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EXCLUSIVISMO VERDE: O CONSUMO “DA
NATUREZA URBANA” COMO PROCESSO DE
SEGREGAÇÃO ESPACIAL E DINÂMCA DE
MERCADO
Maico Diego Machado
Pós-Graduação do Instituto de Geociências/Unicamp
[email protected]
INTRODUÇÃO A TEMÁTICA
O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade.
Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos,
carregamos frustração, pobreza e autoexclusão (José Mujica, Presidente do
Uruguai em seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU, em Nova York,
24/09/2013).
Iniciamos este texto com esta oportuna fala do atual presidente da República
Oriental do Uruguai Sr. José Mujica, nela uma carga de constatações de um cidadão que
observa seu país a luz de seu conhecimento sobre a história do mesmo e sobre todo o
contexto internacional. Nos colocando dentro do texto de Mujica, somos os consumidores,
aqueles que buscam aparência da felicidade, carregamos frustração quando não a
alcançamos e chegamos á situações de pobreza e autoexclusão pela não possibilidade de
estarmos dentro dos grupos dos financiados.
A fala de Mujica também é uma crítica ao papel do Estado que não mais se
apresenta como aquele que “organiza a economia, a vida e financia a aparência de
felicidade” e compactua com a “pobreza e autoexclusão”. Em suma Mujica esta tornando
clara a relação Estado e Mercado, onde o segundo esta dominando o primeiro.
Assim podemos observar nossas cidades e tentar entender como e porque de
sua configuração espacial. Por que tal população de baixa renda se concentra em espaços
impróprios a ocupação urbana? Por que os espaços considerados de alto valor são
ocupados por classes de alta renda? Por que a cidade cresce em direção X e não a Y? O que
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de fato determina o desenvolvimento da mancha urbana?
Ler nossas cidades é um desafio. Entender as relações e os jogos de poder que
determinam tais condições espaciais é basicamente o desafio de uma governança real, justa
e igualitária. São muitos os poderes, os agentes e as políticas que tornam as cidades o que
são. Lançar um pensamento sobre eles é um trabalho caro a Ciência, sobretudo a Ciência
chamada de Geografia.
Neste texto vamos nos propor a uma leitura sobre a cidade tendo como guia a
relação estabelecida entre o urbano e a “natureza”. Não estamos dizendo que esta relação
seja atual, não estamos aqui afirmando que este é um fenômeno novo. Estamos sim
buscando novas leituras sobre o mesmo na tentativa de entender como o mesmo esta
produzindo novos espaços dentro de nossas cidades.
O discurso da qualidade de vida se reflete na cidade com a (re)produção de
novos espaços de consumo. Este discurso marca no objeto “natureza” seu principal vetor de
propagação. Uma natureza a serviço do consumidor que busca melhores condições de uma
qualidade de vida. Veja, esta qualidade é exatamente o contraponto do que hoje, sobretudo
no Brasil de suas grandes cidades, é de fato a cidade! Nossas cidades são pontos de
consumo do ser social. Os cidadãos são consumidos pelo processo de produção da cidade.
Não nos enganemos pensando que a cidade é um organismo com vida própria.
Como já afirmamos ela é constituída por agentes, por políticas, por pessoas etc. Estes três
segmentos possuem intencionalidades que se refletem em suas ações, ou seja, os objetos e
as ações que por eles são construídos e executados têm um fim pré-estabelecido que
requer capacidade de leitura para que possamos de fato compreender como nossas cidades
se desenvolvem e a quem ou a quais ordens/politicas ela responde (SANTOS, 2012).
Sobre todo este arcabouço, vamos buscar uma observação mais direcionada ao
papel da relação estabelecida pelo mercado imobiliário entre “natureza” e qualidade de vida.
Vamos aqui levantar possibilidades teóricas de leitura desta relação observando nossas
cidades atuais e a composição social que requer esta ação mercadológica.
