VIOLÊNCIA NA ESCOLA: A CONCEPÇÃO DE PROFESSORES E
ALUNOS
VALE,Feitosa Fernanda – UNESP- Rio Claro
[email protected]
SALLES, Ferreira Maria Leila –UNESP – Rio Claro
[email protected]
Área Temática: Violências e convivência nas Escolas: Fatores, manifestações e relações
sociais no espaço.
Agência Financiadora: FAPESP
Resumo
O objetivo deste texto é abordar a problemática da violência nas escolas através da concepção
de alunos e professores de uma unidade escolar. Apresentaremos o significado que estes
atores atribuem a escola e as explicações para a ocorrência da violência em seu interior, do
mesmo modo, apontaremos as formas de atuação da equipe escolar frente a esta problemática.
As reflexões aqui apresentadas fazem parte do projeto de pesquisa Escola e Violência: um
estudo de caso, onde analisamos detalhadamente uma unidade escolar, e caracterizamos a
concepção dos alunos e dos diferentes profissionais da escola sobre a violência no interior da
escola. A referida instituição foi selecionada devido ao alto índice de registro de atos de
violência, esta identificação foi realizada através de contanto com representantes da Diretoria
de Ensino. Entrevistamos, após sorteio, doze alunos e realizamos uma entrevista com Diretor
da unidade escolar e com dois professores. A professora foi selecionada por manter um bom
relacionamento com os alunos, enquanto o professor nos foi indicado por apresentar queixas
constantes de conflitos com os estudantes. Os depoimentos foram analisados por meio da
técnica de pesquisa análise do conteúdo, onde procuramos identificar os temas, ênfases e
padrões presentes nas falas dos entrevistados. Assim, verificamos que a concepção de
violência entre alunos e professores, apresenta por um lado, pontos de concordância, e por
outro, percepções dissonantes.
Palavras- chave: Violência; Escola; Jovens.
Introdução
O objetivo deste texto é abordar a problemática da violência nas escolas através da
concepção de alunos e professores de uma unidade escolar. Apresentaremos o significado que
esses atores atribuem à escola e as explicações para a ocorrência da violência em seu interior,
e apontaremos as formas de atuação da equipe escolar frente a esta problemática. As reflexões
aqui apresentadas fazem parte do projeto de pesquisa Escola e Violência: um estudo de caso,
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onde analisamos detalhadamente uma unidade escolar, e caracterizamos a concepção dos
alunos e dos diferentes profissionais da escola sobre a violência no interior da escola.
A questão da violência tem ganhado destaque na atualidade, os meios de comunicação
em massa têm contribuído para a disseminação do medo e do pânico. A ênfase conferida a
violência possibilita uma nova configuração
nas
cidades
contemporâneas,
basta
considerarmos que durante os confrontos envolvendo o PCC houve um aumento de 200%
pela procura de carros blindados, e da mesma forma, foi registrado um aumento significativo
de vendas de casa em condomínios fechados1¹.
Ao que parece, a violência se faz presente em todas as esferas da vida, fala-se em
violência doméstica, violência policial, violência no trânsito, nas ruas e nas escolas. Mas, o
que se concebe como violência? Se o medo e a insegurança são reais, onde se localiza o
perigo? Quem são os violentos?
A violência, muitas vezes, tem sido explicada como conseqüência das desigualdades
sociais, no entanto, essa concepção reduz o problema á condições puramente econômicas e
alimenta o preconceito de que a violência só nasce das periferias, e se manifesta
exclusivamente de “baixo” para “cima”.
Da mesma forma, são comuns os discursos que apontam os jovens como os
protagonistas de atos violentos. Nessa perspectiva, parece haver um entrelaçamento do
entendimento da violência como um fenômeno de ordem econômica, com a periculosidade
identificada nos jovens de periferia. Concebida e localizada desse modo, a violência passa a
designar a expressão de um segmento específico da população.
É preciso atentar-nos para ao uso da palavra. Numa dimensão política, ao referir-se a
algumas ações como violentas pode significar estar aliando-se as teorias que vêem a
juventude como segmento perigoso e a pobreza como passível de criminilização. Nesse
sentido, o conhecimento da violência seria mais a expressão da vontade de controle, que
concerne o âmago de nossa sociedade, do que uma reflexão que busca compreender as
articulações de uma coletividade que é historicamente construída. (Debarbieux; Blaya 2002).
