A Formação Ético-Política do Profissional da Educação: reflexões
quanto ao componente curricular de Ética no curso de Pedagogia
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Francini Carla Grzeca i
Resumo: Este texto tem a pretensão de trazer ao debate educacional o tema da ética na
perspectiva da complexidade tendo como referencial a obra de Edgar Morin. Neste trabalho
buscou-se, através da reflexão da prática social de estágio de docência na graduação, realizado
no componente curricular de Ética do Profissional em Educação do curso de Pedagogia da
Unijuí, discutir a formação ética do profissional da educação. Bem como, repensar a ética
necessária à eminência da comunidade planetária e em especial, a ética como exigência para a
educação. As análises reflexivas e teóricas indicam que o estudo da ética torna-se na
atualidade pertinente em todos os níveis da educação, podendo ser considerado um conteúdo
transversal do currículo escolar.
Palavras-chave: Ética. Prática social. Complexidade. Educação. Comunidade planetária.
LA FORMACIÓN ÉTICO-POLÍTICA DEL PROFESIONAL DE LA EDUCACION:
reflexiones acerca del componente del plan de estudios del Ética en el curso de
Pedagogia
Abstract: El texto tiene la pretension de hacer una discusión acerca del tema de la ética en la
educacion con la perspectiva de la complejidad, tiendo como referencial Edgar Morin. En
este trabajo se buscó realizar una reflexión de la práctica social, del período del entrenamiento
del docência en la graduación, en el componente del plan de estudios del ética del profesional
en la educación del curso de Pedagogia de la Unijuí, para discutir la formación ética del
profesional de la educación. Así como, repensar la ética necesario a la eminencia de la
comunidad planetaria y tambien, la ética como requisito para la educación. Los reflexivas y
los análisis teóricos indican que el estudio de la ética es pertinente en todos los niveles de la
educación y se puede considerar un contenido transversal del referente a curriculum de la
escuela.
Palabras-clave: Ética. Práctica social. Complejidad. Educacion. Comunidad planetária.
Considerações iniciais
A prática social posta em análise e reflexão neste momento é a ação/interação de
observação e intervenção junto ao componente curricular de Ética do Profissional em
Educação, do curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUÍ. A realização desta prática ocorre por exigência do componente
curricular Estágio de Docência na Graduação, oferecido pelo Programa de Mestrado em
Educação nas Ciências da UNIJUÍ, obrigatório para os mestrandos com bolsa de estudos,
Capes e/ou CNPq. Esta prática social, sobretudo, configura-se em oportunidade de estudo,
resignificação e aprendizagem em docência no ensino superior.
O componente curricular de Ética do Profissional em Educação foi instituído no
programa do curso de Pedagogia da UNIJUÍ a partir da Resolução do Conselho Nacional de
Educação (CNE), nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos de Graduação em Pedagogia. No Artigo 5º desta Resolução fica evidente a
relevância posta na dimensão ética da educação, tanto no exercício da profissão quanto na
formação de professores, quando especifica que “O egresso do curso de Pedagogia deverá
estar apto a: I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade
justa, equânime, igualitária”. Posto que além da competência conceitual e pedagógica, o
estudante de Pedagogia, quando no exercício da sua profissão, necessita realizá-la em
consonância com os fundamentos e princípios éticos relevantes à sociedade.
Para o Projeto Político e Pedagógico do curso de Pedagogia da instituição em questão,
a ciência da Pedagogia é um campo do saber que se ocupa da formação humana e de modo
específico da formação escolar. Promovendo assim, além da formação do acadêmico na
multidimensionalidade do humano, o estudo das dimensões filosóficas, éticas e
antropológicas da educação. Nessa perspectiva o componente curricular de Ética do
Profissional em Educação visa a atender a demanda da formação ética do acadêmico, acerca
da consciência do comprometimento ético-político do profissional da educação na sua prática
educativa e nas demais atividades humanas.