Vamos iniciar nosso esforço com uma retomada do que é a cidade e como ela se
comporta nos dias atuais. Em seguida vamos apresentar este adorno do produto imobiliário
que vem apresentando uma possibilidade ampliada de consumo de novos espaços nas
cidades, esta “natureza” produzida imitando o natural. Pra fecharmos vamos tratar a
segregação dos espaços, tendo em vista que esta “natureza” urbana tem no seu cerne uma
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função social, mas que, quase nunca, é socializada com a totalidade da população das
cidades. Estar próximo da “natureza” e ter acesso aos benefícios que ela pode trazer aos
cidadãos é hoje também um segmento importante de ampliação do capital imobiliário e, é
sobre este tema que vamos dissertar.
PROBLEMATIZANDO A CIDADE
Sobre montanhas, rios e pedras da natureza primeira se implanta uma segunda
natureza, manufaturada, feita de milhares de peles geométricas. Fruto da
imaginação e trabalho articulado de muitos homens, a cidade é uma obra
coletiva que desafia a natureza (ROLNIK, 2012).
Nossas cidades, como definido por Raquel Rolnik em seu ensaio “O que é a
cidade”, é resultado do trabalho articulado de muitos homens, de sua imaginação e, por
essência, uma obra coletiva. A coletividade do espaço urbano é também um desafio para
quem o experimenta todos os dias. Esta coletividade pode ser vivenciada de várias formas e
muitas delas, pela ineficiência da governança1, não são capazes de promover um ambiente
brando de segurança e plena realização do cidadão e suas funções.
As cidades do atual momento histórico apresentam uma diversidade de
características que são marcas do processo de acumulação do capital. No decorrer do
tempo histórico elas passaram por uma mudança em todos os seus âmbitos: social, cultural,
político, financeiro que geraram mudanças na forma e composição do tecido urbano. Sem
dúvida o âmbito social é o marcante, exatamente pelas características típicas dos lugares,
levando a diferenciações, fato que confronta a onda de homogeneização dos lugares.
Essa transformação radical das relações sociais não ocorreu de modo regular.
Ela se moveu mais rápido em alguns lugares do que em outros. Tem resistido
mais fortemente aqui e sido mais bem-vinda ali. Tem penetrado de maneira
relativamente pacífica em alguns lugares e com uma violência genocida em
outro (HARVEY, 2013).
Temos vivenciado um processo de homogeneização de nossas cidades, elas
tendem, num processo histórico, a ficarem todas iguais, com as mesmas dinâmicas, os
mesmo problemas, quaisquer que sejam suas ordens e escalas, no entanto, como marcado
por Harvey, os rebatimentos espaciais são desiguais, com isso, apesar de um processo de
1
Governânça que se apresenta como refém de interesses de agentes mercadológicos que atuam em diversos
segmentos da vida social e do espaço urbano. A ineficiência também se faz necessária para muitos segmentos do
mercado possam reproduzir seu capital empenhado.
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homogeneização, nossas cidades são diferentes. Nenhuma sociedade é igual a outra, por
mais que as leis sejam muito próximas, mas sempre o espaço será diferente, os agentes que
o compõem serão diferenciados, portanto, aquela composição social será característica.
Estamos fazendo estas colocações porque exatamente sobre este ponto é que
vamos experimentar a atuação de um grande agente (re) produtor do espaço nas cidades, o
mercado imobiliário. Este mercado atua na localização das atividades humanas e, sobre ela,
gera valor/preço, reproduzindo assim seu capital. Harvey também destaca este processo
com a seguinte passagem:
O espaço […] é um atributo material de todos os valores de uso. Então temos
que considerar como os atributos espaciais materiais dos valores de uso – a
localização em particular – são convertidos em espaços sociais mediante a
produção de mercadorias. Como a produção de mercadorias envolve as relações
entre o valor de uso, o valor de troca e o valor, consequentemente o nosso
entendimento das configurações espaciais em seu aspecto social deve também
ser baseado em um entendimento de como o valor de uso, o valor de troca e o
valor se integram uma ao outro na produção e no uso da configuração espacial.
