervalo de tempo, represente 1km no tempo de uma hora. Aqui a medida da
grandeza, qualquer que seja a forma, só é possível quando elegemos a unidade adotada. Isto
fica claro na fórmula A=Bx, sabendo que B é a unidade. Para a velocidade então, a unidade
183
escolhida foi 1km/h.
Ainda que usemos outras grandezas, como número de pulsos, tempo em segundos,
comprimento em metros, etc. notamos que apesar deste velocímetro indicar apenas valores
discretos, na verdade, os valores fazem parte do contínuo e do incomensurável. Os números
naturais são os números possíveis para os instrumentos de medida. Não é necessário
considerar a irracionalidade do valor da circunferência da roda, nem mesmo que em
terminada base de tempo obtivemos 33 pulsos e um pequeno deslocamento em direção ao
dispositivo de disparo de um novo pulso, por exemplo.
Este pequeno deslocamento não será computado, o display só mostrará 33km/s, mas
isto não garante ao motorista do veículo se, de fato, ele está a exatos 33km/h. Ele sabe que
para estar àquela velocidade necessariamente esteve a 32km/h, e que se acelerar mais um
pouco poderá ter a marcação de 34km/h. E se acelerar mais e mais, outros números irão sendo
incrementados com diferenças de uma unidade, em outras palavras, perceberá ordem.
Sabe-se que a velocidade é uma relação um-um envolvendo deslocamento e tempo
para este deslocamento. O número encontrado é uma representação de uma quantidade que
pode ser comparada numericamente com outras quantidades de outras grandezas, pois
relações podem ser vistas como quantidades.
Alguém pode não saber que a velocidade é estimada pelo número de pulsos gerados
por um sensor na roda. Mas saberá que a 33km/h ele percorrerá 33km em uma hora, e que é a
mesma distância do seu trabalho à sua casa. Que consumirá 3 litros de gasolina ou que estes
33km são equivalente a R$ 7,50 em consumo, do mesmo modo saberá com pouco mais de
perspicácia que a 66km/h levará a metade do tempo para chegar em casa.
Os números, em termos de aplicação, podem ser vistos de diversas formas, não
concorrentes entre si, mas complementares. Na aplicação, os conceitos intensionais de
número, como 33 é número de uma quantidade, que é sucessor de 32 e antecessor de 34 se
complementam com a noção de 33 como resultado da relação de deslocamento em quilômetro
em um tempo de 1 hora. Ou como significando 33 pulsos em uma base de tempo. Esta forma
extensional prevê que enquanto cardinal posso compará-lo com outros conjuntos com 33
unidades de elementos. Considerando que 33km/s é 33 vezes 1km/s, e que o cardinal 33
também é 33 vezes o valor de 1, então podemos fazer uma relação entre conjuntos e afirmar
que o conceito de 33 é a classe das classes que possuem 33 elementos.
Ora entendemos da sua forma extensional ora na sua forma intensional, pois o número
é um conceito. No entanto, não conseguimos extinguir qualquer dos termos em proveito do
184
outro. Para vermos o outro lado da moeda temos que virá-la, perdendo a visão do lado
anteriormente visualizado.
Contudo, isto não significa dizer que enquanto estamos vendo um lado, esquecemos
que o outro existe. Nenhum lado é suficiente para definir, nem são simultâneos.
É possível fazer, inclusive, analogia entre o fato de que numa moeda termos que girála para encontrar o outro lado. De fato, são como Otte declarou: o ponto de vista intensional e
extensional de um conceito possuem circularidade entre si.
5.5.4 Esteira industrial
A contagem se relaciona com a mudança do número em uma seqüência. E a
verificação do número pelas suas características de classe de conjuntos recomenda a
comparação com outros conjuntos. Um outro exemplo pode ser aplicado com a compreensão
de uma esteira contendo produtos industriais. Imaginemos que diante desta esteira possuem
caixas onde serão depositados estes produtos e, estas deverão ser deslocadas após estarem
cheias.
Pode-se controlar este processo aplicando duas maneiras diferentes: a primeira referese a contagem de produtos suficientes para preenchimento de cada caixa, para quando
alcançar a quantidade suficiente recomeçar a contagem para preenchimento de outra caixa.
Outra maneira, seria a possibilidade de se estabelecer que, ao preencher o último
volume da caixa, passasse o processo de preenchimento para a caixa posterior. Neste caso,
não precisaria saber nada sobre a quantidade de produtos necessários, só seria necessário um
dispositivo que detectasse que a caixa já se encontrava cheia.
Para fazer tal intento, logicamente foi necessário que se projetasse quantos produtos
deveriam conter em cada caixa, assim, se dimensionou a caixa fazendo a relação do volume
individual dos produtos com o número de produtos em cada caixa. O número de produtos se
relaciona então na proporção de um para um com o volume de cada um deles. E quando não
restava mais nenhum volume suficiente para mais um produto, se finalizava o processo, pois
se o conjunto dos espaços vagos era vazio o número de produtos também seria vazio.
Este exemplo coloca um detalhe interessante: os conjuntos número de produtos
necessários e quantidade de volumes necessários para cada produto mudam a cada produto
depositado na caixa, porém, não muda a relação entre eles.
Se adotarmos A como o número de produtos, B a capacidade de produtos em cada
185
caixa e x a quantidade de caixas, a relação tal que A=Bx é verdadeira. Assim, é possível medir
a quantidade de produtos. A é a medida, B é a unidade, e x a variação da unidade.
