EDUCAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DA PAISAGEM: CONTRIBUIÇÕES DA
GEOGRAFIA
Leonardo Matiazzi/UFES
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Idelvon da Silva Poubel/UFES
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PAISAGENS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO COTIDIANO
ESCOLAR
A discussão acerca do conceito de paisagem é uma prática recorrente nos
estudos da Geografia, afinal de contas o lugar onde vivemos é composto por paisagens
variadas que agregam acúmulos de tempos diferentes e desiguais (SANTOS, 2004).
Como faz Morin (1996) ao sugerir a “migração de conceitos”, podemos, a partir
da paisagem, abstrair elementos que subsidiam variadas discussões no planejamento
territorial, na apropriação e uso do solo, quer no espaço rural ou no urbano, assim como
pode esse conceito nos ajudar a pensar possibilidades de discussões em Educação
Ambiental.
Dessa forma, o trabalho que apresentamos é resultante de parte das discussões de
uma pesquisa realizada com professores/as de uma escola pública de ensino
fundamental situada no entorno do Moxuara, afloramento rochoso que é uma referência
paisagística e ambiental no município de Cariacica, região da Grande Vitória – ES, em
2008.
A pesquisa aqui relatada aponta de forma parcial, a partir de identificações e
análises das relações entre os docentes, as paisagens do entrono escolar e os estudantes,
as deficiências e as dificuldades encontradas pelos/as professores/as em relação às
praticas docentes em Educação Ambiental em uma área de paisagem atrativa que agrega
ao mesmo tempo processos de degradação e de preservação ambiental.
As paisagens são testemunhas mudas e tagarelas ao mesmo tempo, das
dinâmicas advindas das relações sociais de apropriação, ocupação, utilização e
transformação do espaço geográfico. Para tanto utilizamos como metodologia a coleta
de relatos e narrativas dos docentes de Geografia.
O trabalho aponta que é necessário um olhar mais apurado por parte dos/as
professores/as na direção do dia a dia dos estudantes, onde relações humanas,
harmônicas de desarmônicas, sociais, econômicas e ambientais são construídas, gerando
riquíssimas oportunidades, oportunidades ímpares de construção dos saberes não
somente acerca da Educação Ambiental dentro da Geografia, mas sim, saberes que se
materializam nas práticas cotidianas das relações sociais implicando em qualidade de
vida.
FALANDO DE PAISAGEM E DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Os sujeitos praticantes de cada espaço-tempo, o “[...] transformam em lugar à
medida que adquire definições e significados” (TUAN, 1983, p. 151). Esses “espaços
habitados”, como ensina Bachelard (2005, p. 62), “[...] transcendem o espaço
geométrico [...]” vivenciado, ou seja, as relações que são tecidas neles podem se
constituir em variadas leituras, com diferenciados significados.
Então, as paisagens1 que permeiam um lugar se transformam em espaço vivido,
onde as esperanças e as experiências se renovam, onde estão presente as racionalidades
do mundo, que se propagam de “[...] modo heterogêneo, isto é, deixando coexistirem
outras racionalidades, isto é, contra-racionalidades, a que, equivocadamente e do ponto
de vista da racionalidade dominante, se chamam irracionalidades” (SANTOS, 2001, p.
115), alertando, ainda, que a “[...] Razão Hegemônica é limitada, enquanto a produção
plural de ‘irracionalidades’ é ilimitada”, sendo que, somente a partir de tais
irracionalidades é possível a ampliação da consciência (SANTOS, 2001, p.115). Dessa
forma, podemos pensar na diversidade dos sujeitos que praticam os espaços-tempos das
mais variadas paisagens que vivenciam e os olhares múltiplos que trazem consigo todos
os dias num indo e vindo infinito, para estabelecer com eles diálogos recheados de
saberes, fazeres e sabores (FREIRE, 1997).
1
Consideramos a “paisagem” segundo a ótica de uma das categorias que compõem o campo de estudo da
Geografia como ciência, recorrendo à Corrêa e Rosendahl (1998), que a consideram como: i) forma
visível de nosso mundo, concebida de uma composição e uma estrutura espacial; ii) unidade, coerência e
ordem ou concepção racional do meio ambiente; e iii) a idéia de forças que modela e remodelam nosso
mundo; e que acumula tempos desiguais, de acordo com Santos (2004).
A paisagem nos leva a articular as relações entre os seres humanos e a natureza,
imbuídos de diversificados ambientes. Assim percebemos, então, a necessidade da
inserção da dimensão ambiental na educação.
