BIBLIOTERAPIA: UMA VIA DE MÃO DUPLA Edna Maria Rangel de Sá Gomes Resumo O presente texto se propõe discutir e divulgar os resultados do Projeto de Extensão “Leitura Além da Sala de Aula”, fundamentado na Biblioterapia. A função terapêutica da leitura admite a possibilidade de a literatura proporcionar a pacificação das emoções e do texto literário, portanto, operar no leitor e no ouvinte o efeito de placidez, já que a literatura possue a virtude de ser sedativa e curativa. O citado projeto é desenvolvido, há cinco anos, em quatro espaços: Hospital Infantil Varela Santiago; Hospital Luís Antonio (LIGA); Abrigo de idosos Juvino Barreto e Complexo Penal João Chaves, ala Feminina, todos em Natal, no Rio Grande do Norte. A primeira fase do projeto é de embasamento teórico metodológico, onde o aluno recebe treinamento para conhecer a biblioterapia e ler textos literários diversos garantindo sua atuação eficiente. A segunda é a aplicação prática do projeto nos núcleos de aplicação supra citados, com a participação de 200 alunos, distribuídos entres os núcleos. Os resultados obtidos foram satisfatórios desde o primeiro ano de atuação. Notamos uma melhora significativa na auto-estima, e na resposta imunológica, dos indivíduos inseridos no projeto, nos quatro núcleos de atuação, assim como uma significativa melhora no nível de leitura, interpretação e produção textual dos alunos envolvidos no projeto. Palavras-chave: Biblioterapia, leitura, interpretação, produção textual e humanização. BIBLIOTHÉRAPIE: UNE VOIE À DOUBLE SENS Resumé Ce travail prétend analyser et diffuser les résultats du Projet d’Extension “Lecture au-delà de la salle de cours”, qui s’appuie sur la Bibliothérapie. La fonction thérapeutique de la lecture admet comme possibilité que la littérature pacifie les émotions et le texte littéraire, donc, qu’elle opère chez le lecteur et l’auditeur un effet de placidité, étant donné que la littérature est sédative et curative. Le projet précité est mené il y a cinq ans, à quatre endroits: l’Hôpital Infantile Varela Santiago; l’Hôpital Luís Antonio (LIGA); l’Abri pour le troisième âge Juvino Barreto et le Complexe Pénitencier João Chaves, secteur féminin, tous à Natal, Rio Grande do Norte. La première phase du projet offre un fondement théorique-méthodologique, où l’étudiant reçoit une formation pour connaître la bibliothérapie et lire des textes littéraires divers, ce qui assure une intervention efficace. La deuxième phase couvre l’application pratique du projet aux centres d’application précités, avec la participation de 200 étudiants, répartis entres ces centres. Les résultats obtenus furent satisfaisants depuis la première année d’intervention. Nous avons perçu une importante amélioration de l’amour-propre et de la réponse immunologique des individus visés par le projet, aux quatre centres d’intervention, ainsi qu’une amélioration notoire du niveau de lecture, d’interprétation et de production textuelle des étudiants participants. Mots-clé: Bibliothérapie, lecture, interprétation, production textuelle et humanisation. BIBLIOTERAPIA: UMA VIA DE MÃO DUPLA 1 Contextualização Por que trabalhar com leitura e com biblioterapia em quatro grupos marginais e tão distintos como idosos, crianças e adultos com câncer e apenadas? O homem é um ser social porque aprende desde cedo a se relacionar com outros indivíduos, a viver o coletivo, a fazer parte de uma sociedade que produz e mantém uma cultura, que engloba desde mínimos rituais de convivência até aprofundados conhecimentos científicos e técnicos. Por isso, ele aprende a ler o mundo, na medida em que obtém, segundo Paulo Freire (1986), “a inteligência de mundo”. Isso significa dizer que essa aprendizagem emana de valores que resultam da associação destes a coisas e ações, bem como a idéias sobre a realidade, levando-o a pensar e a desenvolver uma posição crítica e própria acerca desses valores e dessas idéias. Nesse contexto, a leitura está intrinsecamente ligada a aprender a ler o mundo, em que, ao fazer uso de tal aprendizagem, o homem apropria-se de conhecimentos sobre a realidade e de formas de se pensar essa mesma realidade. A leitura do mundo deve, sempre que possível, possibilitar ao leitor um processo permanente de questionamento, em que este seja capaz de duvidar e, conseqüentemente, de produzir a partir de seus questionamentos. Segundo Bamberger (1995), a pesquisa sobre leitura, um dos ramos mais jovens da ciência, lançou nova perspectiva sobre o seu sentido, não só porque esta se refere às necessidades da sociedade, mas também às do indivíduo. Para este autor, o “direito de