Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia “Homi Matou Papai Meu”: uma situação histórica dos AváCanoeiros Lena Tatiana Dias Tosta Orientador: Prof. Dr. Stephen Grant Baines Dissertação de graduação apresentada ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais com Habilitação em Antropologia 3 “Man has fallen so asleep he has to be taught how to give himself the shock of Self-Remembering before anything can be done to transform him. G. used to talk a great deal about how Man has lost this state given to him at birth and he used to point to the modern world and say in many different ways that if we want to study how Man has lost this state of Self-Remembering and what consequences have arisen from this loss of Consciousness we have only to look round and see what is happening in this world, this world in which millions of people are behaving in a way that can lead to no solution and can only get worse and worse. “No one,” he said, “now remembers himself or even thinks it is necessary, and for this reason there has been a drop in the level of Consciousness, and this level is descending more and more every day and as a consequence people are becoming more and more governed by external circumstances and more and more helpless to remedy their troubles” (Nicoll, 1957: 787). 3 4 Agradecimentos Agrade_o profundamente ao meu orientador, prof. Stephen Grant Baines, aos meus pais Elza Dias Tosta e Carlos Eduardo Tosta, meus av_s e ao Walter Sanches pelo est_mulo, dedica__o e extrema confian_a. Estou muito grata _queles que possibilitaram e/ou facilitaram esta pesquisa, em especial: Tutau, Tatia, Matcha, Naquatcha, Iaw_, Tuia, Trumak, Potdjawa, Kaokama e filhos, Sebasti_o e esposa (servidores na Terra Ind_gena), Renato Sanchez, Ester Maria de O. Silveira, Edilson Figueiredo, “Seu” Gabriel e fam_lia (comerciante em Mina_u) e todos moradores da aldeia Java_. Espero poder retribuir a Renato Barbosa Andrade de Faria o companheirismo e apoio a mim dispensados. Obrigada aos professores Henyo Barretto Filho, J_lio Cezar Melatti, Roque de Barros Laraia e Aur_lio Vianna, por inspira__o, material bibliogr_fico e sugest_es. Finalmente, agrade_o aos respons_veis pelo Programa de Inicia__o Cient_fica que financiou esta pesquisa, em especial _ Prof. Gl_ucia de Oliveira e _ Prof. Ellen Woortman. 4 5 Considera__es Gerais Sobre a Pesquisa A pesquisa teve in_cio em 1995, vinculada ao Programa Institucional de Bolsas de Inicia__o Cient_fica. A primeira visita _ Terra Ind_gena Av_-Canoeiro foi realizada em julho de 1995. Na verdade, foi apenas uma visita de uma semana de dura__o para conhecer o grupo e entrevistar pessoas da regi_o de Mina_u/Colinas. A segunda visita foi feita quase um ano depois, entre 26 de maio e 5 de junho de 1996, sendo dedicada quase exclusivamente a conhecer melhor os seis indiv_duos do grupo do Rio Tocantins e as pessoas que moravam na sua terra. Houve tentativas durante as viagens de entrevistar funcion_rios de FURNAS S.A. ligados _s decis_es pol_ticas envolvendo o Programa Av_-Canoeiro, todas frustradas por motivos diversos (como a marca__o de entrevista para dia de feriado e dificuldade de acesso e transporte). A _ltima viagem aos Av_-Canoeiro aconteceu entre 17 e 22 de setembro de 1996. Desta vez conheci o grupo da Ilha do Bananal, os Java_ com quem moram, funcion_rios da FUNAI e da Funda__o Bradesco empresa com hist_ria de conflito com os Av_-Canoeiro. Entrei em contato com o Movimento Nacional de Atingidos por Barragens em Niquel_ndia (G.O.). Participei do “Encontro dos Atingidos pela Barragem Serra da Mesa” que aconteceu em 18/01/96 no Sindicato dos Produtores Rurais de Niquel_ndia. Minha exposi__o abordou informa__es sobre a Hidrel_trica em quest_o, sobre os “Av_-Canoeiro” (mostrando como eles encaixam na categoria de atingidos como eles pr_prios) e sobre outros trabalhos antropol_gicos com atingidos. Foi uma excelente oportunidade de conversar com indiv_duos cujas terras inundadas. Pela exposi__o e questionamentos levantados pelos atingidos ficou claro que o projeto de deslocamento e/ou indeniza__o das fam_lias iam muito devagar e os poucos que j_ 5 6 haviam sido indenizados sentiam-se lesados. Alguns pequenos agricultores, a maioria de analfabetos, receberam apenas uma indeniza__o em dinheiro e n_o eram relocados. Em v_rios casos, estes agricultores recebiam o dinheiro e logo mudavam-se para uma cidade pr_xima esperando remodelar suas vidas, mas perdiam o dinheiro com muita rapidez e ficam despojados de patrim_nio. Houve uma exposi__o do Prof. Ildo Sauer, Engenheiro Civil da USP a respeito da “Viabilidade, Vantagens e Desvantagens da UHE Serra da Mesa”. Sua exposi__o mostrou que n_o existe a alegada necessidade de outras hidrel_tricas num pa_s em que se disperdi_a 80% da energia el_trica produzida e que apenas a ind_stria utiliza metade. Criticou a falta de planejamento de reloca__o para os atingidos, pois n_o se perde apenas terras e benfeitorias, mas tamb_m estradas, escolas, postos de sa_de e rela__es entre pessoas. Durante quatro meses do intervalo entre as duas _ltimas viagens, fui estagi_ria no Departamento de Patrim_nio Ind_gena na FUNAI, subordinada _ antrop_loga Ester de Oliveira Silveira, uma das respons_veis pelas decis_es pol_ticas que afetam o grupo. Tive acesso aos documentos oficiais e _s discuss_es envolvendo a pol_tica indigenista no caso. Pude conhecer e conversar/entrevistar algumas pessoas ligadas ao grupo ou n_o que me permitiram entrever um m_nimo do quadro mais geral da pol_tica indigenista oficial no Brasil neste momento. Foi atrav_s do Departamento de Patrim_nio Ind_gena que tive a oportunidade de conhecer e entrevistar a tamb_m antrop_loga Eliana Granado, antiga funcion_ria da FUNAI, atualmente trabalhando no Departamento de Meio Ambiente de FURNAS. S.A.. Sobre a Hidrel_trica A Usina Hidrel_trica Serra da Mesa est_ sendo contru_da no Rio Tocantins nos munic_pios de Mina_u e Colinas do Sul desde 1981 (Fig. 1). O fechamento das comportas da barragem foi feito em outubro de 1996 e a previs_o para opera__o comercial da usina _ para abril de 1998. A UHE foi projetada para gerar 1293 MW, com energia estimada de 6300 GWh/ano 6 7 “para atender ao mercado consumidor de energia el_trica do Centro-Oeste e se integrar ao Sistema Interligado Sudeste/Sul” (FURNAS, s.d.). O lago a ser formado atingir_ regi_es dos munic_pios de Mina_u, Campina_u, Colinas do Sul, Niquel_ndia, Campinorte, Urua_u, Hidrolina, Barro Alto e S_o Luiz do Norte _ um dos maiores do Brasil. Esta _ a primeira usina hidrel_trica do Brasil a ser constru_da no Centro-Oeste atrav_s de parceria entre FURNAS e a iniciativa privada, nominalmente Nacional Energ_tica S.A.. FURNAS _ uma empresa cuja acionista majorit_ria _ a ELETROBR_S, subordinada ao Minist_rio das Minas e Energia. A empresa, criada em 1957, responde hoje por 60% do fornecimento de energia da regi_o Sudeste. Fig. 1 - Obras da Usina Hidrel_trica Serra da Mesa , 1996 7 8 8 9 Sobre os “Av_-Canoeiro” Os dois grupos de “Av_-Canoeiro” conhecidos moram distantes um do outro e tiveram hist_rias de “contato” diferentes. No entanto, ambos j_ estavam em n_mero reduzido a menos de uma dezena quando perderam definitivamente sua autonomia. O primeiro grupo, “contatado” em 1973, mora na Ilha do Bananal e _ composto por dois idosos, Tutau e Tatia (que n_o contituem um casal), dois irm_os de idade prov_vel entre 25 e 35 anos, Kaokama e Agadmi, e os seis filhos de Kaokama - Tchiele, Davi e Ang_lica (filhos de um primeiro casamento com um Java_) e Sirene, Bruna e Diego (filhos do seu atual marido, um Tux_). Destes filhos, apenas Tchiele casou-se (com um Java_), os outros s_o crian_as, com exce__o de Davi, um adolescente. O grupo do Rio Tocantins foi “contatado” em 1981 e _ constituido por Matcha e Naquatcha (duas irm_s idosas), Iaw_ (homem de aproximadamente 35 anos), Tuia (filha de Matcha, de idade estimada em 25 anos) e os filhos destes dois adultos, Trumak e Potdjawa. 9 10 Justificativa e Objetivos A bibliografia inicial passou por uma no__o maior de etnologia id_gena no Brasil, todo material etnogr_fico ou n_o sobre os “Av_-Canoeiro”, e pelas teorias brasileiras de Rela__es Inter_tnicas e Pol_tica Indigenista. Da leitura da teoria da identidade contrastiva de Cardoso de Oliveira interessei-me pela teoria de Fredrik Barth sobre grupos _tnicos. Em sua teoria, os grupos _tnicos s_o caracterizados como categoria de adscri__o e identifica__o usada pelos pr_prios atores sociais, organizando a intera__o entre pessoas. Dentro desta perspectiva foi importante criticar a no__o de fronteira _tnica percebida como sendo baseada num recrutamento once-andfor-all (de uma vez por todas), para analis_-la como sendo validada num processo cont_nuo de dicotomiza__o entre “n_s” e os “outros”. Assim o objetivo inicial era de construir um olhar antropol_gico sob o grupo-alvo “Av_-Canoeiro”. Este termo est_ entre aspas por n_o ser termo nativo, e minha experi_ncia de relacionamento com eles me permitiu perceber que ainda n_o h_ um consenso sobre sua utiliza__o entre os pr_prios indiv_duos do grupo. Posso acrescentar a utiliza__o como auto-denomina__o _ diretamente proporcional _ intensifica__o do relacionamento entre estes e brasileiros ou outros grupos _tnicos. Sendo assim, o grupo da Ilha do Bananal parece fazer mais uso do termo, principalmente em contraste com “Java_”, “Karaj_” e “Tux_”, grupos que convivem na aldeia Java_, pois esta conviv_ncia foi lhe imposto pelo _rg_o indigenista oficial desde 1973. Quanto ao grupo do Tocantins, cuja submiss_o _ situa__o de tutela aconteceu em 1981, constatei a utiliza__o do termo _ restrita aos momentos em que eles tentam se expressar em portugu_s e _ tamb_m confusa, tendo sido atribu_da v_rias vezes a membros estranhos ao grupo como ao Chefe de Posto atual e a mim mesma. Ficou claro que a utiliza__o do termo est_ vinculada _ situa__o de intensifica__o do contato inter_tnico e portanto carrega valores atribu_dos por “estrangeiros”. “Com efeito, a confus_o dos debates em torno da no__o de regi_o e, mais geralmente, de “etnia”ou de “etnicidade” (eufemismos eruditos para substituir a no__o de “ra_a”, contudo, sempre presente na pr_tica) resulta, em parte, de que a preocupa__o de submeter _ cr_tica l_gica os categoremas do senso comum, emblemas ou estigmas, e de substituir os princ_pios pr_ticos do ju_zo quotidiano pelos crit_rios 10 11 logicamente controlados e empiricamente fundamentados da ci_ncia, faz esquecer que as classifica__es pr_ticas est_o sempre subordinadas a fun__es pr_ticas e orientadas para a produ__o de efeitos sociais; e, ainda, que as representa__es pr_ticas mais expostas _ cr_tica cient_fica (...) podem contribuir para produzir aquilo por elas descrito ou designado, quer dizer, a realidade objectiva _ qual a cr_tica objetivista as refere para fazer aparecer as ilus_es e as incoer_ncias delas” (Bourdieu, 1989:111-112) . Desta maneira, percebi a import_ncia de compreender a luta pela identidade “Av_-Canoeiro” como uma forma de luta das classifica__es. Portanto, a pretens_o de analisar a imposi__o de percep__es e categorias de percep__o que legitimam a exist_ncia dos “Av_Canoeiro” como grupo e a partir da_ fazer uma hist_ria social das categorias de pensamento do mundo social pareceu contribuir para uma tentativa de percep__o da fronteira _tnica entre Av_Canoeiro e “brasileiros” dentro do processo de dicotomiza__o n_s-outros. Encontrei no termo tchigapitchga a classifica__o que me pareceu equivaler a uma auto-denomina__o e intensifiquei a busca pelos estere_tipos constru_dos pela “sociedade nacional” em cima dos “Av_-Canoeiro”. Assim, fez-se necess_rio incluir na an_lise a representa__o daquilo que _ entendido como “realidade”. O foco emp_rico principal passou a ser as constru__es coletivas em cima das no__es de fronteiras _tnicas dos Av_-Canoeiro do grupo do Rio Tocantins a respeito dos “brasileiros” (no vocabul_rio deles: os “homi” ou os ma_ra) e vice-versa. Para tal, recorri a pequenas entrevistas com pessoas da regi_o de Mina_u/Niquel_ndia/Colinas do Sul e Gurupi. Com exce__o dos posseiros das pr_prias terras dos Av_-Canoeiro e pessoas que tiveram eventuais contatos com o grupo, em geral todos reproduzem informa__es recebidas pela m_dia. Isso pode ser explicado pelo fato da cidade de Mina_u (a principal em se tratando da situa__o hist_rica atual do grupo do Rio Tocantins e local mais trabalhado) ser povoada principalmente por pessoas de migra__o recente, determinada pelos empregos criados pela Hidrel_trica Serra da Mesa e pela empresa SAMA. Por isso n_o t_m v_nculos geracionais com a regi_o e sua hist_ria. Uma categoria cuja percep__o da situa__o (e consequentemente sua representa__o) seria de grande interesse _ a dos fazendeiros envolvidos nos massacres _s _ltimas aldeias, mas este caminho n_o foi seguido pois o risco de indagar sobre o incidente poderia ser maior que o benef_cio de faz_-lo, levando-se em conta o estado latente das quest_es jur_dicas envolvendo o caso. Os funcion_rios da FUNAI e FURNAS, exceto alguns daqueles que j_ n_o v_m os Av_-Canoeiro como “um grupo 11 12 de _ndios” e conhecem os indiv_duos, reproduzem as id_ias contidas no sistema ideacional oficial ou no__es “leigas” (do senso comum) sobre _ndios. Outro constata__o de Bourdieu foi importante na contru__o do objeto desta pesquisa: “(...) a ci_ncia que pretende propor os crit_rios mais bem alicer_ados na realidade n_o deve esquecer que se limita a registrar um estado da lutas das classifica__es, quer dizer, um estado da rela__o de for_as materiais ou simb_licas entre os que t_m interesse num ou noutro modo de classifica__o e que, como ela, invocam frequentemente a autoridade cient_fica para fundamentarem na realidade e na raz_o a divis_o arbitr_ria que querem impor” (Bouridieu, 1989:115). Para tal an_lise, as fontes mais _teis passaram a ser a m_dia e os documentos oficiais, que se interrelacionam na constru__o da imagem geral que tem representado a “realidade” sobre os Av_-Canoeiro. Viveiros de Castro afirma que a antropologia estuda os problemas dos povos estudados, “... problemas postos por estes povos para si mesmos, e portanto para os antrop_logos” (Viveiros de Castro, 1990:13). Ap_s tr_s viagens de estudo emp_rico, foi imposs_vel conservar a problem_tica inicial intacta, pois procurei compreender quais seriam os problemas postos pelos “Av_-Canoeiro” para si mesmos. Como esta pesquisa contou com pouco tempo de trabalho de campo focalizei o aspecto que numa primeira an_lise pareceu mais determinante na situa__o atual deste grupo: o processo hist_rico de contato com agentes da sociedade brasileira e a tentativa de domina__o ou o exerc_cio do poder entre os grupos. Neste sentido, foi preciso admitir que as percep__es de fronteiras _tnicas “Av_-Canoeiro” e “brasileiros”, por si s_, seria um objeto de estudo pouco relevante, sen_o acrescido de quest_es pol_ticas. Citando Manuela Carneiro da Cunha, entendo que a “etnicidade _ uma linguagem n_o simplesmente no sentido de remeter a algo fora dela, mas no de permitir a comunica__o. Pois enquanto forma de organiza__o pol_tica, ela s_ existe em um meio mais amplo, e _ esse meio mais amplo que fornece quadros e as categorias dessa linguagem” (Carneiro da Cunha, 1987:99). Assim, a manipula__o destes conceitos e os sistemas ideacionais que os permeam, s_o bases fundamentadoras da pol_tica aplicada ao grupo em estudo. N_o _ dif_cil, ent_o, perceber a relev_ncia do estudo dos sistemas ideacionais criados visando o controle das rela__es entre os dois grupos. O v_nculo entre os resultados do “contato” (e a incutida tentativa de domina__o) e a constru__o das fronteiras _tnicas _ ineg_vel. Prova disso _ o fato da caracter_stica principal que a m_dia e os trabalhos acad_micos e outros identificam nos Av_-Canoeiro _ a qualidade de 12 13 “sobreviventes”, “her_is resistentes”, diretamente resultante da rea__o contra a invas_o constante de suas terras em prol da coloniza__o brasileira. Uma afirma__o jocosa de Roque de Barros Laraia durante um semin_rio no dia 25 de outubro de 1994, para um p_blico de aspirantes a antrop_logos, me foi _til para compreender este discurso quando atualizado pelos antrop_logos ligados ao grupo: “Na verdade, todos os etn_logos querem ter seu pr_prio grupo ind_gena e quanto mais “ex_tico” ele for, tanto melhor...”