ÉTICA: CONDUTA IDEAL E CONDUTA REAL 1. Conduta Conduta vem do latim conducta e é uma manifestação do comportamento do indivíduo. É, de acordo com o dicionário Melhoramentos (1997, p. 30), procedimento moral (bom ou mau). O dicionário Michaelis (2010) a define como “Condução. Reunião de pessoas que são conduzidas para algum lugar por ordem superior. Procedimento moral; comportamento. Comportamento consciente do indivíduo, influenciado pelas expectativas de outras pessoas”. E, ainda, segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2008, p. 141), conduta “é ato de conduzir; conjunto de pessoas conduzidas para algum lugar; procedimento; comportamento”. É possível também encontrar definições doutrinárias, como as do autor Antônio Lopes de Sá (2001) no sentido de que a conduta do ser é a resposta a um estímulo mental, ou seja, é uma ação seguidora de um comando do cérebro e, ao se manifestar variável, também pode ser observada e avaliada. As respostas aos estímulos nem sempre são as mesmas, variam sob diversas circunstâncias e condições. Segundo o autor, ela difere do comportamento, que também é a resposta a um estímulo cerebral, mas é constante. 2. Moral A complexidade, diversidade e divergência de conceitos sobre moral é vasta. Tentou-se colacionar os estudos mais relevantes, as concepções mais coerentes, sem esquecer, contudo, que o tema é sempre aberto a novas ideologias. Define-se moral como o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. Moral também pode ser vista como o julgamento da bondade ou maldade da ação e do caráter humanos. Segundo Aranha e Martins (1997, p. 274): A moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de homens. Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida que acata ou transgride as regras do grupo. A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamental a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida. A idéia de Moral remete às noções de bem e mal; de dever, de obrigação, de responsabilidade, isto é, de todo este conjunto de noções (noções de bem e de mal, de dever, de responsabilidade, de mérito, de sanção, de direito, de justiça), de juízos de valor (é necessário praticar o bem e evitar o mal, dar a cada um o que lhe é devido) e de sentimentos (satisfação do dever cumprido, pesar e remorso pelo dever violado, obrigação de reparar). Isso forma o conteúdo da consciência moral e constitui o fato moral. 1 O fato moral se distingue de todos os outros fatos, porque comporta a enumeração do que deve ser, enquanto os outros fatos significam simplesmente o que é. Essa distinção, porém, será tratada em outro tópico. O fato moral é universal e caracteriza a espécie humana. Em toda parte, e sempre, os homens admitiram a existência de valores morais, distintos dos valores materiais, e se reconheceram submetidos a leis morais, distintas das leis físicas, e regendo um ideal moral. Renunciar a estas noções seria renunciar à humanidade e descer ao nível dos animais irracionais. A Moral é a ciência que define as leis da atividade livre do homem. Poder-se-ia ainda dizer, de uma maneira mais explícita, que a Moral é a ciência que trata do uso que o homem deve fazer de sua liberdade, para atingir seu fim último. Outras definições. Pode-se formular de uma maneira, é verdade, menos precisa, mas ainda exata, a mesma noção, dizendo que a Moral é a ciência do bem e do mal, — a ciência dos deveres e das virtudes, — a ciência da felicidade (ou fim da atividade humana) — a ciência do destino humano. A Moral é o complemento essencial de todas as outras ciências. Para que serve perscrutar bem nossa própria natureza, analisar nossos pensamentos e nossos sentimentos, procurar conhecer, pela Etnologia e a História, a maneira pela qual se comportaram os homens no passado, determinar as leis da natureza material, se tudo isto não leva a tornar o homem melhor, a fazê-lo exercer um verdadeiro domínio sobre si mesmo, e a encaminhar todas as suas forças para o bem? Ora, a Moral nos ajuda precisamente a realizar tudo isto. Com efeito, a Moral ilumina a consciência sobre numerosos casos em que o senso moral não basta e onde se requer um estudo atento em virtude da complexidade dos problemas morais que estão em jogo. A Moral dirige e sustenta nossa vontade, enquanto fornece regras de ação precisas e claras e enquanto justifica racionalmente o dever. A divisão da Moral ressalta naturalmente do que acabamos de dizer, quando falamos do método. A Moral compreenderá, com efeito: a Moral geral, cujo objeto é resolver o problema moral, quer dizer, formular o juízo que fundamenta o valor absoluto das noções e dos primeiros princípios da Moral, — a Moral especial, que aplica estes princípios universais às diferentes formas da atividade humana. 