Em uma sociedade violenta, extremamente excludente e competitiva, é de suma
importância que se analise o papel da escola na vida dos jovens, já que os noticiários
1
Artigo publicado no site: http://graphos.multiply.com/journal/item/19PCC Eleva busca por
condomínios
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evidenciam diariamente que o segmento juvenil vem participando de forma efetiva da
violência e da criminalidade nas ruas, nos lares e nas escolas.
Apesar desses fatos não ocorrerem constantemente, causam a impressão de qualquer
coisa pode acontecer a qualquer momento, principalmente no espaço escolar. È como se não
houvesse mais um limite possível, forma-se uma tensão que toma conta do ambiente escolar
colocando os docentes e a equipe gestora em estado de alerta.
A questão da violência na escola não é recente, já no século XIX houve registros de
ocorrência de violência em algumas escolas do 2°grau. No entanto, na atualidade, as formas
de violência têm se apresentado de maneiras novas: estupros, agressões físicas, uso de armas e
furtos. (Charlot, 2002).
No Brasil, esta problemática se fez mais presente no cenário público a partir de 1980,
culminando com o processo de democratização, e isto se dá devido aos seguintes fatores: O
problema da qualidade de vida da população das periferias das grandes cidades; a luta por
uma maior democratização das instituições oficiais, sobretudo dos aparelhos de segurança e a
disseminação e diversificação da violência no âmbito da sociedade civil. (SPOSITO,
2001)
O governo respondeu disponibilizando policiamento nas áreas externas e nos pátios
escolares, colocou grades nas janelas e aumentou a altura dos portões. Essas medidas foram
tomadas porque a violência nas escolas caracterizava-se pelas depredações do patrimônio
público e pelo medo de invasores que não tinham nenhum vínculo com as escolas (SPOSITO,
2001)
Nesse contexto, se buscava um modelo mais democrático de gestão do
estabelecimento incluindo pais, alunos e funcionários nas tomadas de decisões, objetivando
uma instituição mais aberta e menos autoritária. O que se percebe nos estudos realizados nos
anos 80 é uma tentativa de compreender o fenômeno a partir de registros de violência nas
escolas. No entanto, constata-se uma precariedade nas informações, pois, houve resistência
das unidades escolares em registrar as ocorrências, e muitas vezes, as notificações eram feitas
com o intuito de receber ganhos adicionais como vantagens salariais e ganho de materiais.
(SPOSITO, 2001)
Charlot (2002), partindo da sociologia francesa, apresenta três distinções conceituais
sobre a violência no âmbito escolar. Para o autor existe a violência na escola, que é produzida
dentro do espaço escolar, mas que poderia acontecer em qualquer outro espaço social; a
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violência à escola que se relaciona as atividades referentes à instituição (incêndios, agressões
aos professores, etc); e a violência da escola que se constitui em “uma violência institucional,
simbólica, que os próprios alunos suportam através da maneira com a instituição e seus
agentes os tratam”.
Essa distinção, apesar das dificuldades na prática do cotidiano escolar, mostra-se útil
para que os profissionais da educação pensem em medidas preventivas e em ações frente à
problemática da violência. Assim, existem atos que cabe a equipe escolar a devida atuação, e
outros que escapam a responsabilidade da instituição ficando sob o encargo de outras
instâncias. (Charlot, 2002).
Deste modo, não há dúvida de que diante da presença de traficantes nos portões e
pátios escolares cabe aos representantes da instituição acionar a polícia. O mesmo se poderia
pensar de um assaltante ou um molestador sexual. Mas o que fazer quando o praticante do
crime não é um invasor e sim aluno da própria instituição escolar?