ler” significa igualmente o de desenvolver as potencialidades intelectuais e espirituais, o de aprender e progredir. Considerando o ato de ler, em si mesmo, como um processo mental de vários níveis, cuja contribuição influencia o desenvolvimento do intelecto do leitor, a finalidade deste projeto centra-se principalmente em duas situações: a) Incentivo à leitura, tanto para os grupos aos quais o projeto se destina como ao grupo de execução composto por alunos dos Cursos de Letras, Nutrição, Pedagogia, Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil e Medicina; b) Utilização da biblioterapia com os recursos privilegiados oferecidos pela leitura. De acordo com Marc-Alain Ouaknin (1996, p. 97), a tese central da biblioterapia é que o ser humano, como criação contínua e em movimento constante, "encontra suas forças no processo narrativo-interpretativo da atividade da leitura". A leitura trabalha com a interpretação – que é em si mesma uma terapia, posto que evoca a idéia de liberdade – pois permite a atribuição de vários sentidos ao texto. “O leitor rejeita o que lhe desgosta e valoriza o que lhe apraz, dando vida e movimento às palavras, numa contestação ao caminho já traçado e numa busca de novos caminhos”. A biblioterapia contempla não apenas a leitura, mas também o comentário que lhe é adicional. Assim, as palavras se seguem umas às outras – texto escrito e oralidade, o dito e o desdito, a afirmação e a negação, o fazer e o desfazer, o ler e o falar – em uma imbricação que conduz à reflexão, ao encontro das múltiplas verdades, que se configura como o abrir-se a uma outra dimensão. Para Ouaknin (1996, p. 198), "a biblioterapia é primariamente uma filosofia existencial e uma filosofia do livro", que sublinha que o homem é um "ser dotado de uma relação com o livro". Dessa forma, essa relação com o livro – a leitura – permite ao homem compreender o texto e se compreender. O leitor, ao interpretar, passa a fazer parte do texto interpretado. A interpretação é a junção da explicação objetiva do texto e da sua compreensão subjetiva. A interpretação descobre um outro mundo, o mundo do texto, com "as variações imaginativas que a literatura opera sobre o real" (OUAKNIN, 1996, p. 200). A biblioterapia, portanto, propõe práticas de leitura que proporcionem a interpretação dos textos. De acordo com Mattews; Lonsdale (1992), a biblioterapia constitui-se em uma terapia de leitura imaginativa, que compreende a identificação com uma personagem, a projeção (o leitor discerne a ligação da personagem com o seu caso), a introspecção (o leitor entende e educa suas emoções), e a catarse (a resposta emocional). Seus estudos basearam-se na tese de doutorado de Caroline Shrodes, que continua sendo o referencial teórico básico das pesquisas sobre biblioterapia. Distinguiram, entretanto, três tipos a terapia de leitura: a de crescimento (cujo objetivo é divertir e educar), a factual (cujo objetivo é informar e preparar o paciente para o tratamento hospitalar) e a imaginativa (cujo objetivo é explorar os sentimentos e tratar os problemas emocionais). Diante do exposto, fica evidente os motivos que nos levaram a pensar e executar o projeto Leitura Além da Sala de Aula, que já dura quatro anos, com quatro grupos marginais, no sentido de estarem, cada um a sua maneira, à margem da sociedade. Nosso intuito é, através da biblioterapia, proporcionar ao nosso público alvo, nos quatro núcleos de atuação, essa terapia através das leituras de crescimento, factual e imaginativa e despertá-los para a leitura, em suas diversas formas e gêneros, criando o hábito e proporcionando condições para que esta aconteça de fato e sistematicamente passando a fazer parte da vida do indivíduo. Nosso objetivo principal é atuar com a função biblioterápica da leitura e produção de texto através da exploração do texto literário com vistas à ressocialização, auto-avaliação e aumento da auto-estima das apenadas, dos idosos e das crianças e adultos com câncer, disseminando esse método terapêutico, através da capacitação de todos os indivíduos envolvidos. Além disso, objetivamos divulgar a biblioterapia como método terapêutico capaz de incrementar o estado geral do indivíduo através da leitura; trabalhar com a biblioterapia adaptando os textos à cada um dos três núcleos de atuação; contribuir para formar uma concepção de leitura a partir de diferentes abordagens; utilizar eficientemente a leitura como um instrumento de aprendizado e crítica; incentivar o público alvo do projeto no desenvolvimento de suas potencialidades de leitura, tornando-o leitor crítico; possibilitar meios para que esse leitor