3. Ética Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com frequência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa “maneira de se comportar, regulada pelo uso”, daí “costume”, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “costume”. Nesse sentido, Ética é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto. Alguns diferenciam ética e moral de vários modos: 1. Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas; 2. Ética é permanente, moral é temporal; 3. Ética é universal, moral é cultural; 4. Ética é regra, moral é conduta da regra; 5. Ética é teoria, moral é prática. 2 Para Alvará Valls (1993, p. 7), "a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta". Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, Ética é o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto. A Ética enfatiza a conformidade com padrões idealísticos do bem e mal. Existem, ainda, outras definições: um conjunto de princípios da conduta correta; teoria ou sistema de valores morais; estudo da natureza geral da moral e das escolhas específicas feitas por uma pessoa; as regras ou padrões governando a conduta pessoal ou de membros de uma profissão. Ética é, então, o estudo da avaliação da conduta humana à luz dos princípios morais, o que pode ser visto como a conduta padrão do indivíduo ou como o conjunto de suas obrigações sociais. Vários pensadores em diferentes épocas abordaram especificamente assuntos sobre a ética: Os pré-socráticos, Aristóteles, os Estóicos, os pensadores Cristãos (Patrísticos, escolásticos e nominalistas), Kant, Espinoza, Nietzsche, Paul Tillich, dentre outros. Para os filósofos da Antiguidade, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade. . Sua finalidade era harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos. Trata-se da essência da teoria do dever ser, que mais adiante será exposta neste trabalho. De acordo com o pensamento filosófico da Antiguidade, veremos que nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral: 1 - Por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançadas pela conduta virtuosa; 2 - A virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a essa última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano e 3 - A conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está no seu poder de realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para o ser humano. O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência, que conhece o bem e o mal e a sua vontade racional, que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. Então, surge a pergunta: “o que é o bem e o mal?” Podemos conceituar o “bem” como qualidade atribuída a ações e a obras humanas que lhes confere um caráter moral, de forma que esta qualidade se anuncia através de fatores subjetivos, quais sejam, o sentimento de aprovação, o sentimento de dever, que levam à busca e à definição de um fundamento que os possa explicar. Miguel Reale, ainda conceitua o “bem comum”, que é o bem da “comunidade das pessoas”, na harmonia de “valores de convivência”, distintos e complementares em um processo histórico que tem como fulcro a pessoa valor fonte de todos os valores. Ao contrário, o mal é o contrário do bem, ou seja, aquilo que é nocivo, prejudicial, aquilo que prejudica ou fere o sentimento de aprovação e o sentimento de dever, característicos do bem. 3 As teorias a respeito da consciência sobre o bem e o mal incluem a atribuição à vontade divina, derivada do senso comum inato (entendimento de Rousseau) ou, ainda, a um conjunto de valores derivados da experiência individual (entendimento de Locke). É importante, contudo, notar que o conceito de bem ou de mal varia conforme o fundamento da moral, pois esta pode estar em uma ordem cósmica, na vontade de Deus ou em uma ordem exterior, seja ela ditada pelos parâmetros sociais ou, ainda, por uma ordem jurídica constituída. Para melhor explicar, tomemos como exemplo a norma moral “não roubar”. Para a concepção cristã, o fundamento da norma se encontra no sétimo mandamento de Deus. Para os teóricos jusnaturalistas (como Rousseau), ela se funda no Direito Natural, comum a todos os homens. Para os empiristas (como Locke), a norma deriva do interesse próprio, pois o sujeito que a desobedece será submetido ao desprazer e à censura pública. Para Kant, a norma se enraíza na própria natureza da razão; ao aceitar o roubo, e consequentemente, o enriquecimento ilícito. Para o Direito, enquanto ordem constituída, o fundamento da norma está na valoração do patrimônio como um bem juridicamente relevante, passível de sanção pelo Estado. Ademais, a Ética, enquanto Ciência, preocupa-se em estudar princípios ou pautas da conduta humana, também denominada filosofia moral. Como ramo da Filosofia, é considerada uma ciência normativa, na medida em que busca estabelecer ideais de valores, que devem ser exteriorizados através da conduta de cada indivíduo no meio social. Na história da Ética, há três modelos principais de conduta: a felicidade ou prazer; o dever, virtude ou obrigação; e a perfeição, que é o completo desenvolvimento das potencialidades humanas. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que a perfeição constituiria a conduta ideal dos indivíduos na sociedade. Dependendo do que estabelece a sociedade, a autoridade invocada para uma boa conduta pode ser a vontade de uma divindade, o modelo da natureza ou o domínio da razão. 4. Juízo de fato e Juízo de valor Juízo de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e porque são. Em nossa vida cotidiana, os juízos se fato estão presentes. Já o juízo de valor constitui avaliações sobre coisas, pessoas, situações, e são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião, enfim, em todos os campos da existência social do ser humano. Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espíritos, intenções e decisões como sendo boas ou más, desejáveis ou indesejáveis. Trasladando do plano filosófico para o ético, temos os juízos éticos de valor, que são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do bem e do mal, ou seja, do correto e do incorreto. 4 Nesse diapasão, juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral. Todas as afirmações podem ser agrupadas em duas categorias distintas, apesar da afinidade gramatical – os juízos de conhecimento e os juízos de valor, ou ainda, os juízos, simplesmente, e as valorações. Exemplo de juízo de conhecimento ou simplesmente juízo é: esta madeira é pesada; exemplo de valoração é: esta decisão foi ruim. O primeiro juízo, o de conhecimento, expressa uma analogia entre dois conteúdos da representação – o objeto madeira e a qualidade peso. Já a valoração ou juízo de valor diz respeito a uma relação entre um objeto ou fenômeno e uma consciência teleológica, finalista – a decisão tomada e a sensação de que houve uma consequência indesejável. No juízo há uma impessoalidade nas relações que se estabelecem. Já na valoração ocorre um sentimento de aprovação ou de reprovação, de gosto ou desgosto, acerca do objeto representado ou expresso pela linguagem. Os predicados dos juízos simples ou de conhecimento são representações de conceitos gerais, isto é, de estados ou relações – um corpo se movimenta ou vibra; ou então, está composto por partículas. Mas quando se trata de valor, o que fazemos é acrescentar a um objeto uma qualidade por meio da qual manifestamos concordância e agrado, ou discordância e desagrado. A valoração não contribui para o conhecimento de um objeto ou fenômeno de um ponto de vista cognitivo. Justamente por essa característica de aprovação ou desaprovação é que os juízos de valor pressupõem ou buscam um determinado fim, uma relação finalística entre o sujeito e o objeto. Nos juízos de valor se expressam um critério de verdade e uma vontade vinculada a esse verdadeiro, ou uma tendência relacionada com o belo e o bem. Qual a origem da diferença, portanto, entre os dois tipos de juízo (de fato e de valor)? A diferença entre a natureza e a cultura. A natureza é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós. A chuva, por exemplo, é um fenômeno meteorológico cujas causas e efeitos necessários podemos constatar e explicar. A cultura, por sua vez, nasce da maneira como os seres humanos se interpretam a si mesmos, e as suas relações com a natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica dando-lhe valores. Frequentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade de geração em geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. Assim, a naturalização da existência moral esconde o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural. 5. O Ser e o Dever ser 5 O Direito é uma ordem normativa de conduta humana, conjunto de normas que regulam o comportamento humano. Norma quer significar algo que deve ser ou acontecer, são atos humanos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem, ou seja, dirigem-se à conduta de outrem quando prescrevem, comandam, permitem, conferem o poder de a realizar, e, especialmente, quando dão a