http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 EXCLUSIVISMO VERDE: O CONSUMO “DA NATUREZA URBANA” COMO PROCESSO DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL E DINÂMCA DE MERCADO Maico Diego Machado Pós-Graduação do Instituto de Geociências/Unicamp [email protected] INTRODUÇÃO A TEMÁTICA O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão (José Mujica, Presidente do Uruguai em seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU, em Nova York, 24/09/2013). Iniciamos este texto com esta oportuna fala do atual presidente da República Oriental do Uruguai Sr. José Mujica, nela uma carga de constatações de um cidadão que observa seu país a luz de seu conhecimento sobre a história do mesmo e sobre todo o contexto internacional. Nos colocando dentro do texto de Mujica, somos os consumidores, aqueles que buscam aparência da felicidade, carregamos frustração quando não a alcançamos e chegamos á situações de pobreza e autoexclusão pela não possibilidade de estarmos dentro dos grupos dos financiados. A fala de Mujica também é uma crítica ao papel do Estado que não mais se apresenta como aquele que “organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade” e compactua com a “pobreza e autoexclusão”. Em suma Mujica esta tornando clara a relação Estado e Mercado, onde o segundo esta dominando o primeiro. Assim podemos observar nossas cidades e tentar entender como e porque de sua configuração espacial. Por que tal população de baixa renda se concentra em espaços impróprios a ocupação urbana? Por que os espaços considerados de alto valor são ocupados por classes de alta renda? Por que a cidade cresce em direção X e não a Y? O que 1279 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 de fato determina o desenvolvimento da mancha urbana? Ler nossas cidades é um desafio. Entender as relações e os jogos de poder que determinam tais condições espaciais é basicamente o desafio de uma governança real, justa e igualitária. São muitos os poderes, os agentes e as políticas que tornam as cidades o que são. Lançar um pensamento sobre eles é um trabalho caro a Ciência, sobretudo a Ciência chamada de Geografia. Neste texto vamos nos propor a uma leitura sobre a cidade tendo como guia a relação estabelecida entre o urbano e a “natureza”. Não estamos dizendo que esta relação seja atual, não estamos aqui afirmando que este é um fenômeno novo. Estamos sim buscando novas leituras sobre o mesmo na tentativa de entender como o mesmo esta produzindo novos espaços dentro de nossas cidades. O discurso da qualidade de vida se reflete na cidade com a (re)produção de novos espaços de consumo. Este discurso marca no objeto “natureza” seu principal vetor de propagação. Uma natureza a serviço do consumidor que busca melhores condições de uma qualidade de vida. Veja, esta qualidade é exatamente o contraponto do que hoje, sobretudo no Brasil de suas grandes cidades, é de fato a cidade! Nossas cidades são pontos de consumo do ser social. Os cidadãos são consumidos pelo processo de produção da cidade. Não nos enganemos pensando que a cidade é um organismo com vida própria. Como já afirmamos ela é constituída por agentes, por políticas, por pessoas etc. Estes três segmentos possuem intencionalidades que se refletem em suas ações, ou seja, os objetos e as ações que por eles são construídos e executados têm um fim pré-estabelecido que requer capacidade de leitura para que possamos de fato compreender como nossas cidades se desenvolvem e a quem ou a quais ordens/politicas ela responde (SANTOS, 2012). Sobre todo este arcabouço, vamos buscar uma observação mais direcionada ao papel da relação estabelecida pelo mercado imobiliário entre “natureza” e qualidade de vida. Vamos aqui levantar possibilidades teóricas de leitura desta relação observando nossas cidades atuais e a composição social que requer esta ação mercadológica. Vamos iniciar nosso esforço com uma retomada do que é a cidade e como ela se comporta nos dias atuais. Em seguida vamos apresentar este adorno do produto imobiliário que vem apresentando uma possibilidade ampliada de consumo de novos espaços nas cidades, esta “natureza” produzida imitando o natural. Pra fecharmos vamos tratar a segregação dos espaços, tendo em vista que esta “natureza” urbana tem no seu cerne uma 1280 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 