Esse fato nos leva a considerar a Educação Ambiental a partir das óticas da educação e
do ambientalismo. Reflexão importante e que nos ajuda nessa empreitada é tecida por
Tristão (2004, p. 97) ao esclarecer que “a Educação Ambiental está fundada em bases
pedagógicas, por ser uma dimensão da educação, mas sua conexão com conceitos e
teorias da ciência ecológica foi, desde sua origem, seu eixo norteador, com uma forte
matriz no ambientalismo”.
No movimento cotidiano de saberes, fazeres e sabores, variados assuntos que fogem às
cartilhas escolares estão presentes nos temas debatidos e questionados no dia-dia do
campo, os quais podem ser problematizados e aplicados diretamente ao dia-a-dia dos
sujeitos. Sendo o ponto de localização das paisagens, “o Lugar é uma pausa no
movimento [...], a pausa permite que uma localidade se torne um centro de valor
reconhecido” (TUAN, 1983, p. 153), podemos entender que os sujeitos que vivenciam
as paisagens de uma área rodeada de elementos naturais – cachoeiras, rios, matas,
montes, vales – ou humanizados – prédios, áreas degradadas, estradas e avenidas,
plantios de monoculturas, etc. – assimilam os elementos presente nessas paisagens,
assim como do seu entorno, e, querendo ou não, passam a atribuir sentimentos e valores
a elas. “Existe [aí] um sentido latente difuso através da paisagem que reconhecemos em
uma evidência específica sem precisar defini-lo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.378),
ligada à forma de sentir. “Nosso corpo e nossa percepção sempre nos solicitam a
considerar como centro do mundo a paisagem que [...]” nos é oferecida. “Mas esta
paisagem não é necessariamente aquela de nossa vida. Posso ‘estar em outro lugar’
mesmo permanecendo aqui, e se me retêm longe daquilo que amo, sinto-me excêntrico
à verdadeira vida” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 384).
Devemos estar atentos que para entender como os sujeitos se relacionam com as
paisagens de um determinado lugar, podemos recorrer à análise da qualidade de vida a
partir da percepção desses sujeitos ao praticarem os lugares onde vivem. Assim, como
aponta Leff (2007, p. 148-149), entenderemos que “a qualidade de vida está
necessariamente conectada com a qualidade do ambiente e a satisfação das necessidades
básicas, com a incorporação de um conjunto de normas ambientais para alcançar um
desenvolvimento equilibrado e sustentado [...]”, devendo neste ambiente se zelar pela
“[...] conservação do potencial produtivo dos ecossistemas, a prevenção frente a
desastres naturais, a valorização e preservação da base de recursos naturais [e a]
sustentabilidade ecológica do habitat [...]”.
Em situações de deleite, prazer e satisfação em relação às paisagens do lugar
vivenciado, podemos identificar nos sujeitos os sentimentos relacionados à topofilia.
Esse termo, usado por Bachelard 2 em A poética do espaço, para descrever elementos do
dia-dia de uma casa ao fazer uma topo análise do espaço habitado, foi pego emprestado
por Tuan (1980) e nos ajuda a tentar entender o elo afetivo entre os sujeitos e os espaços
vividos, praticados, bem como as paisagens que compõem estes espaços.
Vemos em Tuan que a Topofilia compreende as maneiras como os seres humanos
respondem, sentem ou se relacionam com o meio ambiente, desde a apreciação estética
até o contato corporal. Dessa forma podemos entender que o despertar para a percepção
ambiental, pode acontecer como uma revelação repentina. As cenas simples e mesmo
as pouco atrativas de um determinado lugar podem revelar aspectos que antes passavam
despercebidos e este novo insight na realidade é, às vezes experienciado como beleza.
Na atual sociedade de risco (BECK, 1997), marcada por uma modernização reflexiva
(GIDDENS, 1997) o contato físico com o ambiente natural é cada vez mais indireto e
limitado a ocasiões especiais, haja vista a intervenção das sociedades nos ambientes
naturais e a degradação que elas vem causando a estes (DANSEREAU, 1990). Os
sujeitos, dessa forma, estão perdendo a sensibilidade em relação às paisagens que os
cercam, privando-se de um envolvimento suave, consciente e inconsciente com o
mundo físico, fato este que prevaleceu no passado, quando o ritmo de vida era mais
lento e do qual as crianças, em parte, ainda desfrutam.