Deste modo, a intencionalidade desta prática social é justamente, refletir sobre a
pertinência de um componente curricular, no curso de graduação em Pedagogia, que se ocupe
do estudo da ética. Tendo em vista, que no currículo anterior do Curso de Pedagogia a
discussão quanto à ética e educação perpassava outros componentes curriculares, mas não
chegava a constituir-se em objeto de estudo e reflexão. Bem como, considerar-se-á nesta
reflexão a exigência deste tema posto nos documentos normativos do ensino superior. E a
exigência ética encontrada no referencial teórico da complexidade, em Edgar Morin (2001, p.
114), que nos coloca como necessidade da educação a emergência de uma consciência ética
planetária.
Para a realização desta prática social fez-se o acompanhamento das aulas do
componente curricular já explicitado, durante os meses de maio e junho de 2009. Este
componente é oferecido no currículo de Pedagogia da UNIJUÍ com a carga horária de trinta e
duas horas, divididas em nove encontros presenciais. Para maior aproximação com a prática
social observada, bem como, para maior compreensão do objetivo proposto a este estudo,
acompanhou-se todos os encontros deste componente curricular, completando assim, trinta e
duas horas de estágio, sendo que vinte e seis horas foram de observação e oito horas de
intervenção.
No contato prévio com o professor deste componente curricular foram definidos além
dos objetivos, do conteúdo e da avaliação a dinâmica da realização do componente e da
intervenção da prática social em questão. Considerando os nove encontros deste componente
e o conteúdo programático, o plano de aula ficou definido e organizado em cinco aulas
ministradas pelo professor do componente, duas aulas disponibilizadas a realização da
intervenção pedagógica pela estagiária e duas aulas destinadas à comunicação de trabalhos
produzidos pelas acadêmicas. Nas primeiras aulas deste componente curricular buscou-se a
confrontação das práticas cotidianas e pedagógicas das acadêmicas com os fundamentos e
valores da tradição ético-filosófica ocidental. Refletindo assim, sobre os valores que orientam
e justificam as práticas pedagógicas e as decisões de conduta nas demais atividades humanas.
A discussão quanto ao tema da ética empregado no componente curricular foi
referendado teoricamente nos filósofos clássicos e modernos. Com base na literatura sobre o
assunto foi realizada uma análise crítico-reflexiva dos princípios normativos que vem
orientando as sociedades ao longo da história e dos conflitos que atualmente parecem
conduzir a humanidade a uma crise ética. O componente também apresentou às acadêmicas as
concepções éticas de dois autores que representam duas correntes de pensamento, Lukács
trazendo a visão da ética marxista e Edgar Morin que traz elementos da complexidade para
repensar a ética na contemporaneidade, uma ética para a sociedade planetária.
Assim, dentro desta proposta, a contribuição trazida por esta prática social ao
componente curricular de Ética do Profissional em Educação, foi o estudo da concepção ética
de Edgar Morin que o autor aborda no seu livro O Método 6: ética (2007). Para isso, indicouse às acadêmicas a leitura do capítulo 8 do livro Compreender a Complexidade: Introdução a
O Método de Edgar Morin (2007) de Robin Fortin, que sintetiza a obra sobre a ética de Edgar
Morin.
O desenvolvimento da prática social foi mediado pela leitura e estudo do capítulo oito
do livro do Fortin (2007, p. 195) citado acima. As aulas foram de caráter expositivo
proporcionando o diálogo, o debate e a reflexão. Em um dos momentos da aula, para dar
oportunidade de fala a todas as acadêmicas foi realizada uma dinâmica de comunicação da
leitura de parte do capítulo. E como avaliação as acadêmicas individualmente produziram
memórias a partir da leitura do texto indicado e das discussões realizadas em aula. A escrita
das memórias teve como caráter o registro dos apontamentos feitos pelas acadêmicas durante
o estudo realizado, e também, oportunizou-se como espaço de reflexão individual quanto ao
tema, ou seja, uma escrita que desafiou as acadêmicas a escreverem com autoria.