Outra maneira é: sabendo-se que se a caixa possui um volume específico e cada
produto possui um volume determinado, o número de produtos em cada caixa é um número
constante, por isso, podemos considerar a caixa e suas capacidades como unidade. Assim, se
quisermos saber quantos produtos estão contidos numa caixa, precisamos anteriormente saber
se a caixa está completa ou não.
A unidade permite medir grandezas utilizando-se de um valor padrão, referente. Se ela
estiver completa, basta saber a capacidade da caixa e saberemos o número de produtos
contidos na caixa. Esta relação é de um para um, ou seja, número de produtos que a caixa é
capaz de admitir para número de produtos contidos na caixa.
Para o primeiro caso, de interesse da axiomática, temos uma contagem e a segunda um
exemplo de medida mais classicamente utilizado na Física, mas torna a axiomática algo
desnecessária, ao contrário, uma forma de estabelecer quantidades na Física é testada com a
outra forma. Ou seja, a sua validade em termos de verdade só é adquirida a partir da aplicação
da contagem e da medida como elementos que dão suporte um ao outro. Afinal de contas, a
aplicação necessita da confirmação para indicar relação de verdade.
A contagem é uma atividade dependente da ordenação. Já a medida é feita por meio de
relações entre conjuntos. Aqui o aspecto da similaridade apresentada por Russell é
particularmente importante. De fato, a similaridade que permite a relação entre classes ou
conjuntos, se dá pelo aspecto formal. Este exemplo busca justamente mostrar como relação de
classes determina quantidades. Neste caso, o número de produtos de uma caixa poderá ser
facilmente determinado apenas verificando se a caixa está cheia, sabendo-se previamente a
capacidade da caixa para comportar produtos.
O aspecto do número cardinal, portanto, é formal, e desta maneira, é definido por algo
comum entre duas classes. A imagem de uma caixa, em que está escrito que possui 50
unidades de um produto, e vendo-se que ela está completa destes produtos, é formal por
natureza. Pois se define 50 como aquilo que multiplico a uma unidade de produto para
preencher uma determinada caixa construída para comportar este volume de produtos. Aqui a
ordem dos produtos não importa, mas sim a forma com que se organizam os produtos para
preencher a caixa devidamente.
Do mesmo modo, para medir a força elétrica, utilizo de um intervalo de valores
possíveis, e sua fração indicará o valor numérico desta força. Neste exemplo, o intervalo
186
possível de valores mensuráveis da força elétrica representa a caixa, e a unidade aplicada é
cada produto. Assim, é possível determinar o valor desta grandeza pelo que falta preencher a
caixa, pela proporção de produtos na caixa com relação à quantidade máxima da caixa, ou
através de contagem.
Neste exemplo, demonstra-se que, de fato, as duas formas de ver os números não são
excludentes. Por um lado, podemos entender os números como ordenações, por outro, como
classe de classes. Isso talvez implique em dizer que a concepção de número seja
complementar e não algo reduzido apenas a uma teoria como, por exemplo, a Axiomática e a
Teoria dos Conjuntos.
187
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação dos números permite muitos estudos. Este trabalho dá a impressão clara
do que faltou falar. Muito. De fato, mesmo tentando aprofundar nos temas, no final, o trabalho
ainda parece muito superficial. A medição e a contagem como formas operacionais de adquirir
os números são indubitavelmente um campo muito fértil.
Porém, não houve ingenuidade da nossa parte quanto aos resultados, eles não
passariam de um estudo preliminar. Não seria prudente assumir a tarefa de fornecer
considerações definitivas de assuntos como a medida e os números. Contudo, a aplicação
deles é importantíssima.
Termos muito utilizados neste trabalho são a intensão e a extensão. São componentes
do processo cognitivo da construção de conceitos com seus objetos. Eles isoladamente não
possuem qualquer significado além de uma segmentação. Mas, se entendemos que são
complementares, ou seja, a intensão (conceito) e a extensão (objeto do conceito) se
relacionam entre si de forma circular na formação cognitiva humana encontraremos mais
clareza e transparência nas explicações. Isolados, fornecem um lado da moeda, mas juntos
fornecem um conhecimento mais profundo e próximo do que chamamos muitas vezes de
realidade.
Nesta pesquisa, adiciona-se uma interpretação da Complementaridade de Michael Otte
com relação aos números. O nosso caro mencionado autor pode ter sido muitas vezes
injustiçado com a falta de horizontes mais profícuos ou eventuais equívocos deste estudo, mas
acredito que, mesmo assim, algo importante foi disponibilizado para aprofundar um debate
como o tema merece.
Para a análise de conceitos como os números, a Axiomática não é um método de
ensino; é uma forma de sistematizar o conhecimento de maneira clara. Pois até mesmo termos
não definidos são postos explicitamente como termos primitivos, e as relações entre termos
são feitas com base numa linguagem lógica através de símbolos. A axiomática como esforço
cognitivo para entender a estrutura formal das teorias se não eleva o conhecimento de um
assunto, pelo menos, estende o campo de visão da aplicação e limites destas teorias.
Os números podem ou não ser definidos? Sua definição é feita preferencialmente por
abstração ou por dedução? A natureza da melhor definição de número é feita por extensão ou
por intensão? Os números são conceitos ou são objetos? Ou existem alternativas
complementares a esta discussão quanto a conceitos como os números? E se os números são
188
ao mesmo tempo conceitos e objetos? Certamente não deve haver uma resposta concludente e
simples a estas interrogações. Pois há muitas particularidades e dependência de muitas
análises para um julgamento mais adequado. Assim, a complementaridade parece ser ainda
útil quando se esmiúça processos envolvendo conceitos de objetos e objetos em problemas
diversos. A complementaridade aqui é entendida como uma forma de análise das relações
envolvidas em relações, formas próprias dos conceitos. Não é um método, tal qual a
axiomática, mas pode capacitar uma compreensão mais ampla quanto ao que constitui as
relações e conceitos.