alguém o poder de estabelecer novas normas. Tais atos, entendidos neste sentido, são atos de vontade, pois a norma não diz que o indivíduo se conduzirá de certa maneira, mas que ele deverá se conduzir de certa maneira. Emprega-se o verbo “dever” para significar um ato intencional dirigido à conduta de outrem. Nesse “dever” vão inclusos o “ter permissão” e o “poder” (ter competência). A norma, como o sentido específico de um ato intencionalmente dirigido à conduta de outrem, é diferente do ato de vontade cujo sentido ela constitui. “Um indivíduo quer que o outro se conduza de determinada maneira”. A primeira parte refere-se a um ser, o ser fático do ato de vontade; a segunda parte refere-se a um dever ser, a norma como sentido do ato. Isto não significa que o ser e o dever ser não tenham qualquer relação. A expressão “conduta devida” é ambígua, uma vez que pode tanto descrever uma conduta que deve ser e é realmente seguida, portanto uma conduta que “é”; como uma conduta que não é seguida, mas que deveria ser. “Dever ser” é o sentido subjetivo de todo o ato de vontade de um indivíduo que intencionalmente visa à conduta de outro. Porém, nem sempre um tal ato tem também objetivamente esse sentido. Ora, somente quando esse ato tem também objetivamente o sentido de dever ser é que designamos o dever ser como “norma”. A circunstância de o “dever ser” constituir também o sentido objetivo do ato exprime que a conduta a que o ato intencionalmente se dirige é considerada como obrigatória (devida), não apenas do ponto de vista do indivíduo que põe o ato, mas também do ponto de vista de um terceiro desinteressado. Uma vez que o dever-ser “vale” mesmo depois de a vontade ter cessado, sim, uma vez que ele vale ainda que o indivíduo cuja conduta, de acordo com o sentido subjetivo do ato de vontade, é obrigatória (devida) nada saiba desse ato e do seu sentido, desde que tal indivíduo é havido como tendo o dever ou o direito de se conduzir de conformidade com aquele deverser. Então, e só então, o dever-ser, como dever-ser objetivo, é uma “norma válida” (“vigente”), vinculando os destinatários. É sempre este o caso quando ao ato de vontade, cujo sentido subjetivo é um dever-ser, é emprestado esse sentido objetivo por uma norma, quando uma norma, que por isso vale como norma “superior” atribui competência (ou poder) para esse ato. Apenas de uma norma de dever ser que deflui a validade, sem sentido objetivo, da norma segundo a qual esse outrem se deve conduzir em harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade. Normas também podem ser estabelecidas por costumes. Quando os indivíduos que vivem juntamente em sociedade se conduzem durante certo tempo, em iguais condições, de uma maneira igual, surge cada indivíduo a vontade de se conduzir da mesma maneira por que os membros da comunidade habitualmente se conduzem. De início, não é um dever-ser. Com o passar do tempo, os membros da comunidade querem que todos passem a se conduzir da mesma maneira. A situação fática do costume transformase numa vontade coletiva cujo sentido subjetivo é um dever-ser. Através do costume podem tanto ser produzidas normas morais como jurídicas. As normas jurídicas são assim consideradas se a Constituição da comunidade assume o costume, costume agora qualificado como criador de Direito. Uma norma não tem de ser efetivamente posta, pode estar simplesmente pressuposta no pensamento. 6 Tal qual o Direito, a Ética também é uma ordem normativa de conduta humana, na medida em que consiste em um plexo de normas que regulam o comportamento humano, diferenciando-se daquele por não ser positivada. No tocante ao plano da ética, as considerações acima delineadas aplicam-se na sua totalidade. O ser não corresponde ao dever ser, mas sim a “algo” que “é” a “algo” que “deve ser”. Uma determinada conduta pode ter a qualidade de “ser” ou a de “dever ser”. Exemplificando: a porta está fechada e a porta deve ser fechada; fechar a porta é, no primeiro caso algo que é e no segundo caso algo que deve ser. Nesse caso, o ser equivale ao dever ser. Se uma conduta que “é” corresponde à que “deve ser”, então ela “é” como “deve ser”. Miguel Reale (1994, p. 138) assevera: “Se o ser do homem é ser dever ser, é sinal de que sente em sua finitude algo que o transcende, que o seu valer e o seu atualizar-se como pessoa implica o reconhecimento de um valor absoluto, que é a razão de ser de sua experiência estimativa; valor absoluto que ele não pode conhecer senão como procura, tentâmen, renovadas atualizações no plano da história, mas sem o qual a história não seria senão uma