Num primeiro momento em sala de aula, quando se apresentou à turma a proposta de
estudo desta intervenção, foi realizada uma breve fala sobre o autor e sua obra, instigando as
alunas à leitura e introduzindo-as no universo conceitual do autor. Edgar Morin é um
pensador francês, nascido em 1921, formado em Geografia, História e Direito com estudos na
área da Filosofia, Sociologia e Epistemologia. É autor de mais de trinta livros publicados e
conforme Almeida (2002, p. 175): “Edgar Morin é um dos expoentes mais expressivos do
pensamento mundial contemporâneo” e, portanto, um dos pensadores mais importantes do
século XX.
O pensamento complexo de Edgar Morin, parte da análise crítica do conhecimento
simplificador, redutor e disjuntivo da racionalidade clássica da ciência moderna, do método
cartesiano, que por sua vez, resulta em ações unidimenssionai e mutiladoras. Extendendo-se
ao pensar fragmentado o autor dedica-se à procura de um método que reconheça além da
multidimensionalidade das coisas, a complexidade do mundo. Um método que, ao mesmo
tempo que conserva o método cartesiano o ultrapassa, alargando e complexificando os
conhecimentos separados pelo método de simplificação. Assim, o método de complexidade
pretende a reforma do pensamento que possibilita a rearticulação dos conhecimentos das
ciências naturais com os conhecimentos das ciências antropossociais. Permitindo então, um
pensamento que conduza a ações complexas e não mutiladoras. Conforme Fortin (2007, p. 26)
“Este método é o método de complexidade que Morin propõe. Um tal método ao mesmo
tempo que ultrapassa o método cartesiano, deverá salvaguardar-lhe a inspiração primeira e as
suas conquistas mais preciosas.”
O método da complexidade é concebido como caminho, percurso, estratégia,
perseguição ao conhecimento. Ele é comunicação, faz ligação entre os saberes, entre o sujeito
e o objeto, entre o sujeito e o conhecimento, e mais, o método leva ao aprender a aprender. O
reaprender na perspectiva complexa é reformar o pensamento para que este possa organizar,
articular, situar o conhecimento. O método da complexidade conta com o aporte de princípios
que subsidiam a construção do conhecimento complexo. São estes princípios que conduzem à
reforma das estruturas de pensamento levando a superação dos princípios cartesianos, das
idéias claras e distintas, da análise, da ordenação e da quantificação. Em contraponto a estes,
os
princípios
da
complexidade
promovem
a
contextualização,
a
ligação,
a
complementaridade, a incerteza e a recursividade. Nas palavras de Martinazzo (2009, p.22):
Os principais princípios que colaboram com a construção do pensamento
complexo e transdisciplinar são: o Princípio Hologramático ou
Holográfico (Bohm, 1992), o Princípio da Complementaridade (Bohr,
1995), o Princípio da Incerteza (Heisenberg, 1993) e o Princípio da
Autopoiése (Maturana; Varela, 1995).
Sem ter a pretensão de reduzir o método da complexidade aos princípios para não
torná-lo programático e estéril, ou ainda, para evitar que caia numa simplificação, o autor
aponta ser importante que se tenha clareza das concepções destes princípios. Principalmente
pelas mensagens de complexidade que estes comportam. No princípio dialógico, pode-se
afirmar
que
a
mensagem
contida
lembra
que
a
noção
de
ordem/desordem/interação/organização sempre estão em relação ambivalente, complementar,
concorrente e antagônica. O pensar dialógico, conforme entende Martinazzo (2009, p. 24)
comporta contradições e ambivalências, convive com as diferenças e com idéias opostas, não
precisa como na dialética, de uma síntese que aponte uma única verdade, mas contempla a
complexidade das relações.