Quanto à medição e contagem, muitos fundamentos podem ser encontrados na
Axiomática de Peano e na Teoria dos Conjuntos de Russell. A contagem registra com a forma
intensional de Peano e a medição é mais bem explicada pela forma extensional de Russell.
Muitos aspectos são mistos ou complementares em termos de aplicação.
Afinal, os números como aplicação não encontram forma direta de cognição. A forma
oblíqua, através de mediações, é uma característica própria de operações tais como medições
e contagens. Assim, aspectos extensionais e intensionais são dispostos, e cada um deles
isolados, muitas vezes não explicam, nem fundamentam de forma satisfatória. Este trabalho
tentou mostrar a importância e a necessidade de maior aprofundamento de como adquirir mais
clareza sobre um conceito tão importante como o número e a medição, neste caso, a
complementaridade e a axiomática ajudam dentro das suas respectivas esferas de alcance.
189
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Último acesso em dezembro de 2008.
195
ANEXO
Texto transcrito de vídeo
Título: Eter luminoso ("Optics"), Direção: Peter F. Buffa (produtor),Série: Universo Mecânico
Tombo: 122
Assunto: Física
Descrição: Aborda a hipótese da existência do Éter, através do experimento de Michelson, na área
da Teoria da Relatividade.
Série criada pelo Prof. Dr. David L. Goodstein, com a colaboração do California Intitute of
Tecnology, Cambridge University, Memorial Library, Griffith Observatory e Nasa.
EUA, 30 minutos, colorido, narrado em português.
VIDEOTECA da UNESP -Catálogo Geral . Atualizado até março de 2008
Ilustrações retiradas deste programa educativo.
Transformação de Lorentz
Na transformação de Lorentz, existe acima de tudo a velocidade da luz. A
velocidade que surgiu das equações de Maxwell. A velocidade de 300.000Km/s medida
por Michelson com notável precisão. A velocidade que é essencial para a Física
Moderna e vital para a compreensão do Universo assim como ele realmente é.
No fim do Século XIX, quando Lorentz deduziu suas equações de transformação
envolvendo velocidade, a experiência humana mais comovente foi promovida pelos
trilhos. O automóvel, que deveria suplantar o trem, ainda não estava em marcha, e as
viagens aéreas mal tinham começado. Grandes ou pequenos, sofisticados ou uma
simples brincadeira de criança, os trens eram a própria imagem da velocidade. E, de
fato, a única coisa na Terra que transportava as pessoas mais rapidamente era a própria
Terra. Orbitando em torno do Sol a uma velocidade de 108.000Km.h, os habitantes do
planeta talvez não tenham consciência dessa velocidade, mas ela existe. E para os
físicos na virada do século, essa velocidade era relativa ao éter.
Desde o tempo de Aristóteles esta substância era da qual era feito o próprio céu,
Este conceito permaneceu como uma mera especulação. Até que dois americanos
decidiram provar, uma vez por todas, se o que se chamava éter luminoso existia, de fato.
Seus nomes eram Albert Michelson e Eduard Morley.
O objetivo deles foi detectar o movimento através do éter, medindo seus efeitos
sobre a velocidade da luz. Em tentativas sucessivas utilizando os aparelhos mais
sensíveis até em tão construídos, descobriram justamente o que não estavam
procurando.
i
Ilustração 1: Interferômetro de Michelson e Morley
O interferômetro demonstrou que independente do movimento do observador, a
velocidade da luz é a mesma. Para Michelson e Morley isto foi má notícia. A notícia
correu com a mesma rapidez do navio que a levou até a Irlanda. Ali o físico V. F.
Fritzgerard, um velho defensor da teoria eletromagnética da luz, examinou os
resultados, de certa forma desapontadores, de Michelson e Morley.
A explicação de Fritzgerald foi a de que o seu movimento através do éter um
braço do interferômetro sofria a contração de uma fração de seu comprimento.
Exatamente o necessário para permitir que os dois feixes de luz chegassem
simultaneamente. Imediatamente, a maioria dos cientistas ridicularizou a idéia.
Mas quando Harry Lorentz chegou a mesma conclusão, ninguém deu risada. Ele
não era apenas o especialista mundial da teoria eletromagnética de Maxwell, mas
forneceu explicação tangível para o fenômeno da contração. Ele achava que isto deveria
ser uma propriedade do elétron, cuja existência fora confirmada por J. Thomson e seus
colegas na Inglaterra.
Tudo indicava que nos elétrons havia sido encontradas as partes internas dos
átomos, os componentes básicos da matéria. Mas eles não haviam descoberto tudo o que
Ilustração 2: Lorentz
ii
os elétrons fazem. Uma possibilidade, acreditava Lorentz, era que o elétron se
contraísse na direção do movimento. Se isso fosse verdade, uma vez que tudo é
composto por elétrons, um interferômetro se contrairia na direção do movimento, assim
como uma régua ou uma locomotiva. Embora a contração do comprimento estivesse
sido demonstrada pela experiência de Michelson e Morley, Lorentz sabia que precisava
de mais alguma coisa para explicar todas as experiências que não conseguiram detectar
o movimento através do éter.
Como ele acreditava no éter ainda, e no fato que a
Terra se movia através dele, achou que o elétron seria de alguma forma responsável por
esta característica fantástica da luz. Independentemente da velocidade que eles mesmos
se movimentaram, todos os observadores registraram a mesma velocidade da luz.
