AMY CHUA
O GRITO DE GUERRA
DA MÃE TIGRE *
Battle Hymn of the Tiger Mother
Tradução de
Elsa T. S. Vieira
* A tradução literal do título The Battle Hymn of the Tiger Mother seria O Hino de Batalha da Mãe Tigre. No entanto, como a
expressão «hino de batalha» não é de uso corrente na língua portuguesa, optámos pela mais generalizada «grito de guerra», que apesar de parcialmente desvirtuar o sentido do título original, é uma expressão foneticamente mais próxima dos
nossos usos e costumes. (Nota do Editor.)
Conteúdos
PARTE UM
1>
A MÃE CHINESA
13
2>
SOPHIA
17
3>
LOUISA
21
4>
OS CHUA
25
5>
DECLÍNIO GERACIONAL
31
6>
O CÍRCULO VIRTUOSO
35
7>
SORTE DE TIGRE
41
8>
O INSTRUMENTO DE LULU
45
9>
O VIOLINO
53
10 > MARCAS DE DENTES E BOLHAS
61
11 > «O BURRINHO BRANCO»
69
12 > A CADENZA
73
PARTE DOIS
13 > COCO
83
14 > LONDRES, ATENAS, BARCELONA, BOMBAIM
89
15 > POPO
97
7
16 > O POSTAL DE ANIVERSÁRIO
105
17 > CARAVANA PARA CHAUTAUQUA
111
18 > O LAGO
117
19 > COMO CHEGAR AO CARNEGIE HALL
123
20 > COMO CHEGAR AO CARNEGIE HALL, PARTE 2
131
21 > A ESTREIA E A AUDIÇÃO
137
22 > EXPLOSÃO EM BUDAPESTE
143
PARTE TRÊS
23 > PUSHKIN
155
24 > REBELIÃO
167
25 > ESCURIDÃO
175
26 > REBELIÃO, PARTE 2
179
27 > KATRIN
185
28 > A SACA DE ARROZ
191
29 > DESESPERO
195
30 > «MELODIA HEBRAICA»
199
31 > PRAÇA VERMELHA
203
32 > O SÍMBOLO
207
33 > A CAMINHO DO OCIDENTE
209
34 > O FIM
215
CODA
221
AGRADECIMENTOS
227
NOTAS
229
8
Parte Um
O Tigre, o símbolo vivo de força e poder,
inspira geralmente medo e respeito.
1
A Mãe Chinesa
Muitas pessoas perguntam como é que os pais chineses criam filhos
tão estereotipadamente bem-sucedidos. Perguntam o que estes pais
fazem para produzir tantos génios da Matemática e prodígios musicais, como é a vida familiar e se conseguiriam fazer o mesmo. Bom,
eu posso responder a essas perguntas, porque fiz tudo isso. Aqui estão
algumas coisas que as minhas filhas, Sophia e Louisa, nunca tiveram
permissão para fazer:
> Dormir em casa de amigas
> Ir brincar para casa de amigos
> Participar numa peça da escola
> Queixar-se por não participar nas peças da escola
> Ver televisão ou jogar computador
> Escolher as suas próprias atividades extracurriculares
> Ter notas inferiores à máxima
> Não ser a melhor aluna em todas as disciplinas exceto
Ginástica e Teatro
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O GRITO DE GUERRA DA MÃE TIGRE
> Tocar outro instrumento além de piano ou violino
> Não tocar piano ou violino
Uso a expressão «mãe chinesa» de forma genérica. Conheci há pouco
tempo um rapaz branco extremamente bem-sucedido do Dakota do
Sul (já o viram na televisão) e, depois de compararmos experiências,
decidimos que o seu pai da classe trabalhadora era, decididamente,
uma mãe chinesa. Conheço pais coreanos, indianos, jamaicanos,
irlandeses e ganenses que também se qualificam. Da mesma forma,
conheço mães de ascendência chinesa, quase sempre nascidas já no
Ocidente, que não são mães chinesas, seja por opção ou por qualquer
outro motivo.
Também uso a expressão «pais ocidentais» de forma genérica. Os
pais ocidentais existem em todas as variedades. Na verdade, arriscaria mesmo dizer que os ocidentais são muito mais diversificados em
termos de estilos de educação do que os chineses. Alguns pais ocidentais são rígidos; outros são demasiado permissivos. Há pais do mesmo
sexo, pais judeus ortodoxos, pais solteiros e mães solteiras, pais ex-hippies, pais banqueiros e pais militares. Todos estes pais «ocidentais»
não estão, obrigatoriamente, de acordo em tudo, portanto quando uso
a expressão «pais ocidentais» claro que não me refiro a todos os pais
ocidentais — tal como «mãe chinesa» não se refere a todas as mães
chinesas.
