ANO 3 | Nº 4 | JUNHO 2011
TRIBUTÁRIO | Artigo
As recentes batalhas travadas no âmbito da Guerra Fiscal dos
Estados – como fica a situação dos contribuintes?
A GUERRA
Foram divulgadas, recentemente, na mídia
nacional duas manifestações das nossas mais
altas cortes judiciais acerca do tema “ICMS e
Guerra Fiscal dos Estados”. A primeira
manifestação, do Superior Tribunal de
Justiça, mais alta corte para tratar matérias
de ordem infraconstitucional, foi uma
decisão que afasta a responsabilização e,
concomitante, penalização do contribuinte
de destino de mercadorias provenientes de
Estados que concedem, aos seus, benefícios
fiscais de ICMS sem base em convênio.
Poucas semanas depois, o Supremo Tribunal
Federal, mais alta corte para julgar temas no
âmbito constitucional, decidiu sobre pouco
mais de uma dezena de Ações Diretas de
Inconstitucionalidade propostas contra
benefícios fiscais não amparados por
Convênio, outorgados por diversos Estados
e pelo Distrito Federal. O Supremo Tribunal
Federal, seguindo tendência já sedimentada,
declarou as normas inconstitucionais.
Muito embora a mídia tenha, repetidamente, publicado que o “Supremo Tribunal
Federal acabou com a Guerra Fiscal”, essas
decisões exaradas contemporaneamente
não trazem qualquer novidade à resolução
definitiva do problema. Em outros momentos, o mesmo tribunal tomou a mesma
medida, julgando diversos casos análogos
de uma só vez. Essas decisões, sem dúvida,
representam uma batalha ganha, mas estão
longe, bem longe, de acabar com a Guerra
Fiscal, o que, em nossa opinião, apenas
conhecerá seu fim por meio de Reforma
Tributária.
A seguir, fazemos uma análise das decisões e
suas conseqüências aos contribuintes.
A BATALHA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
A recente decisão do Superior Tribunal de
Justiça mostrou, mais uma vez, que os
contribuintes podem ter esperança na luta
contra as ingerências dos fiscos estaduais
resultantes da conhecida “Guerra Fiscal” dos
Estados. Em 3.5.2011, o Superior Tribunal de
Justiça julgou o RMS nº 31.714/MT, por
meio do qual foi discutida a glosa, pelo
Estado do Mato Grosso, de créditos de ICMS
correspondentes ao benefício fiscal concedido sem amparo em convênio do CONFAZ
pelo Estado de Goiás, com a conseqüente
autuação e aplicação de multa ao contribuinte.
O Superior Tribunal de Justiça, neste caso,
posicionou-se a favor do contribuinte,
protegendo o seu direito ao crédito e deixando por conta dos Estados a discussão no
Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade do benefício, para que possam
obter a revogação do ato estadual supostamente inconstitucional.
Pela Constituição Federal (art. 155, § 2º, XII,
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“g”), os Estados e o Distrito Federal somente
poderão conceder e revogar incentivos
fiscais na forma prevista em lei complementar, para evitar a “concorrência fiscal danosa”, que conhecemos por Guerra Fiscal.
Assim, a Lei Complementar nº 24/75, que foi
recepcionada pela Constituição Federal de
1988, prevê sua concessão sob a forma de
convênios celebrados e ratificados pelos
Estados (art. 1º, caput e parágrafo único).
Para a sua celebração, devem estar presentes
representantes da maioria dos Estados. Para
a aprovação é necessária a unanimidade dos
votos. Além disto, para poder finalmente
conceder o benefício acordado, o Estado
deve aguardar a ratificação do convênio
pelos outros.
