1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ASPECTOS RELEVANTES DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS Por: Mauro Moraes Passos Orientador Prof. Dr. William Rocha Rio de Janeiro 2009 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ASPECTOS RELEVANTES DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Ambiental. 3 AGRADECIMENTOS A Deus, aos meus amigos e parentes, pelo incentivo para a concretização deste trabalho, e aos professores que de alguma forma contribuíram, em especial, os professores Francisco Carrera e William Lima Rocha. 4 DEDICATÓRIA Dedico esta monografia à minha mãe Marina, que tanto me apoiou em todos os momentos. Também a Adriane, minha namorada. 5 RESUMO A água é de fundamental importância para o planeta, pois nela, surgiram as formas iniciais de vida, e a partir dessas, originaram-se as formas terrestres, as quais somente conseguiram sobreviver na medida em que puderam desenvolver mecanismos fisiológicos que lhes permitiram retirar água do meio e retê-la em seus próprios organismos. A evolução dos seres vivos sempre foi dependente da água. Essencial para a manutenção dos ciclos naturais, biodiversidade, produção de alimentos e a preservação da própria vida, a água vem se tornando cada vez mais um recurso estratégico para a humanidade. Para entender o processo de poluição das águas, torna-se necessário saber os diversos conceitos e definições sobre a água, tais como: a distribuição das águas no planeta, a dinâmica das águas, a função do ciclo hidrológico, os usos da água, classificação das águas em função dos diferentes usos, disponibilidade hídrica no Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos, os mananciais de abastecimento e por fim o funcionamento e manejo de bacias hidrográficas. Em relação à proteção e preservação dos recursos hídricos é importante a citação de todas as normas, constitucionais e infraconstitucionais, de proteção ambiental das águas, bem como a abordagem de dano ambiental às águas, e apuração das responsabilidades administrativa, civil e penal. Apesar da grande capacidade de autodepuração apresentada pelos rios, lagos e oceanos, com a industrialização, a situação começou a sofrer profundas alterações, pois o volume de detritos despejados nas águas aumentou consideravelmente, superando a capacidade de purificação dos 6 corpos d’água, que é limitada. Além disso, passou a ser despejada nas águas uma grande quantidade de elementos não biodegradáveis, que vão se acumulando nos rios, lagos e oceanos, diminuindo a capacidade de retenção de oxigênio das águas e prejudicando a vida aquática. A poluição das águas ocorre pela intervenção humana nos cursos d’água, através da adição de substâncias que alteram sua natureza, prejudicando os usos que deles são feitos, a saúde, a segurança e o bem estar da população. Por fim, para maior compreensão da poluição das águas se faz necessária a abordagem sobre: a qualidade da água, autodepuração dos corpos d’água, a influência do desmatamento no desequilíbrio hídrico, poluição de águas subterrâneas, processos poluidores, tipos de poluição de águas e principais causas, conseqüências da poluição das águas, técnicas de controle de poluição dos mananciais e medidas para controlar a poluição das águas. 7 METODOLOGIA Foi utilizado para esta monografia o método de pesquisa bibliográfica, através de consultas a livros, revistas, apostilas, jornais, cursos, seminários e sítios da internet. A pesquisa bibliográfica teve como objetivo obter os subsídios necessários para o embasamento e desenvolvimento do presente tema, que abordou os conceitos básicos sobre os recursos hídricos, a legislação de proteção ambiental das águas, os órgãos competentes nesta matéria, e os aspectos relevantes sobre a poluição das águas. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I A ÁGUA EM NOSSO PLANETA 11 CAPÍTULO II NORMAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DAS ÁGUAS 20 CAPÍTULO III POLUIÇÃO DAS ÁGUAS 32 CONCLUSÃO 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53 FOLHA DE AVALIAÇÃO 56 9 INTRODUÇÃO Pode-se considerar a água como um recurso estratégico para a humanidade, uma vez que é responsável pela vida no planeta Terra, promove a biodiversidade, a produção de alimentos e mantém todos os ciclos naturais. Portanto, a água tem importância para a ecologia, a sobrevivência biológica das espécies e ainda para o desenvolvimento econômico e social. As pessoas têm uma falsa idéia de que os recursos hídricos são infinitos. Embora haja muita água no planeta, menos de 3% da água do mundo é doce, da qual mais de 99% apresenta-se congelada nas regiões polares ou em rios e lagos subterrâneos, o que dificulta sua utilização pelo Homem. Devido a sua importância para a vida em nosso planeta, a água vem se tornando uma preocupação mundial. A poluição de rios, lagos, mares e oceanos e o seu uso irracional, podem ocasionar, em breve, a falta de água doce, caso não ocorra uma mudança radical na maneira com que o ser humano trata este bem natural. Desde os tempos mais remotos o homem costuma lançar seus detritos nos cursos de água. Até a Revolução Industrial, porém, esse procedimento não causava problemas, já que os rios, lagos e oceanos possuem considerável poder de autodepuração, ou seja, de purificação. Com a industrialização, a situação começou a sofrer profundas alterações, pois o volume de detritos despejados nas águas tornou-se cada vez maior, superando a capacidade de purificação dos rios e oceanos, que é limitada. Além disso, passou a ser despejada nas águas uma grande quantidade de elementos que não são biodegradáveis, ou seja, não são decompostos pela natureza, e, conseqüentemente, vão se acumulando nos rios, lagos e oceanos, diminuindo 10 a capacidade de retenção de oxigênio das águas e prejudicando a vida aquática. Além da poluição direta das águas, o desmatamento também é uma das grandes causas do desequilíbrio hídrico do planeta, pois interfere diretamente no ciclo hidrológico, que nada mais é do que um gigantesco sistema natural de purificação da água, que a recicla e purifica constantemente. A ocupação de bacias hidrográficas, com o desmatamento e a deposição de resíduos sólidos e líquidos em rios, lagos e represas, têm produzido crises na qualidade das águas e no abastecimento. As avaliações atuais sobre quantidade e qualidade das águas e sua distribuição apontam para necessidade de mudanças substanciais na direção do planejamento e gerenciamento de águas superficiais e subterrâneas. 11 CAPÍTULO I A ÁGUA EM NOSSO PLANETA 1.1 – A Importância da Água A água é fundamental para o planeta, pois nela surgiram as primeiras formas de vida, e a partir dessas, originaram-se as formas terrestres, as quais somente conseguiram sobreviver na medida em que puderam desenvolver mecanismos fisiológicos que lhes permitiram retirar água do meio e retê-la em seus próprios organismos. A evolução dos seres vivos sempre foi dependente da água. A água é essencial para a manutenção da biodiversidade e de todos os ciclos naturais, bem como para a produção de alimentos e a preservação da própria vida. 1.2 - A Distribuição das Águas no Planeta Segundo Sezerino e Bento: A água é a substância mais abundante nos sistemas vivos existentes, perfazendo 70% ou mais do peso da maioria das formas de vida. O planeta Terra possui 3/4 da superfície coberta por água, destes, 97,5% são salgadas e apenas 2,5% doce. No entanto, do percentual total da água doce existente, a maior parte encontra-se sob a forma de gelo nas calotas polares e geleiras, parte é gasosa e parte é líquida - representada pelas fontes subterrâneas e superficiais. Já os rios e lagos, que são as principais formas de abastecimento, correspondem a aproximadamente 0,3% desse percentual. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 2) 1.3 – A Dinâmica da Água 12 Desde o surgimento da vida no planeta terra (estimado em torno de 3,5 bilhões de anos atrás), modificações são constantes na biosfera. Tanto as modificações naturais como aquelas induzidas pelo homem vêm influenciando na formação e dinâmica da água no globo terrestre. Modificações naturais como as variações de temperatura e pressão promovem acúmulos de água na superfície da terra. Estas águas formadas são encontradas no estado líquido oceanos, rios, lagos e água subterrânea (hidrosfera), no estado sólido - na forma de gelo, granizo e neve (criosfera) e no estado gasoso no vapor de água contido nas massas de ar (atmosfera). Toda água existente no planeta encontra-se em constante movimento. Os processos de transporte de massa têm lugar na atmosfera, em terra e nos oceanos. O conjunto desses processos é chamado de ciclo hidrológico e a energia necessária para seu funcionamento é de origem solar. A atuação da radiação solar promove a evaporação das águas, principalmente, dos oceanos, mares, lagos e rios formando as nuvens de vapor de água que se movem sobre áreas terrestres. A precipitação desta água contida nas nuvens ocorre sobre a terra como neve, granizo e chuva. Parte dessa água oriunda da precipitação infiltra-se no solo e por percolação atinge a zona saturada do solo abaixo do nível do lençol freático. A água nessa zona flui vagarosamente através de aqüíferos para os canais dos rios ou, algumas vezes, diretamente para o mar. A água infiltrada também alimenta a vida das plantas superficiais, sendo absorvida pelas raízes dessas plantas e depois assimilada e transpirada a partir da superfície das folhas. A água que não se infiltra, escorre sobre a superfície em direção às áreas mais baixas, indo alimentar diretamente os riachos, rios, mares, oceanos e lagos. E ainda uma parcela remanescente na superfície do solo se evapora parcialmente, transformando-se em vapor d'água. 13 1.4 – Os Usos da Água Segundo Sezerino e Bento que citam Von SPERLING e MÖLLER apud BARROS et al (1995): Três grandes aspectos vinculados à água promovem diferentes usos, quais sejam: I - elemento ou componente físico da natureza: promove a manutenção da umidade do ar, da relativa estabilidade do clima na Terra e da beleza de algumas paisagens; geração de energia; meio para navegação, pesca e lazer; transporte de resíduos, despejos líquidos e sedimentos; II - ambiente para a vida aquática: promove o ambiente para a vida dos organismos aquáticos; III - fator indispensável à manutenção da vida terrestre: promove a irrigação dos solos, dessedentação de animais, abastecimento público e industrial. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 6) 1.5 – Classificação das Águas em Função dos Diferentes Usos No Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA (Resolução Nº 20 de 1986) classifica as águas doces, salinas e salobras em 9 diferentes classes estabelecidas em função de diferentes destinações, conforme segue: ÁGUAS DOCES: - Classe Especial: águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção; b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. - Classe 1: águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película; e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. 14 - Classe 2: águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (esqui aquático, natação e mergulho); d) à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas; e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. - Classe 3: águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) à dessedentação de animais. - Classe 4: águas destinadas: a) à navegação; b) à harmonia paisagística; c) aos usos menos nobres. ÁGUAS SALINAS: - Classe 5: águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. - Classe 6: águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. ÁGUAS SALOBRAS: - Classe 7: águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. - Classe 8: águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. O objetivo desta classificação é possibilitar a determinação dos usos preponderantes, adequação dos controles de poluição e criar instrumentos para avaliar a evolução da qualidade dos corpos d’água. De acordo com a Resolução a classificação do corpo d’água é dada não necessariamente com o estado atual do corpo hídrico, mas também de acordo com o nível de 15 qualidade que se pretende para o corpo hídrico a fim de atender as necessidades da população local. 1.6 – Disponibilidade Hídrica no Brasil O Brasil é dividido, segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 9 grandes bacias hidrográficas. Sezerino e Bento destacam que: A disponibilidade hídrica no Brasil é de 177.900m3/s, se for considerada somente a contribuição do território brasileiro, e de 251.000m3/s, se for levada em conta toda a vazão da Bacia Amazônica, estimada em 202.000m3/s. Esse potencial hídrico corresponde a 53% do total referente à América do Sul e a 12% do total mundial. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 4) A bacia hidrográfica é usualmente definida como a área na qual ocorre a captação de água (drenagem) para um rio principal e seus afluentes devido às suas características geográficas e topográficas. 1.7 – Política Nacional de Recursos Hídricos 1.7.1 – Objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos Segundo o art. 2º da Lei federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos: São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. 16 1.7.2 – Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos Conforme estabelecido no art. 5º da Lei nº 9.433/97: São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - os Planos de Recursos Hídricos; II - o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III - a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos; V - a compensação a municípios; VI - o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. 1.7.3 – Planos de Recursos Hídricos Planos de recursos hídricos são planos diretores, também chamados de “Plano de Bacia”, que tratam do gerenciamento dos recursos hídricos. Cada bacia hidrográfica deve ter seu plano diretor, elaborado pela Agência de Águas e aprovado pelos Comitês de Bacia, que será integrado ao plano diretor de recursos hídricos do Estado e, sem seguida, ao plano nacional. Neste plano estarão estipulados os dados a respeito da qualidade da água, usos prioritários, disponibilidade e demanda, metas de racionalização, diretrizes para cobrança pelo uso dos recursos hídricos, propostas para áreas de restrição de uso, etc. 1.8 – Funcionamento e Manejos de Bacias Hidrográficas Os principias componentes naturais das bacias hidrográficas solo, água, vegetação e fauna coexistem em permanente e dinâmica interação, respondendo às interferências naturais (intemperismo e modelagem do relevo) e àquelas de natureza antrópica, (uso e ocupação da paisagem). Assim, os cursos d'água refletem as condições dos ecossistemas de sua bacia de captação e os impactos ambientais decorrentes das ações antrópicas. 17 Um modelo de manejo sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de gerações futuras atenderem suas próprias necessidades, que segundo Braga que cita Lima (1999): No caso de uma bacia hidrográfica, isso não significa apenas a manutenção de sua integridade física, mas inclui a possibilidade de mudanças em seu estado original, desde que seja garantida a sua sustentabilidade. A saúde da bacia implica na perpetuação de seu funcionamento hidrológico (vazão, qualidade e quantidade de água), de seu potencial produtivo ao longo do tempo (manutenção da capacidade de suporte do solo) e da biodiversidade da paisagem. (BRAGA, 2001) Em relação à composição das bacias hidrográficas, de acordo com Braga que cita Souza & Fernandes (2000): As bacias hidrográficas apresentam três zonas hidrogeodinâmicas, ou seja, zona de recarga, de erosão e zona de sedimentação. As zonas de recarga, constituídas principalmente pelos topos de morros e chapadas, essas últimas com solos profundos e permeáveis e relevo suave, são fundamentais para abastecimento do lençol freático e devem ser mantidas sob vegetação nativa. As zonas de erosão são as vertentes em declives variados, onde o escoamento superficial tende a superar a infiltração, e cujos comprimentos de rampa devem ser secionados por terraços ou outras práticas de conservação de solo e água. As zonas de sedimentação são as planícies fluviais (várzeas), normalmente muito aptas ao uso agropecuário, onde se deve preservar a vegetação ciliar para contenção de sedimentos e da erosão das margens.(BRAGA, 2001) 1.9 – Mananciais de Abastecimento Mananciais são todas as fontes de água, superficiais ou subterrâneas, que podem ser usadas para o abastecimento público. Isso inclui, por exemplo, rios, lagos, represas e lençóis freáticos. Para cumprir sua função, um manancial precisa de cuidados especiais, garantidos nas chamadas leis estaduais de proteção a mananciais. Segundo Sezerino e Bento, que citam HELLER e CASSEB apud Barros et al (1995): 18 Os mananciais utilizados para abastecimento humano são divididos em três grandes grupos, quais sejam: I- manancial subterrâneo: É aquele cuja água vem do subsolo, podendo aflorar à superfície (nascentes, minas etc.), ou ser elevado à superfície através de obras de captação (poços rasos, poços profundos, galerias de infiltração). As reservas de água subterrânea provêm de dois tipos de lençol d'água ou aqüífero, conforme segue: - lençol freático: É aquele em que a água se encontra livre, com sua superfície sob a ação da pressão atmosférica. Em um poço perfurado nesse tipo de aqüífero, a água no seu interior terá o nível coincidente com o nível do lençol. A alimentação do lençol freático ocorre geralmente ao longo do próprio lençol; - lençol confinado: É aquele em que a água encontra-se confinada por camadas impermeáveis e sujeita a uma pressão maior que a pressão atmosférica. Em um poço profundo, que atinge esse lençol, a água subirá acima do nível do lençol. Poderá, às vezes, atingir a boca do poço e produzir uma descarga contínua, jorrante. A alimentação do lençol confinado verifica-se somente no contato da formação geológica com a superfície do solo, podendo ocorrer a uma distância considerável do local do poço. As condições climáticas ou o regime de chuvas, observados na área de perfuração do poço, pouco ou nada afetam as características do aqüífero. As principais vantagens da utilização das águas subterrâneas são: - potencialmente apresentam boa qualidade para o consumo humano, embora o lençol freático seja muito vulnerável à contaminação; - relativa facilidade de obtenção, embora nem sempre em quantidade suficiente; - possibilidade de localização de obras de captação nas proximidades das áreas de consumo. II- manancial superficial: É constituído pelos cursos d'água (córregos, ribeirões, rios, lagos, represas, etc.) e, como o nome indica, tem o espelho d'água na superfície do terreno; As precipitações atmosféricas, logo que atingem o solo, podem se armazenar nas depressões do terreno, nos lagos e represas, ou alimentar os cursos d'água, se transformando em escoamento superficial. Outra parcela se infiltra no solo; Os lagos e represas podem ser também artificiais, isto é, formados a partir de obras executadas em um rio ou córrego, com a finalidade de reter o volume necessário para a proteção de captações ou garantir o abastecimento em tempo de estiagem. III- água de chuvas: 19 A água de chuva pode ser utilizada como manancial abastecedor, sendo armazenada em cacimbas. As cacimbas são reservatórios, que acumulam a água de chuva captada na superfície dos telhados e prédios, ou a que escoa pelo terreno; A cacimba tem sua aplicação em áreas de grande pluviosidade, ou em casos extremos, em áreas de seca onde se procura acumular a água da época de chuva para a época de seca. (SEZERINO e BENTO, 2005, p.13) 20 CAPÍTULO II NORMAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DAS ÁGUAS 2.1 – Normas Jurídicas 2.1.1 – Constitucionais A Constituição Federal de 1988 define o domínio das águas doces e marítimas no Brasil. O artigo 20, inciso III, declara que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham. Já o inciso VI do artigo 20 estabelece como bem da União o mar territorial. Este, atualmente, atinge o limite de 12 milhas marítimas, a partir da linha de baixa-mar do litoral brasileiro, conforme estabelece a Lei nº 8.617, de 4/1/93. Segundo o artigo 26, inciso I, da Carta Magna, se incluem entre os bens do estado as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, nesse caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União. De acordo com o entendimento de Vladimir Passos de Freitas: O rio Tietê, em São Paulo, é um típico rio estadual. Os municípios não são contemplados com qualquer domínio sobre rios ou lacustres. Desde a Constituição de 1946, referidos bens estão partilhados entre a União e os estados, excluídos os municípios. Mas isso não impede que eles fiscalizem eventual infração ambiental sobre águas. Afinal, cabe-lhes zelar pelo equilíbrio ambiental (CF, art. 225) e também pertencem ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31/8/81, art. 6, inciso V). Por exemplo, a Lei n. 7.833, de 1º/12/91, do Município de Curitiba, cita 21 como assunto de interesse local (art. 3°) a preservação dos rios e determina fiscalização da Sema sobre eventuais infrações (arts.48 e 52). As Constituições Estaduais, regra