função social, mas que, quase nunca, é socializada com a totalidade da população das cidades. Estar próximo da “natureza” e ter acesso aos benefícios que ela pode trazer aos cidadãos é hoje também um segmento importante de ampliação do capital imobiliário e, é sobre este tema que vamos dissertar. PROBLEMATIZANDO A CIDADE Sobre montanhas, rios e pedras da natureza primeira se implanta uma segunda natureza, manufaturada, feita de milhares de peles geométricas. Fruto da imaginação e trabalho articulado de muitos homens, a cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza (ROLNIK, 2012). Nossas cidades, como definido por Raquel Rolnik em seu ensaio “O que é a cidade”, é resultado do trabalho articulado de muitos homens, de sua imaginação e, por essência, uma obra coletiva. A coletividade do espaço urbano é também um desafio para quem o experimenta todos os dias. Esta coletividade pode ser vivenciada de várias formas e muitas delas, pela ineficiência da governança1, não são capazes de promover um ambiente brando de segurança e plena realização do cidadão e suas funções. As cidades do atual momento histórico apresentam uma diversidade de características que são marcas do processo de acumulação do capital. No decorrer do tempo histórico elas passaram por uma mudança em todos os seus âmbitos: social, cultural, político, financeiro que geraram mudanças na forma e composição do tecido urbano. Sem dúvida o âmbito social é o marcante, exatamente pelas características típicas dos lugares, levando a diferenciações, fato que confronta a onda de homogeneização dos lugares. Essa transformação radical das relações sociais não ocorreu de modo regular. Ela se moveu mais rápido em alguns lugares do que em outros. Tem resistido mais fortemente aqui e sido mais bem-vinda ali. Tem penetrado de maneira relativamente pacífica em alguns lugares e com uma violência genocida em outro (HARVEY, 2013). Temos vivenciado um processo de homogeneização de nossas cidades, elas tendem, num processo histórico, a ficarem todas iguais, com as mesmas dinâmicas, os mesmo problemas, quaisquer que sejam suas ordens e escalas, no entanto, como marcado por Harvey, os rebatimentos espaciais são desiguais, com isso, apesar de um processo de 1 Governânça que se apresenta como refém de interesses de agentes mercadológicos que atuam em diversos segmentos da vida social e do espaço urbano. A ineficiência também se faz necessária para muitos segmentos do mercado possam reproduzir seu capital empenhado. 1281 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 homogeneização, nossas cidades são diferentes. Nenhuma sociedade é igual a outra, por mais que as leis sejam muito próximas, mas sempre o espaço será diferente, os agentes que o compõem serão diferenciados, portanto, aquela composição social será característica. Estamos fazendo estas colocações porque exatamente sobre este ponto é que vamos experimentar a atuação de um grande agente (re) produtor do espaço nas cidades, o mercado imobiliário. Este mercado atua na localização das atividades humanas e, sobre ela, gera valor/preço, reproduzindo assim seu capital. Harvey também destaca este processo com a seguinte passagem: O espaço […] é um atributo material de todos os valores de uso. Então temos que considerar como os atributos espaciais materiais dos valores de uso – a localização em particular – são convertidos em espaços sociais mediante a produção de mercadorias. Como a produção de mercadorias envolve as relações entre o valor de uso, o valor de troca e o valor, consequentemente o nosso entendimento das configurações espaciais em seu aspecto social deve também ser baseado em um entendimento de como o valor de uso, o valor de troca e o valor se integram uma ao outro na produção e no uso da configuração espacial. (HARVEY, 2013) Destacando Harvey, nossa leitura sobre a configuração espacial, no aspecto social, da cidade deve observar este tripé entre valor de uso, valor de troca e valor. Nossas cidades são produzidas sobre este tripé e as reverberações são muitas e complexas. Nossas cidades não são mais produzidas para que a força de trabalho se reproduza, elas por si só são os produtos. São produtos que mesmo em seu interior acontecem de forma fragmentada em consonância com sua composição social. Esta cidade emergente (PEREIRA, 