O que se percebe nos anos 90 é a mudança das manifestações da violência, pois
diferentemente dos anos 80, aumenta-se o índice de vandalismos, das agressões interpessoais
e soma-se a isso o fracasso das medidas de segurança adotadas. Os estudos mostram que a
instituição escolar tem sido afetada pelo contexto social no qual esta inserida. A instabilidade
social, a insegurança, o tráfico de drogas, a falta de perspectiva de um futuro próspero, a falta
de investimento nas escolas públicas. A ausência de projetos pedagógicos capazes de absorver
a nova realidade escolar, o tamanho das escolas para determinados números de alunos e as
experiências vivenciadas pelos alunos fora da escola foram os principais fatores apontados no
desencadeamento da violência dentro das escolas. (SPOSITO, 2001)
De fato, os estudos demonstram que as escolas localizadas nas periferias urbanas
apresentam maior probabilidade de apresentar índices de violência, entretanto cabe ressaltar
que não se trata de uma transposição automática dos fatores extra-muros para o interior da
instituição. Nesse sentido, o trabalho com depoimentos permite uma aproximação dos fatores
envolvidos na incidência da violência, sob está ótica abordaremos a problemática da violência
nas escolas através da concepção de alunos e professores de uma unidade escolar.
A escola Pesquisada
Esta unidade escolar foi selecionada devido ao alto índice de registro de atos de
violência. A identificação foi realizada através de contanto com representantes da Diretoria de
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Ensino. A escola está localizada em uma área de periferia do município de Rio Claro -SP,
com grande densidade demográfica, e baixos índices sócio-econômicos. Predominam na área
as habitações de padrão popular e também conjuntos residenciais populares criados nas
décadas de 80 e 90 pelo poder público. Apesar de possuir toda infra-estrutura básica, como
água e luz, alguns bairros desta área não possuem pavimentação asfáltica.
Possui aproximadamente 800 alunos de 5ª. à 8ª.séries do ensino fundamental,
distribuídos nos períodos da manhã e da tarde, que em sua grande maioria residem nos bairros
circunvizinhos à escola, não havendo necessidade da utilização do transporte coletivo escolar.
(Plano gestor).
O padrão urbanístico é bastante precário contribuindo juntamente com os índices sócio
econômicos para uma baixa qualidade de vida da população. Não existem áreas verdes e de
lazer que possam satisfazer plenamente a população local. Na região são limitadas as
atividades culturais e práticas esportivas e estas ocorrem em espaços públicos que possuem
estruturas precárias, como campinhos de futebol ou áreas livres, na ausência de praças e
parques recreativos.
Os índices de violência são elevados e caracterizam uma das regiões mais violentas do
município. O dia a dia da população está ligado à ação da polícia, ao crime e ao tráfico de
drogas. A população local conhece os pontos de tráfico, mas como ocorre em todas as áreas
de grande violência, não há um discurso declarado sobre o problema. A necessidade do
convívio social impõe a lei do silêncio e esta parece ser a realidade da população.
(depoimento professora)
Neste contexto social a escola é a referência para muitos adolescentes que por força da
lei, obrigatoriamente devem freqüentar o ciclo básico até o final. Para quem vem, ou vê de
fora, a escola é muito feia e causa uma impressão ruim porque seu prédio é escuro, as
dependências são mal conservadas (paredes, carteiras, armários) e não há uma área de
recreação bem equipada. Porém, se comparada ao entorno e à realidade na qual está inserida
percebe-se que a escola é uma continuidade de todo o sistema ali existente.
Os alunos trazem para a escola suas experiências de vida que estão muito ligadas ao
contexto social descrito. Raramente freqüentam cinema, museu e suas atividades de lazer
estão restritas às existentes no bairro. Muitos alunos já tiveram experiências marcantes com a
violência e são comuns os casos de problemas familiares. Alguns alunos vão para a escola
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após um período de trabalho seja no mercado informal ou nas atividades domésticas que são
iniciadas bem cedo.
Os gestores dizem que existem grupos de alunos que impõem regras e ordens aos
grupos mais tímidos e quando causam tumultos e brigas impedem o trabalho docente.
Segundo a equipe escolar há alunos que não param em sala de aula e andam pelos corredores
da escola atrapalhando o andamento de todas as atividades das salas de aula.
Apesar do quadro de conflitos e de muitas restrições do espaço físico e dos recursos
materiais, não há grandes mudanças na equipe de profissionais que atuam na escola. A equipe
de gestão é a mesma há pelo menos 4 anos e existe parte significativa do corpo docente que
exerce suas funções na escola há mais de 10 anos.