(HARVEY, 2013)
Destacando Harvey, nossa leitura sobre a configuração espacial, no aspecto
social, da cidade deve observar este tripé entre valor de uso, valor de troca e valor. Nossas
cidades são produzidas sobre este tripé e as reverberações são muitas e complexas. Nossas
cidades não são mais produzidas para que a força de trabalho se reproduza, elas por si só
são os produtos. São produtos que mesmo em seu interior acontecem de forma
fragmentada em consonância com sua composição social.
Esta cidade emergente (PEREIRA, 2011), é locus de novas realidades locacionais.
Se faz comum as leituras de espaços exclusivos ligados a complexas lógicas de comunicação,
transportes e consumo. O mercado imobiliário que toma a cidade como espaço de
realização do seu capital, imputa sobre ela lógicas que recaem sobre os citadinos numa
psicoesfera cada vez mais potente. A lógica do imediato se faz presente não somente pelo
deslocamento rápido do próprio consumidor dos espaços, mas também pela rápida
reprodução do capital investido - “busca-se, sobretudo, rápida e elevada valorização – por
isso, a combinação de negócios imobiliários com crises se tornaram mais intensas e
frequentes” (PEREIRA, 2011, p.29). A crise da qualidade de vida nas cidades é hoje uma
potencia de geração de lucros, sobretudo quando coloca em combinação o mercado
imobiliário e aquilo que representa a realização de uma melhor qualidade de vida. Sobre
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este ponto vamos inserir o debate sobre qual a representação da “natureza” enquanto
representação de uma qualidade de vida urbana e como isso vem se reproduzindo
espacialmente nas nossas cidades.
A NATUREZA COMO PARTE DO PRODUTO IMOBILIÁRIO
A citação a seguir, escrita por Le Corbusier e retirada do texto de Troppmair de
1984, abre este nosso tópico como um guia teórico e de reflexão: “Uma cidade é uma obra
do homem contra a natureza, mas também um organismo que oferece proteção e trabalho”
(LE CORBUSIER apud TROPPMAIR, 1984, p.02). Estas palavras de Le Corbusier são
fundamentais para a leitura sobre o que vem a ser a natureza nas cidades. Num primeiro
momento da urbanização do homem ela se apresentava como uma barreira variando entre
física e muitas vezes psicológica com suas histórias e lendas criadas para justificar as
necessidades sociais e de hierarquias de sociedades antigas. Uma natureza que criava o
medo e isso justificava seu fim (SANTOS, 1992).
Também é preciso marcar aqui que vamos tratar da natureza neste tópico
enquanto objeto dotado de espacialidades e intencionalidades. No entanto é essencial a
lembrança de que natureza também é um conceito fundamental e que,
perpassa os mais distintos campos disciplinares, da geografia ao urbanismo, do
paisagismo ao planejamento urbano-regional. Especialmente no campo do
planejamento urbano e paisagístico, o conceito de “natureza” é operacionalizado
e manipulado através de estratégias ilusionistas, que priorizam as formas em
detrimento dos conteúdos sociais inerentes a elas (SERPA, 2009, p. 117).
Para Milton Santos, em seu texto intitulado “1992: a redescoberta da Natureza”
de 1992, a natureza é redescoberta como algo fundante para relações de mercado no
espaço urbano, sobretudo pela multiplicidade de novas interpretações.
Com a presença do homem sobre a Terra, a Natureza esta sempre sendo
redescoberta, desde o fim de sua história natural e a criação da natureza social,
ao desencantamento do mundo, com a passagem de uma ordem vital a uma
ordem racional. Mas agora, quando o natural cede lugar ao artefato e a
racionalidade triunfante se revela através da Natureza instrumentalizada, esta,
portanto domesticado, nos é apresentada como sobrenatural (SANTOS, 1992, p.
96).
Racionalizada, instrumentalizada, um artefato e apresentada como sobrenatural,
retirada da naturalidade do ser social, esta é a “natureza” da atual sociedade, sobretudo a
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que habita as cidades. Esta natureza urbana é abstrata, produzida pelas técnicas que
insistem em imitar o natural e acabam conseguindo (SANTOS, 1992).