Seja pela burocracia e demora na aprovação
dos convênios, seja pela possibilidade de
negação pelos outros Estados, ou pela
lentidão do processo de julgamento de
ações diretas de inconstitucionalidade, não
tem sido incomum a concessão de benefícios de maneira unilateral, por decreto do
Poder Executivo estadual. Em retaliação, o
Estado de destino das mercadorias, sentindo-se lesado, freqüentemente não reconhece os créditos do benefício concedido
sem amparo em Convênio, e o prejudicado
nesta disputa é, mais uma vez, o contribuinte. A própria Lei Complementar nº 24/75,
que regulamenta a fixação dos benefícios,
enumera entre as sanções em caso de
concessão ilegal (art. 8º), além de sanções ao
Estado transgressor, a ineficácia do crédito
fiscal atribuído ao estabelecimento e a
exigibilidade do imposto não pago (ou
devolvido).
Entretanto, na decisão in casu, o Ministro
Relator Castro Meira determinou que “cabe
ao Estado lesado obter junto ao Supremo,
por meio de ADIn, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do
Estado de onde se originam as mercadorias
(...) e não simplesmente autuar os contribuintes sediados sem eu território”. Para ele,
“o creditamento do ICMS em regime de
não-cumulatividade prescinde do efetivo
recolhimento na etapa anterior, bastando
que haja a incidência tributária.” Assim, o
crédito de ICMS de um Estado terá que ser
reconhecido no outro Estado da Federação,
protegendo-se com esta medida o contribuinte, que sofria por fim os prejuízos da
Guerra Fiscal ao agir em conformidade com
a legislação estatal. A exceção ainda são os
casos de isenção ou não-incidência (alíquota
zero), para os quais a lei admite o não creditamento (art. 155, § 2º, II, “a” da
Constituição Federal e art. 20, § 1º, da Lei
Complementar nº 87/96).
No mesmo sentido, em 2010, já havia
decisão monocrática da Ministra do
Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie (AC
2611/MG), pela qual suspendeu a exigibilidade do tributo cobrado pelo Estado de
Minas Gerais devido à glosa do creditamento referente a mercadorias adquiridas de
Goiás. A ministra esclareceu que “não é
dado ao Estado de destino, mediante glosa à
apropriação de créditos nas operações
interestaduais, negar efeitos aos créditos
apropriados pelos contribuintes”.
A penalização do contribuinte pela Lei
Complementar nº 24/75 já era criticada,
principalmente, pela delegação a ele do
juízo quanto à constitucionalidade dos
incentivos fiscais e sua penalização por ato
de terceiro – o Estado transgressor. Com o
julgamento do Superior Tribunal de Justiça,
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formou-se um valioso precedente para os
contribuintes, ainda mais pelo fato de ser
este o tribunal competente para julgar, em
última ou única instância, os recursos contra
decisões que acataram por válido ato de
governo local em face de lei federal (art. 105,
III, “b” da Constituição Federal). Assim, os
contribuintes que recorreram aos tribunais
locais contra ato da própria Fazenda Estadual
limitando o seu direito ao creditamento e
tiveram seu pleito negado, podem recorrer
ao Superior Tribunal de Justiça contando
com esse precedente em seu favor.
consenso dos outros Estados, via Convênio.
O Supremo não fez referência aos efeitos da
nulidade das normas aos contribuintes,
apenas as declarou inconstitucionais.
Aplaudimos aqui a decisão do Superior
Tribunal de Justiça, ao amparar sob a
Constituição e a Lei o contribuinte, que era a
vítima da disputa política dos Estados na
Guerra Fiscal. Caberá, portanto, aos Estados
levar as suas disputas em torno dos benefícios fiscais de ICMS ao Supremo Tribunal
Federal, sem utilizar-se da cômoda (e recorrente) penalização do contribuinte.
No que tange aos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, não vislumbramos
grande probabilidade dos Estados infratores
exigirem de seus contribuintes, que gozaram
dos benefícios, o ICMS não recolhido.
Mesmo assim, se por um absurdo quiserem
cobrar de seus contribuintes, tal exigência
seria, em nossa opinião, de questionável
legalidade e constitucionalidade, haja vista
que os benefícios e seus requisitos foram
gozados e cumpridos de acordo com normas expedidas pelo próprios entes, que
muitas das vezes impõem contrapartidas
onerosas (destinação de parte a fundos de
combate à pobreza, exigência de investimentos consistentes, aumento de postos de
trabalho, elevação da arrecadação do
próprio ICMS etc.).