seja capaz de ler com prazer e de produzir textos coerentes; estimular atitudes que despertem o interesse permanente pela leitura e produção de textos de diferentes gêneros e para finalidades específicas; estimular o prazer de ler e proporcionar discussões sobre os textos lidos; desenvolver a consciência de que leitura e cidadania são uma parceria que conduz a um pensamento crítico sobre a sociedade e ensino-aprendizagem; conscientizar de que o ensino continuado é o caminho para a formação não só de profissionais competentes, mas de sujeitos saudáveis, produtivos e realizados, não importando a idade, as condições sócio-econômicas ou de saúde; sensibilizar, ressocializar e promover a autocrítica e o aumento da auto-estima, através da literatura e da biblioterapia, nas comunidades assistidas pelo projeto. O Projeto Leitura Além da Sala de Aula é desenvolvido atualmente em três espaços: No Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Infantil Varela Santiago; no Hospital Luís Antonio (LIGA), no Abrigo Juvino Barreto e no Complexo Penal João Chaves, ala Feminina e acompanha os períodos de semestres letivos da universidade. A cada semestre contamos uma nova aplicação, seguida de relatório de aproveitamento, e quase sempre com adesão de novos alunos. A primeira fase do projeto é a fase de embasamento teóricometodológico e ocorre dentro da Universidade Potiguar - UnP, com um total de 22 h/a. Nessa fase temos reuniões semanais com a participação de 200 alunos (números da última aplicação), com leitura e discussão de textos sobre biblioterapia, literatura infanto-juvenil, literatura brasileira, entre outros, curso de contação de histórias, curso de dicção e impostação de voz, entre outros. A segunda fase (aplicação prática do projeto). Acontece nos quatro núcleos de aplicação supracitados, com a participação dos 200 alunos treinados, distribuídos entre os núcleos, num total de 78h/a por semestre. Contamos com a participação de alunos dos Cursos de Letras, Arquitetura e Urbanismo, Pedagogia, Nutrição e Engenharia Civil. Temos, ainda, a participação, como voluntário, de uma aluna do Curso de Pedagogia da UFRN, e de três alunos do Curso de Medicina, da UERN, três do Curso de Medicina da UFRN e quatro de Odontologia da UFRN, que souberam do projeto por outros alunos das referidas Instituições e solicitaram permissão para participação no projeto, o que foi prontamente permitido. A cada novo semestre, iniciamos a execução do projeto fazendo uma visita prévia às instituições onde o projeto será implantado, com vistas ao reconhecimento do espaço físico, do possível número de participantes e das condições gerais de aplicação do projeto. Em seguida, fazemos um levantamento de materiais necessários, por núcleo, e planejamos cada dia de aplicação, com determinação de tarefas, e responsáveis pela aplicação destas, e do material necessário para cada encontro. Fazemos um rateio dos gastos com os alunos e providenciamos todo material necessário dividindo-o por dia de atuação. Durante o primeiro encontro, apresentamos o projeto e fazemos dinâmicas, diferenciadas por núcleo, para entrosamento dos grupos de participação e de execução. Nos encontros seguintes, trabalhamos com textos diversos, de forma oral e escrita, levando sempre o grupo a perceber a importância da leitura para a sua condição específica naquele momento e para a sua vida como um todo. Permitimos e estimulamos a discussão dos textos e a narração de experiência é geralmente rica e curativa, através da catarse, uma das facetas da biblioterapia. Terminado o semestre, retornamos à universidade para avaliação da aplicação e socialização dos resultados dos quatro grupos. Através da exposição da experiência e dos resultados de cada núcleo, construímos um relatório único que traz, como anexo, fotos, filmes, tarefas aplicadas e depoimentos do público alvo e da equipe de execução de cada núcleo. Preenchemos novas fichas de adesão para o próximo semestre e já marcamos a próxima reunião de adesão. O projeto atende em média 300 pessoas nos três grupos. Na última aplicação atendemos 54 apenadas, 80 idosos, cerca de 100 crianças do COHE (Centro de Oncologia e Hematologia) e 66 adultos da LIGA. Além disso, estimulamos a formação de mediadores de leitura através das recreadoras do hospital, das voluntárias do Asilo de idosos e das agentes carcerárias. Os 200 alunos voluntários, que executam o projeto, via de regra, se acham até mais beneficiados com o projeto do que mesmo beneficiários, no sentido de criação de uma consciência de leitura. No Hospital Infantil Varela Santiago, contamos com a participação