2011), é locus de novas realidades locacionais. Se faz comum as leituras de espaços exclusivos ligados a complexas lógicas de comunicação, transportes e consumo. O mercado imobiliário que toma a cidade como espaço de realização do seu capital, imputa sobre ela lógicas que recaem sobre os citadinos numa psicoesfera cada vez mais potente. A lógica do imediato se faz presente não somente pelo deslocamento rápido do próprio consumidor dos espaços, mas também pela rápida reprodução do capital investido - “busca-se, sobretudo, rápida e elevada valorização – por isso, a combinação de negócios imobiliários com crises se tornaram mais intensas e frequentes” (PEREIRA, 2011, p.29). A crise da qualidade de vida nas cidades é hoje uma potencia de geração de lucros, sobretudo quando coloca em combinação o mercado imobiliário e aquilo que representa a realização de uma melhor qualidade de vida. Sobre 1282 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 este ponto vamos inserir o debate sobre qual a representação da “natureza” enquanto representação de uma qualidade de vida urbana e como isso vem se reproduzindo espacialmente nas nossas cidades. A NATUREZA COMO PARTE DO PRODUTO IMOBILIÁRIO A citação a seguir, escrita por Le Corbusier e retirada do texto de Troppmair de 1984, abre este nosso tópico como um guia teórico e de reflexão: “Uma cidade é uma obra do homem contra a natureza, mas também um organismo que oferece proteção e trabalho” (LE CORBUSIER apud TROPPMAIR, 1984, p.02). Estas palavras de Le Corbusier são fundamentais para a leitura sobre o que vem a ser a natureza nas cidades. Num primeiro momento da urbanização do homem ela se apresentava como uma barreira variando entre física e muitas vezes psicológica com suas histórias e lendas criadas para justificar as necessidades sociais e de hierarquias de sociedades antigas. Uma natureza que criava o medo e isso justificava seu fim (SANTOS, 1992). Também é preciso marcar aqui que vamos tratar da natureza neste tópico enquanto objeto dotado de espacialidades e intencionalidades. No entanto é essencial a lembrança de que natureza também é um conceito fundamental e que, perpassa os mais distintos campos disciplinares, da geografia ao urbanismo, do paisagismo ao planejamento urbano-regional. Especialmente no campo do planejamento urbano e paisagístico, o conceito de “natureza” é operacionalizado e manipulado através de estratégias ilusionistas, que priorizam as formas em detrimento dos conteúdos sociais inerentes a elas (SERPA, 2009, p. 117). Para Milton Santos, em seu texto intitulado “1992: a redescoberta da Natureza” de 1992, a natureza é redescoberta como algo fundante para relações de mercado no espaço urbano, sobretudo pela multiplicidade de novas interpretações. Com a presença do homem sobre a Terra, a Natureza esta sempre sendo redescoberta, desde o fim de sua história natural e a criação da natureza social, ao desencantamento do mundo, com a passagem de uma ordem vital a uma ordem racional. Mas agora, quando o natural cede lugar ao artefato e a racionalidade triunfante se revela através da Natureza instrumentalizada, esta, portanto domesticado, nos é apresentada como sobrenatural (SANTOS, 1992, p. 96). Racionalizada, instrumentalizada, um artefato e apresentada como sobrenatural, retirada da naturalidade do ser social, esta é a “natureza” da atual sociedade, sobretudo a 1283 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 que habita as cidades. Esta natureza urbana é abstrata, produzida pelas técnicas que insistem em imitar o natural e acabam conseguindo (SANTOS, 1992). Para que esta natureza apresentada acima seja incorporada e consumida como parte do espaço urbano, ela precisa ser vendida como tal. Se faz necessário a criação da necessidade do consumo de tal produto. Neste contexto entram dois importantes agentes: o Estado e o Mercado2. A linguagem do discurso se faz fundamental na venda deste produto. “É um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações, indispensável à sua legitimação” (SANTOS, 1992, p. 100). O Estado legitima e o Mercado prega o uso, já o consumidor paga o preço. Este produto chamado de natureza não se encontra descolado do contexto dos produtos urbanos de caráter imobiliário. O mercado de terras urbano o torna parte de seus produtos como um fator de valorização dos