Entretanto, para caracterizarmos a violência nesta unidade escolar, buscamos fazer
uma discussão problematizando as múltiplas questões que compõem a escola. Diante disso,
entendemos que a violência não é mero reflexo da sociedade, e tão pouco esta instituição se
configura apenas como lugar de socialização do conhecimento científico. Cabe indagarmos o
significado da instituição para os diferentes atores que compõem o cotidiano escolar.
Para o exame dos depoimentos utilizamos a técnica análise do conteúdo, que consiste
em um instrumento metodológico através do qual se busca entender o sentido de uma
comunicação. Assim, buscamos identificar os temas, ênfases e padrões presentes nas falas dos
entrevistados. Nesta comunicação analisaremos três categorias temáticas: o significado da
escola; as explicações para a violência; e formas de atuação da equipe escolar frente a essas
situações de violência. Nesse trabalho optamos por não partir de prismas conceituais já dados.
Preferimos, antes de tudo, deixar os sujeitos da pesquisa – por meio de suas concepções - nos
orientar neste caminho.
Foram feitas entrevistas com 12 alunos seis meninos e seis meninas, escolhidos por
meio de sorteio. Os alunos entrevistados têm entre 13 a 15 anos, e estavam matriculados nas
7° e 8° séries. Realizamos entrevistas com dois professores indicados pela coordenação. A
professora foi selecionada por manter um bom relacionamento com os alunos da instituição,
enquanto o professor nos foi indicado por apresentar queixas constantes de conflitos com os
estudantes. Os dois educadores atuam na escola há aproximadamente 10 anos, a professora
ministra aulas de literatura e gramática, o professor é responsável pelas disciplinas de
geografia.
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O significado da Escola
O papel da escola na sociedade tem sido discutido por diferentes teóricos. As análises
apontam a instituição escolar sob diferentes perspectivas, ora é retratada como aparelho
estatal reprodutor das desigualdades sociais, ora como instituição disciplinizadora e ainda
como o lugar da possível “suspensão” do homem sobre seu tempo, sendo-lhe atribuída o
encargo da formação plena do cidadão.
Ao perguntarmos para os alunos o significado que eles atribuem a esta instituição,
verificamos que estes retratam a escola como o lugar que oferece uma aprendizagem investida
de potencialidades favoráveis para o alcance dos estudantes á um bom emprego e conseqüente
mobilidade social. Os alunos apontam a importância da escolarização para a ocupação de
postos no mercado de trabalho.
Aluna (4) - é importante pra gente aprender bastante coisa. Ser alguém na vida, porque
é o único lugar que a gente tem pra aprender, se nós não tiver ajuda aqui quem vai ajudar nós?
A escola só que ajuda a gente
Aluna (2) - Pra gente aprender, pra educar a gente. (faz uma pausa) Mais ou menos.
Eu já enjoei de ficar na escola, já faz sete anos que eu to aqui.
Entretanto, parecem não vincular o conteúdo do currículo escolar aos cargos realmente
bem remunerados e valorizados na atual sociedade, pois, ao que parece, o valor da escola
entra em crise, já que a mobilidade social não depende apenas dos esforços do indivíduo, mas
também de todas as dimensões que compõem a vida política e econômica da sociedade na
qual esses jovens estão inseridos. Assim, a escola é considerada “mais ou menos” importante,
pois, não oferece a mobilidade social imediata, estimulada pelas estratégias de consumo e
aspirada pelos jovens, e não garante a aprendizagem efetiva e significativa.
Apesar de todos os problemas enfrentados pela escola e das precárias condições de
trabalho do corpo docente, o desejo maior dos professores entrevistados ainda é o de trabalhar
para que todos os jovens possam ter uma criativa relação com o saber, e que a escola possa
ser um instrumento de mobilidade intelectual e social para os alunos. É o que demonstra os
depoimentos abaixo:
Professora – em poucas palavras, eu espero que eles aprendam, saiam daqui diferente
de como entraram, pra melhor, que possam ter uma vida digna, com respeito e com trabalho.