Ainda assim, mesmo quando os pais ocidentais pensam que estão
a ser rígidos, geralmente não chegam nem perto das mães chinesas.
Por exemplo, as minhas amigas ocidentais que se consideram rígidas obrigam os filhos a praticarem os seus instrumentos meia hora
por dia. Uma hora, no máximo. Para uma mãe chinesa, a primeira
hora é a parte fácil. A segunda e a terceira horas é que começam a ser
complicadas.
Apesar dos nossos escrúpulos em relação a estereótipos culturais, há
imensos estudos que mostram diferenças assinaláveis e quantificáveis
entre chineses e ocidentais em questões de educação. Num desses estudos, abrangendo cinquenta mães ocidentais americanas e quarenta e
oito mães chinesas imigrantes, quase setenta por cento das mães oci14
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dentais disseram que «insistir no sucesso académico não é bom para
as crianças» ou que «os pais devem alimentar a ideia de que aprender é divertido». Em contraste, aproximadamente zero por cento das
mães chinesas tinham a mesma opinião. Em vez disso, a grande maioria das mães chinesas disse acreditar que os filhos podiam ser «os
melhores» alunos, que «a realização académica reflete uma educação
de sucesso» e que, se as crianças não se notabilizarem nos estudos,
então há «um problema» e os pais «não estão a fazer o seu trabalho».
Outros estudos indicam que, em comparação com os pais ocidentais,
os pais chineses passam aproximadamente dez vezes mais tempo,
diariamente, a trabalhar em atividades académicas com os filhos. Em
contraste, é mais provável que as crianças ocidentais participem em
desportos de equipa.
O que me traz ao meu último ponto. Há quem possa pensar que
os pais desportivos americanos são análogos à mãe chinesa. Isso está
totalmente errado. Ao contrário da típica mãe americana superocupada que leva os filhos aos treinos de futebol, a mãe chinesa acredita
que (1) os trabalhos escolares vêm sempre em primeiro lugar; (2) um
A-menos1 é uma má nota; (3) os seus filhos têm de estar dois anos
adiantados em relação aos colegas em Matemática; (4) nunca se deve
elogiar os filhos em público; (5) se o nosso filho alguma vez discordar com o professor ou treinador, devemos sempre ficar do lado do
professor ou treinador; (6) as únicas atividades que os nossos filhos
devem ter permissão para fazer são aquelas em que podem, eventualmente, ganhar uma medalha; e (7) essa medalha tem de ser de ouro.
1. O sistema de classificação nas escolas americanas segue uma escala alfabética e não numérica, sendo o A a nota máxima e o E a nota mínima. (N. da T.)
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2
Sophia
Sophia
Sophia é a minha filha mais velha. O meu marido, Jed, é judeu e eu
sou chinesa, o que faz das nossas filhas sino-judeo-americanas, um
grupo étnico que pode soar exótico, mas que, na realidade, é uma
maioria em certos círculos, especialmente em cidades universitárias.
O nome de Sophia em inglês significa «sabedoria», tal como Si Hui,
o nome chinês que a minha mãe lhe deu. Desde que Sophia nasceu,
demonstrou ter um temperamento racional e poderes de concentração excecionais. São qualidades que herdou do pai. Em bebé, Sophia
rapidamente começou a dormir a noite toda e só chorava se, com esse
choro, pudesse alcançar um objetivo. Na altura, eu estava a esforçar-me
por escrever um artigo de Direito — estava de licença da minha firma
de advogados em Wall Street e desesperada por arranjar um cargo de
professora para não ter de voltar para lá — e, com apenas dois meses,
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O GRITO DE GUERRA DA MÃE TIGRE
Sophia compreendeu-o. Calma e contemplativa, ela basicamente dormiu, comeu e viu-me ter bloqueios de escritor até ter um ano de idade.
Sophia foi precoce em termos intelectuais e, aos dezoito meses, já
sabia o alfabeto. O nosso pediatra negou que fosse neurologicamente
possível, insistindo que ela estava apenas a imitar sons. Para o provar,
pegou numa grande tabela complicada, com o alfabeto disfarçado de
cobras e unicórnios. O médico olhou para a tabela, depois para Sophia,
e novamente para a tabela. Astutamente, apontou para um sapo com
uma camisa de dormir e uma boina.
— S — disse Sophia.
