`TECNOLOGIA DIGITAL E INTELIGIBILIDADE DO SENSÍVEL
Dinorá Fraga da Silva - Professora do
Programa
de
Pós-graduação
em
Comunicação da UNISINOS/ RS.
RESUMEN
El texto propone que la tecnología digital tiene características y equivalencias
de la Phýsis griega y no de Teckné, por la posibilidad de auto-generación de los
sentidos. Por lo tanto, propone el plano de lo sensible como lugar de institución del
sentido, recuperando la importancia del estudio de la fenomenología. Analiza lo
que puede ser llamado de inteligibilidad de lo sensible, a travez de la creación de
lo real por los códigos digitales. Sitúa esta posibilidad en la crisis de la
representación, discutiendo las relaciones entre tecnología, sociedad y cultura que
de allí se desprende.
Aristóteles apresenta a separação entre tekhné e phýsis. Nesta concepção,
tekhné é um conceito que envolve todas as atividades práticas humanas, desde as
mais cotidianas até as mais elaboradas como as artes plásticas. É um saber fazer
humano, diferente do princípio de geração das coisas pelos processos
da
natureza. Nos dois casos temos uma poiésis. Em Platão, pela técnica, o homem
imita a natureza. Então, a técnica é vista numa posição de inferioridade. Imita a
phýsis, sendo, assim, inferior a ela. Para Aristóteles as coisas artificiais, vindas da
técnica humana são inferiores às coisas naturais porque só estas têm o poder de
auto-geração. Foucault( 1992) propõe a construção dos significados na relação
entre as palavras e as coisas. Na Idade Média as palavras e as coisas coincidiam
no jogo das similitudes. Foucault propõe quatro tipos de similitudes: a emulação,
onde as coisas dispersas através do mundo se correspondem como a luz dos
olhos à luz das estrelas; a conveniência, onde a alma e o corpo, por exemplo:
foi preciso que o pecado tivesse tornado a alma espessa, pesada e terrestre para
que Deus a colocasse nas entranhas da matéria; a analogia que institui o
semelhante através do espaço, a relação do céu com os astros, encontra-se
igualmente na erva com a terra; finalmente, as simpatias, atraem peso para o
solo e o leve para o éter, impele as raízes para a água, as rosas de um funeral
tornam triste e agonizante quem respirar seu perfume. Há, então uma indiferença
entre o que assinala e o que é assinalado.
Nesta episteme medieval, a escrita se mistura com as figuras do mundo. A
linguagem não é um sistema arbitrário. Faz parte do mundo com suas similitudes
e assinalações. Está entre as figuras visíveis da natureza. Os nomes estão
depositados sobre aquilo que designam, assim como a força está escrita no corpo
do leão. Surge uma indistinção muito importante entre o que se vê e o que se lê.
Daí a importância da escrita sobre a oralidade. Nos séculos XVII e XVIII, a
linguagem enquanto coisa escrita assume o funcionamento de representação.
Bacon e Descartes, cada um a sua maneira, fazem a crítica da semelhança,
retirando-a da indiferenciação das similitudes e inserindo-a no ato racional de
comparação. Epistemologicamente, isto torna possível separar as palavras das
coisas pela arbitrariedade e convencionalidade. Surge o signo, talvez como a
maior tecnologia da modernidade, mediando a coisa que representa (o
significante) à coisa representada (a idéia).
A linguagem assume aqui um papel funcional de veiculação de idéias, social
e historicamente constituídas tornando-se transparente. O real sensível e
experenciado desaparece abrigado pelos conceitos que buscam ser e universais.
Nesta concepção ainda corrente, vemos surgir a condição epistemológica da
modernidade, onde, há como já referido, a dicotomia entre a natureza, o saber
(o conhecimento) e o fazer (a técnica). A esta condição dicotomizada, de cisão
da modernidade entre phýsis e teckné propomos a relação recursiva em que a
teckné por seus produtos comunicacionais, institui uma empiria, que passa a estar
no mundo, constituindo o que está sendo chamado neste trabalho de segunda
phýsis - os produtos tecnológicos comunicacionais são detentores de um poder
autopoiético, tal como podemos observar, por exemplo, na lógica da simulação
onde a utilização de técnicas figurativas numéricas, segundo uma lógica formal e
matemática, prescinde da phýsis em seu entendimento inicial.