. _ poss_vel, assim, que estes antrop_logos tenham constru_do a imagem dos “Av_-Canoeiro” como her_is, um grupo especial por continuar “tradicional”, _ procura de seu grupo ind_gena “ex_tico”, ignorando inconscientemente a situa__o de domina__o. O fato do grupo ser t_o reduzido e que o segundo grupo considerado “verdadeiramente Av_-Canoeiro” ser representado na FUNAI por um competente e bem intencionado T_cnico Indigenista que toma posi__o frente _s negocia__es como os “brancos”, livra-o de muitos dos problemas comuns em outras comunidades ind_genas, como por exemplo o alcoolismo. A esta “prote__o” pode-se dever a imagem de serem os “Av_-Canoeiro” um grupo mais “tradicional”, como a maioria das constru__es de comunidades ind_genas feitas nas monografias acad_micas. Esta imagem _ refor_ada, ainda, por um recorte de quem _ ou n_o “Av_-Canoeiro”, privilegiando aqueles de “etnia” pura e de vida mais isolada (mesmo que este isolamento seja resultado direto de interfer_ncia do _rg_o oficial). Ou seja, quando se fala dos “Av_-Canoeiro her_is”, refere-se apenas ao grupo do Rio Tocantins, ignorando o outro grupo por este n_o se encaixar nesta ideologiza__o de “tradicional” ou ex_tico, apesar de ambos os grupos terem enfrentado v_rios s_culos de invas_es e “contatos”. Esta discuss_o ser_ aprofundada adiante. O que se seguiu foi um exerc_cio de buscar compreender o sistema ideacional dominante na pol_tica que atingia o grupo, permeado do conceito jur_dico e gen_rico de “_ndio” e conceitos derivados, sempre sens_vel _s poss_veis rea__es e/ou a__es pol_ticas consequentes. Como o _nico grupo “Av_-Canoeiro” lembrado atrav_s das a__es pol_ticas _ aquele do Rio Tocantins, analisarei as caracter_sticas e desdobramentos da pol_tica indigenista projetada conjuntamente entre FURNAS S.A. e FUNAI cuja id_ia central _ o “desenvolvimento sustentado”. A aus_ncia de projetos e a__es pol_ticas voltadas ao grupo da Ilha do Bananal foi considerado um dado em si. 13 14 Entretanto, seria pretens_o extrema mapear e analisar todos os momentos do processo de contato entre “Av_-Canoeiro” e “brasileiros” que j_ dura ao menos tr_s s_culos. Portanto foi necess_rio estabelecer uma delimita__o temporal de acordo com o conceito de situa__o hist_rica: “ (...) no__o que n_o se refere a eventos isolados, mas a modelos e esquemas de distribui__o de poder entre diversos atores sociais. (...) Trata-se de uma constru__o do pesquisador, uma abstra__o com finalidades anal_ticas, composta dos padr_es de interdepend_ncia entre os atores sociais e das fontes e canais institucionais de conflito” (Oliveira Filho, 1988:57). Esta pesquisa trata apenas dos modelos e esquemas de distribui__o de poder acontecidos a partir do momento em que os “Av_-Canoeiro” que se tem conhecimento perderam a autonomia pol_tica, sendo considerados “contatados”. A dimens_o pol_tica desse conceito tamb_m se encaixa nas pretens_es da pesquisa. Este resumo de algumas descobertas emp_ricas me permitiram delimitar melhor o campo de estudo. Assim, escolhi trabalhar com a no__o de comunidade de Gluckman que n_o sup_e ser limitada por “(...) unidades em termos de c_digos de orienta__o cultural, mas somente que sejam partilhados padr_es de intera__o no comportamento cotidiano dos indiv_duos uns para com os outros” (Gluckman, 1968 apud Oliveira Filho, 1988: 39). A grande relev_ncia desta formula__o de Gluckman para esta pesquisa _ a abordagem n_o-substancializada do fato _tnico : “O alinhamento dos indiv_duos em grupos e subgrupos pode variar grandemente de um contexto para outro, inclusive transpondo as barreiras _tnicas, sem preju_zo do fato de que a clivagem _tnica funcione como o fato ordenador b_sico das rela__es sociais na situa__o por ele estudada” (Oliveira Filho, 1988:55). Portanto, a “comunidade” pesquisada n_o se restringiria aos “Av_-Canoeiro”, mas tamb_m aos funcion_rios da FUNAI e FURNAS que convivem e/ou est_o envolvidos com as decis_es pol_ticas referentes ao grupo, os pesquisadores envolvidos com os “Av_-Canoeiro”, os posseiros que tem conviv_ncia pac_fica e constante com o grupo do Rio Tocantins e os Java_ e Tux_ amigos e afins dos “Av_-Canoeiro” da Ilha do Bananal. Ademais, este tipo de abordagem permite vislumbrar os diferentes rela__es de interdepend_ncia que os dois grupos de “Av_-Canoeiro”, constitu_dos em 14 15 conseq__ncia de diferentes contextos hist_rico e cultural. Estas diferen_as podem ser encaradas como exemplo do car_ter constitutivo do contato inter_tnico. A respeito disso, comenta Oliveira Filho: “Nessa _tica os agentes de contato n_o podem ser descurados ou tratados como fatores externos _ vida tribal, mas sim abordados como “parte integrante da comunidade”’ (Oliveira Filho, 1988:39). E, de fato, constatei empiricamente o quanto os “Av_-Canoeiro” partilham de padr_es de intera__o com estas pessoas e, talvez pela car_ncia de vida social interna no caso do grupo do Tocantins, mostram-se muito receptivos a visitas e amigos. N_o raro ouvia algum deles referindo-se ao Chefe de Posto ou a mim mesma acrescentando o sobrenome “Av_-Canoeiro”, ou chamando-me de tchigapitchgka - palavra que deve significar algo relacionado a “nossa gente”. Este fato pode ser interpretado n_o como uma “assimila__o” destas pessoas em seu conceito de comunidade, mas talvez demonstre um desejo de aproxima__o de pessoas que os respeitam. Todas as pesquisas feitas com os “Av_-Canoeiro” at_ agora se esquivaram de trat_-los a partir dos modelos e esquemas de distribui__o de poder, e at_ sobre o _ngulo de uma poss_vel domina__o, aspecto vital para compreender um grupo de remanescentes de massacres . Atualmente se conhece dois grupos: um deles vivendo sob uma pol_tica assistencialista de um conv_nio entre uma empresa que constr_i uma hidrel_trica em suas terras e o _rg_o indigenista oficial e o outro vivendo sob estigma (ou marginaliza__o) num grupo _tnico antes inimigo, ap_s acirrada luta para manter-se aut_nomo. As outras pesquisas t_m como enfoque a hist_ria do s_c. XVIII e XIX, a discuss_o sobre “pureza _tnica”, a quest_o da reprodu__o f_sica de um grupo t_o pequeno e a transcri__o de mitos e contos, assuntos sempre permeados por uma ideologia de “salva__o _tnica/cultural”. Em geral, transmitem ou refor_am a imagem do “Av_-Canoeiro” como um povo especial, at_ mesmo como her_is, aqueles que nunca se renderam _ domina__o. Isto demonstra o referido alheamento a um aspecto altamente determinante da realidade, visto que os “Av_-Canoeiro”, do ponto de vista que esta pesquisa pretende esclarecer, “entregaram-se” sim. 15 16 _ poss_vel que at_ do ponto-de-vista dos “Av_-Canoeiro” seu povo tenha se entregado mesmo, pois _ _bvio que se eles passaram anos se escondendo, sabiam que corriam perigo e temiam pelo pr_prio futuro perto daqueles invasores. Al_m disso, nos dois casos de “contato”, a aproxima__o dos “brancos” aconteceu por motivos inevit_veis por eles. O primeiro grupo foi “pego” (segundo os informantes da FUNAI em Canoan_, os Java_ e o Sr. Fernando da Funda__o Bradesco, testemunha do acontecido) _ for_a, ap_s uma decis_o externa de que seria imposs_vel continuarem habitando o mesmo lugar devido _ expans_o da Fazenda Bradesco e outras propriedades na Ilha do Bananal. O relato do “contato” mais se assemelha a uma ca_ada. O segundo grupo realmente se entregou aos “brancos”, desistindo de viver fugindo, doentes e famintos. Assim, devemos entender o momento do “contato” como resultado da _ltima batalha perdida, no primeiro caso, e uma rendi__o ap_s sitiamento, no segundo caso, desfecho final de uma guerra que durou s_culos. 16 17 Hist_rico As fontes mais importantes para este hist_rico est_o fundamentalmente em duas obras: um livro resultado de uma disserta__o de Mestrado na Universidade Federal de Goi_s e editado numa parceria entre Furnas Centrais El_tricas S.A. e CG Editora e um artigo publicado na Revista de Antropologia da Universidade de S_o Paulo sob o t_tulo de “Os _ndios Negros ou os Carij_ de Goi_s: A Hist_ria dos Av_-Canoeiro. O livro, “O Povo Invis_vel”, de autoria de Dulce Pedroso, _ resultado de pesquisa documental e de campo realizada entre 1983 e 1990. Esta historiadora, foi membro do Grupo de Trabalho que elaborou o Programa Av_-Canoeiro, documento definidor da pol_tica indigenista oficial. O autor do artigo, o antrop_logo Andr_ Amaral de Toral, _ respons_vel pela _nica literatura antropol_gica interessada diretamente no grupo "Av_-Canoeiro", al_m de ter participado do processo de delimita__o e demarca__o da _rea Ind_gena "Av_-Canoeiro". Alguns trechos utilizam tamb_m um trabalho de M_rio Arruda da Costa denominado “A Na__o do Awato: Relat_rio de Pesquisa dos Av_-Canoeiro do Tocantins”. O pr_prio nome sugere a limita__o do alcan_e do trabalho, raz_o da sua pouca utilidade para os fins desta pesquisa. Fontes de menor valor informativo e acad_mico, como textos jornal_sticos e relat_rios oficiais da FUNAI, ser_o utilizados por participarem na forma__o e na revela__o da opini_o p_blica. Um documento com um hist_rico que poderia ter sido utilizado como fonte desta pesquisa _ a “Pe_a Antropol_gica”, argumento para o Congresso Nacional aprovar a UHE Serra da Mesa na T.I. Av_-Canoeiro. N_o o foi, por_m, por ter sido baseado nos autores j_ citados, com pouca informa__o adicional. No entanto, estas fontes ser_o de grande import_ncia em outro momento da monografia. Alguns relatos podem ser considerados fonte hist_rica, se for levantada a participa__o de cada informante na hist_ria dos "Av_-Canoeiro" e seus interesses, al_m de considerado o n_vel lend_rio que a hist_ria deste grupo ocupa no imagin_rio social. Dos "Av_Canoeiro" consegui fragmentos de acontecimentos hist_ricos de per_odos de no m_ximo vinte e 17 18 cinco anos atr_s. A antrop_loga de Furnas, Eliana Granado tamb_m forneceu relatos com detalhes destes mesmos acontecimentos, em especial o _ltimo massacre do grupo do Rio Tocantins. As interpreta__es sobre a origem deste grupo s_o bastante pol_micas. A an_lise ling__stica classificou o “dialeto” Av_-Canoeiro como Tupi, mas h_ diverg_ncias quanto _ origem. Cunha Mattos, Rivet e Nimuendaj_ o haviam classificado como meridional, enquanto Aryon D’Alligna Rodrigues aproximou-o do Tupi setentrional. Toral refor_a a tese de que os Av_-Canoeiro seriam os Carij_ de S_o Paulo trazidos por bandeirantes no s_culo XVIII, e conseq_entemente concorda com as conclus_es de Rivet e Nimuendaj_. J_ Pedroso refuta a rela__o dos Av_-Canoeiro e os Carij_, alegando que o grupo j_ se estabelecera nas margens do Rio Tocantins antes da penetra__o colonizadora, refor_ando suas semelhan_as ling__sticas com os grupos mais pr_ximos como os Assurini, Suru_, Paracan_ e Guajajara. Existe uma teoria de origem dos "Av_-Canoeiro" largamente difundida no imagin_rio social e pela m_dia, que concebe os "Av_-Canoeiro" como resultado da miscigena__o entre os _ndios chamados “Carij_s” (termo tornado gen_rico, associado _ escravid_o ind_gena em S_o Paulo) e negros fugidos dos quilombos. Esta teoria carece de base concreta, tanto pela apar_ncia f_sica do grupo quanto pela maioria das caracter_sticas s_cio-culturais. No entanto, _ claro que n_o se descarta poss_veis casos de miscigena__o ocasional entre os "Av_-Canoeiro" e brasileiros, como indica a presen_a do cachimbo em forma trapezoidal. Relatos de regionais e alguns funcion_rios da Funai do Norte de Goi_s e da Ilha do Bananal tratavam os "Av_-Canoeiro" muitas vezes como _ndios Cara-Preta ou _ndios negros. Existe, ainda, uma vers_o desta teoria que liga este grupo _tnico ao banditismo, segundo Pedroso: “A concep__o ideol_gica dos habitantes das regi_es que sofriam com as hostilidades ind_genas levava a crer que a uni_o de segmentos desprezados pela sociedade, tais como negros, _ndios e bandidos, resultou nos av_canoeiros”(Pedroso, 1994:43). A hist_ria das rela__es inter_tnicas dos "Av_-Canoeiro" e dos colonizadores _ uma hist_ria de conflito pelo mesmo interesse: a ocupa__o das terras do norte de Goi_s. Como as duas principais fontes desta pesquisa discordam da origem do grupo, existem duas vers_es para o in_cio deste contato. Toral, por considerar os "Av_-Canoeiro" descendentes de Carij_s, remonta o 18 19 in_cio do contato a S_o Paulo, base da bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva. Esta bandeira, iniciada em 1723, marca a descoberta definitiva do ouro na regi_o entre o alto Tocantins e o Araguaia. Este antrop_logo afirma serem os "Av_-Canoeiro" _ndios escravos fugitivos da bandeira, provavelmente em 1725. Assim, ap_s um per_odo ilhados entre os Acu_m, teriam entrado em contato (e conflito) com a popula__o regional, constitu_da, a princ_pio, por garimpeiros e posteriormente por agropecuaristas. Como Pedroso discorda da tese acima, afirma que as primeiras not_cias sobre os "Av_-Canoeiro" seriam do final da d_cada de cinquenta do s_culo XVIII, com a instala__o de frentes agropastoris em seus territ_rios. A primeira resist_ncia frente _ invas_o de suas terras veio em forma de guerra. H_ relatos de 1760 de destrui__o de fazendas. A decad_ncia da atividade mineradora na _rea por volta de 1780 causou um despovoamento da _rea, facilitando a resist_ncia guerreira dos "Av_-Canoeiro". H_ uma lacuna no trabalho de Pedroso a respeito do conflito de outros grupos _tnicos (notadamente Acu_m Xavante e Xerente) com os "Av_-Canoeiro", descrito por Toral, mas este tampouco aprofunda-se sobre a pol_tica pombalina implantada por volta de 1778, visando a redu__o dos ind_genas em aldeamentos, como descreve a historiadora. Alde_-los significaria cessar as hostilidades entre estes e os colonos da regi_o (principalmente S_o F_lix e Palma). Outro motivo para o aldeamento seria a libera__o do Rio Maranh_o/Tocantins para o escoamento da produ__o da empresa colonial para o Par_. Neste contexto, o governador da Prov_ncia de Goi_s, Trist_o da Cunha Menezes, enviou uma expedi__o sobre a qual h_ duas vers_es. Toral baseia-se na informa__o de Silva e Souza para caracterizar a expedi__o como de ataque ao “gentio Canoeiro”. A expedi__o teria sido ordenada pelo governador ao sargento Jos_ Luiz, que a transformou no grande massacre de 1789. Segundo Pedroso, o governador teria enviado uma expedi__o ao Par_, pretendendo conquistar a paz com os "Av_-Canoeiro" e levar recrutas e mercadorias ao Par_. “Contudo, as tens_es inter_tnicas geradas anteriormente levaram os _ndios a n_o aceitarem as propostas de paz do colonizador. Como consequ_ncia, ocorreu um grande massacre na aldeia das ilhas do Trope_o” (Pedroso 1994:55). 19 20 A primeira metade do s_culo XIX testemunhou uma intensifica__o dos conflitos em virtude da expans_o agropastoril. Apesar das duas fontes apresentarem focos diferentes, Toral concentrando-se na localiza__o e Pedroso na pol_tica indigenista, ambos autores confirmam uma guerra ofensiva perpetrada contra o grupo e a resist_ncia ativa por parte dos "Av_-Canoeiro" _ invas_o de suas terras. Apesar das mudan_as na legisla__o favorecerem os grupos ind_genas, nas propostas de paz do colonizador estavam expl_citas as condi__es de sujei__o dos _ndios e se estes n_o aceitassem seriam exterminados. Assim, foram formadas bandeiras punitivas e/ou de pacifica__o que, quando efetivadas (e raramente o eram por conta do medo da popula__o recrutada e outras dificuldades pol_ticas), resultavam em verdadeiros massacres. Mas a guerra n_o se resumia ao envio de bandeiras, havia tamb_m os destacamentos incumbidos de guarnecer pres_dios militares, arraiais e locais onde os _ndios costumavam aparecer. Portanto, os pres_dios militares, as bandeiras e os destacamentos volantes foram respons_veis pela dispers_o e quase extin__o deste grupo a partir da d_cada de 1860. Como destacou Pedroso, “(..) nunca houve um trabalho cont_nuo, visando o conv_vio com os av_canoeiros, em que o colonizador procurasse contato pacientemente” (Pedroso, 1994:58). Parece, ent_o, que Pedroso atribui _ incompet_ncia dos colonizadores a tentativa de pacifica__o frustrada. A respeito da resist_ncia _ “pacifica__o”, Pedroso acredita que os "Av_-Canoeiro" possu_am mecanismos de controle social com o objetivo de manter o corpo social coeso, aparentemente a religi_o, e pareciam estar conscientes da sua recusa ao sistema de sujei__odomina__o por outra sociedade. Toral arrisca: “Talvez o conhecimento das redu__es, da escravid_o e dos termos reais da paz, atrav_s de sua experi_ncia com os paulistas, fizesse com que os Av_-Canoeiro n_o entabulassem rela__es pac_ficas com a sociedade que, pelo garimpo ou pela pecu_ria ocupava a regi_o” (Toral, 1984-5: 295). Quanto _ forma de resist_ncia, percebe-se dois movimentos: a guerra e a migra__o ou fuga. Pedroso indica que a partir de 1820 os _ndios teriam desencadeado um movimento de desobstru__o de seu territ_rio, atacando e destruindo fazendas e amea_ando povoa__es. Esta pesquisadora demonstrou que apesar de todas as medidas repressivas, os Av_-Canoeiro resistiram 20 21 ativamente at_ por volta da d_cada de 1860, per_odo em que a popula__o estava t_o reduzida que a guerra ofensiva j_ n_o podia ser considerada uma t_tica eficaz. Assim, a dispers_o em grupos menores que se movimentavam por vasto territ_rio foi a maneira encontrada pelo grupo para manter sua autonomia. Estes deslocamentos foram bem descritos por Toral, que compreende a hist_ria do contato dividida em tr_s fases. A primeira fase compreenderia o per_odo de 1724-26 at_ 1820-30, em que os "Av_-Canoeiro" se localizariam no alto Tocantins, tendo mobilidade pelos rios Tocantins, Paran_, Manoel Alves e Barra do Palma. A segunda fase _ marcada pelo afastamento das margens dos formadores do Tocantins, estabelecendo-se nas altas montanhas entre o Rio Maranh_o/Tocantins, Santa Tereza e Amaro Leite. Este per_odo, de 1820-30 at_ 1908 aproximadamente, foi marcado por uma migra__o para o oeste de alguns grupos de "Av_Canoeiro" que chegaram _s margens dos Rios Araguaia e Java_s, entrando em conflito com os Java_ habitantes do local. Sabe-se que outra parte do grupo permaneceu no alto Tocantins. A terceira fase, de 1908 at_ 1980, se caracteriza pela perda de contato entre os grupos do alto Tocantins e os do Araguaia, exterm_nio e desaparecimento de todos os grupos com exce__o dos atuais sobreviventes, deixando-os “encurralados”. Segundo Florestan Fernandes, os Tupi foram, ao mesmo tempo, a principal fonte de resist_ncia organizada aos designios dos colonizadores e o melhor ponto de apoio com que eles contaram entre as popula__es nativas. Este intelectual considerou os Tupi “inimigos duros e terr_veis, que lutaram ardorosamente pelas terras, pela seguran_a e pela liberdade, que lhes eram arrebatadas conjuntamente” (Fernandes, 1960:72). Fernandes encontra na organiza__o das sociedades tupis os fatores para explicar o padr_o desenvolvido de rea__o _ conquista. “O grau de domestica__o do meio natural circundante, assegurado pelos artefatos e t_cnicas culturais de que dispunham, fazia com que a sua sobreviv_ncia dependesse de modo intenso e direto do dom_nio ocasional ou permanente do espa_o que ocupassem” (Fernandes, 1960:73). Dos modos de resist_ncia descritos por Fernandes (o meio violento, a submiss_o passiva e o isolamento), o isolamento foi considerado a modalidade de rea__o mais consistente com as potencialidades din_micas do sistema organizat_rio tribal, ou seja “ela deslocou a luta pela sobreviv_ncia e pela 21 22 autonomia tribal para o terreno ecol_gico” (Fernandes, 1960:86). O pre_o desta solu__o foi a necessidade de adaptar-se a regi_es cada vez mais in_spitas. Nas _ltimas d_cadas do s_culo XIX a guerra j_ estava perdida e os "Av_Canoeiro" recorriam apenas _ fuga, _ dispers_o e a eventuais “travessuras” (depenar galinhas, amarrar porcos e bezerros e armar pequenas “armadilhas” para regionais) como forma de resist_ncia. Ao recuar para o norte de Goi_s ou para pr_ximo do Araguaia, encontrando locais de dif_cil acesso, puderam se reorganizar por um pequeno per_odo de tempo. Entretanto, no s_culo XX a expans_o colonial alcan_ou os "Av_-Canoeiro". Al_m do avan_o das unidades agropastoris, registra-se o avan_o de empresas tais quais a Companhia N_quel Tocantins, CODEMIN e FURNAS Centrais El_tricas S.A.. _s duas primeiras empresas _ atribu_da a responsabilidade de atingir os _ltimos redutos Av_-Canoeiro atrav_s do desmatamento, abertura de estradas e a introdu__o de uma popula__o rural. FURNAS t_m um impacto mais direto, pois constr_i uma Hidrel_trica dentro da _rea demarcada como _rea Ind_gena Av_-Canoeiro. Esta interfer_ncia ser_ discutida com maior detalhe posteriormente. O grupo do Araguaia, _ importante citar, sofreu tamb_m com a interfer_ncia da empresa Funda__o Bradesco. A hist_ria de massacres n_o terminou no S_culo XX. H_ relatos de habitantes de Formoso e Urua_u informando sobre massacres realizados por fazendeiros _s aldeias "Av_Canoeiro" entre