CONSIDERAÇÕES ECLESIOLÓGICAS PRÉ-CONCÍLIO VATICANO II Bruno Cesar Siqueira Pe. Paulo Fernando Cunha de Melo Faculdade Católica de Filosofia e Teologia de Ribeirão Preto. Introdução Tendo em vista a proposta da II Semana Teológica, que nesta etapa se propôs a pesquisar e refletir sobre os antecedentes do Concílio Vaticano II; queremos neste GT de Eclesiologia contribuir, mediante esta modesta pesquisa, com as ricas contribuições teológicas sobre o Mistério da Igreja a partir do alvorecer do século XIX. Contextualização Todas estas reflexões teológicas sobre a Igreja estão necessariamente dentro do espaço e do tempo na História da humanidade, de certa forma, são fruto das realidades concretas vividas e, também reações à própria realidade enfrentada pela Igreja. Partindo das reflexões da Escola de Tübingen, com o pioneiro Johann Adam Möhler (1796-1838), com suas obras: “Die Einheit” (A Unidade da Igreja) e posteriormente a “Symbolik” (Simbólica), contextualizamos seu pensamento em “contrapor a própria reflexão teológica ao Iluminismo, num primeiro momento, e, sucessivamente, ao Protestantismo”1, tendo como influência em seu pensamento a época do Romantismo. Segundo ALONSO, ali se começou a desenhar as linhas fundamentais do que se chamaria de Eclesiologia Moderna2. Posteriormente, a discussão sobre o “poder” da Igreja, ou seja, seu regime de governo: bispos e o papa, gerou também como reação as correntes contrárias a realidade da Igreja, citamos aqui uma delas: a questão galicana3, uma corrente que 1 TAVARES, Sinivaldo Silva. Unidade na Pluralidade: A Eclesiologia de J. A. Möhler. p. 838. Cf.: ALONSO, J.J.H. La Nueva Creacion. Sigueme. 1976. p.31. 3 Cf.: ACERBI, Antonio. Due Ecclesiologie. EDB. 1975. p.20. 2 se firmou no Vaticano I: a estrutura hierárquica, principalmente a Infalibilidade papal e a ideia de Igreja como sociedade perfeita4. Segundo LACOSTE: “O Vaticano I tinha a intenção de propor uma eclesiologia global, mas só o capítulo 9 de seu Schema de ecclesia, a constituição dogmática Pastor aeternus foi aprovado em 1870. As encíclicas Satis cognitum de Leão XIII e a Mystici corporis de Pio XII marcarão novas etapas significativas”5. Neste contexto, duma realidade mais jurídica e hierárquica, afirma Libânio: “Na prática, o papel da Igreja na sociedade se identificava com a atividade político-histórica da hierarquia. E na hierarquia a função do Romano Pontífice e de sua cúria se impôs, sobretudo por uma luta antimodernista e dos ensinamentos do Concílio Vaticano I”6. Percebemos neste sucinto esboço alguns movimentos que buscaram dentro de sua realidade histórica, na qual a Igreja estava inserida, afirmarem a sua presença e sua missão na terra, na tentativa também de reagirem a correntes de pensamento que questionavam a postura da mesma Igreja, seja no século XIX, seja no início do século XX. Neste breve panorama dos antecedentes eclesiológicos do Vaticano II, conclui Baraúna: “[...] após o Vaticano I, as pesquisas eclesiológicas de alguns grandes teólogos [...] que no entanto haviam retomado as ricas intuições de J.A. Moehler, foram sustadas por uma atenção demasiado exclusiva dada a Constiuição Pastor Aeternus, [...] A doutrina da Igreja, que começara a se revitalizar saindo do seu invólucro por demais jurídico, em grande parte foi concentrada em torno das definições da infalibilidade e do Primado e das mais canônicas das suas ramificações”7. 