O princípio hologramático pontua a relação parte/todo, em que a parte só pode ser
entendida em função do todo e o todo, do mesmo modo, só pode ser entendido em função das
partes. Nesse caso a mensagem de complexidade contida neste princípio é de que o
conhecimento é engendrado em rede, é interligado e interdependente, por isso, para conhecer
é necessário contextualizar, ligar o todo as partes e as partes ao todo. Outro princípio
importante é o anel recursivo ou o princípio da recursão organizacional, que traz para a
complexidade o conceito de auto-organização e de autoprodução. Estes processos ocorrem
devido à recursividade causa/efeito, em que os efeitos retroagem sobre as causas, num
processo circulatório no qual o produto ou o efeito se torna elemento primeiro e causa
primeira (FORTIN, 2007, p. 73). A idéia de recursão, de circularidade contida neste princípio,
é que estabelece a lógica da complexidade. Uma lógica recursiva que permite pensar as coisas
de modo articulado considerando sua co-produção. “A idéia de recursão conduzirá Morin,
passo a passo, à elaboração de uma lógica recursiva. A lógica recursiva é por definição uma
lógica da complexidade” (FORTIN, 2007, p.29). Assim, a partir desta lógica o pensamento
complexo pode ser ilustrado como um pensar em espiral que liga e articula, superando a
linearidade dos princípios da simplificação.
Tais princípios epistemológicos incorporam, superam e ultrapassam a
epistemologia cartesiana e mostram as condições de uma visão complexa.
Esses operadores cognitivos ampliam o foco de observação e o campo de
análise e, portanto, podem possibilitar um novo olhar investigativo na
pesquisa e nas ciências em geral (MARTINAZZO, 2009, p.25).
São estes princípios da complexidade que Edgar Morin (FORTIN, 2007, p. 195)
utiliza para repensar a ética, superando a dicotomia bem/mal, certo/errado da ética racionalista
clássica ou transcendental. “Os princípios do conhecimento complexo que nos permitiram
repensar a complexidade humana vão permitir-nos repensar a ética que, também ela, não pode
evitar os problemas da complexidade.”. A compreensão ética de Morin (FORTIN, 2007, p.
204) é alargada e comporta incerteza, contradição e aposta. Sobretudo, a ética renovada na
complexidade constitui-se em ética da compreensão, da solidariedade e do cuidado, uma ética
que se pretende universalista na emergência da sociedade planetária, na tomada de
consciência da comunidade de origem e de destino da humanidade. Romper com a visão
linear da ética antropocêntrica, centrada no sujeito de consciência moral, e nos dogmas da
ética crista e ainda, apresentar uma nova perspectiva teórica ao entendimento da ética,
formam a intencionalidade da ação de intervenção desta prática social.
A ética da complexidade
No referencial da complexidade a ética é tratada como uma exigência para a educação.
Edgar Morin (2001, p.106) em seu livro intitulado “Os sete saberes necessário à educação do
futuro” coloca a ética como um dos saberes indispensáveis à educação em todos os âmbitos e
em todas as culturas. Isto porque, segundo o autor, a tomada de consciência sobre a questão
ética torna-se na atualidade uma exigência sem precedentes para a humanidade em razão do
desafio que se apresenta ao humano: a comunidade planetária. Visto que tal comunidade tem
sua origem, conforme interpretação do autor, não apenas no evento atual de globalização, mas
tem sua raiz na constituição do ser humano.
Na
complexidade
o
gênero
humano
é
compreendido
na
sua
condição
cosmobioantropológica, ele é incluído na natureza, na vida, mais do que isso, é reconhecido
como parte da epopéia cósmica que originou o mundo presente “somos física e quimicamente
filhos do cosmos [...] somos filhos do mundo vivo, saímos da evolução da vida” (MORIN,
2005, p.269). Para além da identidade terrena, física e biológica o ser humano comporta na
sua constituição de acordo com a perspectiva complexa, uma identidade antropológica,
marcada pelos aspectos psico-sócio-culturais desenvolvidos no processo de hominização.