Para que esta natureza apresentada acima seja incorporada e consumida como
parte do espaço urbano, ela precisa ser vendida como tal. Se faz necessário a criação da
necessidade do consumo de tal produto. Neste contexto entram dois importantes agentes: o
Estado e o Mercado2. A linguagem do discurso se faz fundamental na venda deste produto. “É
um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações, indispensável à
sua legitimação” (SANTOS, 1992, p. 100). O Estado legitima e o Mercado prega o uso, já o
consumidor paga o preço.
Este produto chamado de natureza não se encontra descolado do contexto dos
produtos urbanos de caráter imobiliário. O mercado de terras urbano o torna parte de seus
produtos como um fator de valorização dos mesmos. É importante ressaltar que mesmo o
espaço urbano, em muitos casos, vem se tornando um produto escasso/raro, sendo ele
“uma mercadoria cujo preço é estabelecido em função de atributos físicos (tais como
declividade do terreno ou qualidade de uma construção) e locacionais (acessibilidade, a
centros de serviços ou negócios e/ou proximidade a áreas valorizadas da cidade)” (ROLNIK,
2012, p.69). Associado a este espaço urbano esta este produto que por si só não atrai
consumidores, mas associado ao contexto do entorno torna o produto imobiliário mais
completo e com maior potencial de ampliação do capital investido.
O discurso dos empreendimentos imobiliários do momento atual está
intimamente pautado no uso da natureza como uma das principais formas de agregar valor
ao produto. Este discurso também pode ser entendido na análise dos materiais de
divulgação dos empreendimentos, em muitos, estes apresentam uma variação da
tonalidade verde e os demais elementos que simbolizam a natureza, tais como folhas,
árvores, sol, flores, etc.
Vamos observar não só a venda desta natureza tecnificada como sendo algo
natural como também nos é apresentado a sua localização espacial e sua exclusividade
como informações fundamentais para saciar a necessidade do consumidor. A localização no
contexto urbano sempre foi um atributo de ampliação do preço do produto imobiliário
(CARLOS, 2001).
A seguir vamos apresentar, com objetivo de ilustração, algumas imagens do
2
Colocamos o vocábulo mercado com inicial maiúscula exatamente para marcar que este segmento da sociedade
esta igualada, senão superior, ao poder de atuação do Estado num mesmo espaço chamado de cidade.
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projeto do “FOREST Jundiaí”. Condomínio residencial localizado na cidade de Jundiaí/SP.
Figura.1: A localização. Fonte: Retirado do site do empreendimento
Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014.
A posição do produto imobiliário ainda é fundamental na formação do valor de
venda, no entanto, outros atributos surgem com destaque na busca de ampliação deste
valor, destacamos a natureza. A figura.1 retirada do site do empreendimento, destaca a
posição do mesmo mas demonstra com muito mais destaque as características do verde.
Prestemos atenção as tonalidades de verde da imagem e o destaque para o entorno do
espaço a ser vendido.
Vamos agora observar [figura.2] neste mesmo empreendimento a leitura sobre
o que é esta natureza que esta sendo vendida como parte do mesmo e qual sua
composição:
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Figura.2:Condomínio Verde. Fonte: Retirado do site do empreendimento
Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014.
Destacamos a forma de apresentação do site para este tema, tudo muito verde.
A natureza que salta aos seus olhos quando você entra no site do empreendimento. Uma
natureza de detalhes. Um deles é “todas as áreas de circulação de pedestres e de lazer
(internas e externas) são rodeadas de mata nativa – ou vegetação adornada por um
primoroso projeto paisagístico. Sem falar nos arredores do próprio condomínio que fazem
parte de uma área de preservação permanente (APP)”. Ou seja, além da possibilidade de
estar em contato com uma natureza pensada para servir aos seus desejos de uma melhor
qualidade de vida, você pode desfrutar da raridade de uma APP e de todos os benefícios
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possíveis do contato com uma natureza “preservada”.