mesmos. É importante ressaltar que mesmo o espaço urbano, em muitos casos, vem se tornando um produto escasso/raro, sendo ele “uma mercadoria cujo preço é estabelecido em função de atributos físicos (tais como declividade do terreno ou qualidade de uma construção) e locacionais (acessibilidade, a centros de serviços ou negócios e/ou proximidade a áreas valorizadas da cidade)” (ROLNIK, 2012, p.69). Associado a este espaço urbano esta este produto que por si só não atrai consumidores, mas associado ao contexto do entorno torna o produto imobiliário mais completo e com maior potencial de ampliação do capital investido. O discurso dos empreendimentos imobiliários do momento atual está intimamente pautado no uso da natureza como uma das principais formas de agregar valor ao produto. Este discurso também pode ser entendido na análise dos materiais de divulgação dos empreendimentos, em muitos, estes apresentam uma variação da tonalidade verde e os demais elementos que simbolizam a natureza, tais como folhas, árvores, sol, flores, etc. Vamos observar não só a venda desta natureza tecnificada como sendo algo natural como também nos é apresentado a sua localização espacial e sua exclusividade como informações fundamentais para saciar a necessidade do consumidor. A localização no contexto urbano sempre foi um atributo de ampliação do preço do produto imobiliário (CARLOS, 2001). A seguir vamos apresentar, com objetivo de ilustração, algumas imagens do 2 Colocamos o vocábulo mercado com inicial maiúscula exatamente para marcar que este segmento da sociedade esta igualada, senão superior, ao poder de atuação do Estado num mesmo espaço chamado de cidade. 1284 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 projeto do “FOREST Jundiaí”. Condomínio residencial localizado na cidade de Jundiaí/SP. Figura.1: A localização. Fonte: Retirado do site do empreendimento Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014. A posição do produto imobiliário ainda é fundamental na formação do valor de venda, no entanto, outros atributos surgem com destaque na busca de ampliação deste valor, destacamos a natureza. A figura.1 retirada do site do empreendimento, destaca a posição do mesmo mas demonstra com muito mais destaque as características do verde. Prestemos atenção as tonalidades de verde da imagem e o destaque para o entorno do espaço a ser vendido. Vamos agora observar [figura.2] neste mesmo empreendimento a leitura sobre o que é esta natureza que esta sendo vendida como parte do mesmo e qual sua composição: 1285 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Figura.2:Condomínio Verde. Fonte: Retirado do site do empreendimento Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014. Destacamos a forma de apresentação do site para este tema, tudo muito verde. A natureza que salta aos seus olhos quando você entra no site do empreendimento. Uma natureza de detalhes. Um deles é “todas as áreas de circulação de pedestres e de lazer (internas e externas) são rodeadas de mata nativa – ou vegetação adornada por um primoroso projeto paisagístico. Sem falar nos arredores do próprio condomínio que fazem parte de uma área de preservação permanente (APP)”. Ou seja, além da possibilidade de estar em contato com uma natureza pensada para servir aos seus desejos de uma melhor qualidade de vida, você pode desfrutar da raridade de uma APP e de todos os benefícios 1286 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 possíveis do contato com uma natureza “preservada”. Na sequência um bom e velho mapa que apresenta como será internamente o FOREST Jundiaí: Figura.3: Implantação. Fonte: Retirado do site do empreendimento Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014. Destacamos as cores que agora ganham uma alteração importante, o entorno do empreendimento não mais é apresentado em verde, isso para ampliar a leitura de que o verde se encontra dentro do espaço a ser vendido e não nas possibilidades do entorno. O 1287 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 clube completo vendido em momentos anteriores pelos produtos imobiliários ganha uma intensa composição verde e a “natureza” passa a ser uma “necessidade” fundamental para a qualidade de vida nas cidades. A apropriação de ideais de natureza pelos empreendimentos imobiliários e a substituição de um projeto de emancipação