4 Cf.: ACERBI, Antonio. Op. Cit. p.30. LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. Paulinas/Loyola. 2004. p.590. 6 LIBANIO, J.B. Concílio Vaticano II. Loyla. 2005. p.16. 7 BARAÚNA, Guilherme. A Igreja do Vaticano II. Vozes. 1965. p.134. 5 De acordo com estas considerações históricas, nos propomos a evidenciar a reflexão pioneira do teólogo da Escola de Tübingen8: Johann Adam Möhler (17961838), acima citado, em sua Eclesiologia Pneumatológica e sua Eclesiologia Cristológica, como rica contribuição ao desenvolvimento do Tratado da Igreja. Johann Adam Möhler (1796-1838). Como pioneira contribuição deste teólogo alemão queremos brevemente destacar sua reflexão teológica sobre o Mistério da Igreja, iniciando com sua primeira obra: “Die Einheit” (A Unidade da Igreja) de 1825 e, sucessivamente a “Symbolik” (Simbólica) de 1832. Respectivamente uma Eclesiologia sobre bases penumatológicas e outra sobre bases cristológicas. Möhler, contra as ideias iluministas tem como referência ou como base para sua reflexão, sua “chave de leitura”, a proposta romântica sobre a vida, não apenas os aspectos ou sentidos práticos, mas também os metafísicos. A própria Vida se expressa numa diversidade. “Esta idea central de la VIDA, aplicada ya al plano religioso, pretende resaltar la unidad entre lo natural y lo sobrenatural, superando las discusiones racionalistas de época precedente [...]”9. Esta base romântica da unidade do conceito “Vida”, entre seus aspectos externo e internos, o teólogo alemão aplicou a Igreja, na tentativa de mostrar a unidade da mesma em sua realidade natural e sobrenatural. Eclesiologia Pneumatológica. Para Möehler, a unidade exterior da Igreja é manifestação de sua unidade interior e isto só é possível porque o principio desta vida eclesial é o Espírito Santo. Esta unidade na diversidade é, pois, suscitada e animada pelo Espírito, que ainda preserva “o valor da individualidade”10. Uma das grandes questões sobre a Igreja era, pois, separar a Igreja do Espírito e a Igreja Hierárquica, com base na estrutura 8 Fazem parte desta Escola alemã: J.H. Newman (1801 -1890) e F. Pilgram. Cf.:ALONSO, J.J.H. La Nueva Creacion. Sigueme.1976. p.34-38. 9 ALONSO, J.J.H. Ibidem. p.31. 10 TAVARES, Sinivaldo Silva. Op. Cit. p. 841. de pensamento romântica, o teólogo de Tübingen, rompe com esta imagem. “Deste modo, numa determinada diocese, o bispo é a concretização externa do seu próprio princípio interno”11. “La estrucutura visible de la iglesia también se explica desde la dinâmica de la própria vida interior, considerando todas as funciones jerárquicas como manifestaciones necesarias de la esencia eclesial, sometidas al principio de unidade que rige toda la iglesia”12. A hierarquia está desta forma integrada no princípio desta Vida, ou seja, querida e dinamizada pelo Espírito, como princípio de unidade eclesial. Olhando ainda para a imagem duma Diocese, Möehler afirma: “o espírito do cristianismo: o princípio vital interno da diocese que se exterioriza no bispo, seu órgão visível” 13. Sendo, pois, o Espírito Santo princípio vital da Igreja, nosso teólogo desenvolve uma ideia mística da realidade da Igreja, na qual a união dos fiéis em sua vivência comunitária, habitada por este mesmo Espírito, deve “gerar vida nova em outros”14. “Nisto se refelete uma vez mais o forte influxo do romantismo sobre o pensamento de Möhler, tanto na redescoberta do valor da comunidade, quanto na revalorização da individualidade.