os anos de 1927 e 1930. Assim, o _rg_o indigenista oficial na _poca, O SPI, montou em 1946 uma frente de atra__o. Os "Av_-Canoeiro", temerosos tamb_m da frente de atra__o, fugiam, e por isso a frente fora desativada em 1955. Em consequ_ncia de novos massacres em 1957, 1960 e 1962-3 associado _ esperan_a provinda de relatos que ainda restassem alguns grupos, a frente de atra__o foi reativada em 1971. Esta frente de atra__o foi tamb_m desativada em 1974. Tantos anos de tentativa de “contatar” os "Av_-Canoeiro" s_ resultou em uma hist_ria de “sucesso” para a frente de atra__o. O primeiro grupo a perder a autonomia foi o grupo conhecido como grupo da Ilha do Bananal. Foram literalmente ca_ados nas matas desta ilha fluvial em 1973, sob a alega__o que seriam exterminados se fossem deixados aut_nomos, visto que a Ilha do Bananal estava sendo cada vez mais ocupada por pecuaristas, posseiros e pela Funda__o 22 23 Bradesco. Este pequeno grupo de menos de dez pessoas foi levado para a fazenda da Funda__o Bradesco, onde alguns membros permaneceram amarrados por alguns dias “para que n_o fugissem”. Seguiu-se algumas mortes, que segundo informante da Funda__o Bradesco diretamente envolvido na “ca_a” aos "Av_-Canoeiro", Sr. Fernando, ocorreram por tristeza e doen_a causada pela mudan_a de h_bitos alimentares (a introdu__o do sal). O informativo da FUNAI e os relat_rios a respeitos deste “contato”, por_m, apresentam uma vers_o absolutamente pac_fica deste contato (FUNAI 1973a). Depois de viverem alguns anos na referida fazenda, foram transferidos para a aldeia ind_gena mais pr_xima: a aldeia Java_. _ importante notar que os "Av_-Canoeiro" foram inimigos hist_ricos dos Karaj_ (grupo em que se insere o sub-grupo Java_) e portanto foram tolerados na aldeia por imposi__o da FUNAI. Segundo Patr_cia de M. Rodrigues, autora da tese de Mestrado sobre o grupo Java_, os "Av_-Canoeiro" foram relegados a uma posi__o de marginaliza__o na sociedade Java_. Segundo a antrop_loga: “Os Av_, que sempre se caracterizaram por evitar contato, desenvolvendo t_cnicas de fuga, vivendo escondidos nas matas, foram obrigados, a partir de ent_o, a conviver, na condi__o de “perdedores”, na aldeia de seus antigos inimigos, os Java_” (Rodrigues, 1993: 44). O segundo grupo “contatado” _ conhecido como grupo do Tocantins, por viverem pr_ximos ao rio Tocantins. Estes literalmente entregaram-se aos brasileiros ap_s um per_odo de 12 anos de esconderijo nas serras pr_ximas ao Rio Tocantins. Viveram estes anos todos numa forma de clandestinidade, dormindo de dia em cavernas e procurando alimenta__o durante a noite. Como a regi_o passou a ser cada vez mais devastada por posseiros/fazendeiros e pela instala__o das obras da Hidrel_trica Serra da Mesa, a alimenta__o tornou-se escassa e foi necess_rio recorrer ao roubo de gado, tornando-se imposs_vel permancer inc_gnita. Em 1981 este grupo se entregou esfomeado e doente a um morador da regi_o. Hoje o grupo do Rio Tocantins vive cada vez mais dependente do Conv_nio n_ 10.323 entre FURNAS e FUNAI, que fornece alimentos e alguns bens industrializados (o que os desestimula na agricultura e da ca_a j_ n_o podem depender pois depois da instala__o das obras de FURNAS esta se tornou t_o escassa que j_ n_o pode ser base 23 24 de sua alimenta__o) e colocou em a__o um programa formulado sob a ideologia de desenvolvimento sustent_vel. 24 25 Os Av_-Canoeiro - Inven__o Brasileira Este _tem pretende analisar as categorias de adscri__o atualizadas na situa__o hist_rica em quest_o, ou seja, procuro compreender como _ formada as classifica__es das identidades constru_das contrastivamente pelo “outro” e pelo pr_prio grupo _tnico, como sugeriu Cardoso de Oliveira e Fredrik Barth. Entendo identidade como sendo constru_da atrav_s da intera__o entre pessoas e, ao mesmo tempo, determinando os pr_prios padr_es de intera__o. Mas, como esclareceu Jo_o Pacheco de Oliveira Filho (Oliveira FIlho, 1981:282), a apreens_o do conte_do da identidade _tnica deve ser situacional e o pesquisador deve estar consciente dos diferentes processos de manipula__o social aos quais est_ sujeita. Como n_o existe um grupo homog_neo de “Av_-Canoeiro” convivendo com outro grupo homog_neo de “brasileiros”, ser_ preciso captar as diferentes constru__es das identidades complementares. Assim, pretendo mostrar como o padr_o de intera__o que cada grupo de “brasileiros” compartilha (ou deixa de compartilhar) com os “Av_-Canoeiro” e aqueles que os “Av_-Canoeiro” compartilham entre si determinou em grande parte a constru__o da identidade contrastiva. N_o existe uma s_ constru__o da identidade “Av_-Canoeiro” feita pelos “brasileiros”, pois esta _ intimamente relacionada ao segmento da sociedade nacional que a constr_i, apesar de uma gama de preconceitos e lendas atribuidas a eles ser reproduzida em v_rias esferas. Da mesma maneira, n_o percebi uma unidade nas categorias de auto-adscri__o. Apesar da historiadora Dulce Pedroso concluir que a auto-designa__o do grupo seria _w_ “que segundo ela significaria “aquele que _” ou “quem _”, os “Av_-Canoeiro” do Rio Tocantins parecem utilizar esta palavra apenas quando falavam em portugu_s, sempre acrescida da palavra canoeiro. O meu n_vel de entendimento do assunto n_o me permite determinar com certeza a auto-adscri__o atualizada nos padr_es de intera__o atuais, mas a auto-adscri__o que a mim se mostrou mais b_sica, como j_ foi aludido, _ a designa__o epec_fica de tchigapitchga, cuja _nica palavra utilizada por eles para conseguir traduzir foi “_ndio”. No entanto, esta designa__o _ constru_da em contraste n_o apenas com o “branco”, mas tamb_m em rela__o _ outros grupos 25 26 por n_s considerados ind_genas. Eles aceitam tamb_m a designa__o estrangeira e mais geral de “_ndio”, embora a compreendam de maneira muito difusa, pois relacionam esta palavra apenas a alguns estere_tipos como o uso de pintura, cabelos longos, pouco vestu_rio e a uma vida ligada e dependente da “mata”. As caracter_sticas f_sicas geralmente associadas _ concep__o de _ndio pela sociedade nacional, no entanto, n_o pareceram ser t_o determinantes, bastando a presen_a de uma das caracter_sticas citadas para classificar algu_m como “_ndio” ou “homi” (“branco”). Assim, uma mulher alem_ na revista National Geografic foi apontada como sendo _ndia por estar com o rosto pintado e meu companheiro de viagem foi denominado Renato “_ndio” por usar tatuagens e cabelos compridos, pouco importando o fen_tipo “caucas_ide” que ambos apresentavam. O curto per_odo de pesquisa de campo entre o grupo da Ilha do Bananal n_o me permitiu adentrar quest_es como a auto-designa__o, mas foi suficiente para perceber diferen_as entre os dois grupos reconhecidos pela sociedade nacional como “Av_-Canoeiro” em seus crit_rios de julgamento de valores e performances e uma certa restri__o de intera__o entre eles, que, segundo Cardoso de Oliveira (Oliveira, 1976), s_o caracter_sticas do “ser estrangeiro”, dentro da dicotomia n_s/outros. O grupo da Ilha do Bananal procura identificar-se como “_ndio brabon_o” em contraste ao grupo do Rio Tocantins por eles considerados “brabos”. Por sua vez, o grupo do Rio Tocantins n_o se aceitam como “brabos”, considerando como tais, isso sim, os poss_veis remanescentes aut_nomos. _ de f_cil observa__o a aceita__o dos valores negativos associados _ id_ia de “_ndio brabo”. Imbutida na dicotomia “brabo”/ “brabo-n_o” est_ clara a desvaloriza__o de qualquer caracter_stica ligada ao _ndio aut_nomo, seu estilo de vida e seus valores, provavelmente consequente das a__es de alguns agentes da pol_tica ind_gena oficial, em primeiro lugar, ao incorporar os valores integracionistas/evolucionistas contidas nos discursos oficiais. O grupo da Ilha do Bananal, aparentemente integrados na vida da aldeia Java_, aceitou as caracter_sticas atribu_das aos “_ndios brabo-n_o”, como a constitui__o de la_os conjugais com indiv_duos "Tux_" (grupo minorit_rio na aldeia Java_), a incorpora__o de um estilo de vida semelhante aos regionais, dando grande import_ncia _ televis_o e seus valores e at_ 26 27 mesmo a desvaloriza__o da apar_ncia ind_gena. Isto ficou claro numa conversa com a adolescente Ang_lica, filha de “Av_-Canoeiro” e “Java_” que afirmou: “voc_ _ bonita, eu n_o, eu tenho cara de _ndio” (Fig. 2). Fig. 2 - Ang_lica Av_-Canoeiro Excluindo-se o velho Tutau, os outros indiv_duos parecem n_o querer se identificar de maneira alguma com o grupo do Rio Tocantins, sendo a dist_ncia entre os dois grupos apreciada. Uma das mulheres do grupo da Ilha do Bananal admitiu explicitamente n_o desejar relacionamento algum com o outro grupo, provavelmente devido a um epis_dio de ass_dio sexual n_o desejado. Todos foram un_nimes em concordar que n_o gostariam de juntar-se ao outro grupo, tendo frustrado as tentativas de uni_o dos dois grupos feita pela FUNAI em nome da “salva__o _tnica Av_-Canoeiro”. Portanto, os “ Av_-Canoeiro” parecem ter aceitado as 27 28 classifica__es de “indio brabo” e “_ndio brabo-n_o” permeadas de preconceitos e prejulgamentos impostas pelos “brasileiros”, mas sempre considerava outro grupo “indio brabo”. Provam, assim, que o crit_rio lingu_stico e/ou biol_gico n_o _ suficiente para a delimita__o dos grupos _tnicos. Portanto, se levarmos ao extremo a id_ia de rejeitar o conceito de grupo _tnico como portadores de cultura, segundo Barth, poder_amos perceber estes novos limites se formando, dentro dos limites maiores que constru_mos como sendo o grupo “Av_-Canoeiro”, em conseq__ncia do car_ter constitutivo do contato inter_tnico. N_o se pode negar, ent_o, a influ_ncia da adscri__o por “outros”, principalmente numa situa__o de extrema desigualdade pol_tica. O primeiro contraste importante para formar uma categoria de adscri__o _ a dicotomia geral de “_ndio”/“branco”. A compreens_o da maioria das pessoas sobre este grupo n_o extrapola sua concep__o mais geral de “_ndio”, permeada de diversos estere_tipos. Esta id_ia corresponderia _quilo que Alcida Rita Ramos identificou como sendo o _ndio com I mai_sulo, ou seja, “... figura ex_tica, uniforme, que tipifica um estilo de vida j_ totalmente incompat_vel com os tempos modernos” (Ramos, 1980: 1). Segundo a autora, esta constru__o, o _ndio homog_neo, se prestaria para justificar e endossar atitudes, interesses e a__es daqueles que v_m estas popula__es como um mero inconveniente ou at_ como um estorvo _s intens_es expansionistas na regi_o. A categoria mais abrangente de identifica__o do grupo se relaciona ao termo “_ndio”. O conceito de “_ndio”, aos olhos da maioria dos entrevistados (pessoas “leigas”), ainda tem uma forte carga negativa relacionada aos preconceitos constru_dos atrav_s de s_culos de contato conflituoso e tamb_m por uma ideologia mais geral, atualmente transmitida principalmente atrav_s da m_dia. As entrevistas feitas em Mina_u, Colinas e Niquel_ndia parecem comprovar que, mesmo aqueles moradores de _reas tradicionalmente habitadas pelos Av_-Canoeiro, os dois grupos mant_m uma dist_ncia que leva os moradores a recorrerem a informa__es recebidas principalmente da televis_o para construir sua concep__o de “_ndio”. Assim, excetuando os posseiros que conhecem os "Av_-Canoeiro" pessoalmente, os moradores da regi_o que n_o est_o envolvidos com a pol_tica indigenista, est_o numa posi__o amb_gua por estarem geograficamente pr_ximos aos "Av_-Canoeiro" mas sem compartilhar padr_es de intera__o mais diretos. 28 29 Assim como Cardoso de Oliveira (Cardoso de Oliveira, 1978), compreendo o “_ndio” como tendo significa__es diversas na consci_ncia nacional. Pode-se perceber, portanto, duas atitudes em rela__o ao “_ndio” na regi_o estudada. Uma mentalidade rom_ntica, ligada _ id_ia do “_ndio” como pessoa pura e respeitadora da natureza e/ou _ id_ia de um grupo humano remanescente de um passado primitivo do homem civilizado, um verdadeiro museu vivo. Dentro dessa id_ia, destaco a atualiza__o do conhecido mito das tr_s ra_as segundo a qual a “identidade nacional” seria formada por uma fict_cia am_lgama de _ndios, brancos e negros, onde a posi__o do _ndio estaria ligada _ uma id_ia de “bom selvagem” ou “brasileiro original”. Neste contexto, alguns entrevistados se viram orgulhosos de ter “seu pr_prio grupo ind_gena”, como um peda_o vivo da Hist_ria do Brasil, relacionado ao seu munic_pio principalmente por duas reportagens veiculadas no programa “Fant_stico” na rede Globo. Algumas pessoas at_ se queixavam de n_o terem o direito de visitar “seus _ndios”. Um informante identificado como “Seu” Gabriel, at_ chegou a sugerir que eu levasse suas duas filhas para conhecerem os _ndios, alegando motivos educacionais (ap_s se assegurar v_rias vezes que os “Av_-Canoeiro” n_o constituiriam perigo). A segunda mentalidade percebida em campo principalmente por aquelas pessoas com uma liga__o _ hist_ria agr_cola da regi_o, foi uma atitude de cunho preconceituoso em que o “_ndio” _ necessariamente relacionado _ selvageria, falta de higiene, incapacidade em geral e desonestidade. Os “Av_-Canoeiro” acabaram sendo ligados ao furto de gado, por conta da sua falta de alternativa alimentar, e at_ a est_rias sobrenaturais devido a sua capacidade de tornar-se invis_vel ou a suas brincadeiras consideradas “assustadoras” e “trai_oeiras”. A Frente de Atra__o Av_-Canoeiro, instalada em Mina_u, espalhou cartazes pedindo informa__es sobre poss_veis indiv_duos ainda “isolados”, mas, segundo seu chefe Egipson Nunes Correa, todo fato n_oexplicado acontecido nas fazendas da regi_o _ atribu_do aos _ndios, como por exemplo, barulhos diferentes na mata, sumi_o de algum animal e at_ clar_es interpretados como sobrenaturais, por conta disso suas investiga__es n_o davam resultados concretos. O segundo n_vel de compreens_o da identidade formada constrastivamente _ constru_da por pessoas com maior conviv_ncia com “_ndios” e especificamente com os “Av_Canoeiro” - pesquisadores, funcion_rios da FUNAI, posseiros da Terra Ind_gena, alguns 29 30 funcion_rios de FURNAS e da Funda__o Bradesco. Estas pessoas se valem do contraste entre “Av_-Canoeiro” e as outras etnias brasileiras para construir sua concep__o de Av_-Canoeiro, variando entre grupo isolado, “brabo” e perigoso, at_ a id_ia j_ citada de “her_is resistentes”. _ indiscut_vel que os funcion_rios mais preparados e em contato com o grupo reconhecem a especificidade do mesmo, mas a__es pol_ticas n_o s_o espec_ficas. A pr_tica dos projetos indigenistas continuam utilizando o conceito de “_ndio” genericamente de acordo com seu conceito jur_dico datado de 1973 (Estatuto do _ndio), ignorando os processos hist_ricos diferentes. Segundo Cardoso de Oliveira “toda pol_tica indigenista, sua legisla__o e sua pr_tica comprovam esse reducionismo das etnias ind_genas numa _nica categoria abstrata denominada “_ndio”. Esse _ndio, inventado pelo “civilizado” (outra categoria abstrata), constitui o alvo da pol_tica indigenista” (Cardoso de Oliveira, 1972:12 apud Ramos, 1988:4). _ interessante notar que as pessoas envolvidas politicamente com o grupo parecem concordar quanto _ especificidade dos “Av_-Canoeiro”: seriam eles os “her_is sobreviventes de massacre”, povo orgulhoso da sua autonomia ou apenas um grupo guerreiro resistente _ sociedade nacional. Esta vis_o _ passada para a m_dia, que sempre ressalta a hist_ria de massacres e a “saga do povo invis_vel” (vide Folha de S_o Paulo, 8 de outubro de 1995, 1-18). Mas a pr_tica da pol_tica indigenista primou por tirar-lhes a autonomia, instalando diversas vezes frentes de atra__o, e deix_-los dependentes da indeniza__o da empresa instalada em seu territ_rio. A FUNAI reconhece oficialmente os “Av_-Canoeiro” como grupo ind_gena “isolado”, apesar de quase todos funcion_rios com quem conversei afirmarem que a possibilidade de exist_ncia de outros grupos n_o “contatados” ser muito remota. O Chefe da Frente de Atra__o Av_-Canoeiro, mesmo tendo encontrado um tapiri na regi_o da Serra da Mesa, confessa n_o ter muita esperan_a de seu trabalho dar resultado. _ importante notar que decis_es sobre os grupos “contatados” tamb_m s_o de responsabilidade da diretoria do Departamento de _ndios Isolados. A nova pol_tica para isolados prop_e mant_-los protegidos _ dist_ncia, enquanto n_o estiverem amea_ados diretamente. Parece-me constituir uma decis_o mais pol_tica do que objetiva a constata__o de estarem os grupos amea_ados ou n_o. Na pr_tica, os "Av_-Canoeiro" sempre foram alvo da decis_o dos sertanistas da FUNAI de “contat_-los” a qualquer custo, assumindo ser a expans_o desenvolvimentista inevit_vel. Prova disso foi o _nico “contato” considerado de 30 31 sucesso: o grupo da Ilha do Bananal. Buscou se o “contato” urgentemente alegando uma inevitabilidade da expans_o da Fazenda da Funda__o Bradesco na Mata do Caf_, onde o grupo se encontrava. A realidade _ que, ao contr_rio de garantir a sobreviv_ncia do grupo, o “contato” contribuiu para a morte de cinco dos nove indiv_duos que perderam sua autonomia. Assim, terminada a “pacifica__o”, o grupo foi largado _ pr_pria sorte, ap_s serem inseridos _ for_a num grupo constitu_do de seus inimigos tradicionais. _ necess_rio questionar essa categoria de “_ndio isolado” e, no caso em quest_o, refletir sobre quando deixam de s_-lo. “... se olharmos para o in_cio do processo (de contato), veremos que muitos grupos considerados isolados mant_m, de longa data, rela__es com segmentos da sociedade nacional e s_ est_o inclu_dos na categoria de isolados por serem considerados amea_ados ou fr_geis, ainda que provisoriamente. Vista desta perspectiva, a constru__o desta categoria continua fundamentalmente delineada pela rela__o de domina__o que nossa sociedade imp_e _s sociedades ind_genas. A condi__o de isolado resulta de uma classifica__o operada em via _nica, pela sociedade nacional” (Gallois, 1992:122). Considero os crit_rios de determina__o da condi__o de “isolado” ou “contatado” confusos, pois est_o baseados numa sequ_ncia de etapas pelas quais o “_ndio” deveria passar, levando-o de isolado a integrado, discurso indigenista que atualmente se procura abolir. Segundo Gallois, a posi__o de isolamento est_ sempre sendo reconstruida, pois resulta de experi_ncias de contato anteriores, ou seja, “a atitude arredia _ reativa ao contato” (idem). N_o _ dif_cil perceber que sempre existiu a op__o pelo isolamento por parte dos grupos “Av_-Canoeiro”. Talvez se possa ir al_m ao afirmar que a op__o pelo isolamento na verdade remodelou a pr_pria sociedade “Av_-Canoeiro”. Ironicamente, constr_i-se uma imagem deste grupo, antes de tudo, como um grupo arredio, na maioria das vezes dando a esta caracter_stica uma carga positiva, quando grande parte dos indiv_duos hoje vivem dependentes de padr_es de intera__o com a sociedade nacional (supondo-se que realmente exista um ou outro pequeno grupo aut_nomo). Esta qualidade de resistente _ domina__o _ entendida, em geral, como sendo a principal caracter_sitca do grupo, a sua verdadeira “especificidade”, ignorando totalmente o fato de ser uma caracter_stica modelada a partir do “contato”. 