Unidade 4 Poder, política e Estado Desde o século XVIII, o termo “sociedade” – ou “sociedade civil” – era usado em contraposição a “Estado”. A ideia de separação entre sociedade e Estado prejudicou a compreensão de que o Estado é uma organização encarregada de determinadas funções e sua constituição é um processo histórico como tantos outros. 11 Capítulo O poder e o Estado As teorias sociológicas clássicas sobre o Estado Karl Marx Tendo escrito sobre as questões que envolvem o Estado num período em que o capitalismo ainda estava em formação, Marx não formulou uma teoria específica sobre o Estado e o poder. Suas concepções sobre o Estado encontram-se em livros publicados entre 1847 e 1871. Para esse autor, o Estado é uma organização cujos interesses são os da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia. Émile Durkheim Ao analisar a questão da política e do Estado, Durkheim teve a sociedade francesa de seu tempo como referência. Como sempre esteve preocupado com a coesão social, considerava o Estado fundamental numa sociedade que ficava cada dia maior e mais complexa. Durkheim dizia que o Estado “concentrava e expressava a vida social”. 11 Capítulo O poder e o Estado 11 Capítulo O poder e o Estado Segundo Durkheim, o Estado proporciona um espaço mais amplo para o desenvolvimento da liberdade individual. A intermediação entre Estado e indivíduos deve ser feita por grupos profissionais organizados, que são a base da representação política e da organização social. Para Durkheim, portanto, o Estado é uma organização cujo conteúdo inerente são os interesses coletivos. Max Weber Ao analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está nas mãos da burocracia militar e civil. Para ele, o “Estado é uma relação de homens dominando homens” mediante a violência, considerada legítima. Para que essa relação exista, é necessário que os dominados obedeçam à autoridade dos que detêm o poder. Há três formas de dominação legítima: a tradicional, a carismática e a legal. 11 Capítulo O poder e o Estado 11 Capítulo O poder e o Estado Eduardo Knapp/Folha Imagem Para Max Weber, portanto, o Estado é uma organização sem conteúdo inerente; é apenas mais uma das muitas organizações burocráticas da sociedade. São Paulo, 2006: o Estado visível na rua. De acordo com Weber, instituições militares (como o exército) e civis (como as máquinas administrativas e burocráticas) garantem ao Estado o monopólio do poder e do uso legítimo da força. 11 Capítulo O poder e o Estado Democracia, representação e partidos políticos As diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista estiveram ligadas à concepção de soberania popular, que é a base da democracia. Tal soberania só se torna efetiva com a representação pelo voto. Para entender a “igualdade política” defendida pelo pensamento liberal, base ideológica do sistema capitalista, basta consultar o que disseram grandes pensadores liberais: 11 Capítulo O poder e o Estado O francês Benjamin Constant (1767-1830) declarava que as pessoas condenadas ao trabalho diário e a uma situação de dependência não estavam mais bem informadas acerca dos assuntos públicos que uma criança; por isso, não podiam desfrutar o direito eleitoral. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) declarava que, para exercer os direitos políticos, não bastava a condição de homem; era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse sustento. 11 Capítulo O poder e o Estado The Bridgeman Art Library/Keystone O inglês Edmund Burke (1729-1797), ao analisar os perigos da Revolução Francesa para a sociedade burguesa, afirmava que somente uma elite tinha o grau de racionalidade e de capacidade analítica para compreender o que convinha ao bem comum. Charge inglesa de 1819, produzida por George Cruikshank, que ironiza as mobilizações precursoras da luta pelo sufrágio universal. 11 Capítulo O poder e o Estado Essas ideias ainda estão presentes na sociedade. Expressam-se, por exemplo, em declarações como “o povo não sabe votar” e na oposição à presença no Parlamento ou em cargos executivos daqueles que defendem os direitos dos trabalhadores. Muitos ainda pensam que só se pode fazer política institucional por meio dos partidos políticos. Mas os partidos nasceram da pressão exercida por quem não tinha acesso ao Parlamento. 11 O francês Claude Lefort, em seu livro A invenção democrática (1983), afirma que é uma aberração considerar a Ampliação da participação política: haitianos enfrentam filas para democracia uma criação retirar título de eleitor para a eleição presidencial de 2006. da burguesia, pois essa classe sempre procurou impedir que o liberalismo se tornasse democrático, limitando o sufrágio universal e a ampliação de direitos. Para ele, a democracia é a criação contínua de novos direitos. Não é apenas consenso, mas principalmente dissenso. Jorge Araújo/Folha Imagem Capítulo O poder e o Estado 11 Capítulo O poder e o Estado Para alguns autores que procuram analisar os aspectos institucionais da questão democrática, algumas condições precisam ser cumpridas para garantir a efetivação da democracia representativa: direito de voto; eleições competitivas, livres e limpas para o Executivo e o Legislativo; proteção e garantia das liberdades civis e dos direitos políticos; controle efetivo das instituições legais e de segurança e repressão. 11 Capítulo O poder e o Estado O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirma que a democracia no mundo contemporâneo apresenta duas imagens contrastantes. Por um lado, a democracia representativa é considerada internacionalmente o único regime político legítimo. Por outro, há sinais de que os regimes democráticos, nos últimos vinte anos, traíram as expectativas da maioria da população, principalmente das classes populares. 11 Capítulo O poder e o Estado A sociedade disciplinar e a sociedade do controle Há pensadores que analisam a questão do poder e da política sem dar primazia às relações com o Estado. O francês Michel Foucault (1926-1984) afirma que todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem. Esse poder desenvolve-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o que chama de a “arte de governar”, entendida como a racionalidade política que determina a forma de gestão das condutas dos indivíduos. Museu Pushkin, Moscou, Rússia 11 Capítulo O poder e o Estado O francês Gilles Deleuze (1925-1995) declara que vivemos numa sociedade disciplinar, mas já percebemos a emergência de uma sociedade de controle. Na sociedade disciplinar, o indivíduo passa de um espaço fechado para outro e não para de recomeçar, pois em cada instituição deve aprender alguma coisa. A ronda dos prisioneiros, de Van Gogh, 1890. Na sociedade disciplinar, da família à escola, do hospital à prisão, as instituições confinam, adestram e vigiam os indivíduos. 11 Capítulo O poder e o Estado Para o alemão Theodor Adorno (1903-1969), a sociedade de controle é como uma “prisão ao ar livre”. Os métodos de controle são de curto prazo e de rotação rápida, mas contínuos e ilimitados. Alcançam-nos em todos os momentos e lugares, sem deixar possibilidade de fuga. Exemplos desses métodos de controle são as avaliações permanentes e a formação continuada. Outra forma de controle contínuo são os “conselhos” a respeito da saúde, que estão presentes na TV e na internet. 11 Thinkstock/Getty Images Capítulo O poder e o Estado O marketing é o instrumento de controle social por excelência: somos todos consumidores. Se tudo pode ser comprado e vendido, por que não as consciências e outras coisas mais? Thinkstock/Getty Images Na sociedade disciplinar, a linha de produção é o coração da fábrica. Na sociedade de controle, o serviço de vendas é a alma da empresa. Se na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros, na sociedade de controle todos olham para o mesmo lugar. A televisão é um bom exemplo disso, pois milhares de pessoas estão sempre diante do aparelho. 11 Capítulo O poder e o Estado Exercício 11 Capítulo O poder e o Estado Fernando Donasci/Folha Imagem Relacione os termos poder, Estado e democracia, com base na observação da imagem abaixo. São Paulo, 2006: ônibus incendiado durante onda de ataques promovidos pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).