geral, repetem os dizeres da Carta Federal. Assim faz, por exemplo, a Constituição do Paraná que, no artigo 8°, reproduz o art. 26, inciso I, da Carta Magna. Outras são mais minuciosas no tema, como a de São Paulo, que trata do assunto nos artigos 205 a 213. (FREITAS, 1997) 2.1.2 – Infraconstitucionais 2.1.2.1 – Código das Águas Cumpre mencionar o Código de Águas, Decreto Federal nº 24.643, de 10/7/34, com suas alterações posteriores. Conforme ensina Maria Luiza Machado Granziera: O Código de Águas dispõe sobre sua classificação e utilização, dando bastante ênfase ao aproveitamento do potencial hidráulico que, na década de 30, representava uma condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava. Contudo, a evolução da legislação ambiental no Brasil veio a demonstrar a necessidade de revisão do Código de Águas. (GRANZIERA, 1993, p. 48) Sobre o Código das Águas, Vladimir Passos de Freitas tece os seguintes comentários: Alguns dispositivos desse antigo diploma ainda estão em vigor e são relevantes. Assim, são consideradas públicas, de uso comum as águas situadas nas zonas periodicamente assoladas pelas secas (art. 5°); são particulares as nascentes e águas localizadas em terrenos particulares, salvo classificação especial (art. 8°); pertencem à União as quedas d’água localizadas em águas públicas, mesmo que o rio seja estadual (art. 147) e, em relação a poços e nascentes, são proibidas construções capazes de poluir ou inutilizar a água dos mesmos (art. 98). (FREITAS, 1997) 2.1.2.2 – Lei nº 9433/97 22 A promulgação da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentou o art. 21, inciso XIX, da Constituição Federal, que estabelece que compete a União instituir Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso. Conforme as palavras de Paulo de Bessa Antunes: A Constituição Federal de 1988, adotando uma concepção extremamente moderna, trouxe uma profunda alteração em relação às anteriores Constituições. Utilizando-se de aspectos que eram, apenas, insinuados, a Carta atual caracterizou a água como um recurso econômico de forma bastante clara e importante. Além disso, os rios foram compreendidos a partir do conceito de bacia hidrográfica e não como um elemento geográfico isolado. (ANTUNES, 1996, p. 267) Considerando a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, esclarece Vladimir Passos de Freitas: O grande objetivo da Lei nº 9.433, de 1997, foi unificar em um sistema órgãos federais, estaduais e municipais, a fim de utilizar racionalmente os recursos hídricos e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água. Ademais, reconheceu a água como bem econômico, determinando a cobrança por seu uso, devendo as quantias arrecadadas serem aplicadas prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram geradas (art. 22). Não será demais lembrar que atualmente pagamos pelos serviços de distribuição de água, porém, não pelo líquido em si. (FREITAS, 1997) 2.1.2.3 – Lei nº 6938/81 e Lei nº 4.771/65 Sobre a proteção das águas doces, ainda existem a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente (art. 2°, inciso II), a qual entende como princípio a racionalização do uso da água e o Código Florestal, Lei nº 4.771, de 15/9/65, que em seu art. 2°, alíneas a, b e 23 c protege as florestas e formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios, cursos d’ água, nascentes, lagos, lagoas ou reservatórios. 2.1.2.4 – Lei nº 9966/00 Em relação à poluição das águas marinhas, a Lei nº 9966, de 28 de abril de 2000, dispõe sobre a prevenção, o controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, sendo esta norma aplicável nas seguintes situações, segundo Elida Séguin: - Quando ausentes os pressupostos para incidência da Convenção Internacional para Prevenção da Poluição causada por Navios (MARPOL 73/1978); - às embarcações nacionais, portos organizados, instalações portuárias, dutos, plataformas e suas instalações de apoio, em caráter complementar; - às embarcações, plataformas e instalações de apoio estrangeiras, cuja bandeira arvora seja ou não de país contratante da MARPOL 73/1978, quando em águas sob jurisdição nacional; - às instalações portuárias especializadas em outras cargas que não óleo e substâncias nocivas ou perigosas, e aos estaleiros, marinas, clubes náuticos e outros locais e instalações similares. (SÉGUIN, 2002, p. 195) 2.2 - Dano Ambiental às Águas. Espécies de Responsabilidade. Está previsto no art. 225, § 3°, da Constituição Federal, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. De acordo com Vladimir Passos de Freitas: Uma só ação ofensiva pode gerar três tipos de responsabilidades, diversas e independentes. Um exemplo: determinado cidadão derrama material químico em uma lagoa cuja água é utilizada para consumo humano. Poderá sofrer uma autuação fiscal pela infração administrativa, uma ação civil pública destinada a reparar os danos causados e uma ação penal pela prática do crime poluição sob qualquer forma. (FREITAS, 1997) 24 2.2.1 - Responsabilidade Administrativa Na responsabilidade administrativa, emprega-se a teoria objetiva, ou seja, independe da intenção do agente para haver responsabilização. Excluise, então, como requisito necessário à culpabilidade para integração do tipo punível de caráter administrativo, visto que o infrator é obrigado ao dano causado ao meio ambiente, afetado por sua atividade independentemente de existência de culpa. Segundo Freitas, “ a responsabilidade administrativa está vinculada diretamente ao princípio da legalidade previsto no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal “ (FREITAS, op. cit.). Isso quer dizer que não pode existir infração administrativa ao meio ambiente sem lei prévia que defina sua conduta. Logo, comenta Freitas: Resoluções, portarias, provimentos, regulamentos autônomos não poderão servir de base ao auto de infração. Admite-se, excepcionalmente e porque está previsto na Constituição, que a lei delegada ou medida provisória (art. 59, incisos IV e V) tenham força de lei. (FREITAS, op.cit.) Nos termos do artigo 70 da Lei nº 9.605/98: “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. O art. 14 da Lei nº 6.938, de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece as sanções cabíveis àqueles que não cumpram as medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental, sem prejuízo das penalidades fixadas em leis federais, estaduais ou municipais. Diz o art. 14 desta lei o seguinte: 25 Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 2º - No caso de omissão da autoridade estadual ou municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das penalidades pecuniárias previstas neste artigo. § 3º - Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA. § 4º - Nos casos de poluição provocada pelo derramamento ou lançamento de detritos ou óleo em águas brasileiras, por embarcações e terminais marítimos ou fluviais, prevalecer o disposto na Lei nº 5.357, de 17 de novembro de 1967. A aplicação de sanções administrativas também pode encontrar esteio em normas estaduais e municipais, já que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção ao meio ambiente (CF/88, artigo 23, inc. VI e VII), havendo competência legislativaconcorrente para as questões ambientais (CF/88, artigo 24, inc. VI). A constatação e apuração das infrações ambientais serão levadas a efeito pelas autoridades referidas no parágrafo 1º do Art. 70 da Lei nº 9.605/98, que são: "... os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as 26 atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha". Normalmente, a partir da constatação do dano pelos órgãos de fiscalização ambiental, com a respectiva lavratura do Boletim de Ocorrência Ambiental e do Auto de Infração, já se inicia a apuração das responsabilidades civil e penal, pois cópias destes documentos são encaminhadas ao Ministério Público para abertura do competente inquérito civil, e cópias são remetidas, por este órgão, para a autoridade policial instaurar o pertinente procedimento. Não há previsão específica de que o resultado de eventual processo civil ou criminal venha a interferir na responsabilidade administrativa, que é independente. 2.2.2 - Responsabilidade Civil Comprovado o dano ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele advindo, contudo, não é imprescindível que seja evidenciada a prática de um ato ilícito, basta que se demonstre a existência do dano para o qual o exercício de uma atividade exerceu uma influência causal decisiva. A Lei n. 6.938, de 31/8/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, inovou introduzindo no art. 14, § 1°, a responsabilidade objetiva. Por ela o poluidor, independentemente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. A criação da Lei nº 7.347, de 24/7/75, a Lei da Ação Civil Pública, foi de grande importância para efetividade do direito material. Disciplinou-se o processamento, permitiu-se ao juiz a concessão de liminar (art. 12), a abertura de inquérito civil pelo Ministério Público (art. 8°, §1°) e a 27 possibilidade de imposição de uma multa diária pelo descumprimento da decisão judicial (art. 11). Sobre a responsabilidade civil, comenta Vladimir Passos de Freitas o seguinte: No âmbito da reparação civil, o meio ambiente passou a ser bem defendido no Brasil. Isso não foi fruto do acaso, mas sim o resultado de uma boa lei processual e da atuação firme do Ministério Público que, em pouco tempo, estruturou-se para bem atender a demanda sempre crescente de ações. O resultado é que os tribunais brasileiros vêm constantemente decidindo tal tipo de processo. Já não há revista de jurisprudência em que não existam acórdãos sobre o assunto. (FREITAS, 1997) A reparação civil do dano ambiental não deve ser confundida com a responsabilidade administrativa decorrente da mesma ação ou omissão, conforme Paulo Affonso Leme Machado observa: Vamos acentuar que a aplicação da penalidade administrativa, prevista nos incisos I, II e IV do art. 14 da Lei 6938/81, não elide a indenização ou reparação que o Poder Judiciário possa cominar, como se vê sem qualquer dúvida no parágrafo 1° do aludido art. 14 (MACHADO, 1996, p. 250). Em relação à competência judicial, para conhecer e processar ação civil pública envolvendo poluição das águas doces, salobras ou marítimas, temos que: será da Justiça Federal quando a União, suas autarquias ou empresas públicas forem autoras, rés, assistentes ou oponentes, conforme disposto no art. 109, inciso I, da Constituição Federal. Já o art. 2° da Lei da Ação Civil Pública estabelece que será competente o foro do local onde ocorrer o dano. Isso levou o Superior Tribunal de Justiça