31 32 As consequ_ncias da pol_tica aplicada ao “Isolado” devem ser medidas. _ not_rio o fato da distribui__o de presentes continuar sendo um dos elementos centrais nas estrat_gias para “contatar” um grupo isolado. A distribui__o de bens, sabe-se, t_m como consequ_ncia o estabelecimento de uma rela__o de poder e em seguida a concretiza__o de um estado de depend_ncia. Existe, ent_o, um paradoxo entre a id_ia do _ndio isolado como fr_gil, necessitando de prote__o _ sua cultura e sobreviv_ncia f_sica e esta atua__o indigenista que prima por transform_-los em povos inferiorizados pelo contato. Segundo Gallois “... a situa__o de domina__o manifesta-se nas m_ltiplas formas dirigidas de aux_lio, que pretendem a recupera__o de sua autonomia” (Gallois, 1992:128). Um exemplo claro deste tipo de aux_lio _ a “indeniza__o” que o grupo de Rio Tocantins recebe por abrigar uma Usina Hidrel_trica em sua Terra. Esta “indeniza__o” constitui, isso sim, um novo conjunto de injun__es externas contra as quais ter_o que lutar para controlar, na medida em que criam depend_ncia total da empresa energ_tica. 32 33 Uma Situa__o Hist_rica - o grupo do Rio Tocantins Minha experi_ncia com o grupo Construo aqui um perfil daquilo que foi o meu relacionamento com o grupo Av_Canoeiro. Pretendo apenas deixar claro o n_vel de contato que foi poss_vel, as condi__es da pesquisa e os assuntos sobre os quais pude conversar. Conheci os “Av_-Canoeiro” do Rio Tocantins em junho de 1995 atrav_s do Chefe do Posto. Assim, quero deixar claro que, como minha entrada foi feita via um agente envolvido na situa__o hist_rica, necessariamente partilhei da experi_ncia e devo ter sido compreendida pelos “Av_-Canoeiro” em associa__o ao Chefe do Posto. Fig. 3 - O Chefe de Posto Walter Sanches fotografa Matcha e Naquatcha 33 34 O menino Trumak, de oito anos, normalmente passa seus dias em companhia dos funcion_rios do Posto, mas quando h_ algu_m diferente na T.I. ele se torna seu companheiro insepar_vel. Juntamente com o Chefe de Posto, posso consider_-lo meu principal informante. Trumak, ensinou-me a maioria das palavras que aprendi, no entanto, era comum ele dizer que n_o sabia certa palavra em sua l_ngua, mas imediatamente acrescentava: “mas Potdjawa sabe”. Este menor contato de Trumak com sua fam_lia me demonstrou algo que havia sido dito pelo Chefe de Posto. Segundo ele, o grupo do Tocantins discrimina o Trumak, tendo ele sofrido maltratos quando beb_ e pouca aten__o na inf_ncia, por conta de fatores como a avers_o dos “Av_Canoeiro” a crian_as por consider_-las empecilho na hora da fuga ou devido a uma separa__o entre a m_e e o beb_ rec_m-nacido at_ os quatro meses por problemas de sa_de, sendo mantida sob responsabilidade da antrop_loga Eliana Granado. Ao contr_rio da sua irm_ Potdjawa, que em junho de 96 estava sendo iniciada em seus rituais, Trumak aparentemente n_o recebeu muita educa__o no modo de vida do seu povo. Ambos nunca receberam educa__o formal. As atividades do cotidiano deste grupo _ ca_ar pequenos animais como a paca, a capivara, o tamandu_ e o tat_, com o intuito mais recreat_rio que de sobreviv_ncia; pescar, em menor grau e visitar os posseiros (mesmo que nem sempre sejam bem-vistos). As mulheres t_m o h_bito de fiar algod_o, costurar e fazer chap_us e cestas. A agricultura _ praticada, segundo o ajudante geral da FUNAI, “Seu” Sebasti_o, em pequen_ssima escala e apenas porque ele mesmo insiste e acrescenta: “Eles que fala (sic) que Funai d_ tudo... No mais, FURNAS d_ tudo mesmo e eles n_o se esfor_a (sic) para trabalhar” (entrevista dia 3/06/96). Iaw_ mostrou ter consci_ncia da proced_ncia da comida. Ao aparecer o barqueiro de FURNAS na prainha em frente a sua casa, pergunto “_ o homem da canoa que traz a comida?” segundo uma informa__o que o Chefe do Posto me forneceu. Iaw_ respondeu que sim, mas que a comida era aqui da FUNAI e indagado sobre quem a comprava ele mostrou saber que era FURNAS, acrescentando o motivo de FURNAS fornec_-los comida: “aqui n_o tem...” (entrevista dia 02/06/96). _ comum, principalmente entre as mais velhas, trancarem-se em suas casas por muitas horas, segundo o Chefe de Posto me informou, em “atividades de pajelan_a”. Durante a 34 35 segunda viagem, em maio/junho de 1996, a Potdjawa foi reportada pelo Chefe de Posto e pelo Trumak como estando sendo iniciada. A m_sica est_ incorporada na vida do grupo do Tocantins pois Iaw_ _ grande apreciador, sendo as m_sicas regionais (sertanejas), forr_ e m_sica bahiana as mais ouvidas por Iaw_. Inclusive, minha maior aproxima__o com ele foi atrav_s da m_sica (eu levei um viol_o para tocar) e atrav_s dos nossos aparelhos de som. O meu gravador utilizado na pesquisa era constantemente comparado ao seu aparelho toca-fitas e Iaw_ costumava comentar: “_, seu som, iihh, pequeno, presta n_o. O meu, _, grande”. Os principais assuntos sobre os quais eles gostam de falar s_o: a visita (tentativa de reloca__o) do grupo da Ilha do Bananal, a morte de Putchkau da Ilha do Bananal (acontecido poucos anos atr_s) por agrot_xicos e a tentativa de suic_dio do seu irm_o em consequ_ncia, a morte de outros membros do grupo, a visita de pessoas estranhas _ comunidade e ca_adas. No entanto, o motivo de grandes discursos, principalmente de Matcha e Naquatcha (as duas idosas), _ a hist_ria do _ltimo massacre acontecido em 1969. Este massacre me foi relatado pela antrop_loga Eliana Granado. Segundo ela, o massacre aconteceu num dia de Festa do Divino, onde um fazendeiro inflamou aos outros da regi_o, em retalia__o ao sequestro de sua filha (vingan_a dos “Av_-Canoeiro” pela morte de alguns _ndios). Como a guerra com os “Av_-Canoeiro” j_ era antiga e o _dio entre estes e os invasores das suas terras estava mais forte do que nunca, houve uma concord_ncia geral em praticar o genoc_dio dos aproximadamente 100 _ndios da aldeia na “Mata do Caf_”. Foi feita uma emboscada na resid_ncia conjunta da _ltima aldeia e os “Av_-Canoeiro” foram genocidados pelas armas de fogo dos fazendeiros ap_s uma noite de dan_as e rituais, momento em que todos descansavam. Este massacre marcou o in_cio de um novo estilo de vida para os remanescentes que escaparam devido _ poeira levantada ou por estarem no mato no momento do ataque. Os pequenos grupos de menos de dez pessoas que se reencontraram no dia posterior ao acontecido sentiram a necessidade de sempre se esconderem dos “homi”. Hoje as duas idosas que lembram bem o acontecido procuram descrever o horror que passaram a todos que as visitam. Come_am por perguntar onde est_ o pai do interlocutor para depois contar que “papai meu morreu, mam_e morreu, titia, morreu, morreu tudo, ‘homi’ matou 35 36 tudo”. Ao ser perguntada se existiria outros remanescentes no mato, todos concordaram que “acabou tudo, ‘homi’ matou tudo” (entrevista dia 01/06/96). A respeito da Hidrel_trica eles s_ falam se perguntados. Mostraram-se impressionados com os caminh_es, explos_es e o maquin_rio da obra. Ao contr_rio do que foi me dito pelos funcion_rios da FUNAI, ao menos o menino Trumak demonstrou saber sobre o secamento do Rio Tocantins, me mostrado como funcionaria a barragem de maneira pr_tica: construiu por iniciativa pr_pria uma “maquete” da barragem (Fig. 4). Mas as consequ_ncias da barragem do Rio pela UHE ainda s_o mist_rios para eles. Iaw_, por exemplo, j_ se acostumou ao fato de ter que mudar-se, mas diz que retornar_ sempre _ margem do Rio (que estar_ praticamente seco) para pescar. 36 37 Fig. 4 - Trumak constr_i uma barragem 37 38 Considera__es Te_ricas e Metodol_gicas Como acima explicitado, utilizarei a no__o de situa__o hist_rica proposta por Oliveira Filho (1988). Esta proposta inclui uma dimens_o temporal, ou seja, esta pesquisa se limita a analisar os modelos e esquemas de distribui__o de poder que regem o atual padr_o de intera__o entre os atores sociais. Mas a quais atores sociais estou me referindo? Pode-se questionar o porqu_ deste estudo de situa__o hist_rica se restringir sobretudo _queles envolvidos com o grupo do Rio Tocantins. O fato _ que “...muito dificilmente, o grupo _tnico estudado constitui uma unidade, possuindo uma homogeneidade de interesses, cren_as e projetos pol_ticos” (Oliveira Filho, 1981:278). O grupo da Ilha do Bananal, _ o que v_rios informantes, inclusive servidores da FUNAI, admitem como um caso de contato com resultados insatisfat_rios. _ um caso t_pico resultante da pol_tica indigenista integracionista dos anos 70 em que o _ndio era concebido apenas como futuro integrado. Segundo Apoena e Denise Meirelles, respons_veis pelo “contato” do grupo, “A integra__o _, n_o somente necess_ria, como tamb_m irrevers_vel” (Meirelles & Meirelles, 1973: 8). Este ponto de vista tamb_m _ legitimado atrav_s de ret_rica, onde “A integra__o implicaria numa capacidade de ajustamento a uma nova realidade, estando impl_cita nessa capacidade as oportunidades de op__o que devem ser dadas ao homem, de maneira que, por suas pr_prias decis_es, ele possa alterar a realidade, e n_o alterar a si mesmo”(Idem). Assim, observa-se que o “contato” imposto ao grupo aconteceu segundo uma ideologia integracionista, mesmo que revestida de uma ret_rica de autodetermina__o. Ap_s o estabelecimento de uma nova situa__o hist_rica caracterizada por um modelo autorit_rio de tomada de decis_es, o interesse anterior no grupo da Ilha do Bananal como sendo “ex_tico” e “tradicional” foi se esvairindo, assim como o n_mero de indiv_duos que caiu pela metade, dando lugar a uma pol_tica negligente e acomodada. “Os Av_, que sempre se caracterizaram por evitar o contato, desenvolvendo t_cnicas de fuga, vivendo escondidos nas matas, foram obrigados, a partir de ent_o (nota: da sua “captura”), a conviver, na condi__o de “perdedores”, na aldeia de seus antigos inimigos, os Java_” (Rodrigues, 1993:44). 38 39 As _ltimas men__es feitas sobre o grupo em documentos oficiais referem-se _s tentativas de desloc_-los para a Terra Ind_gena Av_-Canoeiro, no Rio Tocantins, visando sua “salva__o _tnica”. Como estas tentativas foram frustradas justamente pela falta de entendimento entre os dois grupos, o grupo da Ilha do Bananal foi politicamente abandonado, baseado na id_ia de que j_ n_o havia nada que se pudesse fazer. N_o encontrei mais documento algum que se referisse ao grupo ou a alguma decis_o pol_tica espec_fica. At_ mesmo na aprova__o da delimita__o da Terra Ind_gena Av_-Canoeiro no Di_rio Oficial de 14/09/95 o grupo da Ilha do Bananal _ desconsiderado. Referindo-se _ popula__o Av_-Canoeiro, este documento reconhece apenas os seis “contatados” e um n_mero desconhecido de isolados, ou seja, entre os indiv_duos conhecidos, admite-se oficialmente apenas o grupo do Rio Tocantins. _ poss_vel que isto se deva _ uma interpreta__o de que o grupo da Ilha do Bananal tenha, de algum modo, deixado de “ser Av_-Canoeiro”, sendo assimilado pelos Java_. Entretanto, na aldeia Java_ h_ uma clara percep__o da fronteira _tnica entre Java_ e "Av_-Canoeiro", n_o se observando na pr_tica esta “integra__o”. Atualmente a fam_lia do grupo da Ilha do Bananal est_ consolidada em volta do casamento de Kaokama com um indiv_duo Tux_. Segundo informantes da FUNAI, este Tux_ garante a sobreviv_ncia do grupo atrav_s da pesca. Os bens industrializados s_o bastante valorizados, sendo parte do cotidiado desta fam_lia as novelas televisivas e filmes alugados. A mais nova atividade lucrativa deste Tux_, constatada durante minha viagem em 1996, _ a cobran_a de ingressos para assistir filmes er_ticos no v_deo da fam_lia. O jovem Agadmi n_o se prende muito _ vida na aldeia Java_, _s vezes trabalhando em fazendas pr_ximas ou visitando outras localidades, e, segundo informantes, at_ passando dias b_bado nas sarjetas das cidades pr_ximas. Tutau mant_m amizades com funcion_rios da Funda__o Bradesco desde sua “captura” e hospedagem l_, a cinco quil_metros da aldeia, das quais resulta alguns benef_cios como alimentos e leite para seus netos, al_m da ca_a eventual. 39 40 O grupo do Rio Tocantins Portanto, o padr_o de intera__o que pretendo analisar inicia-se no momento em que o grupo do Rio Tocantins desiste de manter sua autonomia frente a um quadro de fome e doen_a, em agosto de 1983. Assim, procuraram Reginaldo Gomes dos Santos, que julgaram poder ajud_-los, e pr_ximo ao c_rrego Pirapitinga “renderam-se”. O rapaz, parece, realmente os ajudou, levando-os para sua pr_pria casa e oferecendo-lhes comida. Comunicou o contato inesperado _ FUNAI em Goi_nia. O sertanista Ot_vio Cangu_u transferiu-os, posteriormente, para pr_ximo do C_rrego dos Macacos, hoje identificado com sendo parte da T.I. Av_-Canoeiro. No entanto, o Complexo Hidrel_trico de S_o F_lix, que incluia a Usina Hidrel_trica Serra da Mesa e Cana Brava estava sendo planejado na mesma _rea considerada como “tradicional” dos "Av_-Canoeiro". FURNAS Centrais El_tricas recebeu a Concess_o para explorar os recursos h_dricos na Terra Ind_gena em 1981, e as obras foram inciadas em 1984. Como _ de pr_xis da pol_tica energ_tica brasileira, assim como todos os grandes projetos governamentais de cunho desenvolvimentista, as obras foram iniciadas quase em segredo, sem antes passar pela opini_o p_blica ou pela aprova__o do Congresso Nacional. Matcha, Naquatcha, Tuia e Iawi estavam instalados a apenas cinco quil_metros do acampamento dos trabalhadores de FURNAS e passaram a conviver diariamente com uma realidade bem diferente daquela vida de fugitivo. Seu cotidiano passou a ser as obras e seu c_rculo de conviv_ncia, seus trabalhadores. N_o _ dif_cil reconstruir a ess_ncia do relacionamento entre os dois grupos atrav_s dos depoimentos de servidores da FUNAI: era um relacionamento caracterizado pela extrema discrimina__o. Iaw_, o _nico homem deste grupo, era apelidado de “Mandioc_o” e “Capivara”. Relata-se que a mo_a mais jovem tenha sido estuprada. Todos informantes concordam que eles viviam mendigando comida (ou alimentando-se de restos), totalmente sem objetivos. _ unanimidade, tamb_m, que este conv_vio resultou na introdu__o do h_bito de beber pinga nos quatro “Av_-Canoeiro”. Mesmo ap_s um primeiro deslocamento do Posto Ind_gena para regi_o mais afastada das obras, os Engenheiros e outros funcion_rios altos de FURNAS, segundo informante, visitavam os _ndios para lhes propor trocas como, por exemplo, uma ca_a grande (anta) por um 40 41 pacote de cigarros. N_o podemos esquecer a m_-influ_ncia das caravanas de pescadores que acampavam pr_ximos ao Rio Tocantins e promoviam verdadeiras confraterniza__es em descampados dentro da Terra Ind_gena. O atual Chefe de Posto relata que, ao encarregar-se do Posto em 1992, estas pessoas eram levadas aos referidos acampamentos para serem embebedadas, ridicularizadas e molestadas sexualmente. Al_m de tudo, os posseiros da Terra Ind_gena tamb_m os recebiam, em dia de festa, a goles de pinga, h_bito que o antigo Chefe de Posto tamb_m apreciava bastante. Pode-se considerar, estranhamente, este grupo um grupo de sorte dentro do panorama tr_gico do Brasil ind_gena, pois ao menos desta mazela hoje eles est_o livres. Foi necess_rio uma posi__o muito energ_tica e corajosa do novo Chefe de Posto para a mudan_a deste quadro. Este servidor precisou se valer de amea_as para conter a entrada de engenheiros de FURNAS na _rea do Posto Ind_gena e fazer com que os regionais n_o mais os oferecessem bebida alco_lica. Mas, sabe-se ser esta uma atitude individual e arriscada para o funcion_rio. Talvez n_o fosse exagero afirmar que este homem arriscou-se para ajudar estes quatro sobreviventes a manter o m_nimo de vida digna. Durante os quatro meses em que estagiei no Departamento de Patrim_nio Ind_gena na FUNAI testemunhei atrav_s dos documentos assinados por ele, a iniciativa e empenho deste senhor para melhorar a situa__o vivida pelo grupo, fazendo com que pelo menos um m_nimo das resolu__es do Programa Av_-Canoeiro (que ser_ discutido adiante) fosse cumprida. Foi importante constatar que suas iniciativas encontravam opositores tanto dentro da FUNAI quanto por parte de FURNAS, levando-o, _s vezes quase ao desespero ou desist_ncia. O Sr. Walter Sanchez se mostrou preocupado com todas as mazelas que assolam os “Av_Canoeiro”, posicionando-se e atuando quase sozinho tanto em assuntos referentes _ demarca__o e vigil_ncia da T.I., quanto em assuntos ligados _ polui__o e destrui__o em geral da _rea, influenciando em decis_es pol_ticas brigando pela continuidade do fornecimento dos _tens necess_rios _ sobreviv_ncia dos indiv_duos, e impedindo a continua__o do fornecimento de bens maufaturados aos quais os Tchigapitchga ainda n_o atribuiam import_ncia essencial. Esta sua atua__o visou controlar a depend_ncia material consequente da pol_tica assistencialista, apesar de n_o fazer parte de uma pol_tica alternativa em si, pois est_ vinculada _ pol_tica oficial. N_o h_ como negar o empenho desinteressado deste t_cnico indigenista, como prova o seguinte trecho do 41 42 memorando n_ 021 do PIN Av_-Canoeiro, de 22/10/95, sobre assunto que n_o _ de sua responsabilidade: “Reafirmamos, por fim, uma vez mais, que, quaisquer solu__es encontradas para a garantia de continuidade f_sica do grupo Av_-Canoeiro, ser_o apenas paliativas enquanto estiver pendente a problem_tica fundi_ria que atinge suas terras. A indeniza__o, a retirada e o reassentamento (a quem couber, por direito) dos posseiros ali domiciliados, n_o devem ultrapassar, no tempo, a data determinada por FURNAS para a reten__o das _guas em seu a_ude” (FUNAI, 1995a). _ surpreendente o fato da Terra Ind_gena Av_-Canoeiro ter sido teoricamente interditada apenas em 1985 e numa _rea que um informante da FUNAI caracterizou como “terra podre”, pois a _rea reservada para o grupo ind_gena j_ era concedida _s obras da UHE Serra da Mesa desde 1981 e as obras tinham sido iniciadas havia um ano. Al_m do mais, a _rea interditada de 38.000 ha _ quase toda composta por terreno montanhoso e pedregoso, com outras 64 fam_lias disputando os poucos trechos agricult_veis. A maioria dessas posses s_o de pequenos agricultores que moram e dependem da posse, mas algumas ocupa__es foram feitas por pessoas que moram em Bras_lia ou Goi_nia, apadrinhados politicamente ou ricos o suficiente para contratar bons advogados, que v_em nesta ocupa__o apenas mais uma fonte de lucro. A justificativa para se delimitar uma _rea t_o pobre e problem_tica se baseava numa pesquisa que o Antrop_logo Andr_ de Toral havia empreendido para identificar a _rea “tradicional” do grupo. _ necess_rio, por_m, apontar uma falha nesta interpreta__o, na medida em que “tradicional” se refere a “origin_rio”, e se assim o for, a terra identificada n_o deveria ser considerada tradicional por ser uma regi_o escolhida como ref_gio justamente pelas suas caracter_sticas pouco apreciadas pelos invasores daquelas que poderiam ser consideradas, dentro desta perspectiva, as verdadeiras _reas “tradicionalmente” ocupadas pelos tchigapitchga - terras mais f_rteis e mais atrativas invadidas em primeira inst_ncia. 42 43 Esta Terra Ind_gena, ainda hoje, _ sujeita de uma ocupa__o pouco respeitosa. Tanto os ocupantes efetivos quanto os invasores mais abastados promovem desmatamentos na _rea. Os pequenos agricultores desmatam uma pequena _rea para plantio, mas o fazem todos os anos. Os grandes desmatadores o fazem para criar gado, aproveitando a oportunidade para comercializar as toras de madeira semi-nobre como a aroeira. O _ltimo grande desmatamento na _rea foi feito pelo Sr. Carlindo Soares, residente em Bras_lia. Segundo documento de outro servidor da FUNAI defensor daquilo que se convencionou chamar a “causa Av_-Canoeiro”, o tamb_m t_cnico indigenista Sr. Renato Sanchez denuncia em 27/10/95: “Aquele local da fazenda Baix_o Baiano pode comprometer a imagem de FURNAS como colaboradora nos processos de Antropiza__o e degrada__o do meio-ambiente do territ_rio Ind_gena Av_-Canoeiro, visto que o propriet_rio-ocupante Sr. Carlindo Esteves Soares Filho, que ora os abriga (os trabalhadores da UHE) com acampamento/Dep_sito foi autuado pelo IBAMA (auto de Infra__o n_ 71523 - Lei 4.771/65) no dia 19/agosto/95 por “desmatamento 400 ha em topos de morros em _rea de preserva__o na _rea Ind_gena Av_-Canoeiro.