Deste modo, na concepção complexa a condição humana é composta pela tríade
indivíduo/sociedade/espécie. Na qual, o ser humano é compreendido como indivíduo, como
parte da sociedade e como pertencente à espécie humana. Neste sentido, o humano é
concebido na sua totalidade, na interdependência dos três termos desta relação trinitária, em
que estes termos inscrevem-se um no outro, cada um contendo o outro e vice-versa.
No nível antropológico, a sociedade vive para o indivíduo, o qual vive
para a sociedade; a sociedade e o indivíduo vivem para a espécie, que
vive para o indivíduo e para a sociedade. Cada um desses termos é ao
mesmo tempo meio e fim: é a cultura e a sociedade que garantem a
realização dos indivíduos, e são as interações entre indivíduos que
permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade
(MORIN, 2001, p.54).
É a tomada de consciência da condição humana de ser cosmobioantropológico “que é
ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie” (MORIN, 2001, p. 17), que fundamenta o
sentimento de pertencimento a uma comunidade planetária. Torna-se possível reconhecer nos
tempos de hoje que apesar das diversidades culturais, sociais, de língua e de costumes a
humanidade é uma só, que os seres humanos têm uma origem comum, formam uma
comunidade de origem, bem como, compartilham do mesmo destino. O limite físico do
planeta impõe à humanidade, como comunidade de destino, a necessidade de compartilhar a
mesma casa, a Terra, o que implica uma retomada radical dos pressupostos filosóficos das
muitas éticas comunitárias em uma ética universalista.
O que torna possível a idéia de uma ética universal aponta Morin (2007, p. 160), é a
condição de conexão e interdependência das comunidades, nações e indivíduos ao todo
planetário e ao universal humano que a era planetária vem proporcionar. Revisitar a ética
nestas condições implica em considerar o caráter ternário da condição humana na própria
ética, que por sua vez, conduz a uma antropoética. Para Morin (2001, p. 106) a antropoética é
a ética propriamente humana, pois ela emerge da consciência da condição humana de ser
indivíduo/sociedade/espécie. A antropoética conserva o caráter trinitário deste circuito
fazendo com que o humano assuma-se enquanto humanidade. E ao recuperar o espírito
propriamente humano, a humanidade, o autor acredita que seja possível, através da
antropoética, a comunidade terrena alcançar a cidadania planetária.
A ética universalista, tornada concreta, é antropoética: impõe-se cada vez
mais nos desenvolvimentos atuais da era planetária que não apenas
colocaram os seres humanos em comunicação e em interdependência,
mas, mais ainda, fizeram emergir uma comunidade de destino para a
espécie humana (MORIN, 2007, p. 160).
Em sua obra Morin (2007, p. 19) explica que a ética manifesta-se no humano como
um imperativo, um dever, como exigência moral proveniente de três fontes interligadas entre
si. Uma de origem interior ao indivíduo que se traduz em dever, outra de origem exterior,
relativo às crenças e normas que regulam a conduta social imposta pela cultura e uma fonte
anterior referente à herança genética da espécie. Mais uma vez, o autor liga a ética ao caráter
trinitário da condição humana. É novamente a partir da tríade inaugurada por ele, para
construir a concepção complexa de sujeito, que ele retoma a noção de ética numa concepção
igualmente complexa. Morin (2007, p. 30) explica que “Não se trata, portanto, para nós de
encontrar um novo fundamento para a ética, mas, ao mesmo tempo, de dar-lhe novas fontes,
novas energias e de regenerá-la no circuito de religação indivíduo/espécie/sociedade”.
Portanto, a complexidade aponta à necessidade da ética recorrer a várias fontes
(interior/exterior/anterior) para constituir-se, segundo Fortin (2007, p.204) em “Auto-socioantropo-ética”.