a consolidar a sua jurisprudência, através da Súmula nº 183 que diz: Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo. 28 Considerando estas regras, Vladimir Passos de Freitas, afirma que se pode concluir o seguinte: a) a ação civil pública será da competência da Justiça Federal sempre que envolva lagos, rios, quaisquer correntes de água, de propriedade da União (CF, art. 20, inciso III); a ação civil pública será da competência da Justiça Estadual sempre que envolva águas superficiais ou subterrâneas, fluentes ou emergentes, de propriedade dos estados (CF, art. 26) ou águas particulares (Código de Águas, art. 8°); c) se o local em que ocorreu o dano ambiental não for sede de Vara Federal e a ação civil pública for da competência da Justiça Federal, ela se processará na Justiça Estadual, por delegação de competência, com recurso para o Tribunal Regional Federal da respectiva Região; d) a ação civil pública por danos causados às águas marítimas, incluindo mangues e praias (CF, art. 20, incisos VI e VII), será sempre da competência da Justiça Federal, não se aplicando aí a regra de delegação de competência, em face da existência de Tratado (Superior Tribunal de Justiça, Conflito de Competência n. 3.389-4, SP, Relator Ministro Pádua Ribeiro, DJ 21/6/93, em Revista de Direito Ambiental 1, p.179). (FREITAS, 1997) 2.2.3 - Responsabilidade Penal A responsabilidade penal em crimes ambientais envolvendo águas é mínima, seja porque a legislação não auxilia, seja porque não existe no Brasil o hábito de apurar tal tipo de ocorrência. No Brasil, existem dois tipos penais sobre a matéria. O primeiro, e mais antigo, que está no art. 271 do Código Penal, estabelece que corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde é considerado Crime Contra a Saúde Pública, com previsão de pena de reclusão, de dois a cinco anos, e no caso de crime culposo, detenção de dois meses a um ano. O delito em análise busca a proteção da água potável, punindo a sua corrupção ou poluição. Para configurar crime não basta a degradação da água, sendo necessário, também, que ela se torne imprópria para o consumo ou nociva à saúde. O que a lei procura proteger é a saúde das pessoas. 29 Na década de 70, alguns julgados orientaram-se no sentido de que seria atípica a conduta de quem polui rio que já se acha poluído. Não é essa, contudo, a melhor interpretação da norma legal, pois, sabidamente, a água pode ter índices aceitáveis de poluição e ser utilizada pela população. A questão é abordada com propriedade por Júlio Fabbrini Mirabete quando diz que: Limitar a proteção penal simplesmente à água bioquimicamente potável, porém, seria o mesmo que o Estado se declarar indiferente ao envenenamento ou poluição da única água acessível às pessoas e animais. Assim, a expressão "potável" deve abranger não só a potabilidade bioquímica, mas, também, a potabilidade menos rigorosa, mas incomparavelmente mais encontradiça no Brasil, consistente em servir para beber e cozinhar, segundo a expressão popular. (MIRABETE, v. 3, p. 148) Através de acórdão o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a antiga tese de que não se configura o crime quando a água for poluída, ainda que em grau mínimo. O caso era de poluição do rio Jaguari, cujas águas servem a cidade de Americana. Uma conhecida indústria despejava o lixo nas águas do rio, a 6 km a montante das captações de água. Após inúmeras advertências e promessas não-cumpridas, chegou-se a um ponto em que uma grossa camada de matéria orgânica cobria toda a superfície no local de captação de águas e a mortandade dos peixes era assustadora. Processados criminalmente os diretores, foram absolvidos pelo juiz de Direito, que adotou a antiga tese de que não há crime se já houver qualquer tipo de poluição nas águas. A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça, sendo histórico o voto do Desembargador Marino Falcão que, dando provimento à apelação, desclassificou o crime para a forma culposa e condenou os réus. O acórdão se acha na Revista dos Tribunais, vol. 572, p. 302. O outro tipo penal que abrange a poluição de águas é o disposto no art. 15 da Lei nº 6.938, de 31/8/81, com a nova redação dada pela Lei nº 30 7.804, de 18/7/89. Todavia, seu alcance é maior do que a figura típica do Código Penal, uma vez que ele protege o meio ambiente de forma genérica e não apenas as águas. Eis a redação: Art. 15 - O poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou estiver tornando mais grave a situação de perigo existente, fica sujeito à pena de reclusão de um a três anos e multa de 100 a 1.000 MVR. §1° - A pena é aumentada até o dobro se: I - resultar: a) dano irreversível à fauna, à flora e ao meio ambiente; b) lesão corporal grave. II - a poluição é decorrente de atividade industrial ou de transporte; III - o crime é praticado durante a noite, em domingo ou feriado. §2° - Incorre no mesmo crime a autoridade competente que deixar de promover as medidas tendentes a impedir a prática das condutas acima descritas. O art. 3°, inciso IV, da Lei nº 6.938, de 1981, define como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Segundo Vladimir Passos de Freitas: O objeto jurídico é a proteção do meio ambiente. Não é prevista forma culposa, fato que constitui injustificável omissão legislativa. Além da conduta comissiva (expor a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal e tornar mais grave situação de perigo existente), prevê forma omissiva (deixar a autoridade competente de promover as medidas tendentes a impedir a prática das condutas acima descritas). Observe-se que não é necessário que ocorra dano ambiental. Tratase de crime de perigo, ou seja, a consumação se dá com o simples risco para o bem jurídico. Tais delitos dividem-se em duas espécies, perigo concreto, que deve ser comprovado, e perigo abstrato, que é presumido pela normal legal. O tipo do crime de poluição sob qualquer forma é de perigo abstrato, pois não menciona quaisquer requisitos ou situações para que seja reconhecida a sua existência. (FREITAS, 1997) Sobre este outro tipo penal mais abrangente, estão consolidadas as seguintes jurisprudências: 31 “ a) Comete o crime previsto no art. 15 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, alterado pela Lei n. 7.804, de 18 de julho de 1989, o proprietário de curtume que lança no rio matérias orgânicas putrefatas, matérias não-biodegradáveis, substâncias tóxicas, poluindo-o, criando assim, uma situação de perigo para a vida humana, animal e vegetal (TRF 1ª Região, ap. criminal n. 95.01.11586-0/OI, 3ª Turma, Rel. Juiz Tourinho Neto, j. 25/3/96, em LEX 85, p. 394). b) Merece censura penal, de acordo com o prescrito no art. 15 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, o administrador municipal que, recalcitrante às determinações legais dos órgãos competentes de orientação e fiscalização do meio ambiente, recusa-se a fazer cessar a atividade poluidora executada pelo setor de limpeza e consistente em depositar lixo sólido da cidade em local nãolicenciado e de preservação permanente (TJRS, proc. Crime n. 693.153.827, 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, j. 1/11/94). c) Resulta caracterizado o crime ecológico definido no art. 15 da Lei n. 6.938/81, com a redação emprestada pela Lei n. 7.804/89, o fato de depositar lixo doméstico da cidade a céu aberto, em local declarado por lei área especial de preservação de manancial. O crime ecológico é delito de perigo, funcionando o dano efetivo, representado pela lesão corporal grave ou pelo dano irreversível à fauna, à flora ou ao meio ambiente, como causa de especial aumento da pena (TJRS, proc. crime n. 694.122.680, 4a. Câm. Criminal, Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, j. 26/11/96).” Em relação à responsabilidade penal Vladimir Passos de Freitas afirma o seguinte: Apesar da existência de precedentes, o fato é que, no âmbito penal, ainda não se está dando à poluição das águas a importância que merece. Principalmente nos casos de poluição do mar que, além das medidas de ordem administrativa e civil, estão a merecer atenta repressão penal, a fim de que não persistam os danos à fauna ictiológica e ao ambiente marinho. (FREITAS, 1997) 32 CAPÍTULO III POLUIÇÃO DAS ÁGUAS Poluição das águas é a adição de substâncias que alteram a natureza dos cursos d’água, prejudicando os usos que deles são feitos, a saúde, a segurança e o bem estar da população. Desde os tempos mais remotos o homem costuma lançar seus detritos nos cursos de água. Até a Revolução Industrial, porém, esse procedimento não causava problemas, já que os rios, lagos e oceanos possuem considerável capacidade de auto limpeza, de purificação. Com a industrialização, a situação começou a sofrer profundas alterações, pois o volume de detritos despejados nas águas tornou-se cada vez maior, superando a capacidade de purificação dos rios e oceanos, que é limitada. Além disso, passou a ser despejada na água uma grande quantidade de elementos não biodegradáveis, quer dizer, que não são decompostos pela natureza. Tais elementos - por exemplo, os plásticos, a maioria dos detergentes e os pesticidas agrícolas - vão se acumulando nos rios, lagos e oceanos, e acabam provocando a diminuição da capacidade de retenção de oxigênio das águas e, conseqüentemente, prejudicando a vida aquática. A água empregada para resfriar equipamentos nas usinas termoelétricas e em alguns tipos de indústrias também causa sérios problemas de poluição. Essa água, que é lançada nos rios ainda quente, faz aumentar a temperatura da água dos rios e acaba provocando a eliminação de algumas espécies de peixes, a proliferação excessiva de outras e, em alguns casos, a destruição de todas, levando a um total desequilíbrio ecológico. 33 Os oceanos além de receberem boa parte dos poluentes dissolvidos nos rios, lixos dos centros industriais e urbanos localizados nas zonas litorâneas, têm como um grande fator de poluição o petróleo. Com o intenso tráfego de navios petroleiros, esse tipo de poluição alcança níveis elevadíssimos. Além dos vazamentos causados por acidente, em que milhares de toneladas de óleo são despejados na água, os navios soltam petróleo no mar rotineiramente, por ocasião de lavagem de seus reservatórios. 