Certamente outras velocidades, a velocidade de um trem em movimento, por exemplo,
não são as mesmas para diferentes observadores. Para um observador numa plataforma
um trem está passando a grande velocidade. Mas para quem está no trem a velocidade
do trem parece zero, e o chão lá fora é que parece estar se movendo.
Portanto, como Galileu estava bem consciente no renascimento, a velocidade de
um objeto, depende da velocidade do observador. Mas Lorentz dizia que as percepções
das ondas de luz seriam radicalmente diferentes. Sugeria que mesmo alguém viajando a
uma velocidade próxima da velocidade da luz, ainda assim observaria a luz se
movimentando a uma velocidade de 300000km/s. Como isto podia acontecer?
Considerando dois observadores em movimento relativo. Neste caso, A e B.
No lugar e no instante exato em que passam um pelo outro, ambos observam um
Ilustração 3: observadores A (Albert) e B
(Lorentz)
lampejo de luz, uma esfera de luz se observa a partir daquele ponto.
iii
Ilustração 4: um feixe de luz é emitido quando
estão alinhados e eqüidistantes da fonte
Como cada um mede a velocidade da luz em relação a própria pessoa, cada um
acredita com razão, que está sempre no centro desta esfera em expansão, mesmo que se
distanciem cada vez mais um do outro. Como podem duas pessoas em diferentes lugares
estarem no centro da mesma esfera?
Para confirmar esta percepção, cada um instala detectores igualmente separados.
No entanto, enquanto os detectores de A, registram a chegada simultânea da luz, ele
acredita que chega aos detectores de B em dois momentos diferentes.
Ilustração 5: espalhamento da luz
segundo o observador A, seus sensores
alertam simultaneamente, mas vê os
sensores de B, em movimento alertando
em seqüência
iv
Enquanto isso, B vê a mesma coisa ao contrário.
Ilustração 6: espalhamento da luz segundo o
observador B
Concordam em relação a velocidade da luz, mas discordam sobre se a ocorrência
destes eventos seriam sidos simultânea ou se ela teve lugar em diferentes momentos. Não
se trata de semântica, nem de uma discussão sem importância. Significa que o tempo,
assim como a distância, é afetado pelo movimento. Mas apesar da profundidade da
questão, o matemático francês Harry Poincaré levantou objeções acerca da natureza
limitada das explicações de Lorentz.
Ilustração 7: Poincaré
O que era necessário, disse ele, era uma nova lei fundamental da Física, o
princípio da relatividade, de acordo com o qual as leis dos fenômenos físicos devem ser
as mesmas tanto para um observador fixo quanto para um observador animado de um
v
movimento uniforme de translação. Em outras palavras, como sugere Galileu, um
estado de movimento uniforme, é tão bom quanto qualquer outro. Afinal, esta idéia
constituiu a base do raciocínio de Galileu, e da Lei da Inércia, quase 300 anos antes.
Mas o que Poincaré estava sugerindo, era que a idéia da relatividade de Galileu,
deveria ser generalizada para reunir todos os fenômenos físicos, inclusive a luz. Por
exemplo, um observador não podia determinar se ele próprio estava em movimento
medindo a velocidade da luz, uma vez que esta velocidade é a mesma para todo
qualquer observador. Isto significa que era preciso mudar velhas noções sobre o tempo e
espaço. Embora o próprio Poincaré não tenha examinado as conseqüências, Lorentz
desenvolveu as equações necessárias para mostrar até que ponto, réguas deveriam que
se contrair e os relógios se atrasar quando estivessem em movimento.
A essência de seu raciocínio pode ser observada por meio do mais simples dos
relógios, dois espelhos colocados a uma determinada distância um do outro, como um
feixe de luz oscilando entre eles. Cada oscilação do feixe corresponde a um tic ou um
tac do relógio.
Ilustração 8: relógio de luz
Para o observador B, seu relógio está em repouso, e é um relógio comum, mas
para o observador A, este relógio está se movendo, e entre uma batida e outra, ele
observa o feixe de luz traçar uma trajetória diagonal.
Ilustração 9: relógio de luz do
ponto de vista do observador A
Ilustração 10: relógio de luz do ponto
de vista do observador B
vi
O que significa que ele está percorrendo uma distância maior. Assim, A acredita
que o relógio em movimento está se movendo mais devagar, mas quanto mais devagar?
Ilustração 11: aplicando o teorema
de Pitágoras com ambos
observadores
Ilustração 12: deslocamento da luz do
ponto de vista do observador A/do
ponto de vista do observador B
A relatividade do tempo é obtida do triângulo retângulo formada pelas distâncias
percorridas.
O Teorema de Pitágoras demonstra que a trajetória da luz em movimento é maior
que a distância entre os espelhos pelo fator
este fator ocorre com tanta freqüência em Relatividade, possui o seu símbolo próprio
com a letra grega γ.
Assim, para um observador parado, um relógio em movimento parece andar
vii
muito devagar por um fator γ. Uma régua ou outro objeto parecem se contrair pelo
mesmo fator.
Ilustração 13: para o observador
A a régua de B é menor do que
1m
O que recebe o nome de fator de Fritzgerald. É mais conhecida como contração
de Lorentz. Para velocidades muito menores que a velocidade da luz, γ não é muito
grande. Por exemplo, a Terra em seu movimento em torno do Sol, devido a esta
velocidade, é reduzida em seu tamanho a uma grandeza que corresponde a espessura de
uma folha de capim.
Quanto às velocidades na Terra, Lorentz ocupado desenvolvendo a sua teoria
quando a locomotiva a vapor estava superando a barreira dos 160 Km/h, A esta
velocidade, todo o trem tem sua velocidade reduzida de um átomo da tinta que cobre o
seu motor.