[...] da ideologia iluminista vigorava, como princípio hegemônico, o individualismo quantitativo referido sempre à uniformidade ou à igualdade dos homens entre si”15. Nesta primeira etapa do pensamento eclesiológico de Möhler, percebemos sua renovação ao propor este modelo de Igreja para sua época. Com o princípio vital que une e anima, o Espírito Santo, a Igreja se mostra como viva, manifestando em sua visibilidade sua realidade interior. Eclesiologia Cristológica. Se em sua primeira obra, Möhler, estava preocupado em defender e afirmar a Igreja como sendo sobrenatural e divina, levando em conta o Iluminismo, nesta obra 11 Ibidem. ALONSO, J.J.H. Op. Cit. 1976 .p.33. 13 TAVARES, Sinivaldo Silva. Op. Cit. p. 841. 14 Ibidem. p.847. 15 Ibidem. p. 850. 12 “Symbolik”, de caráter apologético, mediante as igrejas “reformadas”, “sente-se desafiado a acentuar o elemento humano e visível da Igreja católica como aspecto fundamental do cristianismo”16. Tendo em vista, a visão de que o homem manchado pelo pecado não poderia, contribuir com sua própria salvação, o teólogo de Tübingen, evidencia justamente esta humanidade. “el hecho de la encarnación es la verdad clave que combina – dentro de la dinâmica existente em toda realidad – el aspecto humano y el divino de la comunidad eclesial”17. A Igreja é a comunidade visível dos fiéis, não simplesmente pelo vínculo íntimo do Espírito Santo, mas partindo do princípio da Encarnação do Verbo. Este vínculo com o Verbo Encarnado evidencia a obra redentora do gênero humano em Cristo. A Igreja é a visibilidade de Cristo aos homens, “fundada por Jesucristo, dirigida por el Espíritu, que continúa hasta el fin de los tiempos el ministério terreno del salvador”18. “Nesta ótica, a Igreja visível é, portanto, o Filho de Deus que continuamente aparece entre os homens em forma humana, sempre se renovando e rejuvenescendo-se; sua encarnação contínua, assim como os fiéis que, por sua vez, na Sagrada Escritura são chamados corpo de Cristo (§ 36, 280)”19. A identificação de Cristo com a Igreja demonstra a ação do Ressuscitado por meio da Igreja, por todos os tempos; presença redentora e reconciliadora, pois Cristo continuaria sua missão na missão visível, humana da Igreja: “comunidade de redenção”20. Na “Symbolik”, Möehler, propõe a Igreja como intervenção do próprio Deus para o mundo, que atualiza a obra redentora de Cristo. A Igreja se mostra como humana e divina, “cuerpo, forma visible de Jesucristo, su humanidad permanente, su manifestación eterna”21. Nesta obra, nosso teólogo, opõe-se da visão “pessimista” do homem, segundo ele, a Igreja humana e divina, em Cristo e por Ele, pode 16 Ibidem. p. 852. ALONSO, J.J.H. Op Cit. 1976. p.33. 18 Ibidem. p.33. 19 TAVARES, Sinivaldo Silva. Op. Cit. p. 855. 20 Ibidem. p.861. 21 ALONSO, J.J.H. Op Cit. 1976. p.34. 17 colaborar na obra da salvação. Desta forma, “a autoridade da Igreja, resulta, portanto, absolutamente necessária quando se quer, de fato, aceitar Cristo como verdadeira autoridade”22. 22 TAVARES, Sinivaldo Silva. Op. Cit. p. 859. Referências Bibliográficas. ACERBI, Antonio. Due Ecclesiologie.EDB.1975. ALONSO, J.J.H. La Nueva Creacion. Sigueme.1976. BARAÚNA, Guilherme. A Igreja do Vaticano II. Vozes.1965. LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. Paulinas/Loyola. 2004. LIBANIO, J.B. Concílio Vaticano II. Loyla. 2005. TAVARES, Sinivaldo Silva. Unidade na Pluralidade: A Eclesiologia de J. A. Möhler.