dramaturgia de alternativa e de irremediáveis perplexidades. Dizer que o ser do homem é o seu dever ser é reconhecer a raiz ontológica do valor; que, em suma, o problema do valor, reconduzido à sua fonte originária, revela-se como problema ontológico. Como diz Abbagnano, ‘o problema do valor é o problema daquilo que deve ser’, e ‘o homem é originariamente a possibilidade e a procura de seu dever ser’. Assim sendo, o problema do valor nasce da falta de plenitude da limitação e carência do ser humano, e ‘a transcendência do ser do homem com relação ao homem é a condição primeira e fundamental do problema do valor’, e ‘o valor não poderia transcendência e normatividade se não constituísse o ser mesmo do homem, aquilo que o homem substancialmente é e é chamado a ser”. Fazendo um paralelo com o tema proposto nesse trabalho, poder-se-ia afirmar que o ser é a conduta real do indivíduo na sociedade enquanto o dever ser é a conduta ideal daquele. Relembrando o caso anteriormente mencionado: a porta que está fechada (“ser”), quando deveria estar fechada (“dever ser”), é um exemplo no qual o ser equivale ao dever ser. Em contrapartida, também na exteriorização da conduta humana, o “ser” pode ou não equivaler ao “dever ser”. Quando a conduta do ser humano vai ao encontro das normas éticas existentes no grupo social, que pode ser o âmbito de atuação profissional, a escola, a família, a comunidade, dentre outros, diz-se que a conduta real equivale à conduta ideal . Infelizmente, o que ocorre na maioria das vezes é que a conduta real se distancia da conduta ideal, já que a sociedade está impregnada de seres humanos hipócritas que acabam por colocar em prática a antiga máxima: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Nesses casos em que a Ética é ineficaz para coibir a conduta que se distancia da ideal, é imperativa a atuação de outras ciências capazes de promover o controle social, tais como, a religião e o Direito. 6. Considerações Finais 7 Em sua longa jornada evolutiva, o ser humano certamente já alcançou consideráveis progressos ante o ideal de conduta social, de modo a proporcionar uma convivência harmônica em qualquer meio que se faça presente. Tal evolução se deu do “micro” para o “macro”, sendo aquele a família e este a sociedade. Nos primórdios da história da humanidade, o homem organizou-se em pequenos grupos de forma que suas atitudes para com os entes próximos projetam-se aos grupos maiores, que foram crescendo cada vez mais com o tempo, sendo um grande exemplo disso o fenômeno da globalização, em que se fala em comunidade planetária. A Ética esteve sempre a pautar a conduta do ser humano no grupo em que estava inserido, entretanto, muitas vezes a conduta real não foi coerente com a conduta ideal, desenvolvendose, assim, ciências outras com “maior poder de coerção”. Por fim, em que pese a dificuldade de se conceituar algo tão abstrato, os estudos do material colacionado para o presente trabalho levaram a concluir que a conduta real seria a maneira que o indivíduo exterioriza valores perceptíveis pelos demais inseridos em seu meio enquanto a conduta ideal nada mais seria do que a busca enfrentada pelo ser humano para descobrir a essência do seu ser e da sua existência neste mundo. Notas de Rodapé: [1] Além de outras fontes de pesquisa e conclusões individuais, este capítulo foi escrito com base no Curso de Filosofia de Régis Jolivet, de 27 de novembro de 2006, capítulo 37. Referências Bibliográficas: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna. 2ª ed. 1993. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 9ª ed. 1997. CUNHA, Newton. Diversidade cultural e universalidade de valores. Disponível em: Acesso em 08 maio 2005. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. São Paulo: Globo, 2009. Diocionário on line Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/ portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=conduta. Acesso em 24 de fevereiro de 2010. JOLIVET. Regis. Curso de Filosofia. Disponível em: http://www.consciencia.org/cursofilosofiajolivet37.shtml. Acesso em 01 de março de 2010. MIRANDA, Pontes de. Introdução à Sociologia Geral. Rio de Janeiro: Forense. 2ª ed. 1980. Melhoramentos. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva. 5ª ed. 1994. SÁ, Antonio Lopes de. Ética profissional. São Paulo: Atlas, 2001. Capítulo 2. VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. 7a edição Ed.Brasiliense, 1993. Como citar este artigo: SILVA, Fernanda Cintra Laureano. Ética: Conduta Ideal e Conduta Real. Disponível em http://www.lfg.com.br – 30 de julho de 2012. 8