E o próprio Lorentz não andou devagar. Ele era o grande físico internacional,
jovens físicos de todo mundo assistiam às suas palestras na Holanda, onde ele era
professor a um quarto de século. Entre os que estiveram na sua Universidade, estava
Albert Einstein. Através dos anos, Lorentz teve uma enorme influência profissional e
pessoal sobre Einstein. Pouco antes de sua morte, Einstein disse: admirei e amei Lorentz
talvez mais que qualquer outra pessoa que eu tenha conhecido.
Mas foi o trabalho de Lorentz, como físico teórico que ultrapassou o privilegiado
círculo dos seus amigos e se propagou livremente através do tempo e do espaço.
Sabendo que estava no caminho certo, Lorentz investigou as conseqüências até onde foi
possível. Seus objetos em movimento parecem menores e seu tempo mais devagar como
podem duas pessoas se movimentando uma em relação à outra, concordar sobre a
viii
descrição consistente de onde e quando algum evento ocorreu. Para responder a esta
questão, é preciso de uma série de equações em substituição às velhas transformações
de Galileu. Estas equações não foram difíceis de serem encontradas, mas algumas de
suas implicações foram difíceis de acreditar.
Na relatividade de Galileu, a posição de um ponto x' num sistema de referência
móvel está relacionada a sua coordenada x no sistema fixo através da equação x' = x -
Ilustração 14: relatividade de Galileu
vt, Lorentz descobriu que para a nova relatividade, isso deveria ser multiplicado pelo
fator γ.
Ilustração 15: relatividade de Lorentz
Essa equação ao longo do movimento em direções perpendiculares ao
movimento as distâncias são as mesmas em ambos os sistemas de referência. Quanto ao
tempo, embora os relógios possam ser sincronizados em relação a qualquer sistema de
referência, a hora que eles mostram depende de onde eles estiverem. O tempo no
sistema de referência, t
Juntas, estas equações são as transformações de Lorentz, elas expressam a
ix
essência matemática da Teoria da Relatividade Espacial. As transformações de Lorentz
atrasam os relógios e contraem as distâncias independentemente do sistema de
referência de quem está se movimentando. Um observador de um sistema em
movimento pensa que está parado e que outro sistema é que está se movendo. Mas estas
equações fazem muito mais que apenas isso. Elas, na verdade, unem tempo e espaço.
Quando ocorre um evento, ele não tem significado se não se diz onde ele ocorreu.
1904, Holanda, Lorentz publica sua versão definitiva do elétron. Ela contém as
equações essenciais da Teoria da Relatividade, Mas não se sabia nada sobre Albert
Einstein o que moveu alguns a dizerem que a História lhe deveu mais crédito que ele
merecia.
Em 1905, na Suíça, Einstein, um jovem estudante de Física, que ganhava a vida
como funcionário de um departamento de patentes, mostra-se preocupado com as
aparentes inconsistências da Física. Será que é possível tornar consistentes a inércia e
as leis da mecânica com as teorias da óptica e do eletromagnetismo de Maxwell?
Einstein achava que sim. Mesmo que isto significasse não só o éter, mas os significados
tradicionais de tempo e espaço.
Einstein formula dois postulados fundamentais, o primeiro é o princípio de
relatividade de Poincaré: as leis da Física são as mesmas em todos os sistemas
inerciais. Seu segundo postulado, afirma que a velocidade da luz é a mesma para todo e
qualquer observador. Einstein simplesmente se apropria do fenômeno que Lorentz
vinha tentando explicar. Nestes dois únicos postulados, Einstein deduz exatamente as
mesmas equações antes descobertas por Lorentz, só que agora, elas possuem um
significado muito diferente. Os conceitos de espaço e tempo são interligados.
A essência da idéia pode ser entendida observando o tempo como sendo uma
outra dimensão. O observador A, parado no espaço flui através do tempo, de maneira
que uma linha vertical representa um ponto fixo x=0 em seu sistema de referências, em
Ilustração 16:
coluna de um
ponto parado,
seguindo a linha
do tempo, vertical
x
diferentes instantes,
enquanto que uma secção transversal horizontal representa momentos simultâneos em
lugares diferentes.
Ilustração 17: linha de mesmo tempo (de eventos simultâneos em
diferentes lugares)
Por outro lado, alguém em movimento, traça um movimento oblíquo.
Ilustração 20: gráfico de um corpo
em movimento, perspectiva 2
Ilustração 19: gráfico de um
corpo em movimento,
perspectiva 1
Ilustração 18: gráfico de um corpo
em movimento, perspectiva 3
Enquanto Albert Einstein acha que um ponto fixo representa-se por uma linha
vertical, a idéia de B sobre o nada acontecendo aparece como uma linha inclinada em
x'=0 ou em qualquer lugar em seu sistema de referências.
Ilustração 21: sistema de
coordenadas da perspectiva do
observador B
Ilustração 22: perspectiva do observador A
pelas linhas espaço-tempo
xi
Mas é claro que se B tivesse feito este desenho sua linha para estar parado sua
linha seria vertical e alinha de A inclinada para traz. A mesma idéia pode ser utilizada
para demonstrar a relatividade do tempo, quando A e B observam a mesma esfera de luz
em expansão, ela alcança seus detectores em pontos definidos no espaço.
Ilustração 23: ordem dos eventos do
sistema de coordenadas do observador A,
primeiro evento
Ilustração 24: segundo evento
Estes pontos são chamados eventos. Enquanto isto, a própria luz traça um cone.
Ilustração 25: terceiro evento
Para A os eventos nas secções transversais e horizontais são simultâneos, para
ele, um dos detectores de B lampeja primeiro.
xii
Ilustração 26: primeiro evento do
ponto de vista do observador A
Então ambos piscam simultaneamente.