O médico resmungou.
— Nada de ajudas! — avisou-me.
Fiquei aliviada quando ele chegou à última letra: uma iguana com
muitas línguas vermelhas, que Sophia identificou corretamente como
sendo o «I».
Sophia distinguiu-se na creche, particularmente em matemática.
Enquanto as outras crianças estavam a aprender a contar até 10 segundo
o criativo método americano — com varas, contas e cones — eu ensinei a Sophia adição, subtração, multiplicação, divisão, frações e decimais, à maneira chinesa, por insistência e repetição. O mais difícil era
mostrar a resposta certa usando varas, contas e cones.
O acordo que eu e Jed fizemos quando casámos foi que os nossos
filhos falariam mandarim e seriam educados como judeus. (Eu tive
uma educação católica, mas foi fácil desistir disso. O catolicismo praticamente não tem raízes na minha família, mas falarei disso mais
tarde.) Em retrospetiva, foi um acordo engraçado, porque eu própria
não falo mandarim — o meu dialeto nativo é hokkien — e Jed não é
minimamente religioso. No entanto, de alguma forma, funcionou.
Contratei uma ama chinesa para falar constantemente mandarim
com Sophia e festejámos o nosso primeiro Hanukkah quando Sophia
tinha dois meses.
À medida que Sophia crescia, parecia que estava a ter o melhor das
duas culturas. Era exploradora e interessada, do lado judeu. E de mim,
do lado chinês, recebeu capacidades — muitas capacidades. Não me
refiro a capacidades inatas, nada disso, apenas capacidades aprendidas à boa maneira chinesa, com diligência, disciplina e reforço da
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AMY CHUA
confiança. Quando tinha três anos, Sophia já lia Sartre, sabia a teoria
dos conjuntos simples e conseguia escrever cem carateres chineses.
(Tradução de Jed: reconhecia as palavras «Sem Saída», sabia desenhar
dois círculos sobrepostos e, está bem, talvez os rabiscos fossem carateres chineses.) Enquanto eu via os pais americanos cobrirem os filhos
de elogios pelas tarefas mais básicas — desenhar um rabisco ou abanar um pau — apercebi-me de que os pais chineses têm duas vantagens em relação aos pais ocidentais: (1) sonhos mais elevados para os
filhos e (2) uma maior consideração pelos filhos, no sentido de saberem o quanto eles podem fazer.
Claro que eu também queria que Sophia beneficiasse dos melhores
aspetos da sociedade americana. Não queria que ela acabasse como
um daqueles autómatos asiáticos esquisitos, que sentem tanta pressão por parte dos pais que se matam depois de ficarem em segundo
lugar no exame nacional para a função pública. Queria que ela fosse
equilibrada e que tivesse passatempos e atividades. Não qualquer atividade, como «artes», que não leva a lado nenhum — ou, pior ainda,
tocar bateria, que leva ao consumo de drogas —, mas um passatempo
que fosse sério e muito difícil e que tivesse potencial para profundidade e virtuosismo.
E foi aí que entrou o piano.
Em 1996, aos três anos de idade, Sophia recebeu duas coisas novas:
a sua primeira lição de piano e uma irmãzinha mais nova.
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3
Louisa
Louisa
Há uma canção country que diz: «Ela é um demónio com cara de anjo.»
Essa é a minha filha mais nova, Lulu. Quando penso nela, penso em
tentar domar um cavalo selvagem. Mesmo no ventre, já dava pontapés tão fortes que deixavam marcas visíveis na minha barriga. O verdadeiro nome de Lulu é Louisa, que significa «famosa guerreira». Não
sei bem como percebemos isso tão cedo.
O nome chinês de Lulu é Si Shan, que significa «coral» e sugere
delicadeza. Isto também condiz com Lulu. Desde o dia em que nasceu, Lulu sempre teve um palato muito seletivo. Não gostava do leite
artificial que lhe dava e ficou tão indignada com a alternativa de
leite de soja, sugerida pelo pediatra, que fez greve de fome. No entanto,
ao contrário de Mahatma Gandhi, que era altruísta e meditava enquanto
passava fome, Lulu tinha cólicas, gritava e agitava-se violentamente
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O GRITO DE GUERRA DA MÃE TIGRE
durante horas a fio, todas as noites. Jed e eu já andávamos de tampões nos ouvidos e a arrancar os cabelos quando, felizmente, a nossa
ama chinesa, Grace, nos veio salvar. Preparou um tofu macio estufado num molho leve de abalone2 e cogumelos shiitake, guarnecido
com coentros, de que Lulu acabou por gostar.
