Mecânica dos Fluidos I (MEMec, MEGE e LEAN) Problemas da semana 8 3 a 11 de Novembro de 2014 Problema 1 Sobre uma rampa plana, com uma inclinação α = 30◦ relativamente à horizontal, escoa-se óleo, em regime permanente, com um caudal volúmico por unidade de largura de 1,00 × 10−3 m2 /s. A espessura δ da pelı́cula de óleo não é dada. A massa volúmica do óleo é ρ = 900 kg/m3 e a viscosidade absoluta 0,420 kg/(m s). Analise o escomento numa zona em que ele já está desenvolvido e os efeitos das paredes laterais não se fazem sentir: considere que a largura da pelı́cula de óleo é muito grande, de modo que existe uma ampla zona central em que as paredes laterais são irrelevantes. A face superior do óleo está em contacto com a atmosfera; admita que toda a atmosfera se desloca à velocidade da face superior da pelı́cula de óleo e que a atmosfera tem uma distribuição de pressão hidrostática. A massa volúmica do ar é ρar = 1,2 kg/m3 . Nota: Este problema é mais fácil de abordar num referencial associado à rampa. Figura 1: Lâmina de óleo numa rampa com um ângulo de inclinação α relativamente à horizontal. 1. Escreva a equação de transporte de massa e faça as simplificações apropriadas. Com base no resultado, calcule a componente da velocidade normal à rampa. 2. Verifique se a espessura δ da pelı́cula de óleo varia longitudinalmente. 3. Escreva a equação de transporte de quantidade de movimento, simplificando-a. Não esqueça a força gravı́tica; não introduza já as condições de fronteira. 4. Qual é a condição de fronteira adequada para a pressão? 5. Calcule a pressão na rampa, em relação à pressão na interface do óleo com a atmosfera, em dois pontos situados sobre a mesma linha ortogonal à rampa. 6. A componente longitudinal do gradiente da pressão varia, dentro da pelı́cula de óleo? 7. Obtenha a expressão para u(x,y) em função do parâmetro δ. Identifique as condições de fronteira necessárias. 8. Determine a espessura δ da pelı́cula de óleo e a velocidade máxima do óleo. Soluções: Num referencial ligado à rampa (x direcção descendente paralela à rampa, y distância à rampa), depois das simplificações, a equação de transporte de massa fica: ∂v/∂y = 0. Integrando esta equação para x constante, e aplicando a condição de impermeabilidade da rampa, obtém-se v(x,y) = 0. Como, para y = δ, a componente da velocidade segundo y é zero, a espessura da pelicula de óleo não varia. A equação de transporte de quantidade de movimento fica: ∂2u ∂p 0=− + µ 2 + ρ gx ∂x ∂y ∂p 0=− + ρ gy ∂y em que gx = g sen(α), gy = −g cos(α) e g é o módulo da aceleração gravı́tica. Como u não depende de x nem do tempo t, pode substituir-se a derivada parcial ∂ 2 /∂y 2 pela derivada total d2 /dy 2 . A condição de fronteira para a pressão é a pressão na interface com a atmosfera: p(η) = p(0) − ρar g η, em que η é uma cota vertical. O gradiente vertical dessa pressão é ∂p/∂η = −ρar g e o gradiente segundo a direcção x é ∂p/∂x = +ρar g sen(α). Integrando ∂p/∂y ortogonalmente à placa (a x constante), obtém-se: p(x,0) = p(x,δ) − ρ gy δ = p(x,δ) + ρ g cos(α) δ. Como se já viu, o gradiente longitudinal ∂p/∂x é uniforme na interface com a atmosfera; por outro lado, ∂p/∂y não varia com x. Portanto, ∂p/∂x é uniforme em toda a pelı́cula de óleo e podemos escrever dp/dx. A equação de transporte da quantidade de movimento segundo x, depois de substituir o gradiente da pressão e o valor de gx , fica: 0 = −ρar g sen(α) + µ d2 u + ρ g sen(α). dy 2 (ρ − ρar ) y2 g sen(α) + k1 y + k2 , em que k1 e k2 µ 2 são constantes de integração. As condições de fronteira adequadas são a condição de não-escorregaPrimitivando duas vezes, em ordem a y: u= mento na rampa u(y = 0) = 0 e a condição de tensão de corte nula na interface com a atmosfera τxy (y = δ) = µ (∂v/∂x+∂u/∂y) = 0. A solução é k2 = 0 e k1 = −(ρ − ρar ) g sen(α) δ/µ, donde: u(x,y) = y (ρ − ρar ) g sen(α) δ − y. µ 2 Z O caudal de óleo por unidade de largura é: q = δ = 6,48 × 10−3 m, umax = 1,00 × 10−3 m/s. δ u dy = 0 2 (ρ − ρar ) δ3 g sen(α) . Substituindo valores: µ 3 Problema 2 Considere um escoamento bidimensional em coordenadas rectangulares, monofásico, incompressı́vel e newtoniano, limitado inferiormente por uma placa plana impermeável situada sobre o eixo y = 0 e limitado superiormente por outra placa, paralela à anterior, à cota y = λ. A massa volúmica do fluido é ρ e a sua viscosidade absoluta ou dinâmica é µ. O campo de velocidade é oscilante, com frequência angular ω. Para ρ ω λ2 << µ, a componente da velocidade segundo x é aproximadamente igual a: u(x,y,t) = 4 U sen(ω t) (λ − y) y , λ2 x ∈] − ∞, + ∞[; y ∈ [0, λ]; t ≥ 0, em que U , ω e λ são constantes. Figura 2: Escoamento variável, entre duas placas planas horizontais. 