Ilustração 27: segundo evento do ponto
de vista do observador A
Finalmente isto acontece com o outro detector de B,
Ilustração 28: terceiro evento do ponto
de vista do observador A
por isso, ele pensa que estes dois eventos são simultâneos, mas B pensa que estes são
xiii
Ilustração 29: verificação dos
eventos pelo ponto de vista do
observador B
simultâneos.
Assim, não apenas as linhas de posição constante estão inclinadas, mas também
as suas linhas de tempo simultâneas.
Ilustração 30: nesta linha do tempo
do observador B, estes eventos são
simultâneos
Para B, eventos ocorrem numa reta transversal inclinada, por isso, ele pensa que
o primeiro sinal de A é emitido, depois os seus, e só então os outros sinais de A.
Ilustração 31: evento 1 para o
observador B
Ilustração 32: evento 2 para o
observador B
Ilustração 33: evento 3 para o
observador B
Claro que fosse B que fizesse este desenho, ele traçaria estas linhas de lugar e o
tempo constante perpendiculares umas às outras. Surpreendentemente isto não mudaria
em nada o cone de luz. Esta maneira de observar as coisas chama-se um diagrama de
xiv
Ilustração 34: o observador
A vê a régua de 1m menor
espaço-tempo. E muitos dos estranhos efeitos da relatividade, são visualizados desta
forma.
A pensa, por exemplo, que a régua de B não tem 1m de comprimento.
Enquanto B, vendo A passar rapidamente por ele, acha que a régua de A menor.
Ilustração 35: o observador B vê a régua de A menor que 1m
No diagrama espaço-tempo, A mede comprimento nos seus eixos nos espaços no
qual a régua de B é menor.
Ilustração 36: comprimentos
no diagrama, do ponto de vista
do observador A
Mas no eixo de B, a situação é inversa, e a régua de A é menor,
Ilustração 37: os
comprimentos da régua do
ponto de vista de B no
diagrama espaço-tempo
xv
Ilustração 38: mas na linha de
espaço de B a situação se
inverte
Mas e o mistério dos relógios? Como pode cada um achar que o relógio do outro
anda mais devagar? No diagrama espaço-tempo, observemos os feixes de luz em
movimento...
Ilustração 39: deslocamento da luz
nos relógios de luz no diagrama
espaço-tempo
No eixo de tempo de A, os tic-tacs do relógio de B são mais espaçados uns dos
Ilustração 40: no diagrama espaço
tempo, para o observador vê a
oscilação da luz de maneira mais lenta
outros do que no seu próprio relógio.
Mas na visão de B isto é justamente o que acontece com o relógio de A, qualquer
xvi
que seja a maneira de observá-lo.
Ilustração 41: o observador B vê o
observador A com um relógio mais
lento
Ilustração 42: como o observador B
vê no diagrama
Na verdade, existe mais de uma maneira de observar a transformação de
Lorentz, embora tenha sido inicialmente concebida por Lorentz, Einstein chegou às
mesmas equações de um ponto de partida completamente diferente. Lorentz usou as
equações para explicar as equações de Michelson e Morley.
O objetivo de Einstein era estabelecer a relatividade como princípio fundamental
e universal de toda a Física. Para Lorentz a velocidade constante da luz era uma simples
aparência para todos os observadores. Para Einstein esta velocidade constante era um
princípio em que tudo mais deveria se derivar.
Lorentz foi talvez o último físico clássico. Mas as equações que levam o seu
nome, estão no âmago da relatividade e do futuro por ela criado.
De qualquer maneira, existem duas histórias independentes da Teoria da
Relatividade, havia a teoria do éter, as experiências de Michelson e Morley e outras que
se seguiram não conseguiram provar a sua existência. Foi quando Poincaré e Lorentz
com muita dificuldade produziram as fórmulas necessárias à explicação dos resultados
destas experiências. Na mesma ocasião, de maneira totalmente separada e independente
o jovem Albert Einstein se preocupava com um problema muito sério ligado ao
problema da luz e a eletricidade. E decidiu que assim o mundo deveria funcionar,
apresentou então a mesma teoria mas com uma compreensão muito mais profunda do
seu significado. Portanto, pode-se dizer que Einstein prestou apenas uma pequena
contribuição à teoria da relatividade. Da mesma forma, é possível dizer que Copérnico
não fez outra coisa senão uma transformação matemática das coordenadas. Mas para
dizer isso, significa ignorar a verdadeira história destes dois assuntos.
xvii
Velocidade e Tempo.
Os historiadores relembram a virada do século XX como uma revolução. Em
qualquer campo da aviação, da antropologia ou a arte, ocorreu um desvio radical em
todas as frentes. O ano de 1905 representa um marco crucial, foi quando Albert Einstein
pediu ao mundo que tomasse o caminho correto e pensasse por um momento, em que
consiste realmente o mundo.
O tempo é relativo, disse ele, bem como a noção de simultaneidade de eventos.
Na relatividade de Einstein, que é uma realidade não importando como seja vista,
simultaneidade é uma questão de opinião.
Tendo em vista a constância da velocidade da luz, não resta a menor dúvida que
um simples relógio de luz se atrasa por um fator γ. Mas se utilizássemos um relógio
mais convencional, será que ele apresentaria o mesmo atraso?
A resposta é oportuna. Pois se só o relógio de luz atrasar, será possível comparar
o tempo marcado pelos dois. Assim, se o tempo for o mesmo, eles estariam em repouso.