(...) Tais fatos (Nota: este e outros anteriormente citados) transcritos evidencia que a FUNAI deve estar atenta _s atividades de FURNAS na Terra Ind_gena Av_-Canoeiro visto que a mesma possue (sic) v_rios departamentos que agem independentemente e que as vezes n_o est_o na mesma sintonia de que se deve ter mais cuidado e aten__o no que propuseram nas normas da Programa__o dos Servi_os” (FUNAI, 1995d). Mas den_ncias como esta n_o necessariamente encontravam resposta. Sabe-se que este fazendeiro continuou a desmatar e provocar outros preju_zos na _rea ap_s ter pago a menor multa existente para um caso de desmatamento. A multa de aproximadamente R$ 400,00 foi na verdade um est_mulo _s irregularidades. Este estado geral de descumprimento das leis torna mais dif_cil a luta di_ria pela n_o invas_o e destrui__o da Terra Ind_gena. Testemunhei pessoalmente a dificuldade para libera__o de verba para um _tem citado no Programa Av_-Canoeiro como de responsabilidade de FURNAS: a vigil_ncia e fiscaliza__o da Terra Ind_gena. A empresa e alguns setores da FUNAI criaram grandes obst_culos a um projeto de verdadeira vigil_ncia, tendo acatado somente em junho de 1996 a instala__o de uma Barreira de Vigil_ncia com apenas tr_s Policiais Florestais, visivelmente insuficientes para _rea t_o vasta, em condi__es prec_rias. A situa__o fundi_ria tamb_m n_o contribu_a para evitar o abuso e a invas_o da _rea: at_ o final de 1996 a _rea era garantida apenas pela Portaria prevendo sua interdi__o (FUNAI n_ 1850/E Lei 43 44 7.347), podendo ser revogada a qualquer momento. A opini_o p_blica nos munic_pios vizinhos _ T.I. era de que apenas a _rea onde os _ndios moravam n_o poderia ser utilizada. Prova disso est_ no fato que presenciei, ocorrido em 4 de junho de 1996, mesmo dia em que a Pol_cia Florestal entrou e fez sua primeira ronda de vigil_ncia no rio. Duas autoridades locais foram surpreendidas pescando dentro da T.I. (Fig. 5). Alegaram desconhecer a interdi__o da _rea. Alguns praticantes de irregularidades, como o pr_prio Sr. Carlindo Soares, enfrentam e descreditam a lei, como prova uma informante vizinha moradora da Vila Borba: “Mas eles (os fazendeiros) n_o ’t_o ligando para isso (a lei) n_o. Teve uma reuni_o a_ em Colinas do Sul e o pessoal falou que n_o podia construir mais nada. Mas ainda h_ pouco o Sr. Carlindo desmatou uma terra grande. O irm_o dele ’tava conversando e disse que com ele n_o tem esse neg_cio n_o, que ele _ rico e pode pagar os advogados todos” (entrevista realizada no dia 27/05/96). 44 45 Fig. 5 - Peixe apreendido dentro da T.I. na primeira ronda da Pol_cia Florestal A Crise da Ideologia da Infinita Expans_o Econ_mica A partir dos anos 60 a ideologia da infinita expans_o econ_mica, subjacente aos pa_ses industrializados, come_ou a sofrer rea__es contr_rias. “Surpreendentemente, as primeiras rea__es contra a sociedade de abund_ncia n_o vieram necessariamente das sociedades n_odesenvolvidas, mas de camadas de classe m_dia das sociedades industrializadas. Importante nessa perspectiva foi a rea__o dos movimentos “marginais” como o dos hippies, das mulheres, da contra-cultura, das minorias raciais, de maio de 68, etc. In_meros intelectuais, de v_rias correntes te_ricas, come_aram a indicar os limites ecol_gicos e sociais das chamadas sociedades de aflu_ncia” (Dieges, 1996:24). Apesar destes movimentos, este autor mostra que o maior golpe _ no__o de progresso linear e continuado, realizado _ base de energia e mat_rias-primas baratas extorquidas dos pa_ses do Terceiro Mundo, foi causado pelas crises do petr_leo a partir de 1973. Assim, as popula__es dos pa_ses ricos acordaram para uma nova realidade: “(...) os recursos naturais renov_veis e principalmente os n_o-renov_veis s_o bens finitos e precisam ser usados de forma comedida” (idem). Assim, como resultado desta “nova consci_ncia” foi necess_rio adequar a pol_ticas oficiais de acordo com a opini_o p_blica, principalmente internacional de onde vinham investimentos e provavelmente interesses posteriores. Assim como Bruce Albert fez na an_lise do caso Yanomami (Albert, 1991:54), podemos caracterizar a pol_tica indigenista e ambiental oficial a partir do per_odo de 1985-1990, 45 46 de “transi__o democr_tica, como subordinada a um modelo de continuidade econ_mica e pol_tica do “c_lebre bin_mio desenvolvimento-seguran_a nacional dos anos 60-70, atrav_s do qual se garantia a explora__o industrial dos recursos naturais da regi_o para exporta__o, num quadro de controle social e pol_tico generalizado assegurado pela tutela militar” (Albert, 1991:54). Albert assinala para a “repercuss_o negativa dos custos sociais e ecol_gicos deste modelo econ_mico altamente desigual e predador e a consequente press_o das ONGs e opini_es p_blicas sobre os credores internacionais que sustentam a infra-estrutura” (idem), obrigando-os a “modificar o estilo pol_tico, legal e administrativo da sua implementa__o” (idem). De acordo com as diretrizes estrat_gicas do plano diretor de 1986 da ELETROBR_S, baseada nesta “nova consci_ncia”, cria-se um setor encarregado de tratar das “quest_es ind_genas”, sintomaticamente denominado Departamento de Meio-Ambiente DMA.T.. O modelo de tratamento das “quest_es” ambientais e ind_genas da UHE Serra da Mesa _ guiado por duas experi_ncias anteriores, as UHEs de Balbina e Tucuru_, interferindo com os povos Waimiri-Atroari e Parakan_, modelo vangloriado como pioneirismo pelos indigenistas mas bastante criticado por alguns antrop_logos (Andrade e Viveiros de Castro, 1988; Baines, 1993; Baines, 1996). “A cria__o de compet_ncia t_cnica dentro do DMA.T para a condu__o das a__es concernentes _ quest_o ind_gena de Serra da Mesa foi, sem d_vida, um avan_o consider_vel na postura de FURNAS frente _ problem_tica social que tangencia inevitavelmente o empreendimento” (Programa de Conscientiza__o e Conhecimento da Quest_o Ind_gena FURNAS, 1994). Somente neste trecho podemos pin_ar v_rias caracter_sticas que evidenciam a pol_tica dos grandes empreendimentos energ_ticos que L_cia Andrade e Eduardo Viveiros de Castro (1988) nos sugerem. A primeira caracter_stica se refere _ inclus_o da “quest_o ind_gena” numa problem_tica ambiental. Leva-nos a refletir sobre o conceito de ambiente na pol_tica do setor energ_tico. Segundo estes autores, ambiente _ uma palavra necessariamente relacional, e se entendida como tal, este conceito analisado a partir do discurso do setor el_trico nos mostraria que as popula__es humanas “impactadas” s_o concebidas como parte do ambiente da obra, e esta na verdade seria o sujeito. Esta invers_o tamb_m aparece em outra caracter_stica: “a obra aparece como Causa Absoluta, cuja concep__o _ subtra_da de qualquer exame. Ela se transforma em verdadeira 46 47 inst_ncia transcendental, condi__o incondicionada, fato consumado a que s_ cabe reagir, adaptarse (...)” (Andrade e Castro, 1988: 10). E de fato, todos antrop_logos envolvidos com a “causa Av_-Canoeiro”, ao serem questionados sobre a real capacidade compensat_ria de conv_nios como este, apenas apontaram que n_o havia nada mais a ser feito, que n_o seria mesmo poss_vel evitar a obra, que se tentasse tirar o maior proveito para os _ndios, etc... A caracter_stica de Causa Absoluta fica muito bem evidente na apresenta__o do livro de Pedroso, historiadora envolvida no Conv_nio Av_-Canoeiro, co-editado por FURNAS: “A necessidade de expans_o do setor el_trico _ uma quest_o crucial para o desenvolvimento do Brasil” (Pedroso, 1994). N_o existe postura cr_tica em rela__o _ pol_tica energ_tica concebida em termos grandiloquentes para servir ao “desenvolvimento” Nacional, onde se contabiliza apenas os benef_cios econ_micos, sem pes_-los contra o enorme preju_zo social, hist_rico, cient_fico e do ambiente dos “Av_-Canoeiro”. Uma pesquisa de campo da professora UFG Dilamar Martins da Universidade Federal de Goi_s atestou a exist_ncia de 91 s_tios arqueol_gicos na _rea inundada de Serra da Mesa (Folha de S_o Paulo-Mais!, 1996:8). Segundo Paulo Bertran, colaborador da Folha de S_o Paulo: “Estava nesse estado basbaque de contempla__o do inevit_vel, quando encontreime com meu amigo professor Fleury da Silveira, engenheiro el_trico, que matou-me as indaga__es pela metade. N_o. O problema energ_tico brasileiro n_o _ o de gerar mais hidrel_tricas, para gerar n_o sei quantos mil gigawatts para o s_culo 21, argumento usado pelo setor energ_tico, com apoio das grandes empreiteiras, para evitar um gigantesco blecaute nos pr_ximos anos. O problema todo (...) reside na manuten__o de padr_es de consumo energ_tico antiquados. (...) Mas se as coisas forem pensadas desse _ngulo, quantos confort_veis sal_rios em Furnas e em outras hidrel_tricas (sem falar nos empreiteiros) ser_o incinerados?” (Folha de S_o Paulo-Mais!, 1996:8). Este artigo de Bertran ainda confirma a seriedade dos danos ambientais. Segundo ele, a biomassa que n_o foi retirada da _rea do futuro lago da UHE de Serra da Mesa ir_ fermentar, aumentando terrivelmente a quantidade de isetos e o risco de epidemias. As mudan_as geol_gicas causadas pela dinamita__o de montanhas tamb_m foi notada. Entre estes artigos da Folha de S_o Paulo a respeito da UHE Serra da Mesa estava o de Fernando Godinho, em que afirma que a chefe do Setor de Meio-Ambiente de FURNAS, Norma Villela, “reconhece que uma grande parte dos animais que ser_o recolhidos na _rea de inunda__o ser_ sacrificada para fins cient_ficos, (...)” 47 48 (idem). Uma cita__o desta funcion_ria dizia: “N_o se pode pensar que todos os bichos ser_o salvos. Recoloc_-los em uma nova _rea, superlotando o ambiente, tamb_m causaria um impacto” (idem). Nota-se a preval_ncia de um discurso que legitima a a__o degradadora e predat_ria da empresa, justificado, em _ltima inst_ncia, pelo car_ter de Causa Absoluta da obra do setor el_trico, para implantar o “desenvolvimento”. Enfim, _ preciso analisar objetivamente os benef_cios resultantes dos grandes projetos hidrel_tricos em funcionamento para reavaliar a real necessidade (ou n_o) de se construir outros empreendimentos catastr_ficos como estes, sabendo-se, al_m de tudo, que v_rias Hidrel_tricas em funcionamento n_o utilizam sua capacidade total por falta de pe_as ou manuten__o adequada. Para contornar este quadro, reconhece-se todo um discurso voltado para assegurar uma boa imagem p_blica para a empresa. “A “consci_ncia ambiental” que parece ter iluminado repentinamente as grandes concession_rias e empreiteiras do setor energ_tico n_o _ sen_o um movimento de autodefesa ou contra-ofensiva que visa o aperfei_oamento de um “produto gerencial”- a imagem p_blica da empresa” (Andrade e Castro, 1988: 8). Este mascaramento pode manifestar-se numa ret_rica de “resist_ncia ind_gena”ou de salva__o _tnica. A respeito da atua__o do Programa Waimiri-Atroari, Stephen Baines comenta: “Na situa__o atual a administra__o indigenista apropriou-se da ret_rica de “resist_ncia” ind_gena para mascarar uma situa__o de extrema domina__o e vender uma imagem de um programa assistencial modelo” (Baines, 1996: 1), e de fato este foi, assumidamente, o modelo do Programa Av_-Canoeiro. Como veremos com a an_lise deste _ltimo, existe uma larga dist_ncia entre a ret_rica e as prioridades pol_ticas verificadas na pr_tica. 48 49 O Conv_nio n_ 10.323 Um primeiro conv_nio realizado entre FURNAS Centrais El_tricas S.A. e a Funda__o Nacional do _ndio, de n_mero 023/86 foi assinado em 1986, depois de muita negocia__o, com o objetivo _nico de afastar os _ndios do canteiro de obras da hidrel_trica. As obriga__es da empresa se resumiram em liberar recursos para a constru__o de alojamento e unidades habitacionais para a fam_lia e para o Posto Ind_gena, dando apoio log_stico para a transfer_ncia do Posto e para a relocaliza__o e assentamento do chamado “grupo do Tocantins”. Na realidade FURNAS n_o estava assumindo responsabilidade alguma pelos danos causados aos “Av_-Canoeiro” e ao seu ambiente, apenas afastou o que era considerado um problema. Apesar do fato da _rea Ind_gena Av_-Canoeiro ter sido identificada em 1984, os 38.000 ha delimitados para seis _ndios n_o era levado a s_rio por ningu_m al_m dos funcion_rios da FUNAI (e continuou sendo at_, pelo menos, julho de 1996 com a entrada da Pol_cia Florestal) o que abolia qualquer possibilidade de um ressarcimento adequado. Ao contr_rio, o fato daquela _rea ser Terra Ind_gena foi encarado como positivo para a empresa, pois a terra foi percebida como _rea livre para o empreendimento. Provavelmente como reflexo do plano diretor da ELETROBR_S, em fins de 1987 FURNAS admite renegociar uma indeniza__o aos “Av_-Canoeiro”. Em outubro de 1989 o presidente da FUNAI remete uma carta ao Presidente das Centrais El_tricas Brasileiras mostrando a necessidade da celebra__o de um novo conv_nio de maior abrang_ncia entre a FUNAI e 49 50 FURNAS, ao exemplo de outros conv_nios com concession_rios do setor el_trico, nominalmente o Conv_nio ELETRONORTE e Waimiri-Atroari, que, segundo ele, teve resultados ben_ficos para as comunidades ind_genas. Assim, em 29/06/92 foi assinado um novo conv_nio entre FURNAS e FUNAI com o objetivo alegado de estabelecer formas de compensa__o _ comunidade ind_gena Av_Canoeiro. As a__es definidas pelo Conv_nio s_o quatro: 1) implantar o Projeto Emergencial de Localiza__o e Contato; 2) reestudar os limites da _rea Ind_gena Av_-Canoeiro; 3) realizar a regulariza__o fundi_ria; e 4) definir e implantar o Programa Av_-Canoeiro, atrav_s do qual se buscar_ “o equil_brio s_cio-cultural dos Av_-Canoeiro”. A an_lise das atividades as quais foi dada prioridade _ relevante por mostrar as a__es efetivas do Conv_nio. O Conv_nio t_m sido colocado em pr_tica por meio de Termos Aditivos, ou seja, apenas as medidas consideradas pela FUNAI como emergenciais t_m recebido aten__o. A primeira a__o do Conv_nio, ent_o, foi o Termo Aditivo n_ 01 que tem por meta localizar e contatar os grupos isolados de Av_-Canoeiro dentro da _rea de influ_ncia do Aproveitamento Hidrel_trico S_o F_lix. Outra meta deste Termo seria a elabora__o de uma proposta para ado__o das medidas necess_rias _ prote__o f_sica-cultural das pessoas que forem contatadas. Desde sua assinatura, em 29 de junho de 1992, estabeleceu-se uma Frente de Atra__o Av_-Canoeiro, financiada por FURNAS. Entretanto, como nenhum “contato” foi conseguido, esta outra meta nunca precisou ser colocada em a__o, portanto esta medida n_o trouxe nenhum “benef_cio” para o grupo (supondo-se que traria alguma vantagem aos “Av_-Canoeiro, como sugere o discurso oficial). Como n_o encontrei documentos avaliando ou relatando os caminhos tomados e resultados alcan_ados da FAAC, recorro aos dados contruidos nas duas viagens a Mina_u, onde conheci a sede da Frente de Atra__o. Na primeira viagem, em julho de 1995, fiz uma entrevista com o Chefe da Frente de Atra__o na _poca, Sr. Egipson Nunes Correa, que deixou transparecer uma total falta de esperan_a quanto ao sucesso da sua busca, apesar de ter excelente condi__o material de trabalho. Os trabalhos dos dois grupos de seis pessoas pareceu-me muito devagar - ao ser indagado sobre o planejamento das pr_ximas excurs_es, o Sr. Egipson se mostrou muito vago, sem determina__o 50 51 das rotas a seguir ou de data de partida. Ele pr_prio comparou as not_cias recebidas sobre prov_veis _ndios, _nica “pista” _ disposi__o, _ hist_rias de fantasmas. Segundo ele, aos _ndios _ atribu_do qualquer acontecimento fora do _mbito daquilo que seus informantes - em geral fazendeiros e trabalhadores agr_colas - consideram normal. J_ durante a segunda viagem surgiu uma pequena esperan_a da exist_ncia de um grupo pr_ximo _ terra dos remanescentes de quilombo Kalunga, no munic_pio de Cavalcante (mais especificamente num local chamado Serra do Moleque, bastante isolado), pois a FAAC recebera uma not_cia da exist_ncia de um tapiri abandonado. Em conversa com o mesmo funcion_rio, consigo perceber uma ponta de esperan_a, mais pessimista que otimista, nas entrelinhas de seus depoimentos; ou seja, ele repondia _s minhas perguntas todas com uma discurso de que agora, pelo menos, poderia-se concentrar suas buscas em um local s_. A respeito do tapiri encontrado, o Sr. Egipson n_o soube afirmar categoricamente se este era de Av_Canoeiro ou de ca_adores. Indago sobre a opini_o do Iaw_ e da Naquatcha que foram tentar reconhecer o encontrado como aut_ntico de um novo grupo. Respondeu tamb_m que mostraramse pouco interessados pois n_o haviam encontrado sinais de fogo, entretanto notou um certo interesse de Naquatcha, logo reprimido por Iaw_. Os Termos Aditivos n _ 02 e 03 tamb_m dizem respeito ao Projeto