A lógica da
simulação não pretende mais representar o real mas sintetizá-lo. Esta é de certa
maneira, como diz Baudrillard (1997) a possibilidade da desaparição do real.
"Dessa maneira, criar a imagem (de
animação) de um sol se pondo, num mar
agitado
por
ondas,
será
recriar
numericamente um mundo (...) onde os raios
vem se refletir na superfície da água de
acordo com as leis da própria luz, onde as
ondas se deslocarão de acordo com as leis
da hidrodinâmica, simular visualmente a
evolução de um cardume de peixes em seu
meio natural será aplicar modelos de
comportamento animal capazes de explicar
as mútuas interações entre os peixes, suas
relações a eventuais predadores, diversos
tropismos, etc." (Couchot, in Parente, p.43)
Destacamos, aí, as linguagens digitais, em seu poder de criar mundos e
sentidos. Os sentidos que por elas se constituem, articulam o eixo dos conceitos
historicamente produzidos aos sentidos onde a instancia de produção é o corpo.
As tecnologias midiáticas digitalizadas, com sua característica cibernética, geram
realidades. Devido as suas condições de linguagem numérica criam novos efeitos
visuais e auditivos, constituindo no ser humano que com elas convive, novos
modos de conhecer, que passam necessariamente pelo corpo, como sua instancia
de produção, conforme relatos de Kerckhove, em "A Pele da Cultura" (1995) sobre
experiências desenvolvidas no Laboratório de Análise dos Media da Simon Fraser
University, em Vancover.
Nestas experiências, a interação midiática é instituída no plano sensorial
mais que no plano intelectivo. Retoma-se a importância de fenomenologia, como
a lógica da expressão do sensível, cujo sentido ocorre antes no corpo que na
consciência. Aí é o corpo que instaura a instancia do sentido comunicacional.
Frayse Pereira (1995), recuperando o estudo da fenomenologia nas teorias
da linguagem lembra que é necessário retornar as "coisas mesmas", a um mundo
anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala e em relação ao
qual toda determinação científica é abstrata e dele dependente como a geografia
em relação à paisagem.
Enquanto atos enunciativos, a linguagem verbal, uma vez que atualiza as
virtualidades do sistema lingüístico, possui o poder de fazer criar sentido.
Sabemos que saber fazer asserções, pedir, ameaçar, etc., são fazeres que se
constituem
enquanto
linguagem.
Os
enunciados
verbais
possuem
esta
característica fundante de uma concepção constituída lingüísticamente, enquanto
interação social. Na linguagem não-verbal, esta função é preenchida pela
figurativização da natureza ou de um mundo sociocultural que se constitui pelas
lógicas figurativas constituídas pelas tecnologias projetivas e foto-geométricas
(Couchot: p.43). Este é o caso da câmara escura, câmara fotográfica, cinema e
televisão, enquanto produtos tecnológicos comunicacionais.
Contudo é nas tecnologias digitais ou numéricas que as características da
tecnologia como uma segunda phýsis aparecem de forma mais radical. Couchot
(1999) afirma que na figuração ótica, cada ponto da imagem ótica corresponde a
um ponto do objeto real, contudo, nenhum ponto do objeto real preexistente
corresponde ao pixel. O pixel é a expressão visual de um cálculo efetuado pelo
computador. o que preexiste a ele é o programa e não o real. a tecnologia
informatizada não é mais maquínica como a câmara escura ou o tubo de raios
catódicos, mas é abstrata e provém de um domínio científico. Passamos, então, a
usar a expressão criar, gerar, quando nos referimos às tecnologias, logo na
mesma função da natureza que é de autopoiesis, numa aproximação com o
primeiro sentido grego.