coletiva pela satisfação individual são pura ideologia. O papel da ideologia, nesta relação entre cidade e natureza, observada nos empreendimentos imobiliários, é a negação de todas as conquistas dos homens perante a natureza, é um retorno a uma natureza romântica e primitiva, mas que esconde sob estas ilusões uma natureza altamente tecnificada e acrescida de instrumentos técnicos para propiciar o conforto na vida individual e acesso restrito, definido pela renda (HENRIQUE, 2009, p.24). A citação de Henrique nos aproxima do próximo tópico deste texto. Este “retorno a natureza” esta se dando de forma desigual. Ora, se estar próximo da natureza melhora a qualidade de vida das pessoas, por que razão isso não seria um direito de todos e um dever do Estado? Isso explica em muito o que aqui chamamos de exclusivismo verde. Novamente trazemos as palavras de Milton Santos, já citadas acima, para fechar este tópico: “É um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações, indispensável à sua legitimação” (SANTOS, 1992, p. 100) A SEGREGAÇÃO A apropriação da natureza, uma apropriação da apreciação estética da natureza, consistindo numa salva guarda das suas belezas como forma de agregação de valor à uma propriedade privada, passa também pela privação de sua componente material, separando-a dos olhares e dos usos de todos os homens, através de cercas ou muros, instaurando definitivamente uma única forma de apreciação e de contato com a natureza através da compra de uma propriedade (HENRIQUE, 2009, p.84). Quando falamos em consumir a natureza, produto imobiliário, não temos a leitura que nos é apresentada pelo significado deste verbo3. O consumir da natureza urbana se dá pelo descrito acima na citação retirada de Henrique em seu Livro intitulado “O direito 3 Dicionário Aurélio traz o seguinte significado para o verbo consumir: Fazer uso de alguma coisa para subsistência própria: consumir alimentos. / Empregar, usar para funcionar: um carro que consome muita gasolina. / Gastar, despender, extinguir. 1288 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 a Natureza nas Cidades” de 2009, ou seja, pela apreciação estética e absorção dos possíveis benefícios de um contato com as condições ambientais trazidas pela natureza. Quando segmentamos no espaço urbano os espaços que apresentam esta natureza, sabendo de seu caráter tecnicizado, estamos promovendo uma espécie de segregação. Limitar o acesso aos possíveis benefícios do contato com a natureza em razão de uma lógica imobiliária é promover a gentrificação dos espaços. O exclusivismo verde é um passo a frente do contato com a natureza urbana. As cidades dispõem de praças, parques, jardins e reservas públicas, no entanto, o não público é o diferencial na formação de valor de troca do produto imobiliário. Sobre esta situação urbana, Pereira faz a seguinte leitura: “A cidade emergente é, cada vez mais, um lugar privilegiado de produção de espaços exclusivos em que a apropriação do valor subordina e concorre para a materialização da riqueza social” (PEREIRA, 2011, p.25). Ou seja, o contato com natureza em espaços privados/exclusivos oferecem uma margem de lucro maior para o empreendedor que além de garantir este contato, assim como no FOREST, ainda oferece segurança 24 horas, portaria 24 horas, clube e outros serviços. Esta lógica vem consumindo espaços nas cidades e limitando as possibilidades de habitação das camadas que não podem pagar por estes produtos. Além disso, observamos um esgarçamento do tecido urbano em direção a espaços passíveis de implantação de produtos que atendam esta demanda. Obedecendo à lógica do deslocamento rápido por vias de alta velocidade, os produtos imobiliários tem se expandido em direção as periferias das cidades, sobretudo das grandes cidades. Voltemos ao nosso exemplo do FOREST Jundiaí: 1289 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Figura.4: Você perto de tudo. Inclusive da natureza. Fonte: Retirado do site do empreendimento [http://forestjundiai.com.br] consultado em 20/06/2014. O destaque se dá pelas informações que são fundamentais para atrair os consumidores: “Condomínio a apenas 25 minutos da marginal”; “Você perto de tudo. Inclusive da natureza”. Estas são informações que vão de encontro a uma leitura sobre o posicionamento do objeto geográfico em questão. O acesso é uma questão fundante, sobretudo em regiões de intenso povoamento e de concentração de parcelas de população com acesso a transportes, Harvey destaca este ponto: “Produtos e recursos previamente inacessíveis conduzidos para a rede de troca mediante novos dispositivos de transporte podem ter efeitos notáveis sobre os valores (e sobre os preços da produção)” (HARVEY, 2013, p. 483). 