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Professor - olha, a minha expectativa seria a seguinte, que eles se integrasse dentro
daquilo que eu proponho trabalhar com eles e compreendesse. Eu procuro me fazer
o mais claro possível para eles entenderem qual o nosso objetivo de trabalho, no
caso eu que sou professor de geografia é de trabalhar com essa ciência, com esse
conhecimento, de tentar mostrar pra eles que isso é importante para eles entender o
mundo em que nós vivemos.
Contudo, apesar das dificuldades enfrentadas pelos professores, podemos afirmar que
a percepção dos entrevistados em relação ao papel da escola na vida dos alunos, consiste na
inclusão destes ao mundo do conhecimento escolar e posicionamento crítico em relação à
sociedade. Talvez, possamos compactuar com Mattei (2002) na afirmação de que a violência
na escola causa perplexidade devido à identificação desta instituição como o lugar da
ascendência humana.
As Explicações para a Violência e as Formas de Atuação da Equipe Escolar
Soares (2002) identifica pelo menos três modalidades de violência no Brasil, e mostra
como cada uma delas está de certa forma articulada com a violência maior – a exclusão em
massa. A primeira modalidade, denominada violência criminal, caracteriza os crimes de
corrupção e assaltos ao patrimônio público, praticados essencialmente pelas elites políticas.
Nessa modalidade a violência é simbólica, pois devido a impunidade conferida aos
criminosos, a população experimenta um sentimento de impotência e descrédito nas
instituições sociais e nos valores da vida coletiva.
A segunda modalidade diz respeito aos crimes que se pratica tendo por fim lucros e
vantagens. Essa modalidade está mais presente principalmente nos circuitos urbanos pobres.
Já a terceira modalidade está presente em todos os espaços sociais, sobretudo impregnada nas
paredes dos lares familiares e tem como principais vítimas as mulheres e crianças. Essa
modalidade não tem “fins lucrativos, e nem se submete a cálculos estratégicos movido por
interesses mercantis”. Sua única finalidade é a opressão. Soares (2000)
Para Soares (2000) a exclusão opera em pelo menos dois sentidos: ou deixa os
indivíduos desnorteados, sem chão e numa condição paralítica, ou favorece uma “combinação
explosiva” para uma disputa darwiniana. É nesse contexto que a proliferação dos poderes
tirânicos ganham força, e disseminam a despotencialização daqueles que não o exercem,
transformando os espaços sociais em terrenos férteis para a violência.
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Quando perguntamos aos alunos o que é a violência, a maioria recorreu a exemplos
concretos do cotidiano para mostrar o que entendem por este termo. A violência na concepção
dos entrevistados é multicausal, os alunos recorreram desde situações ocorridas no interior da
escola, a fatores mais complexos que abrangem a sociedade como um todo. As relações de
poder também foram destacadas, principalmente no que tange as questões de classe e a
vontade de exibicionismo.:
Aluno (2) – é um pouco por causa do homem né, porque por causa de poder, porque as
vezes o povo da periferia assim não tem condição de arranjar um trabalho bom assim, o
governo não da né, ai começa a roubar, matar pelo poder.
Aluno (6) – outras pessoas quer mandar naquelas mais fracas. O PCC por exemplo, o
chefe manda nos mais fracos, as guerras também, os Estados Unidos quer dominar a guerra
no Iraque
Mas, entendem que as tensões intersubjetivas têm como principais causas o insulto á
figura materna e os relacionamentos amorosos:
Aluna (1) – porque uma xinga a mãe da outra. Principalmente quando xinga a mãe
dos outros, uma coisa sei lá, meche com as pessoas, xingar a mãe, e isso é uma coisa
pior que eu acho, pior do que qualquer coisa, pior do que namorado, xingar a mãe,
tem gente que não gosta que já vai pra cima. Xingar a mãe dói. Não sei, as pessoas
ta tudo louca. Não sei
Aluna (3) – às vezes é por causa de menino. Xingar a mãe, essas coisas
É mais por causa disso.
A violência física, por deixar seus sinais no corpo daquele que foi agredido, imprime
também um sentimento de vergonha sempre que as marcas estão expostas ao olhar do outro.
O medo do estigma, da exclusão e do isolamento são sentimentos experimentados pela vítima.