Esta percepção ética trazida por Edgar Morin é apontada por Almeida (2005, p. 139)
como um “divisor de águas no oceano das inumeráveis interpretações filosóficas e
sociológicas sobre ética”. Isto porque, o argumento usado pelo autor demonstra a dificuldade
de fundar a ética em pressupostos reducionistas pautados na noção de sujeito antropocêntrico,
como a ética racionalista, em que o fundamento último é a razão ideal. Ou então, nas éticas
transcendentais em que a verdade, o bem é revelado por um ser supremo. A ética inaugurada
na complexidade supera a visão clássica sobre a ética, pois traz no seu âmago uma concepção
de sujeito complexificada.
A compreensão de sujeito que Edgar Morin considera ao longo de sua obra é a
qualidade de natureza própria de todo ser vivo, do unicelular ao homem. Tal qualidade de
sujeito é definida em Fortin (2007, p. 92) como traços de individualidade que repousam sobre
o ego-auto-centrismo e a ego-auto-referência. O predomínio do ego-centro, do Eu, faz com
que cada ser vivo se considere o centro do seu universo, e o reconhecimento de Si, como ser
único distinto de tudo o que lhe é exterior o faz auto-referente. Para o autor são estas as
qualidades, de organização e de natureza própria do indivíduo vivo, que definem o sujeito,
pois lhe garantem a existência e salvaguardam sua sobrevivência.
Pode-se perceber que esta definição de sujeito trazida pela complexidade é
literalmente biológica, no entanto ela não é restritiva a um biologismo. No humano a
qualidade de sujeito é acompanhada pelo desenvolvimento da reflexão, da linguagem, do
pensamento, bem como, pela sua condição de inacabamento que permite ao sujeito tornar-se
singular. Mas, a concepção complexa de sujeito sempre está vigilante para lembrar que o
homem é um ser vivo, como o unicelular, a planta e o animal. Este elo que liga a constituição
do sujeito humano ao biológico, ao social e ao individual é lembrado por Almeida (2005,
p.140) quando ela escreve:
O sujeito humano se engendra no interior das contingências sóciohistóricas e bio-culturais - outra forma de dizer que ele emerge do interior
de reorganizações não exclusivamente humanas, históricas e sociais. Para
Morin, é possível distinguir, mas não isolar, nem contrapor, os domínios
individuais, sociais e biológicos que juntos configuram o paradigma
aberto e inacabado da espécie humana, do sujeito e da ética.
Alargando a compreensão de sujeito, tirando-o do lócus solitário da razão, e
enredando-o na complexidade Edgar Morin atribui novos contornos à ética, que até então não
se estava habituado a considerar. Para Morin, segundo Fortin (2007, p.189) “O ser humano é
um ser extraordinariamente complexo, que une dialogicamente (recursivamente) em si vários
componentes e contém sempre contradição, ambigüidade, incerteza”. Assim, o humano é
entendido na sua dimensão de homo sapiens, mas também demens, ele é dialogicamente
sapiens/demens, um contendo o outro simultaneamente e inseparavelmente. Na visão
complexa o humano é ao mesmo tempo racional, louco, poético, prosaico, afetivo, estético,
lúdico, ou seja, homo complexus.
Deste modo, ao considerar que o sujeito oscila entre razão, demência, pulsão e
afetividade, e que ainda é, ao mesmo tempo, egoísta e altruísta, que, acredita-se que a ética
não é simples, mas supõe-se que ela comporta contradição, engano e ambigüidade. Distinta da
compreensão clássica em que a deliberação ética é fundamentada na verdade revelada ou na
certeza de uma razão pura. Fortin (2007, p.204) escreve que “Acreditar na possibilidade de
uma ética transparente, auto-suficiente e omnisciente, é não conhecer a ética e desconhecer as
perversões, inversões, contradições, desvios e voltas que a acção ética pode sofrer”. A ética na
complexidade sabe da multidimensionalidade do humano e que a decisão ética sempre está
exposta à incerteza, por isso, ela é aposta provisória, estratégia, escolha, risco.
Como tudo que é humano, a ética também não escapa do problema da contradição, e a
contradição ética está no bojo da relação intenção/ação. Com isso, Edgar Morin traz para a
discussão da ética o hiato existente entre a intenção da ação e a ação e suas conseqüências. A
incerteza ética reside justamente na impossibilidade de previsibilidade dos efeitos da ação.