Na sequência um bom e velho mapa que apresenta como será internamente o
FOREST Jundiaí:
Figura.3: Implantação. Fonte: Retirado do site do empreendimento
Fonte: http://forestjundiai.com.br; consultado em 20/06/2014.
Destacamos as cores que agora ganham uma alteração importante, o entorno
do empreendimento não mais é apresentado em verde, isso para ampliar a leitura de que o
verde se encontra dentro do espaço a ser vendido e não nas possibilidades do entorno. O
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clube completo vendido em momentos anteriores pelos produtos imobiliários ganha uma
intensa composição verde e a “natureza” passa a ser uma “necessidade” fundamental para a
qualidade de vida nas cidades.
A apropriação de ideais de natureza pelos empreendimentos imobiliários e a
substituição de um projeto de emancipação coletiva pela satisfação individual
são pura ideologia. O papel da ideologia, nesta relação entre cidade e natureza,
observada nos empreendimentos imobiliários, é a negação de todas as
conquistas dos homens perante a natureza, é um retorno a uma natureza
romântica e primitiva, mas que esconde sob estas ilusões uma natureza
altamente tecnificada e acrescida de instrumentos técnicos para propiciar o
conforto na vida individual e acesso restrito, definido pela renda (HENRIQUE,
2009, p.24).
A citação de Henrique nos aproxima do próximo tópico deste texto. Este
“retorno a natureza” esta se dando de forma desigual. Ora, se estar próximo da natureza
melhora a qualidade de vida das pessoas, por que razão isso não seria um direito de todos e
um dever do Estado? Isso explica em muito o que aqui chamamos de exclusivismo verde.
Novamente trazemos as palavras de Milton Santos, já citadas acima, para fechar este tópico:
“É um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações,
indispensável à sua legitimação” (SANTOS, 1992, p. 100)
A SEGREGAÇÃO
A apropriação da natureza, uma apropriação da apreciação estética da natureza,
consistindo numa salva guarda das suas belezas como forma de agregação de
valor à uma propriedade privada, passa também pela privação de sua
componente material, separando-a dos olhares e dos usos de todos os homens,
através de cercas ou muros, instaurando definitivamente uma única forma de
apreciação e de contato com a natureza através da compra de uma propriedade
(HENRIQUE, 2009, p.84).
Quando falamos em consumir a natureza, produto imobiliário, não temos a
leitura que nos é apresentada pelo significado deste verbo3. O consumir da natureza urbana
se dá pelo descrito acima na citação retirada de Henrique em seu Livro intitulado “O direito
3
Dicionário Aurélio traz o seguinte significado para o verbo consumir: Fazer uso de alguma coisa para subsistência
própria: consumir alimentos. / Empregar, usar para funcionar: um carro que consome muita gasolina. / Gastar,
despender, extinguir.
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a Natureza nas Cidades” de 2009, ou seja, pela apreciação estética e absorção dos possíveis
benefícios de um contato com as condições ambientais trazidas pela natureza. Quando
segmentamos no espaço urbano os espaços que apresentam esta natureza, sabendo de seu
caráter tecnicizado, estamos promovendo uma espécie de segregação. Limitar o acesso aos
possíveis benefícios do contato com a natureza em razão de uma lógica imobiliária é
promover a gentrificação dos espaços.
O exclusivismo verde é um passo a frente do contato com a natureza urbana. As
cidades dispõem de praças, parques, jardins e reservas públicas, no entanto, o não público é
o diferencial na formação de valor de troca do produto imobiliário. Sobre esta situação
urbana, Pereira faz a seguinte leitura: “A cidade emergente é, cada vez mais, um lugar
privilegiado de produção de espaços exclusivos em que a apropriação do valor subordina e
concorre para a materialização da riqueza social” (PEREIRA, 2011, p.25). Ou seja, o contato
com natureza em espaços privados/exclusivos oferecem uma margem de lucro maior para o
empreendedor que além de garantir este contato, assim como no FOREST, ainda oferece
segurança 24 horas, portaria 24 horas, clube e outros serviços.