3.1 – Qualidade da Água A qualidade das águas está relacionada com as características físicas, químicas e biológicas necessárias à sua utilização direta ou indireta nas atividades humanas. Dessa forma, os usos da água incluem o abastecimento doméstico, o abastecimento industrial, a irrigação, a aqüicultura, a navegação, a dessedentação de animais, a preservação da flora e fauna, a geração de energia elétrica, as atividades de recreação e lazer, entre outros. Para cada uma dessas atividades, um padrão de qualidade de água é requerido, conforme estabelecido na RESOLUÇÃO CONAMA Nº 20, de 18 de junho de 1986. O controle da qualidade da água destinada a um fim específico visa, principalmente, a proteção da saúde humana. De acordo com Sezerino e Bento: São inúmeras as doenças de veiculação hídrica causadas por vírus, bactérias, fungos, protozoários e animais microscópicos (vermes). O tratamento de água contribui significativamente no controle destas enfermidades. Neste sentido, os países desenvolvidos apresentam indicadores de saúde que demonstram o controle dessas doenças por ações de saúde pública e saneamento. Porém nos países em desenvolvimento ainda persistem índices que evidenciam a baixa qualidade de infra-estrutura sanitária. (SEZERINO e BENTO, 2005, p.26) Normalmente, o controle da qualidade das águas é feito através de procedimentos técnicos, que incluem a coleta de amostras e a realização de 34 análises físico-químicas e bacteriológicas para detecção de possíveis substâncias, partículas e microrganismos que afetem o respectivo uso. Para a maioria dos tipos de usos da água existem leis que regulamentam as características que a água deve apresentar para ser utilizada e, em alguns casos, a organização mundial da saúde prescreve recomendações para determinadas finalidades, tais como o reuso na irrigação. Sobre a importância do controle de qualidade da água na proteção dos mananciais, Sezerino e Bento explicam em sua obra que: O controle da qualidade da água fornece um diagnóstico acerca das condições da água em um local específico permitindo a detecção de possíveis origens da poluição, caso esta seja percebida. No entanto, é de primordial importância, a manutenção das características da água através das ações voltadas à preservação e manutenção dos recursos hídricos na sua forma natural, tal como a conservação das matas ciliares, o tratamento dos esgotos domésticos e industriais, o uso restritivo de aditivos químicos na agricultura, entre outros. Diante disso, verifica-se que o controle de qualidade da água vincula-se, indubitavelmente, à proteção dos mananciais. (op.cit., p.26) Sezerino e Bento destacam que as alterações das características das águas decorrem, principalmente, das atividades antrópicas, tais como: - o lançamento de esgotos domésticos brutos e/ou tratados ineficientemente nos corpos d´água, infiltrados nas fossas não impermeabilizadas e sumidouros; - a infiltração de chorume nos lixões; - o desmatamento; - o rompimento de tubulações de esgotos; - acidentes com veículos transportando cargas tóxicas e lixiviações dos solos agricultáveis carreando macro e micro-poluentes. (op. cit., p. 26) Segundo o art. 4ª do Anexo da Portaria MS n º 518, de 25 de março de 2004, que estabelece a Norma de Qualidade de Água para Consumo Humano, entende-se por água potável aquela destinada ao consumo humano, cujos parâmetros microbiológicos, físicos, químicos e radioativos atendam ao padrão de potabilidade e que não ofereça riscos à saúde. A água potável dever ser isenta de substância química prejudicial à 35 saúde, adequada ao serviço doméstico, apresentar baixa agressividade e dureza, ser esteticamente agradável, ter baixa turbidez, cor sabor e odor, ausência de microrganismos e baixos teores de sólidos em suspensão, conforme os padrões estabelecidos na Resolução CONAMA Nº 20, de 18 de junho de 1986. Além dos riscos biológicos associados ao uso da água, têm-se também os riscos relacionados às substâncias ou elementos químicos que podem estar presentes. Afirmam Sezerino e Bento que: Neste contexto, destacam-se os metais pesados que se dissolvem na água, tais como o arsênio, cádmio, cromo, chumbo, mercúrio e prata (Von Sperling, 1995). Vários desses metais se concentram na cadeia alimentar, resultando num grande perigo para os organismos situados nos degraus superiores. Normalmente, as concentrações dos metais tóxicos nos ambientes aquáticos naturais são baixas. Os metais pesados são oriundos, principalmente, de despejos industriais, atividades mineradoras, atividades de garimpo e agricultura. Além dos metais pesados, há outros micropoluentes inorgânicos de importância em termos de saúde pública, tais como os cianetos e o flúor entre outros. A ingestão de metais através da água pode ser mais séria do que problemas com substâncias orgânicas, pois estes não são degradados por processos naturais. Muitos metais apresentam efeitos neurotóxicos em seres humanos. (op. cit., p. 28) As doenças causadas por agentes biológicos são, na maioria dos casos, manifestadas logo após a exposição do homem ao microrganismos, enquanto que a contaminação química é cumulativa, manifestando-se após muitos anos de exposição ao agente químico na forma de doenças degenerativas, tais como o mal de Alzeimer, vários outros problemas neurológicos e muitos tipos de cânceres. De acordo com Sezerino e Bento: Alguns materiais orgânicos são resistentes à degradação biológica, não integrando os ciclos biogeoquímicos, e acumulando-se em determinado ponto do ciclo (interrompido). Entre estes, destacam-se 36 os defensivos agrícolas, alguns tipos de detergentes (ABS, com estrutura molecular fechada) e um grande número de produtos químicos (Von Sperling, 1995). Uma grande parte destes compostos, mesmo em reduzidas concentrações, está associada a problemas de toxicidade. As principais origens desses materiais são os despejos industriais, os detergentes, o processamento e refinamento do petróleo e os defensivos agrícolas. (op. cit., p. 28) Por fim, o controle da qualidade da água, sob responsabilidade dos órgãos públicos, está previsto na Portaria n º 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde. Seu conjunto visa garantir a qualidade da água para o consumo humano, definindo padrão de potabilidade e os parâmetros que devem ser controlados, estabelecendo inclusive critérios para verificação da qualidade. 3.2 – Autodepuração dos Corpos D’ Água Todo manancial tem uma certa capacidade de depuração, ou seja, limpar as cargas poluidoras que recebe. O fenômeno da autodepuração está vinculado ao restabelecimento do equilíbrio no meio aquático, por mecanismos essencialmente naturais, após as alterações causadas pelos despejos de poluentes. Considera-se que uma água está depurada quando as suas características não mais são conflitantes com sua utilização prevista. O ecossistema atinge novamente o equilíbrio, mas em condições diferentes das anteriores, devido ao incremento da concentração de certos produtos e subprodutos. Segundo Sezerino e Bento que citam Rodrigues apud Nuvolari, 2003: Os corpos d'água superficiais, como os rios e córregos, recebem continuamente compostos orgânicos biodegradáveis e recalcitrantes (compostos não biodegradáveis ou com baixa taxa de biodegradação, criados por diferentes processos tecnológicos, tais como detergentes sintéticos, defensivos agrícolas e derivados de petróleo), resultantes, principalmente, das atividades humanas, industriais ou domésticas. No Brasil, a maior fonte de compostos orgânicos nas águas superficiais advém do lançamento dos esgotos domésticos. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 57) 37 Os compostos orgânicos quando atingem os corpos d'água sofrem a ação de diversos mecanismos físicos e bioquímicos existentes no próprio ambiente, que alteram seu comportamento e concentração. De acordo com Sezerino e Bento que citam Braga et al (2004), entre os mecanismos físicos têm destaque os seguintes: I diluição: o despejo de uma substância qualquer no meio aquático, usualmente faz com que a concentração original dessa substância sofra redução. Esse mecanismo é chamado de diluição, e é resultante do processo de mistura do despejo com a água presente no corpo d'água; II- ação hidrodinâmica: os corpos de água não são estáticos; eles apresentam um movimento próprio que transporta um poluente do seu ponto de despejo para outras regiões e, portanto, sua concentração varia no espaço e no tempo. O transporte é feito pelo campo de velocidades da água, sendo esse fenômeno denominado advecção. Quanto mais intenso for o campo de velocidades, mais rapidamente o poluente se afastará de seu ponto de despejo. A concentração de substâncias dissolvidas ou em suspensão em meios fluidos é também função de processos difusivos. Existem basicamente dois processos difusivos, quais são: difusão molecular resulta do movimento decorrente da agitação térmica das partículas existentes no meio fluido; difusão turbulenta - a existência de turbulência no escoamento da água provoca mistura mais rápida das substâncias presentes. Tal mistura ocorre a uma taxa muito mais intensa que a verificada na difusão molecular, e é um mecanismo extremamente eficiente para a diminuição da concentração de poluentes em meios fluidos; III- gravidade: a ação da gravidade pode alterar a qualidade da água por meio de sedimentação de substâncias poluidoras em suspensão que sejam mais densas que o meio aquático. Ela é utilizada em certas etapas do tratamento de águas e esgotos pelo uso de decantadores, nos quais as partículas em suspensão sedimentam para serem retiradas em seguida; IV- luz: a presença de luz é condição necessária para a existência das algas, que são a fonte básica de alimento do meio aquático. Além disso, estas algas são responsáveis pela produção de oxigênio. A luz extingue-se muito rapidamente na água em função da profundidade, limitando a ocorrência da fotossíntese apenas à camada superficial. O aumento da turbidez diminui a transparência e, portanto, a penetração de luz; V- temperatura: a temperatura altera a solubilidade dos gases e a cinética das reações químicas, fazendo com que a interação dos poluentes com o ecossistema aquático seja bastante influenciada por sua variação. (SEZERINO E BENTO, 2005, p. 58) Os mecanismos bioquímicos que agem sob os compostos orgânicos biodegradáveis em um corpo d'água, são induzidos por inúmeros organismos 38 que compõem o ecossistema aquático. Este ecossistema aquático abriga em suas cadeias alimentares seres fotossintetizantes, seres produtores - aqueles que fabricam o alimento necessário à sobrevivência dos demais organismos, os seres consumidores - os quais necessitam, direta ou indiretamente, ingerir alimentos fabricados pelos fotossintetizantes e os seres decompositores que podem ser aeróbios e/ou anaeróbios. Quando a matéria orgânica biodegradável é lançada no meio aquático, os decompositores fazem sua digestão por meio de mecanismos bioquímicos. Os seres decompositores aeróbios