Mas se o relógio de luz se atrasar, isto aconteceria por estar em movimento. Mas em
movimento em relação a quê? A premissa básica da relatividade, é que não pode haver
movimento absoluto nem repouso absoluto. E se estas condições não existem, não há
experiência que possa detectá-las.
Assim, se a Teoria da Relatividade está correta, cada relógio do universo deveria
se comportar exatamente como um relógio de luz. E isto não é uma descoberta que se
liga exclusivamente à relógios. Este é um fato que se liga à própria natureza do tempo.
A dilatação do tempo coloca a relação entre tempo e espaço sob uma luz inteiramente
nova. Exatamente o que acontecia na arte e na literatura no início do século XX. Na arte
assim como na ciência, a idéia de tempo e espaço era agora mais que uma ilusão
passageira.
A Teoria da Relatividade de Einstein for a tão longe quanto qualquer imaginação
criativa. Na trilha da relatividade, a velocidade não só altera a natureza das coisas, ela
altera a maneira pela qual as coisas são percebidas. Isto porque a relatividade de
Einstein é uma teoria do movimento e de como ele é visto por diferentes observadores.
xviii
A teoria se aplica em qualquer lugar, até mesmo no Brooklin e inclui todos os
observadores, até mesmo um bom esportista como Harry.
Ilustração 43: observador B, jogador
de Beisebol
Dizem que Harry é muito rápido na bola e deseja ardentemente jogar pelos
Brooklin. Há quem diga que Henry consegue arremessar uma bola quase a velocidade
da luz, e deste ponto de vista, ele parece muito rápido.
Ilustração 44: observador B arremessa
a bola a .6c
Mas no local onde se encontra o seu companheiro Albert, ele parece mais rápido
ainda.
Será que a velocidade da bola adicionada à velocidade do trem faça que a jogada
de Harry pareça mais rápida do que a velocidade da luz? Claro que não, pois mesmo
num trem nada é mais rápido que a velocidade da luz. Então o que realmente estaria
acontecendo aqui?
Estatísticos de beisebol descobriram isso utilizando um diagrama espaço-tempo.
Onde do ponto de vista de Harry a bola corre para um lado, e Albert para o outro.
xix
Ilustração 45: observador B desloca-se no
momento do arremesso a .6c do
observador A
Ilustração 46: diagrama espaço-tempo desta
experiência
Como a distância é um eixo e o tempo é o outro, a velocidade v' pode ser vista
como a inclinação de cada linha.
Ilustração 47: a inclinação da
velocidade da luz
Ilustração 48: a inclinação da linha espaço-tempo =
velocidade
xx
Neste gráfico, a luz percorre uma unidade de distância para cada unidade de
tempo.
Assim, c=1
Ilustração 49: considerando a velocidade da luz
como unidade
Enquanto isto, o arremesso de Harry de ux'=.6c
Ilustração 50: plotando a velocidade da bola
arremessada
Albert, indo na direção contrária, tem uma velocidade de v'=-.6c, do ponto de vista de
Harry.
Ilustração 52: verificação da unidade de
velocidade de luz
Ilustração 51: plotando a velocidade do
observador A em relação a bola
Por outro lado, para Albert, a velocidade da luz permanece a mesma, mas todas
as outras velocidades são transformadas porque todas as outras inclinações são medidas
xxi
sobre eixos inclinados. Naturalmente a luz ainda percorre uma unidade de distância para
cada unidade de tempo e, portanto, c ainda é igual a um.
Ilustração 53: configuração das linhas de
velocidades com o observador B em movimento
Ilustração 54: equações relacionadas às
velocidades relativas
Mas agora Harry se movimenta para frente, a uma velocidade v=.6c e a
velocidade da bola é igual a ux=.88c
Na estranha aritmética da relatividade, não importa a maneira que a observemos,
quando uma velocidade é adicionada a outra, o resultado é sempre menor que a
velocidade da luz.
Assim, embora Albert certamente concorde que Harry seja muito rápido na bola,
podemos sempre colocar um pouco de luz sobre a questão, com a certeza, de que
chegará primeiro.
Mesmo na direção do movimento relativo, os componentes da velocidade jamais somam
com a velocidade maior que a velocidade da luz. E a transformação da velocidade, a
certos componentes perpendiculares ao movimento. Pois embora as distâncias
permaneçam as mesmas o tempo muda de um sistema para outro.
Mesmo uma teoria bonita como a de Einstein, necessita ser testada. E existe um
teste da relatividade num fenômeno chamado de descaimento dos mésons.
A um quarto de século atrás, o doutor David F. e o Dr. James Smith filmaram
uma experiência clássica provando a dilatação relativística do tempo. Eles mediram o
fluxo na atmosfera de uma partícula subatômica chamada méson μ, introduzida no
ponto mais alto da atmosfera da Terra, por raios cósmicos vindos do espaço exterior, os
mésons μ descem a uma velocidade próxima a da velocidade da luz.
xxii
Ilustração 55: Dr James Smith preparando a
experiência com um sensor
Ilustração 56: marcação do decaimento do méson
mi
Mas experiências feitas em Laboratório mostram que os mésons μ se
desintegram naturalmente depois de uma vida média de aproximadamente 2μs, isto
significa que, mesmo desenvolvendo uma velocidade próxima a da velocidade da luz,
eles não podem ir muito longe através da atmosfera antes de decair.