A estesia é, aí, a forma de apreensão dos sentidos do mundo exterior
possibilitando a experiência das paixões do corpo e da alma, enquanto, assim,
entende-se que movido pelo prazer, uma dimensão atualizante do ser.
Do ponto de vista intercultural, os produtos tecnológicos possíveis pelo
poder-saber da ciência básica, inserem-se na significação da cultura e sociedade
(tecnocultura), fazendo parte das experiências dos sujeitos socioculturais.
A linguagem passa a ter caráter fundante dos sentidos comunicacionais,
constituída no plano do sensível, da manifestação, enquanto criadora de efeitos ou
crenças de realidades ou enquanto constituidora dos processos midiáticos de
persuasão e interpretação subssumidos pelos primeiros.
. Este é mais um argumento a favor de uma neo-poiesis – uma natureza
constituída nas significações dos produtos tecnológicos constituídos como forma
que produz efeitos constituídos por e constituidor de um dado modo de conhecer.
As tecnologias midiáticas, em particular, criam realidades desvinculadas do
conceito de verdade, enquanto realidade empiricamente constituída. As imagens
veiculadas pela mídia produzem novos semas culturais de corporeidade, por
exemplo, envolvendo padrões de beleza e longevidade - a eterna juventude,
resultado do uso do produto de beleza, consumo de alimentos e práticas de
atividades físicas. Numa dimensão macro-semiótica, ao sentido físico-biológico de
alimentação produzido por um sistema de signos do discurso científico,
relacionam-se em rede, os sentidos midiáticos, enunciando um ideal de
alimentação saudável que, recursivamente, se agrega às emergências de um ideal
de corpo. Todos estes sentidos estão articulados pela dimensão axiológica que
surgindo das práticas significantes, retorna a elas através do poder de regular a
sociedade e cultura.
Surge, aqui, uma importante questão na discussão sobre a tecnologia no
âmbito das ciências sociais contemporâneas – consiste em uma reação contra o
determinismo biológico. Afirma-se a construção social e cultural da realidade.
Assim, as significações, estando nas categorias do social e do cultural, implicam
que o apelo à materialidade incide na reprodução da desigualdade. Tal é a
naturalidade como encaramos a fome, por exemplo.
Na indissociabilidade entre ciência e tecnologia, os produtos daí resultantes
foram pensados, neste texto, em duas ordens de argumentos: ontológico, onde se
assume que tais produtos, sendo construções de significações, entram
simbolicamente no seio da vida social; e cultural fenomenológico, apontando como
as tecnologias constituem-se, também, enquanto experiências, através de valores
que delas emergem e que passam a nos influenciar de forma mais ou menos
regular.
Bibliografia
ARISTÓTELES, Physica, livro 2. Oxford: Clarendoniano, 1996.
COUCHOT. Da representação à simulação: Evolução das técnicas e das artes de
figurativização. In: PARENTE, André: Imagem Máquina. Rio de Janeiro:
Ed.34,1997
FOUCAULT,Michel. As palavras e as coisas.São Paulo:Martins Fontes,1992.
kERKHOVE, Derrick. A Pele da Cultura. Uma Investigação sobre a nova realidade
eletronica. Santa Maria da Feira: Relógio D'agua, 1997.
HEIDEGGER. Questionès I, Gallimard, 1968.
HEIDEGGER. Questions de la Technique. Essais et conferences. Gallimard, 1968.
FRAYSE-PEREIRA, João Greimas e a Fenomenologia. In: Oliveira, Ana Claudia e
Landowski; Eric. Do inteligível ao sensível, São Paulo: EDUC, 1995.
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1995.
CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. Lisboa: 70, 1987.
MARCUSE, Herbert. One Dimensional Man. Boston: Beacon Press, 1966
ARONOWITZ, Stanley. Tecnociencia y Cibercultura. Barcelona, Paidós 1998.
.
Download

tecnologia digital e inteligibilidade do sensível