2
“[...] Pretendemos examinar imagens bem simples, as imagens do espaço feliz. Nessa perspectiva,
nossas investigações mereceriam o nome de topofilia. Visam determinar o valor humano dos espaços de
posse, dos espaços defendidos contra forças adversas, dos espaços amados” (BACHELARD, 2005, p.19).
Neste cenário acreditamos que as reflexões tecidas sobre topofilia e paisagem podem
subsidiar as discussões em Educação Ambiental, ancorada, segundo Tristão (2004), em
pressupostos pedagógicos e ambientais. Numa primeira perspectiva, a paisagem, como
uma parte delimitada e visível do espaço geográfico num determinado momento de
observação, acumulante/acumuladora de tempos diferentes que foram se materializando
em
sua
composição,
sobrepondo
elementos
(naturais/culturais)
e
processos
(técnicas/relações dialéticas sociais/naturais) que nela mantém certa ordem e relação
constituintes, como ensina Santos (2004; 2005), pode fornecer elementos, exemplificar
e se tornar palco para
discussões e problematizações de práticas de Educação
Ambiental, como é o que temos vivenciado em nossas pesquisas em uma escola pública
no entorno do Moxuara, Bubu, bairro periférico no município de Cariacica - ES.
SENTIR A PAISAGEM: PERCEPÇÕES COM A VIVÊNCIA DA
APRENDIZAGEM
Após essas breves reflexões vemos que “[...] não se pode falar de paisagem a não ser a
partir de sua percepção”, dessa forma “a paisagem percebida é, portanto, também
construída e simbólica” (COLLOT, 1986, apud, BLEY, 1999, p. 125).
Os elementos naturais presentes nas paisagens, transformados pelo discurso da
racionalidade econômica em recursos naturais, compõem, juntamente com os elementos
culturais, o espaço geográfico. É a sociedade que o anima e atribui valores e funções às
formas espaciais, conferindo-lhe um conteúdo de vida. É nessa sociedade composta por
esses elementos que os sujeitos tecem suas relações, cada qual com sua peculiaridade e
função, ao que Elias (1994, p. 151) chama de habitus3, ou composição social individual
de ações compartilhadas por indivíduos. Ele, o habitus, “[...] constitui o solo de que
brotam as características pessoais mediante as quais um indivíduo difere dos outros
membros de sua sociedade” (ELIAS, 1994, p. 151).
3
Segundo Bourdieu cada grupo social, em função das condições objetivas que caracterizam sua posição
na estrutura social, constituiria um sistema específico de disposições para a ação, que seria transmitido
aos indivíduos na forma do habitus. Dessa forma o habitus em Bourdieu se caracteriza como sendo “[...]
um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas,
funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a
realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]”
(Bourdieu, 1983, p. 65, itálico nosso)
A maioria das pessoas quando estimuladas a falar ou mesmo pensar em algo referente à
paisagem normalmente a associa à natureza ou aos elementos naturais que a compõem.
Quando perguntamos a uma pessoa que vive na cidade para descrever uma paisagem do
campo, certamente essa pessoa valorizará em seu relato elementos naturais como rios,
montanhas, florestas, omitindo os elementos que caracterizam as relações sociais no
campo, como as áreas de semeadura, lavouras, carreadores de café, poços “peixeiros”,
entre outras.
Tuan (1980, p. 152) explica que “a transformação axial na visão do mundo [...] pode
ser rastreada na mudança do significado das palavras natureza [...] e paisagem [...]” ao
afirmar que ambas as palavras implicam natureza. Não podemos cair na armadinha de
atribuir à “paisagem” somente uma concepção romântica e naturalista, apesar de
considerar estas como dimensões também componentes na construção desse conceito,
assim como que aos sujeitos que a vivenciam carregam consigo; e nem tão pouco
podemos atribuir a ela um conceito fechado, pois toda e “[...] qualquer tentativa de
explicação de algo, fatalmente, irá reduzir esse algo à lógica do raciocínio daquele que
explicou [...]” (FERRAÇO, 2005, p. 15). Por esse motivo é que no processo de
observação/visualização/percepção da paisagem, o sujeito/observador/visualizador ao
praticar a ação de observar/visualizar/perceber o faz dotado de múltiplas “lentes” que
carrega ao longo de sua construção/vivência enquanto ser/sujeito. Assim, podemos
pensar que a paisagem é também um processo de construção/concepção subjetiva por
parte do sujeito que a observa, pois ele carrega em si a sua leitura de mundo, leitura essa
que pode estar em fase inicial de construção ou em constante metamorfose.