Emergencial de Localiza__o e Contato. J_ o Termo Aditivo n_ 04 tem como objeto expresso a implanta__o e execu__o do Plano Emergencial de Fiscaliza__o e Prote__o da Terra Ind_gena Av_-Canoeiro visando coibir abusos e depreda__es na Terra e preservar de forma ostensiva da invas_o. O Chefe de Posto desde 1992, Sr. Walter Sanches, informou-me da situa__o cr_tica da prote__o da T.I.. Alguns documentos confirmam esta posi__o. O documento “Informa__o n_ 03/PIN Av_Canoeiro” de 25/05/95 informa a descontinuidade da opera__o de vigil_ncia e apreens_o de material predat_rio pela negativa de FURNAS em apoiar a opera__o com o empr_stimo de um ve_culo de sua frota. Segundo este documento, FURNAS alegou que seu compromisso restringese a suprir de alimentos os _ndios, quinzenalmente. Denuncia o despejo de solu__es qu_micas poluentes no Rio Tocantins por sub-empreiteiras contratadas por FURNAS e confirma nunca ter observado qualquer medida preventiva ou restauradora concernente _ ictiofauna e aos demais recursos naturais. Enfim, reafirma a urg_ncia de uma vigil_ncia ininterrupta, para a qual n_o h_ 51 52 estrutura. O Fax n_ 325/GAB/ADR-GYN de 13/06/95 endere_ado _ FURNAS, solicita uma viatura com motorista para opera__o de vigil_ncia de 14 a 18/06. Este pedido foi recusado em documento N.REF. DGS.T.0382.95 - (FURNAS, 1995), informando que n_o disp_e de ve_culo para a a__o solicitada. Sou testemunha da batalha de alguns servidores da FUNAI para garantir o m_nimo de vigil_ncia na T.I. Av_-Canoeiro. O resultado de muita negocia__o resultou apenas na constru__o de uma barreira de vigil_ncia (com instala__o humilde) e na contrata__o de tr_s Policiais Florestais, n_mero altamente deficiente em rela__o _ dimens_o da _rea a ser vigiada (informa__es com validade de at_ agosto de 1996, data do meu desligamento da FUNAI). Em entrevista dia 05/07/96, o Chefe de Posto (e encarregado das opera__es de vigil_ncia), apontou mais uma dificuldade na tarefa dos Policiais Florestais: o descr_dito da popula__o a respeito da interdi__o da _rea, pois havendo apenas uma Portaria legitimando a Terra Ind_gena contra a opini_o p_blica geral, e particularmente dos fazendeiros, de que aquela terra “n_o _ de _ndio”, era muito dif_cil manter a _rea livre de invasores. Como se percebe, o Conv_nio prioriza indiscutivelmente a tentativa de contato, mesmo diante da relut_ncia dos pr_prios “tchigapitchga” quanto _ import_ncia desta busca (para n_o afirmar categoricamente ser o desejo deles que a busca n_o tenha sucesso). Todas as vezes que os questionei sobre a exist_ncia de indiv_duos “n_o-contatados”, houve uma negativa extremamente veemente. N_o questiono radicalmente esta tentativa de contato, pois as consequ_ncias ambientais do funcionamento da UHE Serra da Mesa provavelmente destruir_ as possibilidades de algum poss_vel grupo isolado sobreviver num ambiente t_o problem_tico. Questiono, isto sim, a prioriza__o absoluta desta a__o em detrimento de outras mais importantes. Considero como a medida mais importante que deveria ser tomada _ a negocia__o de uma _rea de mesma dimens_o daquela _rea devastada por conta da hidrel_trica (n_o apenas a demarca__o e homologa__o da _rea interditada), al_m do fornecimento de condi__es para a autonomia do grupo no lugar de medidas criadoras de depend_ncia total do grupo (como o fornecimento de “cestas b_sicas”). 52 53 Mas qual _ o motivo desta prioriza__o? Alega-se que esta medida seja uma op__o emergencial em nome de uma “salva__o _tnica”, objetivo maior do Programa Av_-Canoeiro que procurarei analisar em seguida. 53 54 O Programa Av_-Canoeiro Em primeiro lugar, ser_ necess_rio passar pelas id_ias principais que definem a pol_tica indigenista que este documento expressa. O objetivo principal deste grande n_mero de cita__es _ deixar claro o discurso oficial evitando distorc_-lo. Como j_ foi dito, O Programa Av_-Canoeiro est_ definido no Conv_nio 10.323 como o quarto objeto, que “buscar_ o equil_brio s_cio-cultural dos Av_-Canoeiro j_ contatados na regi_o e daqueles que vierem a s_-lo pelo Projeto Emergencial” (FUNAI/FURNAS, 1992a:2). O Programa _ apresentado como “um conjunto de a__es que visa a prote__o, apoio e assist_ncia ao povo Av_-Canoeiro face aos impactos diretos e indiretos decorrentes do Aproveitamento Hidrel_trico de Serra da Mesa (AHE) que incide em parte do seu territ_rio” (FUNAI/FURNAS, 1992:b). Segundo este documento, o objetivo fundamental do programa _ “reconstruir a sociedade ind_gena Av_-Canoeiro na concep__o ampla e abrangente de seu universo f_sico/cultural” Acrescenta-se que os objetivos espec_ficos do Programa s_o: “- Proporcionar condi__es para unifica__o do povo Av_-Canoeiro, e seu incremento populacional. - Garantir o usufruto exclusivo da _rea demarcada para a comunidade Av_-Canoeiro. - Ampliar a compreens_o dos Av_-Canoeiro acerca de sua pr_pria realidade. - Promover todas as a__es que venham a garantir um ambiente ecologicamente saud_vel. - Garantir a higidez f_sica dos Av_-Canoeiro. - Buscar perspectivas de preserva__o _tnica cultural dos Av_-Canoeiro” (FUNAI/FURNAS, 1992b: 3). Uma observa__o que considero primordial na tentativa de analisar estes objetivo _ o fato de conceitos como “preserva__o _tnica cultural”, por exemplo, serem utilizados como conceitos fechados e, antes de tudo, dados. Conceitos antropol_gicos como “cultura”, “sociedade”, “etnia” e esquemas de manipula__o destes como a “reconstru__o _tnica”, s_o atualizados nos discursos indigenistas, na forma de jarg_es. Desta maneira, o discurso indigenista se apropria da legitimidade cient_fica rec_m-adquirida da antropologia de modo mec_nico e impensado, mesmo estando distante de suas discuss_es e “descobertas”. N_o existe nenhum cuidado em, ao menos, explicitar o que seria uma “reconstru__o f_sica/cultural”. Est_ claro que na 54 55 teoria antropol_gica n_o existe consenso sobre tais conceitos, e sabe-se que a antropologia atual, num movimento reflexivo, t_m tentado reconstru_-los, mas parece que para os antrop_logos e indigenistas oficiais este movimento _ apenas fruto de abstra__es distantes da “pr_tica” indigenista No entanto, esta discuss_o ser_ aprofundada mais adiante. O objetivo destes questionamentos iniciais _ chamar a aten__o para a caracter_stica que considero principal na an_lise da ret_rica da pol_tica indigenista, expressado nos documentos cujo conte_do me proponho a explicitar. Retomando a proposta inicial de apresentar o conte_do do Programa, exponho agora aqueles fundamentos que justificam juridicamente o projeto: “- Constitui__o Federal, Cap. VIII - DOS _NDIOS, art. 231, parágrafos 1 a7 - Lei 6001 que dispõe sobre o “Estatuto do Índio” - Convênio FURNAS - FUNAI nº 10.323 - Aditivos do Convênio nº 10.323” (FUNAI/FURNAS, 1992b:4). Dos par_grafos citados da Constitui__o Federal existem dois que sugiro serem de maior import_ncia neste caso. S_o eles o par_grafo 1_, 3_ e 4_. “Par_grafo 1_ S_o terras tradicionalmente ocupadas pelos _ndios as por eles habitadas em car_ter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescind_veis _ preserva__o dos recursos ambientais necess_rios a seu bem-estar e as necess_rias a sua reprodu__o f_sica e cultural, segundo seus usos, constumes e tradi__es. (Rep_blica Federativa do Brasil, 1988:150). Este par_grafo foi enfatizado por ser o _nico a se referir _ “preserva__o dos recursos ambientais” e _ “reprodu__o f_sica e cultural”, sendo portanto, o _nico cujo conte_do est_ permeado pela id_ia de “cultura”. Destaco aqui, o uso indefinido do conceito de cultura. “Par_grafo 3_ O aproveitamento dos recursos h_dricos, inclu_dos os potenciais energ_ticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras ind_genas s_ podem ser efetivados com autoriza__o do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participa__o nos resultados da lavra, na forma da lei. Par_grafo 4_ As terras de que trata este artigo s_o inalien_veis e indispon_veis, e os direitos sobre elas, imprescrit_veis” 55 56 (idem). Na an_lise conjunta destes par_grafos pode-se questionar a concep__o de terra expressa no 4_ par_grafo. _ uma concep__o de terra nua, pois n_o considera os recursos nelas contidos como fazendo parte dela. Ademais, no caso da UHE Serra da Mesa, as comunidades afetadas n_o foram ouvidas em nenhum momento e a autoriza__o do Congresso Nacional foi pedida faltando um m_s para o fechamento das comportas da barragem. Um par_grafo pin_ado do Estatuto do _ndio tamb_m pode servir para mostrar outro conceito utilizado como desprovido de conte_do ideacional passando uma concep__o como algo dado. _ o caso de “desenvolvimento nacional”, conceito cujo estudo ser_ aprofundado mais adiante. No par_grafo a seguir observa-se esta tend_ncia: “Art.20. Em car_ter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poder_ a Uni_o intervir, se n_o houver solu__o alternativa, em _rea ind_gena, determinada a provid_ncia por decreto do Presidente da Rep_blica. Par_grafo 1_ A interven__o poder_ ser decretada: (...) d) para a realiza__o de obras p_blicas que interessem ao desenvolvimento nacional;” (FUNAI, 1973: 11). Assim, mais uma vez, “o desenvolvimento nacional” _ interpretado como algo inevit_vel, para o qual n_o existe alternativa. Est_ sendo usado de maneira personalizada, como o sujeito ou interessado na obra. O Estatuto do _ndio garante o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes no Art. 22, havendo uma contradi__o entre este artigo e o artigo 231 par_grafo 3_ da Constitui__o Federal. Este artigo do Estatuto estaria sendo desrespeitado. O Art. 39 tamb_m refor_a esta contradi__o, estando em concord_ncia com o Art. 22. Determina como bens do Patrim_nio Ind_gena o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas por grupos tribais ou comunidades ind_genas e nas _reas a eles reservadas. Enfim, pode-se creditar a uma palavra revestida de sentido ideacional como “desenvolvimento” a qualidade de exepcionalidade ou inevitabilidade? 56 57 Surpreendentemente, a “Pe_a Antropol_gica”, documento de FURNAS a ser analisado em seguida, se refere ao Estatuto do _ndio como omisso quanto aos procedimentos e provid_ncias a serem tomados em casos de expans_o da sociedade nacional atingindo as terras ind_genas: “As situa__es que ocorriam iam sendo resolvidas ad hoc, implicando negocia__es entre as empresas envolvidas e a FUNAI” (Gomes et al, 1995:24). Por_m, considerou o assunto totalmente resolvido quando a Constitui__o Nacional de 1988 foi aprovada, por ter inclu_do a aprova__o do Congresso Nacional e a consulta _s comunidades como imprescind_veis. Na pr_tica, no entanto, a pol_tica indigenista continua sendo imposta aos Av_-Canoeiro principalmente atrav_s de acertos entre os dois _rg_os governamentais, e a opini_o dos Av_Canoeiro nunca foi ouvida. Existem, at_ mesmo dentro da FUNAI, insatisfa__es com outras quest_es do Estatuto Ind_gena que o qualificaria como integracionista, evolucionista e paternalista. Entretanto, considero que a tarefa de expor estas caracter_sticas fugiria do tema central desta an_lise. _ suficiente para contribuir para a cr_tica sobre o uso indefinido do conceito de cultura o primeiro artigo: “Art. 1_ Esta Lei regula a situa__o jur_dica dos _ndios ou silv_colas e das comunidades ind_genas, com o prop_sito de preservar a sua cultura e integr_-los, progressiva e harmoniosamente, _ comuidade nacional” (FUNAI, 1973b:6). Bruce Albert alertou para os dispositivos lesivos aos _ndios, embutidos no inv_lucro protecionista do Estatuto do _ndio, incluindo “disposi__es assimilacionistas (...) e disposi__es expropriativas como o n_o reconhecimento da propriedade ind_gena, a previs_o de remo__o de grupos por raz_es de seguran_a nacional ou para a realiza__o de obras p_blicas, a autoriza__o de minera__o por estatais e a toler_ncia de contratos de arrendamento em terras ind_genas (Oliveira Filho, 1985 apud Albert, 1991). No entanto, o pr_prio autor constata mudan_as significativas nas conquistas indigenistas e ambientalistas da Constitui__o de 1988, onde a palavra “integra__o” n_o _ mais utilizada. Como a fundamenta__o jur_dica deste Programa Av_-Canoeiro cita o Estatuto do _ndio e a Constitui__o, sem aprofundar a discuss_o, fica a d_vida sobre as quest_es em que os dois documentos n_o concordam. 57 58 Retomando o texto do Programa Av_-Canoeiro, o quarto _tem define o quadro administrativo. Este _tem define que “as a__es ser_o desenvolvidas atrav_s de Sub-Programas concebidos por t_cnicos das _reas espec_ficas” (FUNAI/FURNAS, 1992:4). Na pr_tica, por_m, os documentos oficiais demonstram estarem as a__es sendo desenvolvidas atrav_s de termos aditivos; al_m disso, o Grupo de Trabalho, ap_s a elabora__o do Programa, nunca mais se reuniu (segundo informante representante da FUNAI e membro do GT). Este _tem versa tamb_m sobre a import_ncia de buscar a participa__o dos indiv_duos do grupo nas decis_es, apesar de citar fatores que dificultariam esta participa__o, como o “reduzido n_mero de indiv_duos, o obst_culo da comunica__o e a dificuldade de percep__o da amplitude da realidade que o cerca, entre outros (...)” (FUNAI/FURNAS, 1992b:5). As atitudes dos servidores de ambas as partes envolvidas no Conv_nio, entretanto, n_o procuram realmente enfrentar estas barreiras no cotidiano, talvez por consider_-las intranspon_veis. Um dos membros do GT, com experi_ncia e conviv_ncia com o grupo, o considerou “um grupo n_opol_tico”, ou seja, incapaz de tomar decis_es. O _tem do Programa entitulado “Situa__o atual” informa quantos grupos existem hoje. _ importante destacar o fato deste programa citar ambos os grupo (e tamb_m os isolados), dando a entender que os “indenizados” seriam ambos. Como j_ foi demonstrado anteriormente, as poucas a__es colocadas em pr_tica tem sido voltadas apenas para o grupo do Tocantins. _ certo que o grupo do Araguaia n_o vive na Terra Ind_gena, mas isto n_o retira-lhes o direito _ essa terra e portanto o acesso igualit_rio aos “benef_cios” ou “indeniza__es” sobre esta terra. O Programa Av_-Canoeiro, al_m do mais, considera o grupo do Araguaia como incapaz de “reproduzir sua cultura” por conta da rela__o assim_trica com os Java_, acrescentando tamb_m, o fato das crian_as do grupo serem mesti_as. Segundo o Programa, o grupo do Tocantins “n_o consegue reproduzir seu modus vivendi por falta de membros para desempenhar os diferentes pap_is sociais” (FUNAI/FURNAS; 1992b:8), no entanto, considera a cultura como sendo sempre revivida “seja atrav_s de seus artefatos utilit_rios ou de seus rituais de cura e pajelan_a” (idem). Neste trecho, ent_o, fica claro que o Programa assume que uma manuten__o 58 59 cultural seria poss_vel apenas com isolamento e sugere que “pureza _tnica” seja condi__o indispens_vel para a “reprodu__o da cultura”. E, seguindo o caminho l_gico em que o ideal para “reavivar uma cultura” seja o isolamento, as a__es do Programa entram em total contradi__o com a teoria pois caminham em sentidos opostos. O Programa promove o “contato” pois a “inevitabilidade da obra de desenvolvimento” fez com que os t_cnicos julgassem imposs_vel aos Av_-Canoeiros permanecerem isolados. Em segundo lugar, a exist_ncia da tentativa de “salva__o _tnica” por quem n_o pertence ao grupo _tnico levada _ pr_tica atrav_s de assist_ncia provocaria, isto sim, a depend_ncia. Em _ltimo lugar, sabe-se que um “isolamento” comandada pela autoridade e presen_a governamental _ discut_vel. Gallois sugere que a prote__o temp_r_ria dos grupos rec_m-contatados n_o garante sua autonomia, ao contr_rio, a esfacela. Esta autora mostrou como “os _ndios n_o esperam dos brancos que lhes reensinem suas tradi__es, mas querem dominar o portugu_s, a matem_tica e outras t_cnicas habitualmente monopolizadas pelos brancos” (Gallois, 1992:132). Se o Programa realmente pretende funcionar levando em conta a participa__o do grupo, deveriam dar condi__es para que o grupo possa tomar parte nas decis_es e deixar de ser, como um informante j_ referido considerou, “um grupo n_o-pol_tico”. Gallois demonstra que: “ A antropologia dos movimentos _tnicos evidenciou que a forma mais eficiente de fortalecer a autonomia de um grupo _ permitir que se reconhe_a - demarcando-se dos outros - numa identidade coletiva. Fortalecimento este que consiste num processo din_mico, num trabalho de adapta__o constante, que n_o _ nem contagioso nem heredit_rio. (...) A identidade morre nos espa_os fechados, que limitam a reflex_o comparativa, que n_o refletem apenas um espelhamento com agentes tranfigurados em protetores de uma cultura dita tradicional, idealizada e imobilizada no tempo” (Gallois, 1992:132). O pr_ximo _tem do Programa Av_-Canoeiro, identificado como “Reflex_es”, refor_a uma id_ia j_ referida no in_cio da monografia: a de que o “povo Av_-Canoeiro” seja um grupo que “tem feito da resist_ncia seu marco de cada dia” (FUNAI/FURNAS: 1992b:9). “Os Av_-Canoeiro sobreviventes s_o herdeiros de uma cultura que fortalece o ser humano at_ o limite de sua ess_ncia” (Idem). Assim, o programa define como seu grande desafio “FAZER RENASCER A SOCIEDADE AV_-CANOEIRO, a partir de um grupo fragmentado, que a 59 60 despeito de todo o genoc_dio praticado contra este povo, tem feito da resist_ncia seu marco de luta” (Idem). Fica claro, tamb_m, a fragilidade do conceito de cultura e sociedade, sempre referidos mas nunca explicados, como que naturalizados. “Embora seis pessoas possam carregar em suas mentes e seus cora__es o esp_rito de uma cultura, mantendo o seu ethos, preservando o conhecimento adquirido e repassando-o para os novos, n_o podem constituir uma sociedade, pois n_o podem reproduzir-se fisicamente” (Idem). Se o Programa, que determina a vida destas pessoas, _ um documento sucinto e pouco explicado, o argumento apresentado ao Congresso Nacional certamente n_o o _. A seguir, enfocarei a “Pe_a Antropol_gica”, apresentada como argumento fundamental que FURNAS Centrais El_tricas S.A. usou “para consubstanciar o pedido de autoriza__o para aproveitamento de potenciais energ_ticos do alto rio Tocantins, a serem operados pela UHE Serrra da Mesa, j_ em constru__o, em virtude de essa usina se localizarem, e provocar impactos globais sobre parte da _rea que comp_e a Terra Ind_gena dos _ndios Av_-Canoeiro, (...)” (Gomes, et al, 1995:7). A “Pe_a Antropol_gica” - argumento baseado no “Desenvolvimento Sustent_vel” Este _ um documento elaborado pelo Instituto de Pesquisas Antropol_gicas do Rio de Janeiro - IPARJ e entregue em 18 de Agosto de 1995. Apesar de se apresentar como institui__o sem fins lucrativos, um funcion_rio do Minisit_rio P_blico envolvido com a quest_o confirmou que foi pago _ IPARJ R$ 200.000,00 por FURNAS a t_tulo de consultoria antropol_gica, por este documento. A diretoria do Instituito _ formada por M_rcio Gomes, Carlos de Ara_jo Moreira Neto, Darcy Ribeiro e Berta Ribeiro. A equipe de trabalho deste documento foi formada pelos pr_prios M_rcio Gomes e Carlos Moreira Neto, al_m de Maria Elizabeth B. Monteiro, Gisele J. de A. Moreira, Eliana M. Granado (antrop_loga contratada por FURNAS), Dulce M. Pedroso (Historiadora membro do GT Av_-Canoeiro, autora j_ citada nesta monografia) e Andrea M. Alves. 