Esta lógica vem consumindo espaços nas cidades e limitando as possibilidades
de habitação das camadas que não podem pagar por estes produtos. Além disso,
observamos um esgarçamento do tecido urbano em direção a espaços passíveis de
implantação de produtos que atendam esta demanda. Obedecendo à lógica do
deslocamento rápido por vias de alta velocidade, os produtos imobiliários tem se expandido
em direção as periferias das cidades, sobretudo das grandes cidades. Voltemos ao nosso
exemplo do FOREST Jundiaí:
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Figura.4: Você perto de tudo. Inclusive da natureza.
Fonte: Retirado do site do empreendimento [http://forestjundiai.com.br] consultado em 20/06/2014.
O destaque se dá pelas informações que são fundamentais para atrair os
consumidores: “Condomínio a apenas 25 minutos da marginal”; “Você perto de tudo.
Inclusive da natureza”. Estas são informações que vão de encontro a uma leitura sobre o
posicionamento do objeto geográfico em questão. O acesso é uma questão fundante,
sobretudo em regiões de intenso povoamento e de concentração de parcelas de população
com acesso a transportes, Harvey destaca este ponto: “Produtos e recursos previamente
inacessíveis conduzidos para a rede de troca mediante novos dispositivos de transporte
podem ter efeitos notáveis sobre os valores (e sobre os preços da produção)” (HARVEY,
2013, p. 483).
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A instalação de grande avenidas e novos sistemas viários possibilitam que a
lógica de consumo da natureza como parte de produtos imobiliários avance sobre áreas
antes aquém deste processo. Setores do espaço que apresentam resquícios/reservas
florestais acabam sendo inseridos nesta lógica e, em grande parte das vezes, com a
privatização do acesso à natureza ali contida, ou seja, os condomínios fechados estão se
espalhando sobre as periferias fazendo uso dos equipamentos de deslocamento para
promoverem a possibilidade de moradia próxima a natureza preservada ainda existente. As
reservas naturais que são de domínio público acabam sendo cercadas pelo uso privado
impossibilitando o acesso do cidadão que não pode pagar pelo mesmo.
Nossas cidades em sua relação com este produto natureza vem produzindo
espaços que impossibilitam o acesso das camadas sociais de melhor poder de compra. A
natureza no espaço urbano vem ganhando conotação de exclusividade em consonância com a
alta procura pregada por uma qualidade de vida necessária ligada ao contato com o verde.
Como solucionar isso se o Estado, como já afirmamos, esta em muitas situações, sob as
ordens do mercado imobiliário? Esta é uma grande questão urbana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa natureza artificial, resultante da produção social da natureza, da ação
humana, além de ser apropriada de maneira privada, negando o caráter social
da sua produção, encontra-se “falsificada” e “descolada” das características
naturais dos lugares. No mundo contemporâneo, a natureza produzida pode se
tornar uma ficção ou uma “mentira”, sem vínculos com uma identidade
geográfica local. A natureza padronizada se encontra hoje compromissada como
uma felicidade capitalista (HENRIQUE, 2009, p.19).
Esta citação de Henrique nos coloca novamente frente a fala de Mujica citada no
início deste texto. A natureza esta a serviço da aparência de felicidade pregada pelo
mercado, mas não nos enganamos, a natureza que aqui falamos é exatamente uma
ferramenta do mercado para vender ao consumidor a ilusão da qualidade de vida. Esta
natureza nem mesmo apresenta uma “identidade geográfica”, é basicamente a combinação
de espécies exóticas que apresentam em sua estética uma aparência que prega uma
qualidade de vida e uma separação do comum.