Em muitos casos podemos perceber que a compreensão do meio ambiente, enquanto
interação complexa de configurações sociais, biofísicas, políticas, filosóficas e culturais,
parece distante de grande parte dos sujeitos que vivenciam as paisagens.
Dessa forma, entendemos que as reflexões que tecemos sobre elas indicam a
possibilidade de incorporar espontaneamente questões que perfazem a totalidade da
problemática na qual estamos inseridos cotidianamente. É o que ensina Tuan (1983) ao
afirma que se faz necessário, experienciar, extrair significados e sentidos do meio em
que se vive para que se possa realmente tecer e construir saberes a fim de torná-los
conhecimentos utilizados em favor da vida, seja ela qual for, pois somos vida e estamos
ligados a um todo em uma rede complexa (MORIN, 1997).
Assim, para tecer essas reflexões, consideramos a importância da paisagem do entorno
geográfico da escola como um bom recurso estimulador e problematizador de
aprendizagens. A paisagem, vista da janela, observada num trabalho de campo,
registrada nas andanças dos alunos pelo bairro, pode propiciar não só oportunidades de
visualização real de processos, mas também como espaço real de práticas de
intervenção e de exercício de cidadania ambiental.
O nosso exemplo e referência é um ínfimo recorte espacial dentro de Cariacica, um dos
municípios que compõe a Região Metropolitana da Grande Vitória, no Espírito Santo,
como qualquer outro lugar do mundo, apresenta uma variedade de paisagens com
características ambientais distintas. No caso deste município, mesmo contendo uma das
maiores aglomerações urbanas em terra capixaba, alternam-se áreas urbanas e rurais;
áreas em estágio de degradação ambiental avançado, decorrente do processo de
ocupação atual e áreas em estágio de recuperação, também avançada, devido à criação
de parques e de áreas de preservação ambiental, como o Parque do Moxuara4, entre
outros.
Essa variedade de tipos de paisagens disponíveis para os estudantes, em suas
movimentações pelo bairro, convida a analisar quais são as condutas e os procedimentos
destes em relação ao seu lugar de residência. Outra questão que também nos provoca, e
que somos tentados pesquisar consiste no desejo de entender/verificar/analisar como
professores/as de escolas inseridas nessas áreas têm adotado ações a partir do viés da
Educação Ambiental como processo de suas próprias práticas contribuindo assim para a
formação de seus estudantes.
Nas escolas localizadas no entorno do Moxuara, devido às peculiaridades já citadas, os
sujeitos que praticam esses espaçostempos convivem com diversas situações do
cotidiano referentes a exemplos de preservação e degradação ambientais. Logo, essas
4
Afloramento rochoso de relevante atrativo turístico para Cariacica, município que compõe a Região
Metropolitana da Grande Vitória no Espírito Santo, e que recentemente se tornou uma área de interesse
ecológico, transformado em Parque Municipal.
escolas se tornam importantes lócus para pesquisas e desenvolvimento de projetos que
podem, e devem abarcar os diversos saberes geográficos, entre outros, preconizados nos
temas transversais, preconizados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997).
Porém, ao conversarmos com vários docentes, professores/as pesquisados/as, em sua
maioria (57%) (POUBEL, 2007), relataram encontrar grandes dificuldades em se
trabalhar noções e os conceitos ligados à Educação Ambiental devido à falta de
materiais didáticos, áudios-visuais, etc.
Como afirma Schön (1992), a postura do/a professor/a reflexivo será de não se
acomodar com a situação que é imposta aos/as educadores/as, e que estes/as devem
constantemente estar refletindo sobre suas práticas pedagógicas, buscando alternativas
viáveis que promovam o ensino/aprendigem/produção de conhecimento, mesmo
enfrentando as adversidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho aponta que é necessário um olhar mais apurado por parte dos/as
professores/as na direção do dia a dia dos/as alunos/as, onde relações humanas,
harmônicas de desarmônicas, sociais, econômicas e ambientais são construídas, gerando
riquíssimas oportunidades, oportunidades ímpares de construção dos saberes não
somente acerca da Educação Ambiental, mas sim, saberes acerca da vida.
Concomitante a isso, também se faz necessário lembrar da responsabilidade e da parcela
de comprometimento que compete aos governantes, gestores do poder público, em
assumir mais efetivamente seu papel na promoção da valorização da educação como um
todo, trazendo resultados palpáveis e empíricos de melhorias no quadro educacional em
âmbitos municipal, estadual e federal.
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