60 61 A proposta central deste documento seria “delinear as motiva__es e os termos de compromisso de FURNAS Centrais El_tricas S.A. para com os _ndios Av_-Canoeiro. Argumenta a partir de uma vis_o de desenvolvimento econ_mico sustent_vel para a regi_o, descreve as caracter_sticas gerais e singulares dos Av_-Canoeiro, analisa o quadro atual da rela__o entre esses _ndios e o AHE Serra da Mesa, e demonstra a hist_ria da presen_a desse povo ind_gena na regi_o que ser_ afetada pela referida hidrel_trica” (Idem). A atua__o da empresa energ_tica _ descrita como pioneira, no que tange ao pedido de autoriza__o (nota-se que quando o pedido realmente foi avaliado pelo Congresso, as comportas da barragem estavam prontas para serem fechadas). _ igualmente qualificada como “compromissada” com os _ndios pois “compromete-se a envidar todos os esfor_os em prol da sobreviv_ncia e da reconstitui__o _tnica do povo Av_-Canoeiro” (Idem). Ainda na apresenta__o do trabalho, refor_a-se a id_ia de que os “ Av_-Canoeiro” sejam um grupo de her_is sobreviventes _ domina__o. O texto considera este grupo como um grupo aut_nomo, desconsiderando as evid_ncias de que eles hoje vivem dependentes da a__o governamental. Como explicar, por exemplo, o fato de Iaw_ (_nico homem adulto do grupo do Tocantins) reconhecer abertamente que o lugar em que mora _ a FUNAI? Esta id_ia fica clara atrav_s de um trecho de “entrevista” feita em 1/06/96 na T.I. Av_ Canoeiro. Enquanto conversava comigo sobre a morte de Putchkau do grupo do Araguaia, falou que seu cora__o “n_o est_ mais aqui”, que tinha ido embora para outro mundo. Refor_ou, ent_o, que o cora__o de Putchkau n_o estava aqui, dizendo: “aqui n_o, FUNAI n_o, aqui FUNAI n_o”. Demonstrou saber, tamb_m, que se alimenta por conta da cesta b_sica que FURNAS envia. Quando o barqueiro da empresa parou na prainha em frente _ _rea do Posto, perguntei ao Iaw_ se era “o homem da canoa” que trazia a comida (o Chefe de Posto tinha me informado que eles n_o sabiam que a comida era fornecida por FURNAS). Ele respondeu que era o barqueiro que trazia, que a comida era “aqui da FUNAI” e que quem a comprava era FURNAS. Ao ser indagado sobre o motivo de FURNAS fornecer-lhes comida, ele respondeu simplesmente: “aqui n_o tem...”. A apresenta__o deste documento segue defendendo a id_ia de que a UHE Serra da Mesa visaria n_o apenas ampliar a oferta da energia hidrel_trica para o pa_s, mas tamb_m incentivar oportunidades para o desenvolvimento econ_mico regional. Qualifica o 61 62 desenvolvimento como “est_vel, permanente, n_o depredador, e proporcionador de melhores condi__es de vida para todos os habitantes da regi_o” (Gomes et al, 1995:8). _ de uma dificuldade insustent_vel tentar mapear este “desenvolvimento” fabuloso na regi_o. A cidade de Mina_u, mais pr_xima _ obra, parece estar em franca decad_ncia econ_mica, sobrevivendo basicamente de um com_rcio cujo maior mercado consumidor _ constitu_do pelo funcion_rios de FURNAS e outras empresas ligadas _ obra. A decad_ncia _ fruto das demiss_es causadas pela diminui__o da produ__o da empresa de minera__o de amianto SAMA do grupo Eternit/Saint-Gobain-Pont-aMouson que alguns informantes interpretaram como uma evid_ncia de seu fechamento eminente (prevendo, inclusive, o abandono de v_rios morros dos restos da minera__o que ser_o apenas cobertos superficialmente por grama). Ao contr_rio do que se pode pensar, entretanto, a UHE Serra da Mesa n_o _ fator de “desenvolvimento econ_mico” t_o importante no que concerne _ cria__o de empregos. O pr_prio Programa de Conscientiza__o de FURNAS admite que o fluxo de funcion_rios _ constante, e pude constatar nas minhas visitas, atrav_s de conversas, que _ muito dif_cil para uma pessoa da regi_o, geralmente com baixo n_vel de instru__o profissional, conseguir ou manter um emprego, dos menos remunerados, na obra da hidrel_trica. Como a obra _ feita atrav_s de grandes empreiteras, sub-concession_rias de FURNAS, boa parte da m_o-de-obra vem de fora, sendo quase a totalidade dos cargos de maior remunera__o preenchidos por profissionais das capitais. Quanto _ qualidade “n_o-depredadora” deste tipo de desenvolvimento, os autores devem estar muito desinformados da verdadeira situa__o ou ent_o agem de m_-f_. At_ porque n_o existe interfer_ncia deste porte e qualidade que possa ser considerado n_o-depredadora. A pr_pria vis_o da obra da hidrel_trica impressiona o leigo por estar sendo contru_da a partir de buracos imensos na rocha. Por_m, nada se compara aos preju_zos posteriores ao fechamento das comportas da barragem, equivalente a uma grande cat_strofe, com a inunda__o da montante do Rio Tocantins e a seca _ jusante, e suas consequentes interfer_ncias ecol_gicas. O _ltimo aspecto que julgo importante citar da apresenta__o se relaciona _ concord_ncia dos “_ndios” a respeito dos recursos h_dricos explorados na sua _rea. O documento diz que esta obriga__o constitucional dever_ ser conseguida assim que o povo Av_-Canoeiro, 62 63 “unificado e _ntegro, tenha um conhecimento objetivo, claro e abrangente dos principais efeitos do empreendimento em quest_o” (Idem: 9). Mas quest_es como “quem ir_ ensin_-los” e, como j_ vimos, “como pode um programa se propor a re-educ_-los nas suas pr_prias tradi__es”, sempre v_m _ tona. Pode-se supor que o m_ximo que o Programa poder_ fazer, em nome da “ autodetermina__o ind_gena”, _ ensin_-los a concordar “tradicionalmente” com a interfer_ncia em sua _rea. O pr_ximo cap_tulo, entitulado “Dos Motivos para esta Pe_a Antropol_gica”, o documento discorre sobre o pioneirismo deste documento, sem explicitar que o mesmo, na realidade, foi exigido de FURNAS pelo trabalho de alguns servidores da FUNAI. Levantarei apenas alguns pontos pol_micos do cap_tulo que exp_e o discurso utilizado por conta do tamanho deste documento. O trecho a seguir foi considerado significativo: “O dilema da presen_a dos Av_Canoeiro na _rea de constru__o de uma usina hidrel_trica imprescind_vel ao desenvolvimento nacional foi para FURNAS um desafio surpreendente: n_o s_ por causa do empreendimento em si, mas, sobretudo, pressionada pela opini_o p_blica e por uma nova legisla__o indigenista, pela urg_ncia de aprender a conviver e apresentar solu__es _s quest_es prementes advindas dessa presen_a inusitada” (Gomes et al, 1995:16). Isto porque mostra o que Andrade e Viveiros de Castro consideraram uma pervers_o do discurso, onde a obra aparece como fato consumado, “obra do destino” e as popula__es humanas s_o vistas como incidindo na obra, e n_o o contr_rio. Ou seja, n_o se questiona o car_ter imprescind_vel da obra ao “desenvolvimento nacional” ou como realmente definir o conceito de “desenvolvimento” e ainda considera os “Av_-Canoeiro” como estando no ambiente da obra, quando na verdade se verifica o contr_rio. A seguir, esta obra se encarrega de narrar o relacionamento entre a UHE e o grupo “ ind_gena”, citando os conv_nios estabelecidos. Sobre o Conv_nio em vigor, este documento informa: “Os diversos subprogramas em andamento dedicam-se _ sa_de, garantindo a integridade f_sica dos Av_; _ demarca__o e regulariza__o fundi_ria; ao meio ambiente e _ vigil_ncia de 63 64 limites da terra ind_gena, tratando de preserv_-la da invas_o por parte dos garimpeiros e posseiros; e _ auto-sustenta__o, com o objetivo de garantir a melhoria das condi__es de subsist_ncia da comunidade. (...) H_ ainda o subprograma de educa__o ind_gena que, associado ao de documenta__o e mem_ria, permite aos _ndios, por um lado, obter informa__es e atender sua curiosidade sobre a sociedade nacional; e _ sociedade nacional, por outro, dispor de documenta__o e informa__es sobre os Av_-Canoeiro. Finalmente, cabe ressaltar o subprograma de reconstitui__o do povo Av_-Canoeiro, cujos primeiros passos s_o dados pelo empenho que as equipes da FUNAI e de FURNAS dedicam _ localiza__o dos grupos Av_-Canoeiro aut_nomos, colocando em campo duas equipes para este fim.” (Gomes et al, 1995:23). O que este trecho demonstra _ que os “benef_cios” pretensamente compensat_rios n_o garantem nada al_m dos pr_prios direitos ind_genas. O benef_cio s_ pode ser visto como sendo da FUNAI, pois descarta a necessidade deste _rg_o destinar verbas para cumprir as exig_ncias do direito ind_gena neste caso. _ uma esp_cie de al_vio para o _rg_o indigenista, totalmente carente de investimento governamental e incapaz de realizar seus des_gnios mais b_sicos. _ necess_rio enfatizar novamente que as metas destes subprogramas s_o colocadas na pr_tica atrav_s de termos aditivos, e portanto apenas algumas poucas a__es realmente foram levadas em frente. N_o foi constatado empiricamente programa algum de autosustenta__o ou de educa__o e j_ foi verificado a precariedade da preserva__o e vigil_ncia da Terra Ind_gena. Quanto _ preserva__o ambiental, tudo leva a crer que a teoria do projeto foi totalmente negligenciada na pr_tica. O pr_ximo trecho a discutir est_ no _tem “A Presen_a dos Av_-Canoeiro”. Remonta _ quest_o levantada por Andrade e Viveiros de Castro a respeito da invers_o do discurso, onde as popula__es ind_genas s_o constru_das como problema, parte do ambiente da obra que passa a ser o sujeito: “V_-se aqui como os setores sociais atingidos pela mega-obra de engenharia s_o recuados para um lugar de fundo, de “ambiente”, sobre o qual e contra o qual se desenha uma forma: a obra” (Andrade e Viveiros de Castro, 1988:10). Aqui o que se verifica _ uma caracteriza__o do _ndio literalmente como incidindo na obra, um verdadeiro obst_culo ao 64 65 empreendimento. Tamb_m refor_a a j_ referida id_ia de inevitabilidade do “desenvolvimento nacional” e consequentemente do empreendimento energ_tico. Deve-se destacar um ponto positivo no texto, pela sinceridade ou ingenuidade dos autores, pois reconhece que a aten__o para a quest_o n_o surgiu espontaneamente dos respons_veis pela UHE, e sim de uma necessidade de firmar uma imagem de “consci_ncia” para viabilizar politicamente o projeto. “Vive-se, hoje, um dilema com rela__o aos _ndios Av_-Canoeiro de Serra da Mesa.. Quando contatados em 1983, este AHE j_ estava programado e em in_cio de execu__o. Furnas, respons_vel pelo empreendimento, se viu frente a quatro _ndios inisotados (sic), representantes de todo um grupo _tnico e sua cultura, que n_o poderiam ser minmizados como _bst_culo ao empreendimento. (...) O dilema da presen_a dos Av_Canoeiro na _rea da constru__o de uma usina hidrel_trica imprescind_vel ao desenvolvimento nacional foi para FURNAS um desafio surpreendente: n_o s_ por causa do empreendimento em si, mas, sobretudo, pressionada pela opini_o p_blica e por uma nova legisla__o indigenista, pela urg_ncia de aprender a conviver e apresentar solu__es _s quest_es prementes advindas dessa presen_a inusitada” (Gomes et al, 1995:16). Outro exemplo de inverter o discurso encontrada neste cap_tulo _ a de incluir as popula__es “afetadas” dentro da classifica__o de “problema ambiental”. A Pe_a Antropol_gica cita a cria__o de uma equipe pr_pria para tratar as “quest_es ind_genas” no Setor de Meio Ambiente. Para Andrade e Viveiros de Castro: “Desde que, numa pervers_o caracter_stica do discurso dos planejadores governamentais, os _ndios s_o um “problema ambiental” para as grandes obras de engenharia, n_o _ surpreendente constatar que nenhum dos povos mencionados foi consultado a respeito das decis_es que afetam as bases de sua sobreviv_ncia” (Andrade e Viveiros de Castro: 1988:7). O Terceiro Cap_tulo se entitula “Do Ser Av_-Canoeiro: Cultura e Hist_ria” e seu conte_do pretende ser uma reconstitui__o caracterizada como “hipot_tica” por conta da escassez de dados. Devo acrescentar que esta reconstru__o deveria ser caracterizada como duplamente hipot_tica, devido ao fato dos dados serem todos de segunda m_o, fornecidos por cronistas, bandeirantes, militares, religiosos, fontes oficiais e fazendeiros, ou seja, por agentes da sociedade 65 66 nacional, ou ent_o constru_dos a partir de dedu__es pressupondo a semelhan_a da “cultura Av_Canoeiro” e Tapirap_, principalmente. Portanto, a pesquisa _ conduzida na base do “devia ser”. Uma das linhas de pensamento antropol_gico, a reflexividade, tem sido central em muitas discuss_es nos meios acad_micos atuais. A reavalia__o da autoridade do antrop_logo e a revis_o de conceitos cl_ssicos como “cultura” e “sociedade” podem ter suscitado conclus_es diversas, mas demonstraram a necessidade da auto-observa__o por parte do antrop_logo, tanto a n_vel metodol_gico quanto no tocante _s defini__es em uso. Discute-se, por exemplo, que cultura j_ n_o pode ser considerada como um patrim_nio imut_vel de um grupo, e sim um processo din_mico que transforma e _ transformado pelas pessoas. Posso concluir, seguindo esta linha de racioc_nio, que _ preciso uma maior observ_ncia epistemol_gica por parte do antrop_logo, que j_ n_o adimite ser poss_vel simplesmente absorver e descrever uma cultura, qui__ faz_-lo reproduzindo o pensamento do “nativo”, com o qual ele conviveu por curto per_odo da sua vida. Dentro desta linha de pensamento, a etnografia procurou ser encarada como uma constru__o ou at_ inven__o do antrop_logo, algumas delas tendo buscado di_logo com o “nativo” e sua inclus_o como voz ativa. Esta reflex_o tem o prop_sito de basear a seguinte quest_o: pode existir uma “reconstitui__o de uma cultura” com algum n_vel de profundidade ou at_ legitimidade cient_fica, baseada em relatos esparsos, se este _ um objetivo problem_tico mesmo quando o antrop_logo disp_e de informa__es de primeira m_o. E, de fato, vejo como altamente problem_tico a “reconstitui__o” da cultura com base em poucos relatos de pessoas leigas e estranhas _ “cultura” do grupo e por “conhecimento comparativo”. Apesar de inicialmente se propor a uma hipot_tica reconstitui__o da cultura Av_Canoeiro, o objetivo parece centrar-se em deduzir alguns tra_os b_sicos “... que expliquem esse povo, ou ao menos fundamentem a sua tenaz determina__o para sobreviver”(Gomes et al, 1995:28). Percebe-se assim, mais uma vez, uma inven__o do “ser Av_-Canoeiro” como um her_i sobrevivente, aspecto apontado como sendo da ess_ncia da “cultura Av_-Canoeiro”. 66 67 A pequena “pesquisa etnogr_fica” encontrada na “Pe_a Antropol_gica”, com base em compara__es entre grupos Tupi e J_ quanto ao tamanho da aldeia, concluiu que: “Socialmente, os Av_ deviam ter aldeias com popula__o n_o muito grande. (...) Na medida em que as doen_as e os ataques de for_as militares e fazendeiros come_aram a acontecer com freq__ncia e intensidade, essas aldeias foram ficando menores. (...) Cada aldeia mater poderia se dividir em aldeotas constitu_das por fam_lias nucleares ou extensas em deterinados per_odos do ano. Assim, pequenos grupos de Av_ foram se acostumando a passar longos per_odos longe de outros grupos, mantendo sua cultura e sobrevivendo. Eis uma das bases da sua resist_ncia _tnica” (Gomes et al, 1995:29). O restante do cap_tulo se dedica _ hist_ria dos Av_-Canoeiro, reproduzindo em grande parte as informa__es da obra de Dulce Pedroso, membro da equipe de trabalho deste documento. O cap_tulo seguinte faz estimativas a respeito da popula__o e localiza__o dos Av_-Canoeiro do s_culo passado e durante as d_cadas deste s_culo. A _nica ressalva que fa_o a este cap_tulo deve-se ao fato dele adimitir a exist_ncia de quatro grupos aut_nomos baseando-se nos dados provindos de moradores e trabalhadores da regi_o. O que realmente surpreende _ que a Frente de Atra__o Av_-Canoeiro parece n_o admitir a exist_ncia destes grupos. Seu Chefe trabalha apenas com a hip_tese da exist_ncia de um grupo procurado nas redondezas de um abrigo provis_rio encontrado em 1996. As informa__es conseguidas destes trabalhadores e moradores, segundo este Chefe, foram averiguadas e concluiu-se que as hist_rias “n_o passam de boatos” ou estariam t_o distorcidas e distantes no tempo que em nada ajudavam. O Cap_tulo 5 descreve e analisa a atua__o do SPI e da FUNAI. Este cap_tulo delinea as a__es governamentais, principalmente quanto _s tentativas de “atra__o”. Cabe ressaltar o conte_do cr_tico do texto: “A situa__o cr_tica em que se encontram, atualmente, os Av_Canoeiro _ o resultado n_o s_ de longos per_odos de hostilidade por parte de setores oficiais e particulares da sociedade nacional, como tamb_m da inoper_ncia descaso do _rg_o de prote__o aos _ndios do Estado brasileiro. Em nenhum momento registraram-se grandes esfor_os no sentido de apurar os fatos de persegui__o e muito menos de responsabilizar os mandantes de crimes 67 68 praticados contra os _ndios” (Gomes et al, 1995:67). _ o primeiro documento que critica os resultados da “atra__o” do grupo da Ilha do Bananal de maneira expl_cita, apesar de n_o criticar a “atra__o” em si. No entanto, caracteriza o programa de coopera__o entre FURNAS e FUNAI como “uma conscientiza__o de uma pol_tica com base no desenvolvimento sustent_vel” (Gomes et al, 1995:66). A ret_rica sobre o desenvolvimento sustent_vel nesta “Pe_a Antropol_gica” ser_ melhor analisada a seguir. 