Incorporada como parte do produto imobiliário urbano, esta natureza esta é
responsável pela nova configuração dos produtos imobiliários, numa diferenciação de
momentos anteriores onde os produtos imobiliários apresentavam outras configurações e
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composições. Nossas vão sendo produzidas e (re)produzidas sob muitas lógicas de avanço
da ocupação e a busca por uma qualidade de vida, relacionada com o contato com a
“natureza”, mas ainda garantido o acesso aos serviços através de ligações rápidas se fazem
fundamental para os sucessos dos produtos imobiliários deste segmento. A espacialidade
deste processo ganha conotações importantes para entendermos o desenvolvimento do
tecido urbano, os vetores de sua expansão e os processos associados a isso. Esta lógica
consome os espaços que lhes convêm deixando como opção para aqueles que não podem
adquiri-los a única saída de habitar espaços menos adequados para uma vida urbana de
qualidade. A ilegalidade nas ocupações urbanas são definidas sobretudo nos espaços
ocupados de forma legal, com a legitimação do Estado que esta a serviço dos interesses do
Mercado e de seus consumidores.
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Geográficos da ARGEO (Associação Rioclarense
de Geógrafos). nº.10. Rio Claro, 1984.
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COMO PROCESSO DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL E DINÂMCA DE
MERCADO
EIXO 4 – Problemas socioambientais no espaço urbano e regional
RESUMO
A análise do espaço, que se propõe a Geografia, implica numa necessidade do entendimento de
sua formação através dos tempos. A cidade, o locus da dinâmica espacial através dos tempos, é a
plena substituição do natural pelo artefato, onde a racionalidade, materializada nas ações, se
revela sobre as dinâmicas e os objetos. A cidade que, em tempos de outrora, se apresentava
como base para a reprodução do capital, hoje, é ela, um grande produto da/de reprodução do
capital. A cidade dos nossos tempos, tem de modo geral, dois grandes produtores: o Estado e o
Mercado. O primeiro, por suas atribuições legais, proporciona ao segundo, possibilidades de
realização de seu capital. Há de se marcar também que, cada espaço dentro da cidade é ponto de
sobreposição de lógicas escalares, onde se revelam níveis na busca de eficácia na geração do
lucro, no uso do meio técnico científico informacional do capital e do trabalho para reproduzir o
próprio capital. Objetivando o entendimento destes processos, neste texto nos propomos a uma
reflexão que apresente parâmetros teóricos e práticos de observação desta dinâmica e sua
espacialidade. Uma revisão conceitual e a elaboração de um arcabouço teórico se apresentam
como fundamentais para atingirmos este objetivo na busca pela compreensão de que o produto
imobiliário urbano que se alinha a esta lógica de consumo e produção do espaço que, na
atualidade, apresenta uma nova forma de incorporar exclusividade e gerar maior margem de lucro
para o capitalista, esta forma chamamos de exclusivismo verde. A “natureza” incorporada pelo
mercado imobiliário, tecnificada, é objeto técnico, produto, mercadoria. Incorporada pelo mercado
se apresenta com uma carga de intencionalidades falseadas por um discurso de meio ambiente e
qualidade de vida urbana que exalta certos aspectos em detrimento de outros, mas que no
conjunto emplaca no consumidor a necessidade de buscar no produto imobiliário uma qualidade
de vida dada pelo exclusivismo verde. Nas cidades estes produtos detêm uma espacialidade, sua
localização deve estar em consonância com a possibilidade de atender as demandas de consumo
de seus clientes e com isso atrair maior valor agregado que se resume a um retorno financeiro
mais elevado ao incorporador. A cidade de hoje proporciona esta relação. Hoje o incorporador
produz o espaço urbano e, seus produtos, são apresentações das demandas dos consumidores
que materializam um discurso falseado pela chamada “mídia do medo”, hoje, o “medo” das
consequências de uma urbanização que não representa uma qualidade de vida, do ponto de vista
do bem estar físico, representa ao mercado imobiliário a possibilidade de reprodução do seu
capital que tem a “natureza” como o carro chefe para o comércio dos espaços. Nossas cidades
lotadas nesta lógica aprofundam suas desigualdades nas possibilidades de acesso a uma
qualidade de vida dada pelo contato com a “natureza” e suas benéfices, pois, tais espaços estão
sendo tomados como exclusivos e seu acesso é cada vez mais limitado.
Palavras-chave: cidade, natureza, segregação.
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Maico Diego Machado