respiram o oxigênio dissolvido na água e passam a competir com os demais organismos. Como eles têm alimento a sua disposição (matéria orgânica para ser decomposta) e possuem requisitos de sobrevivência em termos de oxigênio, bastante baixos, ganham a competição. Com isso os peixes morrem e a população de decompositores cresce rapidamente. É dessa forma que a matéria orgânica biodegradável causa poluição. A redução dos teores de oxigênio dissolvido devido ao excesso de consumo pelos decompositores prejudica a sobrevivência dos demais seres consumidores. Sezerino e Bento que citam Braga et al (2004), destacam que a concentração de oxigênio dissolvido na água ocorre em função de diversas variáveis, entre estas: I- características do despejo: estão associadas aos fatores de consumo do oxigênio dissolvido no meio, tais como a natureza do material biodegradável envolvido, facilidade com que ele é biodegradado pelos organismos decompositores, quantidade de oxigênio necessário para a biodegradação, quantidade de poluente, vazão desejada etc; II- características do corpo d'água: estão associadas à facilidade com que as cargas poluidoras são misturadas ao meio aquático. Entre as variáveis mais importantes estão a velocidade do fluido, geometria do escoamento, intensidade de difusão turbulenta, entre outros; III-produção de oxigênio: o oxigênio dissolvido no meio aquático pode ser originado pela atividade fotossintética dos organismos autótrofos (produção endógena) ou pela reaeração (produção exógena), a qual consiste na passagem do oxigênio atmosférico para o interior do meio líquido através da interface ar-água. (op.cit., p. 59) 39 O processo de autodepuração pode ser dividido, de acordo com Sezerino e Bento que citam Braga et al (2004), em duas etapas, quais sejam: I- decomposição: a quantidade de oxigênio dissolvido na água necessária para a decomposição da matéria orgânica é chamada de Demanda Bioquímica de Oxigênio - DBO, sendo esta DBO o parâmetro que expressa indiretamente a quantidade de oxigênio que vai ser respirado pelos decompositores aeróbios para a decomposição completa da matéria orgânica lançada na água. A DBO serve, portanto, como uma forma de medição do potencial poluidor de certas substâncias biodegradáveis em relação ao consumo de oxigênio dissolvido. Quando os decompositores terminam sua tarefa, diz-se que a matéria orgânica foi estabilizada ou mineralizada, por não existirem mais compostos orgânicos biodegradáveis, mas apenas água, gás carbônico e sais minerais; II- recuperação do oxigênio dissolvido ou reaeração: existem fontes contínuas que adicionam oxigênio à água, dentre elas a própria ação da atmosfera e a fotossíntese. As trocas atmosféricas são mais intensas quanto maior for a turbulência no curso d'água. Durante a fase de decomposição, contudo, usualmente o consumo é maior do que a reposição por ambas as fontes; apenas quando cessa a decomposição e os decompositores morrem é que a concentração de oxigênio começa a aumentar novamente. Essas duas etapas ocorrem simultaneamente ao longo de todo o processo. Caso a quantidade de matéria orgânica lançada seja muito elevada, pode haver o esgotamento total do oxigênio dissolvido na água. A decomposição será então feita pelos decompositores anaeróbios, que prosseguem as reações de decomposição utilizando o deslocamento do hidrogênio para a quebra das cadeias orgânicas; como subproduto dessa decomposição haverá a formação do metano, gás sulfídrico e outros. A decomposição anaeróbia não é completa, devendo ser completada pela decomposição aeróbia quando o rio começar a apresentar teores mais elevados de oxigênio; esta decomposição anaeróbia possui desvantagens, pois produz odores desagradáveis. (op. cit., p. 59) O processo de autodepuração, segundo Sezerino e Bento que citam Rodrigues apud Nuvolari, 2003, dá-se em 5 zonas distintas: 1) zona de águas limpas: localiza-se um pouco a montante do ponto de lançamento do efluente, acima da chamada zona de mistura. Esta zona apresenta as características do ecossistema antes do lançamento do efluente. Se a montante do ponto considerado não ocorre outros lançamentos de cargas poluentes, ou se essa carga for de pequena magnitude, não alterando as condições naturais do meio, esse trecho de rio é tido como limite do seu equilíbrio natural; 2) zona de degradação ou zona de mistura: nessa zona ocorre a mistura do efluente com as águas do corpo receptor, gerando uma perturbação ou desequilíbrio do meio. Esta zona é caracterizada por elevada concentração de sólidos em suspensão, redução dos seres aeróbios sensíveis às novas condições, aumento da população de 40 bactérias aeróbias devido às condições favoráveis do meio (presença de oxigênio e matéria orgânica), déficit inicial da concentração de oxigênio dissolvido, formação de banco de lodo pela sedimentação dos sólidos; 3) zona de decomposição ativa: a zona de decomposição ativa é caracterizada pelo declínio total, ou quase que total, da população de peixes e outros seres aeróbios. Nesta zona, há também o declínio da população de seres aeróbios decompositores devido às novas condições reinantes. O meio apresenta-se com menor concentração de matéria orgânica e com maior déficit de oxigênio, ocasionado pelo lançamento, muitas vezes com concentração de oxigênio igual a zero, dando origem ao processo de decomposição anaeróbia. No trecho de decomposição anaeróbia, além da água e do gás carbônico, forma-se o gás sulfídrico, amônia, mercaptanas e outros, sendo vários destes responsáveis pela formação de maus odores; 4) zona de recuperação: na zona de recuperação inicia-se o processo de regeneração do meio às suas condições naturais. Nesta zona, o consumo de oxigênio é menor que o fluxo de entrada do mesmo, dessa forma passa a ocorrer a recuperação da concentração do oxigênio que havia sido retirado da massa líquida, principalmente, pelo processo de respiração das bactérias decompositoras. O menor consumo de oxigênio nesta zona é devido à menor concentração de matéria orgânica presente no meio, parte dessa massa já foi decomposta, parte ficou sedimentada no leito do rio e, principalmente, uma grande parte ficou em suspensão a montante da mesma; 5) zona de águas limpas: nesta zona, no que diz respeito à concentração de oxigênio dissolvido, coliformes e demanda bioquímica de oxigênio, pode-se dizer que o ecossistema volta às suas condições naturais. A população de peixes e de outros seres aeróbios mais sensíveis ao declínio de oxigênio retoma seu crescimento. Mas, dependendo da velocidade do rio, o excesso de nutrientes gerados no processo de decomposição da matéria orgânica pode ocasionar a proliferação de um número maior de algas do que nas condições iniciais, desencadeando um ecossistema um tanto quanto diferenciado das condições originais. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 60) 3.3 – A Influência do Desmatamento no Desequilíbrio Hídrico O desmatamento é uma das grandes causas do desequilíbrio hídrico do planeta, pois interfere diretamente no ciclo hidrológico, que nada mais é do que um gigantesco sistema natural de purificação da água, que a recicla e purifica constantemente. Quando a cobertura florestal original sofre intervenções, é removida e/ou substituída por pastagens ou culturas agrícolas, altera-se o 41 funcionamento hidrológico da bacia. Com o passar do tempo, ocorrem modificações nas características físicas do solo (compactação, impermeabilização, redução da porosidade e da capacidade de infiltração), com conseqüente aumento do escoamento superficial e redução da infiltração. O escoamento superficial provoca enchentes e não permite o reabastecimento do lençol freático, comprometendo a vazão básica do curso d'água no período de estiagem. Além disso, o escoamento superficial provoca erosão e perda da camada superficial fértil do solo, incluindo o transporte de partículas, nutrientes minerais, matéria orgânica, sementes, adubos e defensivos agrícolas em suspensão. Além de prejuízos à produção agropecuária, ocorrem impactos ambientais envolvendo o assoreamento dos corpos d'água, a elevação de custos para o tratamento de água e a dragagem de rios, o desequilíbrio do balanço de oxigênio dissolvido na água e a introdução de elementos químicos tóxicos, com efeitos na vida das espécies aquáticas. 3.4 – Poluição de Águas Subterrâneas No geral os depósitos de água subterrânea são bem mais resistentes aos processos poluidores dos que os de água superficial, pois a camada de solo sobrejacente atua como filtro físico e químico. Segundo Sezerino e Bento, a facilidade de um poluente atingir a água subterrânea dependerá dos seguintes fatores: - Tipo de aqüífero: os aqüíferos freáticos são mais vulneráveis do que os confinados ou semiconfinados. Aqüíferos porosos são mais resistentes dos que os fissurais; - Profundidade do nível estático (espessura da zona de aeração): como esta zona atua como um reator físico-químico, sua espessura tem papel importante. Espessuras maiores permitirão maior tempo de filtragem, além do que aumentarão o tempo de exposição do poluente aos agentes oxidantes e adsorventes presentes na zona de aeração; - Permeabilidade da zona de aeração e do aqüífero: a permeabilidade da zona de aeração é fundamental quando se pensa em poluição. 