É difícil encontrar palavras para descrever a minha relação com Lulu.
«Guerra nuclear declarada» não é suficiente. A ironia é que Lulu e eu
somos muito parecidas. Ela herdou a minha personalidade: impulsiva, com uma língua afiada, mas rápida a perdoar.
Por falar em personalidades, não acredito em astrologia — e penso
que as pessoas que acreditam têm graves problemas —, mas o zodíaco chinês descreve Sophia e Lulu na perfeição. Sophia nasceu no
Ano do Macaco, e os Macacos são curiosos, intelectuais e «conseguem geralmente realizar qualquer tarefa. Apreciam trabalho difícil
ou desafiador, uma vez que os estimula». Em contraste, as pessoas
nascidas no Ano do Porco são «teimosas» e «obstinadas» e muitas
vezes «têm ataques de raiva» embora nunca «guardem rancores»,
sendo fundamentalmente honestas e generosas. É a descrição exata
de Lulu.
Eu nasci no Ano do Tigre. Não quero gabar-me, mas os Tigres são
nobres, destemidos, poderosos, autoritários e magnéticos. São também, supostamente, pessoas de sorte. Beethoven e Sun Yat-sen eram
ambos Tigres.
Tive o meu primeiro confronto com Lulu quando ela tinha cerca
de três anos. Foi numa tarde gelada de inverno em New Haven, Connecticut, um dos dias mais frios do ano. Jed estava a trabalhar — era
professor na Faculdade de Direito de Yale — e Sophia estava na creche. Decidi que era a oportunidade perfeita para apresentar Lulu ao
piano. Entusiasmada com a ideia de trabalharmos juntas — com os
seus caracóis castanhos, olhos redondos e carinha de boneca, Lulu
era enganadoramente querida — sentei-a no banco do piano, em
cima de umas almofadas confortáveis. Depois mostrei-lhe como
tocar uma nota, com um dedo, calmamente, três vezes, e pedi-lhe
que fizesse o mesmo. Um pedido simples, mas Lulu recusou e pre2. Espécie de molusco comestível. (N. da T.)
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feriu tocar muitas notas ao mesmo tempo com as duas mãos abertas. Quando lhe pedi para parar, bateu ainda com mais força e mais
depressa. Quando tentei afastá-la do piano, desatou aos gritos, a chorar e a debater-se furiosamente.
Quinze minutos depois, ainda estava aos gritos, a chorar e a debater-se, e eu estava farta. Desviei-me dos seus golpes, arrastei aquele diabinho guinchador até à porta das traseiras e abri-a.
O vento fazia com que parecesse ainda mais frio e doeu-me a cara
ao fim de apenas alguns segundos de exposição ao ar gelado. No
entanto, estava decidida a criar uma criança chinesa obediente — no
Ocidente, a obediência é associada a cães e ao sistema de castas, mas
na cultura chinesa está entre as mais elevadas virtudes — nem que
isso me matasse.
— Não podes ficar dentro de casa se não fazes o que a mamã manda
— disse-lhe, severamente. — Vais portar-te bem? Ou queres ir lá para
fora?
Lulu saiu e olhou para mim, com ar de desafio.
Comecei a ficar assustada. Lulu vestia apenas uma camisola, uma
saia de folhos e collants. Parara de chorar. Na verdade, estava estranhamente silenciosa.
— Muito bem, decidiste portar-te bem — disse, rapidamente. —
Podes entrar.
Lulu abanou a cabeça.
— Não sejas palerma, Lulu. — Eu estava a entrar em pânico. — Está
muito frio. Vais ficar doente. Anda já para dentro.
Lulu estava a bater os dentes, mas abanou outra vez a cabeça. E nesse
momento vi tudo, claro como a água. Subestimara Lulu, não compreendera como ela era. A minha filha preferia morrer de frio do que ceder.
Tive de mudar imediatamente de tática; esta era uma batalha que eu
não conseguia ganhar. Além disso, os Serviços de Proteção de Menores ainda me mandavam para a cadeia. Com a mente num turbilhão,
inverti o rumo e comecei a suplicar, a mimar e a subornar Lulu para
entrar em casa. Quando Jed e Sophia chegaram, encontraram Lulu
muito satisfeita, de molho numa banheira de água quente, a comer
um bolo de chocolate e a beber uma caneca de chocolate quente com
marshmallows.
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Mas Lulu também me subestimara. Eu estava apenas a rearmar.
As linhas da batalha estavam traçadas e ela nem sequer sabia.
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