É o que relata o discurso da aluna (1), que durante a entrevista trazia o rosto cicatrizado por
marcas de unhas devido agressões que havia sofrido meses atrás:
Aluna (1) – bem se dizer, violência eu evito muito de brigar com as pessoas
entendeu, é aos contrario, é as pessoas que vem brigar comigo. Tipo, se eu estiver
assim na esquina e vem uma pessoa que tiver bronca de mim, eu prefiro mil vezes
dar a volta, nem que eu pegue o caminho mais longe, porque sei lá, mais eu evito de
brigar, porque eu acho a violência é uma coisa muito feia. Sei lá, porque ó, você
briga tipo de unha, de soco, a unha deixa marcado tudo o rosto, e uma, eu to ficando
moça também, eu vou ficar moça cheia de unha na cara?
11165
Assim, podemos pensar que a violência física se manifesta no corpo, mas as
conseqüências nem sempre são perceptíveis, e muitas vezes, não se oferece à devida
importância às implicações decorrentes de situações em que a vítima fica em evidência.
Aluna (10) – pra mim foi muito ruim, fica marcado na vida das pessoas. Eu não queria
voltar pra escola de vergonha das pessoas comentarem “nossa olha lá a menina que apanhou”,
eu tinha vergonha.
A criminalidade, que mais freqüentemente é veiculada nos meios de comunicação,
também se fez presente no discurso dos entrevistados. De forma geral, as drogas, os
assassinatos, os embates entre nações e as ações policiais, são fatores representados como
parte de um jogo caótico que tem a violência como primeira linguagem. Da mesma forma, a
representação social do papel materno e os valores agregados aos relacionamentos amorosos,
juntamente com os afetos que permeiam essas relações, quando fragilizados, se constituem
em combinações propícias para o desencadeamento da violência entre os alunos.
Para os educadores, a violência é concebida como o desrespeito ao outro e consigo
mesmo. O desrespeito ao outro, se traduz na transposição dos direitos individuais. Já o
desrespeito dirigido a si mesmo, seria o primeiro passo para poder praticar o descaso e a
afronta ao outro:
Professora – o que é violência? De uma forma geral começa com o desrespeito né.
Agora no caso do aluno, ou mesmo do ser humano em si, eu acho que ele começa
desrespeitando. [...] Ele não conhece o que é a palavra respeito, e isso vai gerando,
vai aumentado esse desrespeito e ele vai se tornando uma pessoa até agressiva. Eu
acho que são níveis da violência, eu penso na violência assim, eu acho que ela vai
tendo níveis.
Em conformidade com o discurso dos alunos, outro fator desencadeador de constantes
conflitos entre os alunos, está relacionado às relações amorosas estabelecidas entre os
estudantes, no discurso abaixo às meninas foram apresentadas como principais atuantes destes
confrontos:
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Professora - É, dentro dessa escola! Hoje em dia está muito comum isso. Cada caso
que você vê, são meninas que brigam por causa de namorado, isso é um tipo
também de violência, elas se agridem de puxar o cabelo, de xingar, de se ofender e
de bater mesmo umas nas outras por causa desse um menino que em comum elas
estão já apaixonadas por ele né. Elas se dizem apaixonadas, e o menino as vezes sai
com uma, ou as vezes nem saiu, mas conversou com aquela menina e a outra já se
sentiu ofendida e vai tirar satisfações.
No que tange os conflitos entre alunos e professores há uma relação entre violência e
indisciplina, para ele o aluno indisciplinado é aquele que não confere sentido á escola, assim a
violência seria uma espécie de resposta à angústia experimentada no ambiente escolar. Deste
modo, o aluno indisciplinado pratica a violência por desrespeitar o direito daqueles que vêem
significado na escola, ao mesmo tempo em que age com violência contra si mesmo, por não
perceber a importância dos conteúdos escolares:
Professor - o que eu vejo é que o aluno, hoje, e não sei com a gente poderia datar
esse hoje, mas ele não ta vendo mais um sentido na escola, ele não vê nada nisso
aqui que vai servir para ele no mundo lá fora. Então a gente tem que trabalhar com
ele isso daí né, a importância de vir pra uma escola, que nem na 8° série eu falei
assim “é importante vocês aprenderem geografia porque isso vai cooperar, do ponto
de vista do conteúdo, para que vocês possam ter uma visão mais crítica das coisas,
porém, nosso objetivo não é só ensinar vocês pra passar de ano e sim pra aprender,
como se pesquisa, como se trabalha. Se eles não entendem isso começa a
indisciplina, a violência. Então a violência seria também uma falta de respeito
consigo e com outro.