de 100 alunos e a professora coordenadora, Edna Rangel. Como não era a primeira vez que o projeto estava sendo aplicado naquela Instituição, não tivemos dificuldades de acesso e desenvolvemos um trabalho de leitura, contação de histórias, desenhos, dramatização, músicas e muita brincadeira. Pudemos observar a alegria com que, não só as crianças, mas também os pais nos recebiam e participavam da programação de cada dia. Notamos uma melhora na auto-estima das crianças e pais, uma visível animação, principalmente das crianças menores e das que estavam em pior estado de saúde. Conversando com funcionários do hospital, descobrimos que as crianças falavam sempre no grupo, perguntavam por nós e recebemos muitos bilhetinhos carinhosos das crianças no final do projeto. Os alunos envolvidos no projeto, que no início pensavam muito mais no certificado de participação com as horas de atividades complementares, se envolveram de tal forma, não só na parte teórica (de embasamento), mas principalmente na parte prática, com o projeto, que deram belos depoimentos de como o contato com aquelas crianças os fez crescer e pensar o próprio curso com outros olhos e perspectivas. No final, era unânime a opinião de que eles tinham aprendido e recebido muito mais do que tinham ensinado e dado. Podemos afirmar que neste núcleo de atuação todos os objetivos do projeto foram alcançados com sucesso: com as crianças e com o grupo de execução do projeto, que demonstraram um evidente crescimento e amadurecimento em termos de leitura, interpretação e produção textual . No Abrigo Juvino Barreto, contamos com a participação de 25 alunos e a professora coordenadora do projeto, Edna Rangel. Era a quarta vez que aplicávamos o projeto naquela Instituição e já conhecíamos o público e éramos conhecidos, na maioria, por eles. Criamos um círculo de amizades. No segundo dia do projeto, faleceu uma senhora que tinha 106 anos, muito participativa no projeto, desde a primeira aplicação, Os idosos, e nós do projeto, ficamos muito tristes, participamos da missa junto com eles e sentimos que esse acontecimento fez com que eles participassem com menos entusiasmo, nesta etapa. Mas fizemos tudo que estava planejado, tentando animá-los um pouco. Outra senhora, que também era muito participativa e independente, havia perdido sua irmã gêmea há alguns meses e, no início do projeto, nos surpreendemos com seu estado: estava em uma cadeira de rodas, não falava e apenas nos olhava com indiferença durante nossos encontros. Sentimos que, apesar das dificuldades, conseguimos animá-los um pouco. Pudemos observar que os alunos envolvidos no projeto deixaram de reclamar de suas próprias dificuldades e passaram a “perceber” que a vida passa rápido. Como eles mesmos afirmaram, “a fila anda rápido e é preciso viver” (expressão de um dos alunos na reunião de encerramento). O trabalho é focado na contação de histórias, que se inicia pelo grupo de execução e tem continuação com os idosos contando suas experiências de vida, as brincadeiras da infância, os flertes, o namoro, as amizades, jogos e intrigas da sua época. Essa rememoração provoca uma melhoria sensível na memória imediata dos idosos, segundo relatos destes. No Complexo Penal João Chaves, ala Feminina, contamos com a participação de 24 alunos e a professora coordenadora, Edna Rangel. Apesar de ser a terceira vez que estávamos aplicando o projeto naquela Instituição, não foi fácil conseguir acesso. A diretoria do complexo havia mudado e tivemos que recorrer à Ouvidora da Secretaria de Segurança, Guiomar Veras de Oliveira, que prontamente nos atendeu fornecendo credenciais, através do Vice-diretor, Capitão Castelli, para que pudéssemos aplicar o projeto. Trabalhamos com a literatura feminina levando textos e biografias de autoras como Cecília Meireles, Gilka Machado, Florbela Espanca, Adélia Prado e as norte-riograndenses Clotilde Tavares, Diva Cunha e Marize Castro. Conseguimos, através da história de vida dessas autoras, fazer com que a maioria das apenadas passassem a ver que, por mais difíceis que fossem as suas próprias vidas, sempre haveria um jeito de dar a volta por cima e que isso só dependia delas mesmas. Conseguimos o apoio de algumas agentes, que acabaram gostando tanto do nosso trabalho, que solicitaram permissão para fazer parte do projeto no próximo semestre, desta vez como alunas voluntárias. Uma cursa Letras e a outra pedagogia na UFRN. Uma outra cursa Administração na FAL. O resultado foi satisfatório culminando com a criação de uma mini biblioteca na Instituição, para as detentas e agentes, resultado de uma campanha feita por nosso