Como explica Fortin (2007, p.205), seguindo o princípio da ecologia da ação, toda ação
escapa à vontade do seu autor na medida em que se inscreve no interior do meio em que ela se
desenrola e entra no jogo das inter-retro-ações. Assim, os efeitos pretendidos pela ação podem
ser desviados do seu fim, ou ainda, podem ter efeito contrário do pretendido.
É por esta perspectiva que ganha sentido a frase popular “é de boas intenções que o
inferno está cheio”. Pois, por mais que se tenha boas intenções a ação ao entrar no jogo das
inter-retro-ações escapa da vontade do seu autor e seus fins tornam-se incertos. E no caso dos
seus efeitos serem esperados a longo prazo, aí então, os resultados tornam-se imprevisíveis.
Ter a compreensão de como opera a ecologia da ação, aponta Almeida (2005, p. 141), faz a
diferença ao se pensar as problemáticas éticas que nada têm de evidentes. Porque a ética
complexa entende que não existem princípios, nem superiores, nem exteriores, pelos quais a
ação deve-se pautar. Só há incertezas e imprevisibilidade onde a ética aparece como
estratégia, aposta e escolha.
A ética, assim revigorada nas fontes da complexidade alarga os horizontes da
deliberação e do julgo moral. Ela entende e comporta as incertezas, as contradições, os
antagonismos, os erros e as ilusões que as tomadas de decisões a nível ético podem sofrer. A
complexidade perceber que nas questões referentes ao humano, principalmente nos assuntos
que exigem o julgo moral, há sempre incerteza e ambigüidade. Por isso, que na perspectiva da
complexidade a ética tende a superar o código binário bem/mal, justo/injusto da moral
simples. Porque, como afirma Morin (2007, p. 60) “A ética complexa concebe que o bem
possa conter um mal, o mal um bem, que o justo possa conter injusto, o injusto, justo”.
Para enfrentar a complexidade ética, as incertezas, ilusões e ambigüidades Edgar
Morin, conforme Fortin (2007, p 212), propõe um exercício à consciência de permanente
estado de alerta, uma cultura psíquica que tem por finalidade a vigilância ética: “Trata-se
efetivamente de uma forma de introspecção capaz de revelar todas as possibilidades de
cegueiras que sem tréguas enviesam os nossos julgamentos, falseando a nossa percepção das
coisas e até a nossa percepção de nós”. A este estado de vigilância ética, que consiste no
movimento de auto-análise e autocrítica, de olhar para si, que Morin (2007, p. 93) tem
denominado de auto-ética “[...] uma ética de si para si que desemboca naturalmente numa
ética para o outro”.
A auto-ética convida à aprendizagem da compreensão, a compreensão de si mesmo e
do outro, como escreve Fortin (2007, p. 215): “Ela obriga-nos a compreendermo-nos melhor a
nós mesmos e a compreender melhor os outros, a compreender melhor que, tal como o outro,
nós podemos enganar-nos e iludir-nos e ser incapazes de ver que nos enganamos e iludimos”.
A compreensão é trazida para a discussão da ética, não como sinônimo de perdão ou pelo
sentimento de bondade que ela contém. Mas porque, a compreensão alarga e complexifica a
visão, permitindo outras perspectivas ao julgo moral. Assim, a ética que Morin (2001, p. 106)
propõe como a ética propriamente humana, a antropoética, necessária à emergência da
cidadania planetária, é a ética da compreensão, que se desdobra em ética da solidariedade que
é compromisso e participação como o outro, com a sociedade na sua dimensão planetária e
com a natureza.
A ética renovada na complexidade revigora-se em ato de ligação: ligação com o
outro, com a comunidade e com a espécie. Renovando também, o sentimento no indivíduo de
pertencimento a comunidade e a natureza, fazendo com que emirja a sua consciência, a
responsabilidade e a solidariedade com o outro, com a comunidade e com a espécie. Assim,
uma ética de solidariedade, que é compromisso e participação, faz-se necessária à
comunidade planetária como imperativo ético.