Ao que parece, não há um consenso que diferencie atos considerados violentos dos
comportamentos tidos como indisciplinados. De tal modo, que esta dificuldade tem trazido
conseqüências para as formas de atuação destes profissionais. Os pais são constantemente
convocados à escola para responder pelas condutas inadequadas de seus filhos no interior da
instituição. A policia também é acionada para resolver conflitos entre os jovens e seus pares, e
entre eles e a equipe escolar.
Professor- o diretor conversa com ele, as vezes a conversa não adianta, a gente
convoca os pais pra ficarem ciente do que os filhos fazem na escola, como é que eles
agem aqui dentro e se for o caso os pais são convidados a assistirem aulas com o
filho. E dependendo da situação a polícia é convocada chegando a acontecer até um
boletim de ocorrência
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Os depoimentos acima indicam que os educadores encontram dificuldades de ação
frente ao problema da indisciplina e da violência. Na ausência de recursos pedagógicos para
lidar com as situações de conflitos e confrontos, a equipe escolar recorre constantemente à
família, à polícia e ao afastamento do aluno da instituição escolar.
Considerações Finais
Na escola onde o estudo foi realizado, verificamos que a concepção de violência entre
alunos e professores, apresenta por um lado, pontos de concordância, e por outro, percepções
dissonantes. Os alunos concebem a violência como agressões físicas e simbólicas, e
relacionam a questão com a criminalidade e aos desentendimentos envolvendo a figura
materna e os relacionamentos amorosos. Já os dois educadores, frisam o desrespeito como
principal expressão da violência.
O significado conferido a escola não apresenta grandes diferenças nas falas dos
alunos e dos dois educadores. Entretanto, os discursos dos professores apontam para uma
ausência de interesse por parte dos alunos nas disciplinas ministradas. E ao que parece, a
equipe escolar não possui um projeto para lidar com a temática, assim as ações e estratégias
frente à violência no interior da escola permanecem dispersas e isoladas.
Os conflitos entre os jovens e seus pares, e entre estes e a instituição, são resolvidos,
muitas vezes, mediante a presença da família e/ou da polícia. De modo geral as atuações dos
educadores apresentam quatro faces: advertência, suspensão, convocação da família e o
acionamento da polícia.
Por fim, se a escola tem se instituído como espaço de constantes conflitos, entendemos
que estes não podem ser concebidos apenas como fatores negativos para o processo de
ensino-aprendizagem, ao contrário, pois são indicadores que permitem um mapeamento das
variáveis presentes para a emergência de confrontos em cada cotidiano escolar. Tendo isso
em vista, é de suma importância a construção de um projeto pedagógico que considere as
situações conflitivas que incidem no interior da escola.
REFERÊNCIAS
BLOMART, J. “Violência nas escolas da Bélgica”. In: Erik Debarbieux & Catarine Blaya
(orgs). Violência nas escolas: dez abordagens européias. Unesco, 2002.
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão.
Sociologias.,
Porto
Alegre,
n.
8,
2002.
Disponível
em:
11168
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151745222002000200016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 /09/2006. doi: 10.1590/S151745222002000200016
LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. Col.
Temas Básicos de Educação e Ensino, EPU, São Paulo 1998.
MATTEI, Jean-François. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. São
Paulo: 2002.
SOARES, L. E. (2000). “Uma interpretação do Brasil para contextualizar a violência”.In:
Carlos Alberto Messeder; Elizabethe Rondelli; Karl Erik Schollhammer & Micael
Herschmann (orgs). Linguagens da violência. Rio de Janeiro : Rocco
SPOSITO,P.S. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e
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jan/jun.
2001.
Disponível
em
htp//www.scielo.Br/scielo.php?=sci_arttex&pid=S0102-79722000000300018&In...Acesso
em 19/04/05.
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violência na escola: a concepção de professores e alunos