A BATALHA NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
A SITUAÇÃO DAS VÍTIMAS DA GUERRA –
OS CONTRIBUINTES
O Supremo Tribunal Federal decidiu sobre
um pacote de 14 Ações Diretas de
Inconstitucionalidade contra normas do
Distrito Federal (ADI 2549) e dos Estados do
Espírito Santo (ADI 3702 e 2352), Mato
Grosso do Sul (ADI 4457 e 3794), Pará (ADI
1247), Paraná (ADI 3803), Rio de Janeiro
(ADI 1179, 2376, 3674, 3664 e 3413) e São
Paulo (ADI 2906 e 4152), que concediam
benefícios fiscais de ICMS sem amparo em
Convênio firmado por meio do CONFAZ
(Conselho Nacional de Política Fazendária).
Como foi visto acima, a glosa dos créditos de
ICMS não constitui sanção imposta ao
Estado infrator das regras constitucionais e
legais relativas à concessão de benefícios
fiscais, mas de sanção imposta ao contribuinte de direito ou de fato, que agiu conforme
prescrito em lei estadual, o que não pode ser
permitido. Com efeito, uma aberração
jurídica seria criada se exigido fosse que o
contribuinte destinatário das mercadorias
fizesse o exame da constitucionalidade de
benefício concedido por outro Estado da
Federação.
As decisões foram baseadas no fato dos
benefícios terem sido outorgados sem prévio
A Lei Complementar nº 24/75 foi instituída
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com o fim precípuo de estabelecer disciplina
às relações entre os entes federados, com o
intuito de afastar a concorrência fiscal que
corroeria as bases do sistema tributário na
forma como foi instituído, prejudicando sua
harmonia e desembocando em caos. Assim,
as sanções relativas à infração dessas normas
disciplinadoras devem apenas ser dirigidas
ao ente político, os Estados ou o Distrito
Federal, que a cometeu, nunca ao contribuinte, que não tem nenhuma participação na
instituição de normas fiscais infratoras ao
disposto na Lei Complementar nº 24/75.
Por via de conseqüência, uma vez ferido o
disposto na Lei Complementar nº 24/75,
apenas as normas sancionatórias diretamente dirigidas aos Estados e ao Distrito
Federal devem ser aplicadas, como: presunção de irregularidade das contas estaduais
correspondentes ao exercício, a juízo do
Tribunal de Contas da União, e a supressão
do pagamento das quotas referentes aos
Fundos de Participação (art. 8º, parágrafo
único).
Portanto, em se tratando de problema a ser
discutido entre Estados da Federação,
qualquer penalidade ou ônus deve atingir
apenas os próprios Estados infratores. Uma
vez não surtindo o efeito desejado, os
Estados lesados devem adotar as medidas
políticas necessárias para tanto.
Observação:
O Prof. Dr. Gerd Willi Rothmann, sócio-sênior do
Escritório Araújo e Policastro Advogados, baseado
em diversos pareceres preparados por ele e sua
equipe a clientes lesados indevidamente pelos
fiscos estaduais por conta da Guerra Fiscal, publicou
trabalho sistemático e completo sob o título “A
guerra fiscal dos Estados na (des)ordem tributária e
econômica da federação” (in Estudos em
Homenagem a José Eduardo Monteiro de Barros –
Direito Tributário, 1ª Ed., São Paulo, MP Editora,
2010, p. 331 ss.), no qual analisa toda a problemática e seus efeitos aos contribuintes.
Para mais informações a respeito do tema da Guerra
Fiscal e da proteção dos contribuintes, entre em
contato conosco.n
Autores:
Paulo César Teixeira Duarte Filho
[email protected]
Bianca Maria Garcez de Melo
[email protected]
Este conteúdo está disponível em nosso website:
www.araujopolicastro.com.br
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Nova Batalha vencida pelo Contribuinte no Âmbito da Guerra Fiscal