grupo, que conseguiu arrecadar cerca de 200 livros, inclusive alguns em inglês, muitas revistas e jornais. A inauguração do espaço de 2 metros quadrados, com três estantes e uma pequena mesa, foi feita no final do semestre passado, com um sarau promovido pelo grupo. As apenadas se beneficiam com o projeto através da incrementação do seu letramento, oralidade e escrita, gerando uma auto-avaliação da sua vida pregressa e das suas possibilidades reais de vida fora da prisão. O trabalho com o texto literário tem demonstrado ter um poder calmante, ressocializante e reeducador com o grupo de apenadas em que foi desenvolvido e espera-se ainda que crie perspectivas de vida e educativas e uma auto-avaliação com vistas à diminuição da reincidência criminal. No Hospital Luís Antonio (LIGA) contamos com 51 alunos e a professora coordenadora, Edna Rangel. Fomos recebidos pela assistente social, que providenciou carteirinha de identificação para complementar a nossa camiseta personalizada do projeto. Tivemos acesso a todos os leitos da enfermaria e ao isolamento. Os alunos foram divididos em grupos que passaram a ler os textos, explicando e/ou interpretando-os e tecendo comentários junto com os pacientes. A recepção por parte dos pacientes foi extraordinária. Pediam sempre que lêssemos mais um texto e perguntavam quando iríamos voltar. Notamos que sempre que iniciávamos a sessão de leitura, sempre após o horário de visitas, encontrávamos os pacientes quietos, tristes, calados, alguns até fingiam dormir, mas, logo após iniciarmos as leituras, eles se animavam, se punham a falar, a interagir com o grupo e, aqueles que estavam impossibilitados de falar, por estarem entubados ou com respiradouros, participavam através de gestos. Tivemos, nesse hospital, experiências muito gratificantes de aumento da auto estima e da retomada da esperança na vida e na cura por parte dos pacientes. Mesmo os que faleceram durante a aplicação do projeto demonstraram uma certa alegria e esperança quando estávamos lendo, contando histórias e tecendo comentários sobre os textos. Alguns sugeriam tipos e gêneros de leitura, o que era providenciado pelo grupo logo para o encontro seguinte. Tivemos, também, a participação sempre ativa dos acompanhantes que pediam leituras, davam sugestões e sempre tinham uma palavra de apoio para o grupo. Com isso, fica claro o resultado terapêutico satisfatório identificado nos quatro núcleos de atuação. A utilização da arte, baseada na prática literária, como uma terapia alternativa, de fato, conduz a um incremento no estado bio-psico-social dos grupos submetidos; e a OMS preconiza, como conceito de saúde, o bem estar nessas três vertentes. Portanto, na prática médica, essa forma terapêutica deveria ser mais bem difundida. A biblioterapia constitui-se em uma atividade interdisciplinar, podendo ser desenvolvida em parceria com a Biblioteconomia, a Literatura,a Educação, a Medicina, a Psicologia e a Enfermagem. Tal interdisciplinaridade confere-lhe um lugar de destaque no cenário dos estudos culturais e na utilização dessa prática pedagógica. É um lugar estratégico que permite buscar aliados em vários campos e um exercício de práticas aberto a críticas, contribuições e parcerias A terapia ocorre pelo próprio texto, sujeito a interpretações diferentes por pessoas diferentes. É o texto que “cura”, como já foi sugerido, inclusive, o uso do termo literapia, unindo literatura e terapia, com ênfase no literário e no ficcional. Permanece entretanto, o uso do termo tradicional, Biblioterapia Vale destacar que não é a designação o mais importante na atividade de terapia da leitura, mas, o resultado obtido. E o resultado tanto pode ser percebido junto aos pacientes, idosos e apenadas, como junto aos alunos, através do incremento na leitura, interpretação e produção de texto, tomando as ações desenvolvidas no projeto como prática pedagógica eficiente e eficaz nesse sentido. Bibliografia ALVES, Maria Helena Hess. A aplicação da biblioterapia no processo de reintegração social. R. bras. Biblioteconon. e Doc., v. 15, n.1/2 p. 54-61, jan./jun. 1982. ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. Porto Alegre: Globo, 1966. BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. São Paulo: Ática, 1995. BARKER, Maurice. Bibliothèques et lectures pour jeunes: propos sur la bibliothérapie. Documentation et bibliothèques, v. 25, n. 41, p. 213-215, déc. 1979. CALDIN, Clarice Forkamp. A poética da voz e da letra na literatura infantil: (leitura de alguns projetos de contar e ler para crianças). 2001. 261 f. 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