1290 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 A instalação de grande avenidas e novos sistemas viários possibilitam que a lógica de consumo da natureza como parte de produtos imobiliários avance sobre áreas antes aquém deste processo. Setores do espaço que apresentam resquícios/reservas florestais acabam sendo inseridos nesta lógica e, em grande parte das vezes, com a privatização do acesso à natureza ali contida, ou seja, os condomínios fechados estão se espalhando sobre as periferias fazendo uso dos equipamentos de deslocamento para promoverem a possibilidade de moradia próxima a natureza preservada ainda existente. As reservas naturais que são de domínio público acabam sendo cercadas pelo uso privado impossibilitando o acesso do cidadão que não pode pagar pelo mesmo. Nossas cidades em sua relação com este produto natureza vem produzindo espaços que impossibilitam o acesso das camadas sociais de melhor poder de compra. A natureza no espaço urbano vem ganhando conotação de exclusividade em consonância com a alta procura pregada por uma qualidade de vida necessária ligada ao contato com o verde. Como solucionar isso se o Estado, como já afirmamos, esta em muitas situações, sob as ordens do mercado imobiliário? Esta é uma grande questão urbana. CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa natureza artificial, resultante da produção social da natureza, da ação humana, além de ser apropriada de maneira privada, negando o caráter social da sua produção, encontra-se “falsificada” e “descolada” das características naturais dos lugares. No mundo contemporâneo, a natureza produzida pode se tornar uma ficção ou uma “mentira”, sem vínculos com uma identidade geográfica local. A natureza padronizada se encontra hoje compromissada como uma felicidade capitalista (HENRIQUE, 2009, p.19). Esta citação de Henrique nos coloca novamente frente a fala de Mujica citada no início deste texto. A natureza esta a serviço da aparência de felicidade pregada pelo mercado, mas não nos enganamos, a natureza que aqui falamos é exatamente uma ferramenta do mercado para vender ao consumidor a ilusão da qualidade de vida. Esta natureza nem mesmo apresenta uma “identidade geográfica”, é basicamente a combinação de espécies exóticas que apresentam em sua estética uma aparência que prega uma qualidade de vida e uma separação do comum. Incorporada como parte do produto imobiliário urbano, esta natureza esta é responsável pela nova configuração dos produtos imobiliários, numa diferenciação de momentos anteriores onde os produtos imobiliários apresentavam outras configurações e 1291 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 composições. Nossas vão sendo produzidas e (re)produzidas sob muitas lógicas de avanço da ocupação e a busca por uma qualidade de vida, relacionada com o contato com a “natureza”, mas ainda garantido o acesso aos serviços através de ligações rápidas se fazem fundamental para os sucessos dos produtos imobiliários deste segmento. A espacialidade deste processo ganha conotações importantes para entendermos o desenvolvimento do tecido urbano, os vetores de sua expansão e os processos associados a isso. Esta lógica consome os espaços que lhes convêm deixando como opção para aqueles que não podem adquiri-los a única saída de habitar espaços menos adequados para uma vida urbana de qualidade. A ilegalidade nas ocupações urbanas são definidas sobretudo nos espaços ocupados de forma legal, com a legitimação do Estado que esta a serviço dos interesses do Mercado e de seus consumidores. REFERÊNCIAS CARLOS, A. F. A. A cidade. 