Considerações Finais
Considerando a perspectiva de que o mundo está em transformação rumo a uma
planetarização da sociedade humana, enquanto comunidade planetária em vias de realizar a
cidadania terrena, que Morin (2001, p. 18) coloca o ensino da ética como um dos saberes
necessários à educação. De acordo com o referencial teórico da complexidade o estudo da
ética, enquanto metaponto de vista, que conduz a reflexão no campo da ação do homem, ou
seja, nas decisões ao nível da ação moral dos indivíduos, necessita ganhar espaço em todos os
níveis da educação.
O componente curricular de Ética do Profissional em Educação, o qual serviu de
objeto de estudo a esta prática social, trata das dimensões ético-políticas da educação, com
vista à reflexão dos valores, objetivos e princípios que normatizam as práticas sociais e
educacionais, e as demais atividades humanas. Tendo a pretensão que no processo de
formação profissional do educador as questões referentes à ética, aos juízos morais que estão
presente na condução das atividades educativas escolares sejam objetivadas, para a
capacitação reflexiva qualificada deste profissional em assuntos éticos.
Neste sentido, com vista a atender as exigências postas pelo componente curricular em
questão, realizou-se com as acadêmicas do curso de Pedagogia um estudo de caráter teóricoreflexivo da ética complexa. Partindo do entendimento que o estudo da ética não pode ser
tomado como lição moral, ou doutrinação, mas conforme aponta o próprio Morin, (2001, p.
17) o ensino da ética deve ser estabelecido pela formação nas mentes da consciência da
condição complexa do gênero humano, de ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie.
Pretendeu-se assim, apresentar neste texto a compreensão da ética em Edgar Morin,
que foi o objeto de estudo e reflexão da referida prática social. Com isto, trazer ao debate a
abordagem sobre o tema da ética referendada sobre pressupostos antropológicos. Debate este,
que na atualidade apresenta-se como uma exigência à emergência da era da planetarização da
humanidade, constituída em comunidade planetária, bem como, exigência de pauta para o
debate na educação em todos os níveis.
Assim, através da análise reflexiva da prática social realizada no componente
curricular de Ética do Profissional em Educação e da posterior reflexão teórica registrada
neste texto, considera-se o estudo da ética pertinente em todos os níveis da educação e que
pode ser considerado um conteúdo transversal do currículo escolar. Além das considerações
de Edgar Morin que apontam para esta necessidade, as falas trazidas pelas acadêmicas do
curso de Pedagogia no decorrer das aulas também demonstram a importância do estudo da
ética na educação. Percebeu-se, nesses discursos, o interesse que o tema da ética desperta, e
também como a discussão contribuiu para a tomada de consciência, por parte das acadêmicas,
da crise dos fundamentos das interpretações clássicas da ética, que deixam insuficiências para
pensar o mundo atual.
. Neste sentido, entende-se ser pertinente que num curso de formação de professores
haja um componente curricular que se ocupe em promover o estudo da ética como objeto
conceitual. Tendo em vista, de modo geral, a reflexão das ações individuais e das atividades
humanas na sociedade, e de modo específico, os valores que orientam as decisões e as
atividades educativas em âmbito escolar. E como se ponderou em todo o texto, pensar esta
formação ética a partir de imperativos que caracterizam o agir humano numa comunidade
planetária.
Referências
ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Saudação a Edgar Morin. Margem (PUCSP),
São Paulo, v. 16, p. 175-176, 2002.
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Mestranda em Educação nas Ciências - UNIJUÍ; Graduada em Pedagogia – UNIJUÍ – Campus Santa Rosa;
Professora da rede municipal de Ijuí. E-mail: [email protected]
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A FORMAÇÃO ÉTICA-POLÍTICA DO PROFISSIONAL DA