68 69 Reflex_es Finais Esta pesquisa se guiou pela inten__o de perceber os “Av_-Canoeiro” dentro de uma situa__o em que sua vida social e pol_tica _ determinada pelas decis_es dos detentores de certos pap_is e posi__es na sociedade brasileira. “Em tais condi__es, a sua capacidade de reproduzir-se enquanto um tipo organizacional espec_fico est_ inviabilizada, devendo, necessariamente, passar por determina__es mais amplas, pelas ideologias e pelas pr_ticas desenvolvidas por atores sociais e ag_ncias de contato” (Oliveira Filho, 1981:277). Um grupo submetido _s decis_es de um Conselho misto de dois _rg_os governamentais, com o mesmo n_mero de indiv_duos e maior poder pol_tico, n_o pode ser pensado como sociedade aut_noma. Foi imprescind_vel incluir os “agentes de contato” no campo de estudo para perceber seu papel de intermediadores e/ou promotores de uma situa__o hist_rica regida pela imposi__o de um conjunto de valores, a__es e medidas que visam, em _ltima inst_ncia, escrever uma das p_ginas finais da hist_ria de invas_o das terras ind_genas e da submiss_o deste grupo ao Estado brasileiro. O “Desenvolvimento Sustent_vel” A RET_RICA QUE REDIME “A gera__o de energia _ uma base fundamental de suporte para a expans_o que se verifica e que se pretende o Estado brasileiro incentivar tanto no setor prim_rio como no secund_rio, especialmente o de transforma__o mineral” (Gomes et al, 1995:13). “A a__o de defesa e prote__o aos Av_ _ um modo da Na__o respeitar esses direitos. Salvando esse povo, pode o Estado realizar efetivamente a conjuga__o entre o progresso do Brasil e a sobreviv_ncia dos povos ind_genas” (Gomes et al, 1995: 13). Sugiro que para tentar se desconstruir o paradigma do desenvolvimento, _ necess_rio que se compreenda como funciona sua ret_rica. Existem conceitos que, transformados em c_digos t_cnicos, permitem formular um projeto congruente _ ideologia e ao funcionamento 69 70 burocr_tico dos organismos financiadores do empreendimento. Pretendo sugerir a necessidade da reavalia__o de alguns conceitos que determinam a situa__o social e pol_tica de v_rios grupos aut_ctones no mundo. O conceito de “desenvolvimento” e seus derivados continuam sendo pensados como respostas aos problemas que o pr_prio “desenvolvimento” contribuiu para criar: a desigualdade social, a destrui__o do ambiente e a expropria__o das terras ind_genas e, consequentemente a piora da sua qualidade de vida. Deve-se esclarecer, no entanto, que a ret_rica desta pol_tica preferiu como justificativa de suas a__es um derivado, o “desenvolvimento sustent_vel”. Se trata basicamente de mostrar que o sistema ideacional do desenvolvimento continua sendo utilizado sem que se explicite de quem e/ou para quem _ o desenvolvimento. Ao mesmo tempo que a import_ncia da no__o de desenvolvimento tem sido essencial na organiza__o das rela__es sociais, pol_ticas e econ_micas, permanece “uma das no__es mais inclusivas existentes no senso comum e na literatura especializada” (Ribeiro, 1992:2). Entretanto, o caso em quest_o mostra que existem grupos beneficiados pela expans_o do setor el_trico e aqueles que s_o v_timas deles, apesar do discurso apontar para a id_ia de que todos s_o benefici_rios. Em primeiro lugar, acho necess_rio buscar inserir na discuss_o sobre a no__o de “desenvolvimento” seu processo de constru__o historicamente determinado e sua introdu__o como utiliza__o pol_tica. N_o se pode negar que em todos os tempos os “contatos” entre os povos aut_ctones e os conquistadores, mercadores, militares e mission_rios resultaram em extermina__o, explora__o e em subordina__o/domina__o. As a__es que surtiram estes resultados foram todas elas cometidas em nome de valores dos quais os europeus se orgulhavam. Assim, sabe-se que foi necess_ria a elabora__o de discursos visando pensar, explicar e justificar as a__es de explora__o e invas_o das terras habitadas por aqueles povos ou at_ mesmo seu desaparecimento. Dominique Perot (Perot, 1991) mostra que com a empresa colonial o discurso compensat_rio se apoiou nos valores da “civiliza__o” e da “educa__o”, mas com as independ_ncias pol_ticas dos Estados ex-colonizados o discurso se voltou para as no__es de constru__o e integra__o nacional. 70 71 _ preciso compreender o desenvolvimento como inscrito numa rela__o caracterizada por uma transforma__o sistem_tica da natureza e das rela__es sociais em bens e servi_os troc_veis. Segundo Perot, “Sous cet angle, le d_veloppement apparait comme la plus vaste et la plus englobante entreprise de d_possession et d_xpropriation au profit de minorit_s dominantes, que ait jamais exist_. C_st en ce sens que le “bon” dev_loppement ne saurait exister”(Perot, 1991:5). “O desenvolvimento, assim como modernidade, s_o categorias filiadas a um tipo de universo ideacional de uma plasticidade tamanha que at_ faz crer se estar diante de uma caixa preta ou uma no__o vazia” (Ribeiro, 1991:2-3). E, como no__o vazia, pode-se preench_-la com um conjunto de pr_ticas fundadas sobre uma vis_o de mundo espec_fico e particular, ligado aos valores ocidentais, como a domestica__o e a explora__o dos recursos naturais sem preocupa__o com a renova__o, o lucro, o mercado mundial, uma racionalidade economicista, o pensamento cartesiano e uma mistifica__o da ci_ncia e da t_cnica. N_o se pode fazer desaparecer da no__o de desenvolvimento os pressupostos econ_micos, sociais e pol_ticos da “Sociedade Ocidental” apenas incluindo a palavra “sustent_vel”. “Desenvolvimento” continua tendo, portanto, seu papel macro-integrativo, como mostra Gustavo Ribeiro: “desenvolvimento enquanto no__o universalmente desejada prov_ um r_tulo neutro para se referir ao processo de acumula__o em escala global” (Ribeiro, 1991:14). Pode-se perceber no seguinte trecho a expl_cita filia__o da argumenta__o em favor da UHE Serra da Mesa ao discurso de “desenvolvimento sustent_vel”: “Nos dias atuais toda pol_tica de desenvolvimento deve se cingir de uma preocupa__o com o meio ambiente. Isto quer dizer que as a__es a serem desencadeadas por for_a de investimentos numa determinada regi_o dever_o atentar para as poss_veis conseq__ncias ao meio ambiente existente. A aplica__o dessa id_ia fez-se prevalente na d_cada de 80 a partir da publica__o do relat_rio da Comiss_o de Meio Ambiente da ONU, Our Common Future. Da_ surge com express_o pol_tica internacional o conceito de desenvolvimento sustent_vel. Aqui est_o inclu_das preocupa__es n_o s_ com a preserva__o do meio ambiente para as gera__es futuras, mas tamb_m com os indiv_duos e grupos sociais e _tnicos que comp_em esse meio ambiente latu sensu” 71 72 (Gomes et al, 1995:69). Como tentei mostrar, o desenvolvimento sustent_vel n_o pode ser considerado uma alternativa _ ideologia do desenvolvimento pois as duas id_ias contidas no termo s_o por si s_ contradit_rias. Como mostrou Nugent (1990), a discuss_o sobre “ecologia” _ uma quest_o de concord_ncia entre pessoas (e eu acrescentaria no texto ‘e grupos de interesses’) que fundamentalmente discordam em quase tudo. Deste modo, a discuss_o torna-se superficial ou apol_tica. “Ao envolver-se com a no__o de desenvolvimento, uma no__o que, como Marshall Berman (1987) notou, implica numa dial_tica de destrui__o/constru__o, o ambientalismo ganhou importante espa_o institucional mas pode perder - ou j_ ter perdido? - o seu car_ter de uma vis_o alternativa radical” (Ribeiro, 1991:25). A “Pe_a Antropol_gica”, apesar de mostrar sua ades_o _ origem primeira da no__o, ignora a necessidade de maior elabora__o da id_ia de “desenvolvimento sustent_vel” e _ omissa na quest_o de como coloc_-la em pr_tica. Reafirmo a necessidade urgente de uma discuss_o que repense a possibilidade remota de conjuga__o de interesses t_o diversos quanto a “l_gica do mercado” e a “preserva__o da natureza” e a “justi_a social”. Isabel Carvalho afirma a respeito das preocupa__es dos organismos internacionais que “O apelo _ humanidade e ao bem-estar dos povos era usado como _libi, sempre citado ao lado dos objetivos de crescimento econ_mico, emprestando uma preocupa__o humanista a inten__es n_o t_o nobres”(Carvalho, 1991, apud Ribeiro, 1991:31). N_o posso afirmar que o caso em quest_o seja exce__o, mas como Nugent mostra, “(...) the subject matter of eco-concern is not so much ecology and the environment as the celebrity attached to promotion of such issues” (Nugent, 1990: 174). _ interessante perceber, por exemplo, se a mudan_a de mentalidade fosse realmente al_m da ret_rica, estaria se privilegiando a ado__o de recursos energ_ticos renov_veis e fontes altenativas de energia, como a solar, e n_o interfer_ncias dr_sticas e irrevers_veis como a barragem de um rio e a subsequente mudan_a total do ecossistema. N_o houve mudan_a alguma no planejamento do setor el_trico por conta desta “nova consci_ncia”. Nem mesmo as medidas capazes de amenizar os efeitos desastrosos ao “ecossistema” foram privilegiados. At_ mesmo o 72 73 corte da madeira do fundo do futuro lago n_o foi feito, a n_o ser em poucas _reas privilegiadas e mesmo assim, de _ltima hora. Assim, o “desenvolvimento sustent_vel” n_o passaria de uma tentativa de articula__o e neutraliza__o de interesses divergentes, sustentado por dois metarrelatos contradit_rios: o ambientalismo e o desenvolvimentismo Portanto, ao procurarmos entender a situa__o de hoje, veremos confundidos sobre um mesmo voc_bulo, o “desenvolvimento”, o discurso e realiza__es do “progresso” e as pr_ticas de expropria__o. A naturaliza__o do conceito de desenvolvimento deve ser repensado, pois _ esta naturaliza__o que o torna “inevit_vel” e “inquestion_vel”. A consequ_ncia final desta naturaliza__o _ o escamoteamento da dimens_o pol_tica da concep__o, decis_o e execu__o das obras justificadas pelo “desenvolvimento”. Outra caracter_stica primordial do discurso em torno do “desenvolvimento sustent_vel” vis_vel no trecho citado acima, _ o olhar sobre as popula__es ind_genas como povos naturais e “ecol_gicos”. “Desse documento (Nota: “Our Common Future”) e dessas preocupa__es faz parte o reconhecimento da import_ncia de se proteger os povos ind_genas. Estes, com sua experi_ncia hist_rica e sua cultura, seus modos de organizar a vida social e interagir com o meio ambiente, constituem um patrim_nio da humanidade, cuja perda _ sempre insubstitu_vel” (Gomes et al, 1995:71). Assim, “os _ndios viram parte de nosso ambiente ideol_gico, s_mbolos despidos de positividade pol_tica. Devem ser “preservados” porque “preservam” a natureza. Neste caso, est_-se concebendo os direitos ind_genas fora de qualquer dimens_o pol_tica, desconhecendo-se que tais direitos n_o dependem do “valor ecol_gico” destes povos, mas de sua condi__o de grupos humanos social e culturalmente diferenciados dentro da na__o” (Andrade e Viveiros de Castro, 1988:12). _ imprescind_vel notar a distor__o da ideologia de preserva__o do ambiente. Assim como deve-se questionar para que grupo _ feito o “desenvolvimento”, deve-se igualmente pensar o sujeito do ambiente. A “Pe_a Antropol_gica” ilumina esta quest_o: “Assim, o fato de ter a hidrel_trica Serra da Mesa em sua vizinhan_a imediata a T.I. Av_-Canoeiro representa uma garantia de que, pelo menos nessa parte da regi_o, n_o ocorrer_o transforma__es ambientais que sejam prejudiciais ao empreendimento” (Gomes et al, 1995:85). Fica claro que o ambiente est_ a 73 74 servi_o do empreendimento e o grupo que originariamente ali habitava, de acordo com o discurso, passa a ser parte do ambiente a ser preservado. 74 75 A “Reconstru__o _tnica” A “prote__o” dos Av_-Canoeiro tamb_m deve ser percebida criticamente. Como tentei mostrar ao longo desta monografia, a ret_rica utilizada no tratamento da quest_o se fundamenta na id_ia de que FURNAS S.A. e FUNAI estariam promovendo uma “salva__o _tnica” do grupo. N_o h_ como atribuir ao tipo de assist_ncia dada aos “Av_-Canoeiro” como parte de uma id_ia de sustentabilidade. Ao contr_rio, o que se verifica _, cada vez mais, uma depend_ncia direta dos recursos de FURNAS S.A. para garantir at_ a alimenta__o b_sica do grupo. N_o h_ como negar que este tipo de ajuda, mesmo bem intencionada, _ mal absorvida e resulta num efeito desestabilizador. No caso do grupo do Tocantins, isto _ bem vis_vel atrav_s do atual desinteresse pelo trabalho na agricultura e a falta de preocupa__o dos adultos em educar as crian_as nos conhecimentos de sobreviv_ncia do grupo, que tanto caracterizou os “Av_Canoeiro”. Sabe-se tamb_m que esta pol_tica, atrav_s das rela__es permeadas pela autoridade e poder financeiro, imp_s e formentou depend_ncias consumistas e at_ de alimentos. Bens como pilhas, espingardas, material de costura, maquiagem e outros s_o constantemente pedidos _ antrop_loga de FURNAS. Segundo informante da FUNAI, o relacionamento do grupo com a antrop_loga depende diretamente desta ceder as press_es ou n_o. “We must recapture our concepts when they have been imperialized by other disciplines or misconstructed in the world (and by ourselves), as happened earlier with the concept of “race”” (Fox, 1991:13). Mas se for considerado apenas o discurso, _ necess_rio enfatizar a falta de elabora__o de conceitos tais como “cultura”, “sociedade” e “etnia” que baseam toda a id_ia de “reconstru__o _tnica”. De acordo com o s_timo compromisso de FURNAS, procura-se “investir esfor_os de toda ordem poss_vel para promover as condi__es reais de sobreviv_ncia f_sica e cultural dos Av_-Canoeiro (...). Os Av_-Canoeiro s_ sobreviver_o como etnia capaz de carregar uma cultura pr_pria se conseguirem recompor a sua sociedade atrav_s do inter-relacionamento dos grupos atuais. Dado o fato de que quatro desses grupos est_o em condi__es de isolamento uns dos outros _ preciso mediar esse inter-relacionamento propositalmente. Uma segunda ordem de 75 76 aten__o deve ser dada _s condi__es culturais e econ_micas desse inter-relacionamento” (Gomes et al, 1995: 93). Como est_ claro no texto, a “etnia” aparece como uma unidade portadora de cultura, determinada pela gen_tica. A concep__o de etnia est_ intimamente relacionada _ constitui__o biol_gica, e segundo esta linha de racioc_nio, a etnia “Av_-Canoeiro” estaria em extin__o pois as _nicas duas crian_as “puras” s_o irm_s (Fig.6). As cinco crian_as “mesti_as” da Ilha do Bananal s_o desconsideradas como futuras multiplicadoras do grupo (e vetores de “salva__o _tnica”), assim como _ desconsiderada a possibilidade das crian_as “puras” escolherem seus pr_prios parceiros fora da “etnia”. E sendo “etnia” determinada biologicamente neste texto, por consequ_ncia “cultura” tamb_m o seria. Fig 6 - Trumak e Potdjawa - _nicas crian_as “Av_-Canoeiro puros” 76 77 Caberia a pessoas estrangeiras determinar, em nome de um poder externo, a vida de seres humanos? De que maneira estas pessoas pretendem compreender e reensinar ao pr_prio grupo _tnico aquilo que, segundo eles pr_prios, “pertence” apenas ao grupo _tnico essencialmente? A voz dos indigenistas recriada e repassada pela m_dia pode esclarecer bastante as quest_es em discuss_o: “As diferen_as fundamentais que os separam dos brancos _ que os tornam especiais. Eles sabem disso” (O Globo, 14/04/96:6). “A antrop_loga aventa a hip_tese de casar as crian_as av_s com tapirap_s - ambos s_o tupi e falam linguas parecidas” (A Folha de S_o Paulo, 08/10/95: 18). “O contato _ a _nica possibilidade concreta de fazer a na__o av_ ressurgir’diza Eliana Granado, que hoje trabalha para Furnas” (Idem). “‘Acho que Trumack e Potdjawa n_o v_o se casar’, arrisca a antrop_loga Eliana Granado, 41, que pesquisa o grupo desde 1987” (Idem). Como ser_ feita esta re-estrutura__o _tnica se aquilo que fundamenta sua atua__o _ calcado em duas utopias: primeiramente a id_ia de que seja poss_vel salvar um grupo _tnico de “extin__o f_sica e cultural” atrav_s da manipula__o econ_mica, espacial, biol_gica e “cultural”, e em segundo lugar, faz_-lo sob um sistema ideacional caracterizado por uma narrativa que tenta unir dois conceitos que representam valores contradit_rios entre si. Finalmente, ser_ poss_vel dar condi__es a um grupo aut_ctone permanecer aut_nomo atrav_s do “desenvolvimento”, no__o historicamente constru_da pela “sociedade ocidental”, na verdade um mito que _ ve_culo de v_rios de um dos seus valores mais caros: a expans_o econ_mica? Para concluir, sugiro que a pol_tica praticada por antrop_logos servidores dos _rg_os governamentais e os chamados “t_cnicos indigenistas” pode ser beneficiada pelas novas reflex_es que revisitaram alguns dos conceitos cl_ssicos da antropologia, como tamb_m aqueles conceitos ligados a valores da sociedade capitalista (a dita “Sociedade Ocidental”). Penso que, a oposi__o “indigenista”/ antrop_logo, percebido nos discursos dos ‘indigenistas’, “visando legitimar-se atrav_s de uma dicotomia falsa inventada por eles (Nota; os “indigenistas”) entre a__o/teoria, (...)” (Baines, 1993, 219: 237) deveria ser repensada para que se pudesse ouvir as 77 78 cr_ticas construtivas e para que se aprofundasse as discuss_es a respeito da pol_tica indigenista, aproveitando o conhecimento antropol_gico. Os formuladores e pensadores da pol_tica indigenista em pr_tica neste caso teriam o papel de revisitar os conceitos de “desenvolvimento”, por ser este um conceito “fetiche”, que como este trabalho mostrou, est_ ligado diretamente _ valores como a expans_o capitalista e industrial vista como “inevit_vel”, e por isso, em _ltima inst_ncia, est_ intimamente conectado com a invas_o das terras ind_genas. Conceitos como o de “cultura” tamb_m merecem uma revis_o, pois como v_m sendo utilizados, apenas essencializam e reificam, fazendo com que se deixe de captar o papel que grupos de interesses, atrav_s do Estado est_o desempenhando na pr_pria constru__o da “cultura”. “Most local cultures worldwide are products of a history of appropriations, resistances, and accommodations. The [present] task ... is... to revise ethnographic description away from [a] self-contained, homogeneous, and largely ahistorical framing of the cultural unit toward a view of cultural situations as always in flux, in a perpetual historically sensitive state of resistance and accommodation to broader processes of influence that are as much inside as outside the local context” (Marcus e Fischer, 1986:78 apud Kessing, 1994:302). “Our task is not to reify illusory fact or structure, and incorporate them as specimens in our collection, but to record the flux which we can observe. Only from such data can we hope to produce valid models of how people act, communicate, and construct meanings together” (Barth, 1994: 359). O exerc_cio da reflexividade tamb_m sugere a renova__o da tarefa daquele antrop_logo sem v_nculos com a esfera das decis_es pol_ticas. A pr_tica antropol_gica pode ser beneficiada atrav_s de uma abertura do campo de estudo, ou seja, da inclus_o da dimens_o hist_rica e pol_tica maior na etnografia, assim como uma preocupa__o de perceber a “cultura” como processo em eterna mudan_a cuja din_mica _ ao mesmo tempo constru_da pelas pessoas e grupos, enquanto constr_i suas cosmovis_es. 78 79 Bibliografia ALBERT, B. 1991 - “Terras Ind_genas, Pol_tica Ambiental e Geopol_tica Militar no Desenvolvimento da Amaz_nia: A prop_sito do caso Yanomami” pp. 27-58. In L_NA, P. & OLIVEIRA, A. E. de (orgs) Amaz_nia: A Fronteira Agr_cola 20 Anos Depois. Bel_m: MPEG. BAINES, S. G. 1993 - O Territ_rio dos Waimiri-Atroari e o Indigenismo Empresarial. Ci_ncias Sociais Hoje, 1993, S_o Paulo: ANPOCS/HUCITEC, pp.219-243. 1996 - “A resist_ncia Waimiri-Atroari frente ao ‘indigenismo de resist_ncia’”. S_rie Antropologia N_ 211, Bras_lia: DAN/UnB. BARTH, F. 1969 - “Introduction”. 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