Ilustração 57: explicação do experimento,
resultados esperados (teóricos)
Ilustração 58: marcação dos dados escala
com régua
Em outras palavras, quando David F. e Smith observaram 568 mésons μ em seu
detector, no alto do monte Washington, calcularam que apenas 27 por hora deveriam
chegar a base da montanha.
xxiii
Ilustração 60: detecção de mésons mi em
uma hora no topo da montanha
Ilustração 59: recebimento de partículas de
mésons mi na base da montanha
Mas quando levam os seus equipamentos ao nível do mar, encontram quase
tantos mésons μ quanto havia lá no alto. 412 em uma hora. Os pesquisadores não se
espantaram com os resultados
Ilustração 61: visualização em osciloscópio da
presença de pulso
A razão para esta discrepância é explicada pela Teoria da Relatividade.
xxiv
Ilustração 62: gráfico do fenômeno com relação
a expansão do tempo em velocidades próximas a
velocidade da luz
Ilustração 63: análise de dados
Viajando a uma velocidade próxima a da velocidade da luz, o relógio interno dos
mésons μ anda mais devagar isto significa que observados da Terra, eles demoram em
média mais de 2 μs para se desintegrarem.
Ou para explicar de maneira diferente, para observada no sistema de referência
do méson μ a atmosfera da Terra subindo a uma velocidade próxima da velocidade da
luz é contraída, segundo Lorentz a tal valor que a partícula facilmente pode chegar ao
chão em apenas 2 μs.
Dois irmãos gêmeos nascidos virtualmente no mesmo tempo e no mesmo lugar
são superficialmente muito semelhantes. Mas por dentro podem se revelar tão diferentes
quanto o dia e a noite. O fato de serem tão diferentes e ao mesmo tempo tão
semelhantes, talvez seja um dos maiores paradoxos dos gêmeos idênticos. Mas na
Física, o paradoxo dos gêmeos idênticos nos traz outra imagem. E com a teoria de
Einstein, começa um fato extraordinário em relação aos relógios, não importa quanto
tempo existam, não importa se fazem tic-tac, batem a hora ou dizem cuco. Todos
obedecem as regras da relatividade. Naturalmente estas regras se aplicam ao relógio
humano.
Com um dispositivo marcador de tempo conhecido como metabolismo, ele
começa a funcionar antes do nascimento. E como era de se esperar continua
funcionando até o fim, Mas o que aconteceria se o relógio humano se movimentasse a
uma velocidade próxima a da velocidade da luz.
xxv
Ilustração 64: dois gêmeos idênticos
Para tentarmos descobrir vamos considerar estes gêmeos idênticos. Albert e
Harry, desde o início seus relógios internos começam a funcionar em perfeita
sincronização. Mas em pouco tempo os melhores planos do pai e da mãe saem de
sincronização. Albert torna-se um cientista.
Harry escolhe o que sobrou dos espaços abertos. O próprio espaço.
Especialmente no caso de gêmeos idênticos, a primeira separação é dolorosa. De
qualquer maneira, viajando a uma velocidade próxima da velocidade da luz, Harry não
tem problema em deixar Albert para trás.
Ilustração 65: os gêmeos se separam, pois o
observador B, viaja num foguete espacial
Harry viaja a um planeta a 10 anos/luz da Terra. Se Harry pudesse comparar o
seu relógio com o de Albert descobriria que o relógio de Albert está andando mais
devagar, e se Albert pudesse comparar o seu relógio com o do Harry descobriria que o
do Harry está andando mais devagar. Isto parece um paradoxo, como pode dois relógios
andar ao mesmo tempo e mais devagar que o outro?
xxvi
Felizmente na Teoria da Relatividade, não existe problema nenhum. Pelo menos
não haverá qualquer problema enquanto estiverem longe do outro. Mas e o que
aconteceria se eles não estivessem longe do outro? Suponhamos por exemplo, que eles
se encontrem numa reunião de família. Mais uma vez na Teoria da Relatividade não
haveria qualquer problema.
Harry, viajando a uma velocidade próxima a da velocidade da luz, precisará 10
anos para chegar ao seu destino e mais 10 de volta. Para Albert isto equivale a 20 anos.
Mas para Harry, a situação parece diferente, como para ele a distância está contraída
pelo fator de Lorentz tudo parece alguns meses. Assim, quando eles comparam seus
relógios biológicos, verificam que não encerra nenhum paradoxo. Harry então,
envelheceu alguns meses e Albert, que permaneceu no seu próprio sistema de
referência, envelheceu 20 anos. Isto significa que entre irmãos gêmeos o tempo é
relativo.
Tentemos imaginar o universo totalmente vazio. Neste universo não havia
sentido em falar em tempo e espaço. O próprio conceito de tempo seria desprovido de
qualquer significado. Se existisse apenas um objeto no universo isto ainda seria verdade.
Mas se houvessem dois objetos podemos imaginar movimentos de aproximação ou
distanciamento. Estaríamos falando ao mesmo tempo do tempo e das distâncias. Se
houvesse muitos objetos no universo, poderíamos imaginar alguns deles para construir
um dispositivo capaz de medir o fluxo do tempo e distância entre objetos. Mas ainda
não faria qualquer sentido dizer que um objeto está em repouso e que tudo mais está em
movimento. Neste universo, a lei de movimento mais simples diria que cada corpo
permanece em seu próprio estado de movimento até algo interfira nestes casos. Isto é
naturalmente a lei da inércia. Mas isso deve continuar a fazer sentido no universo, e que
a luz deveria se propagar no vazio. Mas se a luz tem uma velocidade definida, quando
observada de um determinado ponto de referência, Então deve haver um estado de
repouso neste sistema de referência. E todo argumento em favor da lei de inércia vai por
água abaixo. Não sei se existem outros universos logicamente consistentes, mas no
nosso universo este problema foi resolvido, ao se determinar que na velocidade da luz.
É a mesma para todos os observadores independentemente do seu estado de movimento.
xxvii
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