1. Calcule a componente da velocidade segundo y, num ponto genérico (x,y). 2. Verifique que o campo de velocidade satifaz a condição de não-escorregamento sobre a placa inferior, situada em y = 0. Calcule a velocidade da placa superior, situada em y = λ. 3. Determine as componentes τxx , τxy e τyy do tensor da tensão viscosa num ponto genérico da placa inferior. 4. Calcule a componente longitudinal (ou seja, segundo x) do gradiente de pressão relativa à hidrostática local num ponto genérico (x,y) do escoamento. 5. Mostre que o campo de velocidade é compatı́vel com a existência de uma placa intermédia com um movimento de oscilação longitudinal, paralela à placa inferior, a uma distância λ/4 acima dela, ou seja, situada em y = λ/4. Determine a expressão do movimento dessa placa. 6. Determine a componente segundo x da força que essa placa exerce sobre o fluido que está por baixo, por unidade de comprimento e de largura. (Atenção ao sinal: pretende-se a força exercida sobre o fluido que está por baixo). 7. Calcule a energia trocada entre essa placa situada em y = λ/4 e o fluido que está por baixo, por unidade de largura e de comprimento, ao longo de um ciclo (0 ≤ t ≤ 2 π/ω). 8. Verifique se alguma das respostas anteriores seria diferente no caso de as placas não serem horizontais e o sistema de eixos x,y, alinhado com as placas, estar inclinado. 3 Soluções: Componente da velocidade segundo y: v(x,y,t) = 0. Verifica-se a condição de não-escorregamento porque o fluido tem velocidade igual à da parede. A placa superior também tem velocidade nula. As componentes da tensão viscosa sobre a placa inferior são: τx,x = τy,y = 0; τx,y = τy,x = 4 µ U sen(ω t)/λ. De acordo com a equação do movimento segundo x e as soluções anteriores para a velocidade, a componente longitudinal do gradiente de pressão relativa à hidrostática local seria, i ∂p0 4U h = 2 ρ cos(ω t) ω (y − λ) y − 2 µ sen(ω t) . ∂x λ No entanto, como o enunciado dizia, as aproximações da velocidade baseavam-se na hipótese de que ρ ω λ2 << µ, pelo que a primeira parcela do gradiente longitudinal de pressão é muito mais pequena que a outra, em média temporal. Por isso, a resposta mais consistente com as aproximações referidas é apenas: 8µU ∂p0 ≈ − 2 sen(ω t). ∂x λ É possı́vel colocar uma placa em y = λ/4 sem alterar o escoamento porque o plano y = λ/4 tem um movimento oscilatório de corpo rı́gido, cuja expressão do movimento é: u = (3/4) U sen(ω t), v = 0. A interface do fluido que está por baixo da placa situada à cota λ/4 tem uma normal exterior n = (0,1,0). A força por unidade de área exercida sobre uma superfı́cie de normal exterior unitária n é σ = −p n + T n, em que p é a pressão e T é o tensor desviador das tensões. Neste caso, dadas as componentes de n desta interface, a tensão sobre ela é: σ = σx = −p 0 + τxx 0 + τxy 1 + τxz 0 = τxy σy = −p 1 + τyx 0 + τyy 1 + τyz 0 = −p + τyx σ = −p 0 + τ 0 + τ 1 + τ 0 = τ z zx zy zz zy A pergunta não se refere à força por unidade de área, σ , mas apenas à sua componente longitudinal, que é σx = τxy = 2 µ U sen(ω t)/λ. A energia trocada entre a placa intermédia e o fluido que está por baixo, ao longo de um ciclo, por unidade de largura e de comprimento da placa, é: Z 0 2π ω Z (σ σ · v)y= λ dt = 4 0 2π ω Z (σx u)y= λ dt = 4 0 2π ω 3 µ U 2 sen(ω t)2 3 µ U2 π dt = . 2λ 2λ ω Se as placas estivessem inclinadas, nenhuma das respostas anteriores seria diferente, incluindo o valor do gradiente da pressão relativa à hidrostática local. 4 Exercı́cios de revisão de capı́tulos anteriores Problema 3 A figura 3 representa um canal de fundo horizontal e largura `. O escoamento é estacionário, bidimensional e incompressı́vel (a massa volúmica da água ρ = 103 kg/m3 ). A velocidade é sempre nula na direcção ortogonal ao plano da figura. A superfı́cie da água e a face de jusante da comporta estão em contacto com a atmosfera e têm pressão aproximadamente uniforme. Pode considerar que as linhas de corrente são aproximadamente rectilı́neas e paralelas, excepto na proximidade da comporta, e portanto a pressão da água em cada secção transversal é hidrostática, excepto na proximidade da comporta. O atrito da água com a atmosfera é desprezável, os efeitos viscosos também são desprezáveis em volta da comporta. Na secção