42 Uma zona de aeração impermeável ou pouco permeável é uma barreira à penetração de poluentes no aqüífero. Aqüíferos extensos podem estar parcialmente recobertos por camadas impermeáveis em algumas áreas enquanto em outras acontece o inverso. Estas áreas de maior permeabilidade atuam como zona de recarga e têm uma importância fundamental em seu gerenciamento. Por outro lado, alta permeabilidade (transmissividade) permite uma rápida difusão da poluição. O avanço da mancha poluidora poderá ser acelerado pela exploração do aqüífero, na medida que aumenta a velocidade do fluxo subterrâneo em direção às áreas onde está havendo a retirada de água. No caso de aqüíferos litorâneos, a superexploração poderá levar à ruptura do frágil equilíbrio existente entre água doce e água salgada, produzindo o que se convencionou chamar de intrusão de água salgada; - Teor de matéria orgânica existente sobre o solo: a matéria orgânica tem grande capacidade de adsorver uma gama variada de metais pesados e moléculas orgânicas. Estudos no Estado do Paraná, por exemplo, onde está muito difundida a técnica do plantio direto, têm mostrado que o aumento do teor de matéria orgânica no solo tem sido responsável por uma grande diminuição do impacto ambiental da agricultura. Têm diminuído a quantidade de nitrato e sedimentos carregados para os cursos d'água. Segundo técnicos estaduais isto tem modificado o próprio aspecto da água da represa de Itaipu; - Tipo dos óxidos e minerais de argila existentes no solo: sabe-se que estes compostos, por suas cargas químicas superficiais, têm grande capacidade de reter uma série de elementos e compostos. Na contaminação de um solo por nitrato, por exemplo, sabe-se que o manejo de fertilizantes, com adição de gesso ao solo, facilita a reciclagem do nitrogênio pelos vegetais e, conseqüentemente, a penetração do nitrato no solo é menor. Da mesma forma, a mobilidade dos íons nitratos é muito dependente do balanço de cargas. Solos com balanço positivo de cargas suportam mais nitrato. Neste particular, é de se notar que nos solos tropicais os minerais predominantes são óxidos de ferro e alumínio e caolinita, que possuem significantes cargas positivas, o que permite interação do tipo íon-íon (interação forte) com uma gama variada de produto que devem sua atividade pesticida a grupos moleculares iônicos e polares. (SEZERINO e BENTO, 2005, p. 93) Um poluente após atingir o solo, poderá passar por uma série reações químicas, bioquímicas, fotoquímicas e inter-relações físicas com os constituintes do solo antes de atingir a água subterrânea. Estas reações poderão neutralizar, modificar ou retardar a ação poluente. Em muitas situações a biotransformação e a decomposição ambiental dos compostos fitossanitários pode conduzir à formação de produtos com uma ação tóxica aguda mais intensa ou, então, possuidores de efeitos injuriosos não caracterizados nas moléculas precursoras. 43 De acordo com Sezerino e Bento: Os processos que agem sobre os poluentes que atingem o solo podem ser agrupados nas seguintes categorias: - adsorção-desorção; - ácido-base; - solução-precipitação; - oxidação-redução; - associação iônica (complexação); - síntese celular microbiana; - decaimento radioativo. (op. cit., p. 94) A poluição capaz de atingir as águas subterrâneas pode ter origem variada. Considerando que os aqüíferos são corpos tridimensionais, em geral extensos e profundos, diferentemente, portanto, dos cursos d'água, a forma da fonte poluidora tem importância fundamental nos estudos de impacto ambiental. Considerando o que dizem Sezerino e Bento, as fontes de poluição podem ser pontuais, lineares e/ou difusas, conforme segue: - Fontes pontuais de poluição: são as que atingem o aqüífero através de um ponto. Exemplos: sumidouros de esgotos domésticos, comuns em comunidades rurais, aterros sanitários, vazamentos de depósitos de produtos químicos, vazamentos de dutos transportadores de esgotos domésticos ou produtos químicos. Estas fontes são responsáveis por poluições altamente concentradas na forma de plumas; - Fontes lineares de poluição: são as provocadas pela infiltração de águas superficiais de rios e canais contaminados. A possibilidade desta poluição ocorrer dependerá do sentido de fluxo hidráulico existente entre o curso d'água e o aqüífero subjacente. É necessário enfatizar que, ao longo de um mesmo curso, há lugares onde o fluxo se dá do aqüífero para o talvegue e outros onde se passa o inverso, isto é, as águas do rio se infiltram em direção ao aqüífero. A existência de poços profundos em funcionamento nas proximidades do curso d'água poderá forçar a infiltração de água contaminada no aqüífero invertendo o seu fluxo ou aumentando sua velocidade. - Fontes difusas de poluição: são as que contaminam áreas extensas. Normalmente são devidas à poluentes transportados por correntes aéreas, chuva e pela atividade agrícola. Em aglomerados urbanos, onde não haja rede de esgotamento sanitário, as fossas sépticas e sumidouros estão regularmente espaçados de tal forma, que o conjunto acaba por ser uma fonte difusa de poluição. A poluição proveniente de fonte difusa se caracteriza por ser de baixa concentração e atingir grandes áreas. (op. cit., p. 95) 3.5 – Processos Poluidores 44 As águas dos mananciais, e de uma forma geral as demais águas, estão submetidas a diversas formas de poluição, sendo estas tanto de origens naturais ou oriundas das atividades humanas. Segundo Sezerino e Bento: Os principais processos poluidores são a contaminação, que é a introdução na água de substâncias ou microrganismos nocivos à saúde e às espécies da vida aquática (ex.: patogênicos e metais pesados); o assoreamento, que significa o acúmulo de substâncias minerais (areia, argila) ou orgânicas (lodo) no fundo de um corpo d’água, provocando a redução de sua profundidade e de seu volume útil; a eutrofização, que é a fertilização excessiva da água por recebimento de nutrientes (nitrogênio, fósforo), causando o crescimento descontrolado de algas e plantas aquáticas; e a acidificação, que está relacionada a redução do pH, como decorrência da chuva ácida (chuva com elevada concentração de íons H+, pela presença de substâncias químicas como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, amônia e dióxido de carbono), que contribui para a degradação da vegetação e da vida aquática. (op. cit., p. 17) 3.6 – Tipos de Poluição de Águas e Principais Causas • Poluições químicas com efeitos nocivos: Os poluentes são produtos tóxicos minerais (sais minerais de metais pesados, ácidos, álcalis, fenóis, hidrocarbonetos, detergentes, etc.). Este tipo de poluição é causado por todas indústrias, devido aos dejetos acidentais, e as atividades de garimpo e mineração; • Poluições químicas crônicas: Os poluentes são fenóis, hidrocarbonetos, resíduos industriais diversos, produtos fito-sanitários (inseticidas e herbicidas), detergentes sintéticos, adubos sintéticos (nitratos). Este tipo de poluição é causado por indústrias diversas (refinarias, indústrias petrolíferas, de plástico, de borracha, fábricas de gás, de carvão, de madeira, alcatrões, agricultura, usos domésticos e industriais de detergentes); • 45 Poluições biológicas: Os poluentes são detritos orgânicos, fermentáveis. Este tipo de poluição é causado por esgotos das coletividades urbanas, indústrias de celulose (serrarias, fábricas de papel), indústrias têxteis e alimentares (destilarias, fábricas de cerveja, conservas, indústrias de laticínios, indústrias de açúcar, matadouros, curtumes); • Poluições físicas - poluição radioativa: Os poluentes são resíduos radioativos das explosões nucleares, das reações nucleares controladas e radiatividade induzida. Este tipo de poluição é causado por indústrias nucleares; • Poluições mecânicas: Os poluentes são matérias sólidas inertes (lodos, argilas, escórias, etc.). Este tipo de poluição é causado por grandes estaleiros de construção, construção de estradas, indústrias de extração, lavagem de minérios, drenagens; • Poluições térmicas: Os poluentes são dejetos de água de refrigeração que elevam a temperatura dos rios. Este tipo de poluição é causado por centrais elétricas, térmicas e nucleares, refinarias. 3.7 – Conseqüências da Poluição das Águas As principais conseqüências da poluição das águas são: Impactos sobre a qualidade de vida da população; veiculação de doenças; prejuízos aos usos da água; agravamento dos problemas de escassez da água; elevação do custo do tratamento da água; desequilíbrios ecológicos e degradação da paisagem. 3.8 – Técnicas de Controle de Poluição dos Mananciais 46 As atividades a serem empregadas no controle da poluição das águas devem ser aplicadas sob toda a bacia hidrográfica, e não somente no manancial em questão, dado ao fato da dinâmica das águas, ou seja, um manancial de água está sujeito as modificações provocadas pelas atividades na bacia hidrográfica na qual está inserido. Sezerino e Bento citando Von Sperling e Möller apud Barros et al (1995), descrevem as principais técnicas passíveis de serem aplicadas no controle da poluição: I- implantação de sistemas de coleta e tratamento de esgotos sanitários e industriais; II- controle de focos de erosão; III- recuperação de rios, que objetiva o retorno de seu equilíbrio dinâmico, através da restauração de suas condições naturais (do sedimento, do escoamento, da geometria do canal, da vegetação ciliar e da biota nativa). São as seguintes as técnicas utilizadas na recuperação dos rios: - técnicas não estruturais: não requerem alterações físicas no curso d'água e incluem as políticas administrativas e legais e os procedimentos que limitam ou regulamentam alguma atividade, dentre os quais: regulação do fluxo, através de medidas de caráter administrativo e legal; controle de retirada de água dos rios; descarga seletiva de represas; disciplinamento dos usos e da ocupação do solo, através de medidas de caráter administrativo e legal; reflorestamento das margens dos rios, considerando a avaliação da área a ser reflorestada, a preparação do solo, a seleção de espécies, as técnicas utilizadas e a manutenção; - técnicas estruturais: requerem algum tipo de alteração física no corpo d'água e incluem reformas nas estruturas já existentes. São utilizadas para acelerar os processos naturais de recuperação dos rios, assim como: reconstrução de canais; represamento; descanalização; colocação de defletores, passagens e grades de peixes; revestimento das margens com gabiões; proteção do leito com rochas; construção de bacias de sedimentação; instalação de comportas. IV- recuperação de lagos e represas por processos mecânicos, químicos ou biológicos. PROCESSO MECÂNICO Aeração do hipolímio (parte inferior do lago): - consiste na injeção de ar comprimido ou oxigênio nas camadas profundas do lago, promovendo a estabilização da matéria orgânica 47 acumulada no fundo e impedindo ainda a liberação de nutrientes provenientes do sedimento; - apresenta altos custos operacionais e de aquisição de equipamentos especiais, mas é uma técnica de elevada eficiência e bastante difundida. Desestratificação: - consiste na injeção de ar comprimido ou oxigênio nas camadas profundas do lago, favorecendo a circulação de todo o corpo d'água; - utiliza equipamentos mais simples; - apresenta como inconveniente o transporte de compostos redutores até a camada superficial, provocando a fertilização do epilímio (parte superior do lago). Retirada das águas profundas: - objetiva a retirada das águas profundas e a sua substituição por águas de camadas superiores, mais ricas em oxigênio, reduzindo o acúmulo de nutrientes no hipolímio; - o volume líquido retirado, através de pressão hidrostática ou por bombeamento, pode ser utilizado na irrigação ou conduzido até uma estação de tratamento de esgotos. Adução de águas de melhor qualidade: - técnica de diluição que reduz a concentração de nutrientes no corpo d'água; - sua aplicação combate a formação de gás sulfídrico no hipolímio, evitando