5ªed. São Paulo: Contexto, 2001 – [Repensando a Geografia]. HARVEY. D. Os limites do capital. Tradução de Magda Lopes. - 1ª.ed. São Paulo: Boitempo, 2013. HENRIQUE, W. O Direito à Natureza na Cidade. Salvador: ADUFBA, 2009. PEREIRA, P. C. X. Agentes imobiliários e reestruturação: interesses e conflitos na construção da cidade contemporânea. In: Negócios imobiliários e transformações sócio-territoriais em cidades na América Latina. PEREIRA, P. C. X; HIDALGO, R; KOPPMANN, S. V; LECIONI, S. São Paulo: FAUUSP, 2011. RODRIGUES, A. M. A matriz discursiva sobre o “meio ambiente”: produção do espaço urbano - agentes, escalas, conflitos. In: A Produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. CARLOS, A. F A; SOUZA, M. L de; SPOSITO, M. B. E (organizadores. São Paulo: Contexto, 2011. ROLNIK, R. O que é a cidade. São Paulo: Brasiliense, 2012. SANTOS, M. 1992: a redescoberta da Natureza. Estudos Avançados. vol.6 no.14 São Paulo Jan./Apr. 1992. ___________. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª.ed.7ª. Reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2012. SERPA, A. O espaço público na cidade contemporânea. 1ª.ed. 1ª. reimpressão. - São Paulo: Contexto, 2009. TROPPMAIR, H. O Geógrafo Perante os Problemas Ambientais. Documentos Geográficos da ARGEO (Associação Rioclarense de Geógrafos). nº.10. Rio Claro, 1984. 1292 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 EXCLUSIVISMO VERDE: O CONSUMO “DA NATUREZA URBANA” COMO PROCESSO DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL E DINÂMCA DE MERCADO EIXO 4 – Problemas socioambientais no espaço urbano e regional RESUMO A análise do espaço, que se propõe a Geografia, implica numa necessidade do entendimento de sua formação através dos tempos. A cidade, o locus da dinâmica espacial através dos tempos, é a plena substituição do natural pelo artefato, onde a racionalidade, materializada nas ações, se revela sobre as dinâmicas e os objetos. A cidade que, em tempos de outrora, se apresentava como base para a reprodução do capital, hoje, é ela, um grande produto da/de reprodução do capital. A cidade dos nossos tempos, tem de modo geral, dois grandes produtores: o Estado e o Mercado. O primeiro, por suas atribuições legais, proporciona ao segundo, possibilidades de realização de seu capital. Há de se marcar também que, cada espaço dentro da cidade é ponto de sobreposição de lógicas escalares, onde se revelam níveis na busca de eficácia na geração do lucro, no uso do meio técnico científico informacional do capital e do trabalho para reproduzir o próprio capital. Objetivando o entendimento destes processos, neste texto nos propomos a uma reflexão que apresente parâmetros teóricos e práticos de observação desta dinâmica e sua espacialidade. Uma revisão conceitual e a elaboração de um arcabouço teórico se apresentam como fundamentais para atingirmos este objetivo na busca pela compreensão de que o produto imobiliário urbano que se alinha a esta lógica de consumo e produção do espaço que, na atualidade, apresenta uma nova forma de incorporar exclusividade e gerar maior margem de lucro para o capitalista, esta forma chamamos de exclusivismo verde. A “natureza” incorporada pelo mercado imobiliário, tecnificada, é objeto técnico, produto, mercadoria. Incorporada pelo mercado se apresenta com uma carga de intencionalidades falseadas por um discurso de meio ambiente e qualidade de vida urbana que exalta certos aspectos em detrimento de outros, mas que no conjunto emplaca no consumidor a necessidade de buscar no produto imobiliário uma qualidade de vida dada pelo exclusivismo verde. Nas cidades estes produtos detêm uma espacialidade, sua localização deve estar em consonância com a possibilidade de atender as demandas de consumo de seus clientes e com isso atrair maior valor agregado que se resume a um retorno financeiro mais elevado ao incorporador. A cidade de hoje proporciona esta relação. Hoje o incorporador produz o espaço urbano e, seus produtos, são apresentações das demandas dos consumidores que materializam um discurso falseado pela chamada “mídia do medo”, hoje, o “medo” das consequências de uma urbanização que não representa uma qualidade de vida, do ponto de vista do bem estar físico, representa ao mercado imobiliário a possibilidade de reprodução do seu capital que tem a “natureza” como o carro chefe para o comércio dos espaços. Nossas cidades lotadas nesta lógica aprofundam suas desigualdades nas possibilidades de acesso a uma qualidade de vida dada pelo contato com a “natureza” e suas benéfices, pois, tais espaços estão sendo tomados como exclusivos e seu acesso é cada vez mais limitado. Palavras-chave: cidade, natureza, segregação. 1293