mais a montante, de profundidade h1 , a velocidade da água é quase uniforme, com velocidade U1 , desde a superfı́cie livre até uma distância δ1 do fundo, variando linearmente até ao fundo. Mais à frente, existe um relevo de altura H, que é galgado pela água; verifica-se que a água acelera ao passar por cima desse obstáculo e a profundidade reduz-se. Numa secção a seguir, de profundidade h3 , a distribuição de velocidade é praticamente uniforme, U3 , desde a superfı́cie até à distância δ3 do fundo. A profundidade do canal a montante da comporta é h4 e o perfil de velocidade longitudinal nessa zona é u(y) = U4 (y/h4 )1/7 , em que U4 é a velocidade na superfı́cie livre. O escoamento por baixo da comporta tem uma altura h5 , ditada pela distância entre a comporta e o fundo. Verifica-se que a velocidade desse escoamento, por baixo da comporta, é praticamente uniforme. Se quiser resolver este problema numericamente, considere h1 = 2.5 m, δ1 = 0.1 m, U1 = 0.5 m/s, h3 = 2.4 m, h5 = 0.2 m, ` = 5 m. Figura 3: Canal horizontal de largura constante. 1. Determine a velocidade U2 , por cima do obstáculo de altura H, admitindo que a velocidade por cima do obstáculo é uniforme. 2. Determine a velocidade U3 , na secção de saı́da e a altura δ3 . 3. Calcule a força horizontal, por unidade de largura `, que a água exerce sobre o obstáculo de altura H. 5 Nota: A força de atrito exercida pela água sobre a superfı́cie do obstáculo é comparativamente pequena. De qualquer forma, o efeito desta força de atrito já está incluı́do indirectamente na profundidade h3 do escoamento de jusante. 4. Determine a velocidade U4 , na superfı́cie livre, supondo que h4 = h3 . 5. Determine a velocidade U5 na superfı́cie livre da secção de saı́da e verifique se o perfil de velocidade na secção 5 pode ser uniforme. 6. Calcule a força horizontal, por unidade de largura `, necessária para manter a comporta no sı́tio. 7. Determine a pressão estática absoluta da água no fundo do canal na cheia do canal, a jusante da comporta, a uma distância em que as linhas de corrente ainda se podem considerar rectilı́neas e paralelas ao fundo, como acontece na secção 3. 8. Considere que as linhas de corrente são aproximadamente radiais na parte de baixo da comporta, convergindo para um foco situado praticamente no fundo, por baixo da comporta. Nessa zona do escoamento, a distância ao foco é um raio r, como se indica na figura 3. Para simplificar, admita que o tal foco está situado exactamente no fundo do canal. Estime a pressão estática absoluta da água p(r) sobre o fundo do canal, desde r = 1,2 m até r = 0,2 m. Não precisa de simplificar a expressão mas represente-a graficamente de forma qualitativa. 9. A comporta, de 2,5 toneladas e espessura δ5 = 20 cm, possui um bisel em baixo com uma inclinação de 45◦ . Calcule a força vertical necessária para começar a levantar a comporta, a partir da posição de fechada. 10. Verifica-se que a força vertical necessária para levantar a comporta é muito maior (quase duas toneladas-força mais), quando a comporta está aberta, na situação da figura 3, do que quando ela está fechada. Porquê? Problema 4 Um pequeno fio de água de caudal Q = 2,0 × 10−2 l/s escoa-se verticalmente de uma torneira. Verifica-se que quando uma bola de pingue-pongue toca na água a atrai, desviando o fio de água como se indica na figura. Analise o escoamento como incompressı́vel e estacionário. A pressão da atmosfera que o envolve é praticamente uniforme, patm , e a superfı́cie da água que contacta com a atmosfera está a essa pressão. Por simplicidade, considere que a velocidade do jacto na secção 1, pouco acima da bola, é uniforme e só tem componente vertical v1 = −2,0 m/s (porque a água se escoa no sentido descendente). O fio de água abandona a bola na secção 2 segundo um ângulo θ em relação à vertical. Admita, por simplicidade, que a velocidade na secção 2 é igual à velocidade média nessa secção, 2,1 m/s em módulo. 1. Calcule a componente horizontal da força com que a bola atrai a água. 2. Para estimar a componente vertical da força exercida pela bola sobre a água precisa de conhecer a massa de água que rodeia a bola entre as secções 1 e 2. Determine a componente vertical dessa força, sabendo que o volume de água situado entre as secções 1 e 2 é 3×10−7 m3 . 6 Figura 4: Fio de água interceptado por uma bola de pinguepongue. 3. Faça uma estimativa do raio da bola de pinguepongue a partir da curvatura das linhas de corrente. José Maria C. S. André 7