a mortandade de peixes. Remoção do sedimento: - são removidas as camadas superficiais do sedimento, através de dragagem, favorecendo a exposição de camadas de menor potencial poluidor; - o lodo removido, após tratamento, pode ser utilizado como condicionador de solos. Cobertura do sedimento: - medida corretiva para impedir a liberação de nutrientes das camadas profundas; - o sedimento é isolado do restante do corpo d'água por meio de cobertura com material plástico ou substâncias finamente particuladas; - método caro que apresenta dificuldades de instalação. Remoção de macrófitas aquáticas (plantas de grande porte): - as macrófitas aquáticas, cuja presença excessiva interfere nos diversos usos da água, podem ser removidas por processo natural ou mecânico. Remoção de biomassa plantônica (microscópicas): - a biomassa plantônica, que apresenta grande capacidade de armazenamento de poluentes, pode ser removida através de centrifugação ou por meio de micropeneiras. Sombreamento: - possibilita o combate ao crescimento excessivo da vegetação, por meio da limitação do recebimento da radiação solar mediante arborização das margens de pequenos cursos d'água, instalação 48 de anteparos nas margens e aplicação de material sobrenadante ou corantes leves na superfície da água. PROCESSO QUÍMICO Precipitação química do fósforo: - recomendada no caso de fontes difusas de fósforo, que tornam impraticável a remoção de nutrientes dos afluentes. Oxidação do sedimento com nitrato: - eficiente para a redução do problema da fertilização interna; - impede a diminuição excessiva da concentração de oxigênio nas camadas profundas. Aplicação de herbicidas: - combate o crescimento excessivo da vegetação; - vinculada a problema de toxicidade, sabor e odor e bioacumulação. Aplicação de cal: - utilizada para a desinfecção do sedimento e para a eliminação de algas e plantas submersas, em pequenos cursos d'água, e na neutralização da água em lagos acidificados. PROCESSOS BIOLÓGICOS Utilização de peixes que se alimentam de plantas: - reduz a comunidade vegetal, em função da atividade de peixes herbívoros. Utilização de cianófagos: - reduz a densidade de algas azuis, pelo ataque vírus específicos. Manipulação da cadeia alimentar (trófica): - reduz a comunidade fitoplanctônica, em função do incentivo ao aumento da população zooplanctônica. 3.9 – Medidas para Controlar a Poluição das Águas Além das técnicas de controle de poluição já citadas, várias outras medidas podem ser utilizadas para evitar-se a degradação das águas em geral, tais como: • Coleta e Destino Adequado do lixo: A adoção de práticas corretas de coleta e tratamento e/ou disposição final do lixo constitui medida de controle da poluição da água. Depósitos inadequados de resíduos sólidos, no solo ou diretamente em corpos d'água, podem resultar na poluição da água. Um dos problemas da disposição de 49 lixo no solo, mesmo em aterros sanitários, é a produção do chorume, líquido resultante da decomposição dos resíduos mais a água infiltrada a partir de precipitações, o qual tem alta demanda de oxigênio. Em aterros sanitários, devem ser executados drenos para o chorume, o qual deve ser tratado antes do lançamento em recursos hídricos; • Controle da utilização de fertilizantes e agrotóxicos: Deve-se evitar a utilização desses produtos químicos em áreas próximas aos recursos hídricos. As embalagens e restos dos produtos devem ser enterrados em locais afastados dos corpos d'água e os equipamentos de aplicação não devem ser lavados diretamente nos mananciais. Conforme já ressaltado, a conscientização dos usuários e dos aplicadores desses produtos é indispensável para a redução dos impactos ambientais decorrentes dos mesmos; • Disciplinamento do uso e da ocupação do solo: A qualidade da água de um manancial depende dos usos e atividades que se desenvolvem em sua bacia hidrográfica. Assim, é importante que se adotem medidas visando disciplinar o uso e a ocupação do solo na bacia, tendo como objetivo assegurar a qualidade desejada para o corpo d'água; • Reuso da Água: A reutilização de águas residuais pode ser considerada como uma medida de controle da poluição, pois, com a adoção de tal prática, evita-se o lançamento de esgotos nos corpos d'água. Essa é uma solução indicada, principalmente, para regiões onde há carência de água, por duas razões principais: garante o suprimento para outros fins, liberando os mananciais para o abastecimento humano; evita a disposição de esgotos em mananciais, os quais, muitas vezes, secam durante grande pane do ano. Mesmo tratados, os esgotos oferecem riscos ao ambiente. O 50 reuso dos mesmos, de forma controlada, pode significar a proteção de recursos hídricos; • Afastamento das Fontes de Poluição: Algumas fontes de poluição devem situar-se a distâncias adequadas de mananciais superficiais e subterrâneos, como medida preventiva de controle da poluição; • Modificações no Processamento Industrial: Uma forma de reduzir a carga poluidora de indústrias é promover alterações no processamento, de modo a diminuir a produção de despejos e eliminar ou minimizar a quantidade de poluentes. Entre essas medidas, citam-se: modificações das matérias primas, mudanças nos processos de fabricação, reaproveitamento de resíduos sólidos. reciclagem das águas; 51 CONCLUSÃO O homem sempre se utilizou dos recursos naturais para atender às suas necessidades básicas, como alimentação, vestuário, moradia, entre outras, ou como fonte de renda - exploração com fins lucrativos. Entretanto, essas atividades, na maioria das vezes, não contemplaram ações visando a conservação, ou seja, sustentabilidade dos recursos naturais, que é o que vem acontecendo com os recursos hídricos. Atividades como indústrias, exploração madeireira, abertura de fronteiras agropecuárias, estradas e áreas urbanas impactaram desordenadamente as bacias hidrográficas, de modo que hoje nos deparamos com desequilíbrios ambientais de toda sorte, como enchentes, secas e a poluição dos corpos hídricos. A preservação da vegetação florestal contribui, entre os outros fatores, para: proteção do solo contra a erosão; o amortecimento do impacto das águas das chuvas sobre o solo, regulando o escoamento das águas superficiais e a infiltração; melhoria da qualidade e quantidade e regularização do fluxo dos corpos hídricos, reduzindo as enchentes, aumentando a vazão no período de estiagem e elevando o nível do lençol freático; e ainda promove o equilíbrio do ciclo hidrológico, que tem a importante função de purificação natural das águas. Diversas medidas podem ser tomadas para minimizar os problemas da poluição das águas, tais como: a criação de leis mais rigorosas que obriguem as indústrias a tratarem seus resíduos antes de lançá-los nos rios e oceanos e penalizações mais severas para as indústrias que não estiverem de acordo com as leis; investimentos nas áreas de fiscalização dessas indústrias; ampliação da rede de saneamento básico; investimentos na construção de 52 navios mais seguros para o transporte de combustíveis; melhorias no sistema de coleta de lixo; implantação de novas estações de tratamento de esgotos; campanhas publicitárias, buscando a explicação de técnicas de saneamento para a população carente; campanhas de conscientização da população para os riscos da poluição; criação de produtos químicos mais seguros para a agricultura; e cooperação com as entidades de proteção ambiental. Para possibilitar uma gestão adequada dos recursos hídricos torna-se necessária uma maior integração entre as informações sobre o funcionamento de rios e lagos e os processos econômicos e sociais que influenciam os recursos hídricos. Além da necessidade de melhoria na gestão dos recursos hídricos, cabe a todos nós, como cidadãos, a adoção de medidas visando a preservação, economia e o uso racional da água, que além de ser um bem público, sendo dever de todos conservar e fazer bom uso, é também essencial à existência de vida no planeta. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1996. BRAGA, Francisco de Assis. Apostila de Bacias Hidrográficas: Considerações sobre Uso, Manejo, Conservação e Recuperação. FUNEDI/ Universidade Estadual de Minas Gerais. Divinópolis, MG, 2001. CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente (1986). Resolução Nº 20, de 18 de junho de 1986. Congresso Nacional. Decreto 24643. Código de Águas. Brasília - DF, 1934. Congresso Nacional. Decreto-Lei 2848. Código Penal. Brasília - DF, 1940. Congresso Nacional. Lei 4771. Brasília - DF, 1965. Congresso Nacional. Lei 6938. Brasília - DF, 1981. Congresso Nacional. Lei 7347. Brasília - DF, 1975. Congresso Nacional. Lei 7804. Brasília - DF, 1989. Congresso Nacional. Lei 9605. Brasília - DF, 1998. Congresso Nacional. Lei 9433. Política Nacional dos Recursos Hídricos. Brasília - DF, 1997. Congresso Nacional. Lei 9966. Brasília - DF, 2000. 54 Constituição da República Federativa do Brasil. Serie Legislação Brasileira, Editora Saraiva, 1988. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. FREITAS, Vladimir Passos de. Poluição de Águas. Conferência proferida no I Seminário sobre "Questões Vigentes de Direito Ambiental", promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em outubro de 1997. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito de Águas e Meio Ambiente. São Paulo: Ícone, 1993. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Malheiros,1996. MAGOSSI, Luiz Roberto. BONACELLA, Paulo Henrique. Poluição das águas. São Paulo. Moderna, 2003. MINISTÉRIO DA SAÚDE - Portaria n º 518, de 25 de março de 2004. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1996. SADDI, Carolina Yassim. Revista Jus Vigilantibus, 25 de junho de 2008. SANTOS, Valdir Andrade. Poluição Marinha: Uma Questão de Competência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental: Nossa Casa Planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 55 SEZERINO, Pablo Heleno; BENTO, Alessandra Pillizzaro. Qualidade da Água e Controle de Poluição. Apostila do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Curso de Especialização de Recursos Hídricos, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2005. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2003. www.acquaeng.com.br/pdbeari.pdf. Acqua Engenharia. Poluição de Corpos D’Água. www.crea-mg.org.br/imgs/guia_ses_i. Qualidade de Água e Controle de Poluição. www.tjrs.jus.br/institu/c_estudos/doutrina. Seminário das Águas - Tribunal de Justiça do Estado do Rio grande do Sul. 30-03, 2005. 56 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Título da Monografia: Autor: Data da entrega: Avaliado por: Conceito: