A S ORIGENS DA BASE C ITOLÓGICA DA H EREDITARIEDADE Segunda aula (T2) Texto adaptado de: MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986. A Objetivos 1. Descrever como e quando foi descoberta a célula. 2. Explicar a idéia central e a importância da teoria celular. 3. Discutir as dificuldades para se identificar os gametas como células. 4. Descrever os passos que levaram à compreensão da importância do núcleo celular. 5. Identificar as dificuldades para a compreensão do processo de divisão celular. 6. Descrever o raciocínio dedutivo que levou à conclusão de que a mitose não seria o único tipo de divisão celular. 7. Descrever as meioses masculina e feminina em Ascaris. 8. Explicar o papel da meiose e da fertilização no ciclo de vida dos organismos. 9. Listar os principais argumentos que levaram alguns citologistas no final do século XIX a defender a idéia que os cromossomos seriam a base física da herança. DESCOBERTA DA CÉLULA O nascimento da Citologia pode ser fixado com considerável precisão. No dia 15 de abril de 1663, Robert Hooke (1635-1703) colocou um pedaço de cortiça sob seu microscópio e mostrou sua estrutura a seus colegas da Royal Society de Londres. A Royal Society havia sido fundada no ano anterior com o intuito de melhorar o conhecimento sobre a natureza. Ela reunia uns poucos homens cultos de Londres que se encontravam regularmente, em geral semanalmente, para discutir assuntos científicos e como o conhecimento poderia ser usado para melhorar as atividades práticas. A inspiração para a formação da Royal Society veio de uma sugestão anterior de Francis Bacon. Hooke, um matemático de excepcional habilidade, era um membro muito ativo da Royal Society. Era costume entre os membros não apenas discutir mas também realizar experimentos e fazer demonstrações. Havia um grande interesse no novo microscópio que Hooke havia construído e ele deixou que os membros da sociedade olhas- sem partes de um musgo em seu microscópio no dia 8 de abril de 1663. No dia 15 daquele mês o “Sr. Hooke apresentou dois esquemas microscópicos, uma representação dos poros da cortiça, cortados transversal e perpendicularmente ...”. Esse era o começo de dois séculos de observações e experimentações que estabeleceram a Teoria Celular. As várias observações de Hooke foram reunidas e publicadas em 1665 com o título de Micrographia, sob os auspícios da Royal Society. Essa foi a primeira visão geral de uma parte da natureza até então desconhecida. Hooke descreveu e ilustrou muitos objetos em sua publicação: a cabeça de um alfinete, muitos insetos pequenos e suas partes, penas, “enguias” [nematódeos] do vinagre, partes de muitas plantas, cabelo, bolores, papel, madeira petrificada, escamas de peixe, seda, areia, flocos de neve, urina, e, é claro, aquele pedaço de cortiça. (Fig. 1) Hooke imaginou que a cortiça consistia de inúmeros tubos paralelos com divisões transversais: “Estes poros, ou células, não eram muito fundos, mas consistiam de um grande número de pequenas caixas, separadas ao longo do comprimento 14 O ESTABELECIMENTO DA TEORIA CELULAR As células se tornaram verdadeiramente importantes somente quando foi proposta a hipótese de que os corpos de todos os organismos eram constituídos apenas de células ou de produtos de células. Essa hipótese foi formulada e testada no começo do século XIX e está associada principalmente a três cientistas: R. J. H. Dutrochet, Matthias Jacob Schleiden e Theodor Schwann. Mas como alguém poderia provar que “os corpos de todos os organismos são constituídos apenas de células ou de produtos de células?” Ao tentar responder essa questão pode-se aprender algo muito importante sobre ciência. A resposta é, obviamente, que não há nenhuma posFigura 1. Desenhos de cortes de cortiça ao microssibilidade dessa afirmação ser comprovada. Como cópio publicados por Hooke em 1665. alguém poderia estudar todos os organismos? A dos tubos por uma tipo de diafragma.” Ele obser- maioria já se extinguiu há muito tempo e não seria vou estruturas semelhantes em muitos outros nem mesmo possível estudar um indivíduo de tipos de plantas. Muitos pensam que Hooke des- cada uma das espécies viventes. Qual seria sua creveu aquelas caixas como vazias e parou por resposta se alguém lhe perguntasse se os corpos aí. Isso não é verdade, ele observou cortes de dos dinossauros eram constituídos de células? plantas vivas e verificou que as caixas microscó- Mas lembre-se, tudo o que se pode desejar em ciência é que uma afirmação seja “verdadeira picas eram preenchidas por um suco. A presença de células na cortiça e em outras acima de qualquer suspeita.” Após as observações iniciais de Hooke, foi plantas poderia ser uma característica geral ou poderia ser restrita a uns poucos tipos de organis- verificado que as células eram uma caractemo. A continuação das pesquisas iria mostrar que rística comum das plantas. Mais e mais plantas as plantas consistiam inteiramente ou quase intei- de uma quantidade crescente de espécies foramente de estruturas parecidas, semelhantes a ram estudadas e todas apresentavam estruturas caixas. Um outro membro da Royal Society, semelhantes a células. Foi observado que essas Nehemiah Grew (1641 - 1712), publicou uma estruturas microscópicas não tinham todas a monografia em 1682 que contém muitas pranchas forma de caixa como as células da cortiça. belíssimas mostrando a estrutura microscópica Descobriu-se que as células podiam ter diversas das plantas. Com o tempo, a idéia de que os seres formas e tamanhos. Não podemos esquecer que vivos são formados por células foi estendida para esses microscopistas pioneiros não estavam os animais. Hooke havia feito uma observação observando células como as entendemos hoje, interessante que não foi importante na sua época eles observavam paredes celulares. – ela se tornou uma descoberta importante muito Schwann e as células nos animais mais tarde, em função de pesquisas posteriores. Com poucas exceções, o corpo dos animais Mais de dois séculos foram necessários para se chegar à conclusão que o conhecimento das não continha estrutura alguma que se parecesse células era essencial para a compreensão da here- com “células”, isto é, com as paredes celulares ditariedade. Podemos ter certeza que, quando das plantas. Assim, foi necessário muito trabalho Robert Hooke sentou-se à frente de seu micros- e imaginação arrojada até tornar óbvio que o concópio, ele não estava interessado em descobrir ceito de célula podia ser aplicado com sucesso os mistérios da herança. Não havia maior razão aos animais. Isso foi conseguido principalmente para acreditar que as células tivessem algo a ver por Theodor Schwann (1810-1882) em sua com a hereditariedade do que, por exemplo, as monografia de 1839, publicada quando ele tinha cerdas que ele descreveu em detalhe sobre o 29 anos de idade. Algumas de suas ilustrações estão reproduzidas na figura 2. corpo de uma pulga. 15 Schwann enfatizou a grande diferença entre as células das plantas e o que ele acreditava serem as células dos animais, mas sugeriu que elas representavam fundamentalmente a mesma coisa. A Por que chamar todas essas estruturas tão diversas de células? D B C F E Procure examinar fotomicrografias de diversos tipos de células de plantas e especialmente de animais, ou melhor, caso tenha oportunidade, obI serve preparações citológicas H desses tipos no microscópio. G Como é possível dizer que cérebro, músculos, rins, pulmões, sangue, cartilagens, ossos, parede intestinal etc. Figura 2. Algumas das ilustrações apresentadas por Schwann em sua monosão feitos de um mesmo tipo grafia de 1839: A.) células de cebola; B.) de notocorda de um peixe; C.) de cartilagem de rã; D.) de cartilagem de girino; E.) de músculo de feto de de elemento? Já que essas porco; F.) de embrião de porco; G.) de gânglio de rã; H.) de um vaso estruturas são obviamente tão capilar da cauda de girino; I.) de embrião de porco. Note que o núcleo e os diferentes, por que afirmar nucléolos estão mostrados em quase todas as células. que elas são constituídas pelos mesmos tipos de elementos? Qual seria a vantagem em se afirmar que as mais importante do que a origem de células alta“células” animais correspondiam àquelas mente diferenciadas a partir de células simples. estruturas com aspecto tão diferente presentes Apenas seis anos antes, em 1833, Robert Brown nas plantas? (1773 - 1858), o mesmo que descreveu o posteSchwann nos fornece a resposta, “Se, no riormente denominado “movimento Browniano”, entanto, analisarmos o desenvolvimento desses havia descrito a presença de uma auréola circular, tecidos, então parece que todas essas diversas ou núcleo, em células de orquídeas e de muitos formas de tecidos são constituídas apenas por outros tipos de plantas. Antes dele, outros observacélulas e são análogas às células das plantas ... dores já haviam visto e desenhado essas estruturas O objetivo do presente tratado é provar essa idéia em suas publicações, mas não atribuíram nenhuma por meio da observação.” importância a elas. Brown verificou que muitos tipos Isto é, apesar da grande diversidade, todas as de célula continham núcleo mas não especulou sobre estruturas que Schwann propunha chamar de seu significado. células tinham em comum a característica de se Schwann então mudou as regras para definir desenvolverem a partir de estruturas muito mais célula. Ao invés de se basear na forma, que nas simples que podiam ser melhor comparadas com plantas correspondia à estrutura da parede, ele as células das plantas. Mas, como se poderia escolheu como base para a definição, a presença definir “célula”? de um núcleo. Se um neurônio e um leucócito são células, eles Embora Schwann fosse um observador cuidadevem ter algo em comum para serem reunidos doso, sua principal contribuição não foi o que em uma mesma categoria. Schwann encontrou ele viu mas como ele interpretou as observações. um critério: a presença de núcleo, que ele achava Seus antecessores haviam enfatizado as “caixas”; 16 Schwann deu ênfase ao que estava dentro das “caixas”. Para ele a célula animal era uma porção de matéria viva envolta por uma membrana e contendo um núcleo, enquanto que as células vegetais eram ainda envoltas por uma parede. O que essa nova visão de célula tem a ver com hereditariedade? Muito pouco, tem que se admitir. Seriam necessárias outras duas informações antes que as células pudessem ser consideradas importantes para a hereditariedade: a descoberta de que os gametas são células e o reconhecimento de que células só se originam de células pré-existentes. O reconhecimento dos gametas como células Schwann reconheceu os óvulos como células, uma vez que eles apresentavam a estrutura requerida por sua definição de célula – o núcleo. A natureza do espermatozóide era menos clara. Seu nome, que significa “animais do esperma”, indicava essa incerteza. Em 1667, Antonie van Leeuwenhoek havia descoberto e comunicado à Royal Society de Londres que o fluido seminal continha criaturas microscópicas que ele imaginou que entrassem no óvulo causando sua fertilização. Essa hipótese foi muito contestada e alguns cientistas imaginaram que os espermatozóides fossem parasitas. Na décima segunda edição do livro Systema Naturae (1766 - 1768), Linnaeus tentou classificar os “animais” encontrados no esperma por Leeuwenhoek, mas concluiu que a determinação de seu lugar correto no sistema de classificação deveria ser deixado para quando eles tivessem sido mais pesquisados. Cerca de um século mais tarde, em 1784, Spallanzani realizou importantes experimentos com o objetivo de determinar a função do sêmen na reprodução de rãs. Durante o acasalamento, os machos abraçam as fêmeas e, como sabemos atualmente, depositam esperma sobre os óvulos à medida que estes saem pela abertura cloacal. De início, Spallanzani não sabia disso, foi ele quem descobriu. Um outro pesquisador com quem ele se correspondia havia tentado, sem muito sucesso, descobrir o papel das rãs machos vestindo-as com calças. Spallanzani repetiu esse experimento e verificou que, quando o sêmen ficava retido nas calças, os ovos não se desenvolviam. No entanto, se os ovos fossem colocados em contato com o sêmen retirado das calças, em um processo de fecundação artificial, eles passavam a se desenvolver. Em um outro experi17 mento, Spallanzani filtrou o sêmen e verificou que, com isso, ele perdia seu poder fecundante. Ele observou o que hoje chamamos de espermatozóides, mas não os considerou essenciais para a reprodução. Foi somente em 1854 que George Newport, usando rãs, forneceu boas evidências de que os espermatozóides entram no óvulo durante a fecundação (Nesse caso, como em muitos outros, é difícil dar crédito ao cientista que descobriu um importante fenômeno biológico. Afinal, o descobridor do espermatozóide, Leeuwenhoek, havia pensado que o espermatozóide era o agente da fertilização. Outros antecessores de Newport eram da mesma opinião, mas foi Newport quem fez as primeiras observações convincentes. Em 1841, Kölliker estudou a histologia dos testículos verificando que algumas das células testiculares eram convertidas em espermatozóides. Os espermatozóides tinham uma aparência tão estranha que não eram considerados células. No entanto, quando se pôde demonstrar que eles se originavam de células típicas, sua verdadeira natureza tornou-se evidente. Os espermatozóides passaram então a ser considerados como células altamente modificadas. Vejamos o que se pode concluir dessa análise: 1. Os gametas são a única ligação física entre as gerações, pelo menos em muitos organismos e possivelmente em todos. 2. Portanto, os gametas devem conter toda a informação hereditária. 3. Uma vez que óvulos e espermatozóides são células, toda informação hereditária precisa estar contida nestas células sexuais. Portanto, a base física da herança são as células sexuais. Isto não permite concluir que todas as células contenham informação hereditária. Poderíamos ainda pensar que os gametas são células especializadas onde os fatores responsáveis pela herança, talvez as gêmulas, entram. Nós ainda necessitamos de uma segunda informação: “Qual é a origem das células?” Omnis cellula e cellula A divisão celular foi observada em 1835, mas, nessa época, não se concluiu que fosse um fenômeno geral. Schwann, por exemplo, acreditava que as células podiam surgir espontaneamente por aglutinação de substâncias amorfas. Essa hipótese assumia que a origem das células é um evento episódico no ciclo de vida dos organismos. Se isso fosse verdade, a unidade da hereditariedade seria o organismo todo e não a célula. A hipótese de Schwann sobre a origem das células foi logo rejeitada, uma vez que a divisão celular estava sendo observada com freqüência em uma variedade de organismos e em diferentes épocas do desenvolvimento. Mais e mais investigadores começavam a suspeitar que a divisão celular era o único mecanismo para a produção de novas células. Essa foi uma hipótese muitíssimo difícil de se provar acima de qualquer suspeita. Os microscópios e as técnicas para se estudar as células, no começo do século XIX, eram muito inadequados e foi preciso muita observação em diferentes tipos de organismos e de tecidos antes que Rudolph Virchow pudesse, em 1855, cunhar sua famosa frase omnis cellula e cellula (“toda célula vem de célula”) e que ela fosse amplamente aceita. Em uma conferência proferida em 1858 ele apresentou a idéia de que uma célula só surge de outra célula pré-existente. É claro que nem todos concordaram com a idéia de Virchow de que todas as células e todos os organismos originavam-se de células e de organismos pré-existentes. Muitos pesquisadores continuavam a acreditar que células podiam se originar de novo e apresentavam o que pareciam ser observações acuradas para provar isso. Alguns acreditavam até mesmo que organismos completos podiam se originar de novo. Pasteur e a aceitação geral de que geração espontânea não pode ocorrer ainda estavam no futuro. Mesmo assim, as duas hipóteses apoiadas por Virchow foram testadas em um número crescente de pesquisas e, gradualmente, elas se estabeleceram como uma verdade acima de qualquer suspeita. Não restando, portanto, dúvida alguma de que a hereditariedade está baseada na continuidade celular, podemos trabalhar agora com a hipótese de que toda informação hereditária está contida não apenas nas células germinativas mas também, muito provavelmente, nas células a partir das quais elas se formam – e em todas elas até o zigoto. Igualmente possível é a hipótese de que todas as células contenham a informação hereditária necessária para o desenvolvimento do indivíduo e à sua transmissão, via células sexuais, para a geração seguinte. O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E A CITOLOGIA Durante a maior parte da história da humanidade as pessoas se basearam quase que inteiramente em seus órgãos dos sentidos para obter informações sobre o ambiente. Cada um de nossos órgãos sensoriais detecta apenas uma pequena porção da ampla gama de estímulos possíveis. Nossos olhos, por exemplo, só conseguem responder à porção do espectro eletromagnético entre o violeta e o vermelho de modo que só conseguimos ver os comprimentos de onda entre essas duas cores. Para detectar comprimentos de onda menores, como luz ultra-violeta, raiosX e raios cósmicos, ou comprimentos de onda maiores, como luz infra-vermelha e ondas de rádio, precisamos utilizar instrumentos especiais. A olho nu não conseguimos visualizar em detalhe nem mesmo objetos em movimentação rápida. As lâminas de um ventilador em movimento rápido são vistas como um círculo contínuo e uma bala que sai de um rifle é totalmente invisível para nós. Também não conseguimos ver objetos muito pequenos. A aparente uniformidade de uma ilustração com meios-tons resulta do fato de os pontos individuais estarem tão juntos que o olho humano não consegue distinguilos. Os faróis de um automóvel aparecem como um único ponto de luz até uma certa distância; à medida que o automóvel se aproxima, somos capazes de resolver o ponto único de luz em dois. O poder de resolução do olho humano, ou seja, sua capacidade de distinguir dois pontos muito próximos, é da ordem de 100 micrômetros a uma distância normal de leitura; a maioria das pessoas com visão normal distingue dois objetos separados por um espaço de um milímetro a uma distância de 10 metros. Uma afirmação mais geral é que o olho humano pode distinguir dois objetos separados por um arco de 1 minuto. Esse valor foi determinado por Robert Hooke que estava preocupado em saber qual seria a menor distância entre duas estrelas para que elas fossem vistas como dois objetos separados. Quando elas estavam a uma distância menor do que um arco de 1 minuto, a maioria das pessoas as via como um único ponto de luz. Algumas pessoas podem ver melhor do que isso, mas o poder máximo de resolução de nosso olho é de 26 segundos de arco. 18 Quase todas as células são muito pequenas para serem vistas a olho nu, de modo que a Citologia não foi possível, nem mesmo teoricamente, antes da invenção do microscópio – o que ocorreu provavelmente na última década do século XVI. Um tempo relativamente longo se passou entre essa invenção e 1663, quando Hooke fez a demonstração daqueles pedaços de cortiça para os membros da Royal Society. Na verdade, foram poucos os trabalhos sérios e contínuos com microscópios antes do século XIX. Durante a maior parte de sua história, os microscópios não passaram de brinquedos de adultos. O pequeno tamanho das células não é o único problema que dificulta seu estudo. A maioria dos animais e de seus tecidos é opaca e, uma vez que a observação através do microscópio composto é mais efetiva quando os objetos são iluminados com luz transmitida, o objeto a ser estudado precisa ser muito fino ou cortado em fatias bem finas de modo que a luz possa atravessá-lo. Imagine tentar cortar fígado, por exemplo, em fatias com cerca de 10 micrômetros de espessura, para que fosse possível estudá-lo no microscópio. Além da quase impossibilidade de se fazer isso, as células hepáticas, constituídas principalmente de água, iriam secar rapidamente, tornando-se uma massa enrugada. Esse é um problema especial com as células animais que não possuem uma parede de suporte como as células das plantas. Métodos muito especiais tiveram que ser desenvolvidos pelos microscopistas do início do século XIX quando eles quiseram aprender sobre a natureza celular dos organismos e, mais tarde, sobre a estrutura interna das próprias células. Tornou-se uma prática comum tentar preservar os tecidos de tal maneira que a estrutura de suas células permanecesse intacta e que eles pudessem ser cortados em fatias finíssimas. O primeiro passo foi a fixação. Ela consistia em tratar o material com álcool, com formaldeído, ou com soluções de ácido pícrico, de bicromato de potássio, de cloreto de mercúrio ou de tetróxido de ósmio. Essas substâncias matam e endurecem as células, em geral, por coagular suas proteínas. Esperava-se, é claro, que isso acontecesse de tal forma que as partes das células continuassem a guardar uma certa semelhança com as da célula viva. O tecido fixado podia então ser embebido em parafina para ganhar sustentação e ser fatiado com lâminas cortantes ou em um instrumento construído para essa finalidade – o micrótomo. Mesmo essas fatias finíssimas podiam revelar muito pouco; as células e seus conteúdos internos eram indistinguíveis. Mas aqueles microscopistas inventivos tentavam de tudo e logo descobriram que alguns corantes tingiam certas partes das células mas não outras. Em 1858, Gerlach descobriu que uma solução diluída de carmim corava mais intensamente o núcleo do que o citoplasma das células. Essa substância era obtida dos corpos secos da fêmea de um inseto (Coccus cacti), conhecido popularmente como cochonilha-do-carmim, que vive em cactos na América Central e sudoeste dos Estados Unidos. Em 1865, Böhmer descobriu que a hematoxilina, extraída do tronco de uma árvore (Haematoxylon campechianum) da América Central, também tinha maior afinidade pelo núcleo do que pelo citoplasma. Mais tarde foi sintetizada uma grande variedade de anilinas para a indústria téxtil e, entre 1875 e 1880, muitas delas mostraram-se úteis para corar células. Uma dessas anilinas era a eosina, que mostrou ter uma grande afinidade por proteínas citoplasmáticas. Um procedimento de coloração citológica corriqueiro até hoje usa hematoxilina e eosina (HE) e cora o núcleo em azul e o citoplasma em laranja. Da mesma forma, houve melhoria dos microscópios disponíveis para pesquisas citológicas, principalmente no final do século XIX. Muitas delas foram introduzidas por Ernst Abbe (1840-1905) e pela indústria óptica Zeiss em Jena, na Alemanha. Abbe foi, durante a maior parte de sua vida, professor de Física na Universidade em Jena e o principal projetista de lentes da companhia Zeiss, da qual se tornou dono. Em 1878, ele desenvolveu a objetiva de imersão em óleo e, em 1886, a objetiva apocromática. Essas melhorias nas mãos de um microscopista habilidoso tornava possível a obtenção de ampliações de até 2500 vezes. O microscópio fotônico estava chegando ao limite de seu poder de resolução teórico. Esse limite é imposto pela própria natureza da luz; isto é, dois objetos só podem ser resolvidos se a distância entre eles for, pelo menos, igual à metade do comprimento da onda utilizado. Oportunidades adicionais para se estudar a estrutura fina das células estavam ainda para vir com a invenção do microscópio de contraste-defase e do microscópio eletrônico, no século XX. 19 Veremos a seguir como os microscopistas do último terço do século XIX foram capazes de usar a tecnologia disponível na época e estabelecer, como uma hipótese altamente provável, que a base física da hereditariedade está no núcleo da célula, ou mais especificamente nos cromossomos. Não devemos ficar imaginando que esses investigadores não faziam outra coisa senão examinar células vivas e fixadas com o melhor equipamento óptico disponível, descrevendo do modo mais preciso o que viam. Um problema constante era se uma dada estrutura observada em uma preparação citológica refletia ou não algo presente na célula viva, ou se era um simples artefato resultante do drástico tratamento a que as células eram submetidas para poderem ser observadas no microscópio. Uma preparação citológica realmente reflete a estrutura de uma célula viva? A resposta é “Não muito”; mas se o tratamento produz sempre o mesmo resultado é possível imaginar como eram as preparações quando vivas. Apesar disso, nenhuma descoberta importante em Citologia no século XIX foi aceita de imediato. As observações eram repetidas e as conclusões originais confirmadas por uns e contestadas com veemência por outros. Uma interpretação errada podia fazer com que muitos citologistas perdessem meses na tentativa de repetir as observações. Aconteciam debates intermináveis sobre a estrutura fina do protoplasma uma vez que, como era admitido, estava-se olhando para a base fundamental da vida. Muitos citologistas acreditavam que o protoplasma fosse granular, ou um retículo fibroso, ou alveolar (composto de gotas) ou alguma combinação disso. A Citologia como um caminho para o conhecimento, especialmente no século XIX, nos mostra que a ciência não progride de maneira ordenada mas por meio de testes e retestes constantes das observações, dos experimentos e das hipóteses. Longe de ser uma linha direta em direção à verdade, esse caminho assemelha-se mais àquele retículo que alguns viam como a estrutura básica do protoplasma. (Devemos ressaltar que o termo protoplasma é raramente utilizado nos dias de hoje. Uma vez que ele significa nada mais do que “substância viva”, Hardin [1956] sugeriu que poderíamos passar sem ele.) 20 O QUE EXISTE NAS CÉLULAS? Durante a última metade do século XIX, a hipótese de que os animais e plantas são compostos somente de células e produtos celulares estava estabelecida como uma verdade acima de qualquer suspeita nas mentes da maioria dos microscopistas competentes. Nós podemos falar, então, da teoria celular, usando o termo “teoria” como um corpo completo de dados, hipóteses e conceitos relativos a um importante fenômeno natural. Até hoje a teoria celular é o mais importante conceito relacionado com a estrutura de animais e plantas e no século XX ele foi sendo gradualmente aceito também como o mais importante conceito relativo ao funcionamento dos organismos. Essa enorme importância da teoria celular decorre do fato de ela estabelecer que as células são as unidades básicas de estrutura e função, que elas são as menores unidades capazes de ter vida independente, isto é, são capazes de usar substâncias obtidas do meio para manter e produzir o estado vivo. A célula é o denominador comum da vida. Existia uma outra razão importante para se estudar as células: a análise dos níveis mais simples de organização contribuem para o entendimento dos níveis mais complexos. As interações das substâncias químicas são melhor entendidas quando se conhece sua estrutura molecular. Os movimentos do corpo humano podem ser estudados em muitos níveis. Pode-se observar e descrever os complexos movimentos de um bailarino ou de um arremessador de beisebol. A compreensão aumenta quando se obtém informações sobre os diversos músculos e seus locais de ligação, que tornam os movimentos possíveis. Outros tipos de entendimento surgem quando se estuda os músculos no nível molecular. E, finalmente, mais informações ainda são obtidas quando se aprende sobre a atividade da miosina, da actina e de outras moléculas que participam da movimentação dos músculos. O conhecimento obtido em cada nível de organização contribui para um entendimento do fenômeno como um todo, enquanto cada nível mantém seu próprio valor. Entender a arte de um bailarino ou de um esportista meramente com o conhecimento sobre actina e miosina seria tão impossível quanto predizer as propriedades da água a partir do conhecimento sobre os elementos hidrogênio e oxigênio. No entanto, pode-se conhecer melhor os níveis mais complexos se conhecermos os mais simples. Assim, os biólogos do século XX já pensavam que poderiam saber mais sobre a vida se conhecessem melhor as células. Quando examinavam as células, aqueles citologistas pioneiros encontravam todo tipo de esferas, de grânulos e de fibras. Como seria possível determinar qual dessas estruturas teria um papel na hereditariedade? Ou melhor, como seria possível determinar a função de qualquer estrutura presente nas células? Essa é uma questão difícil e os citologistas daquela época não conseguiam respondê-la. Eles não podiam fazer outra coisa senão investigar as células de modo aleatório. Este foi um estágio necessário no desenvolvimento da Citologia – a identificação de estruturas nas células e, quando possível, descobrir alguma coisa sobre seu comportamento. Aparentemente se pesquisavam células de todo animal e planta disponível à procura de exemplos de estruturas celulares e, um a um, todos os reagentes disponíveis nas estantes dos químicos foram colocados sobre as células e suas conseqüências observadas – em geral matavam as células. Esse período da Citologia foi de “procura e destruição.” O núcleo efêmero Como mencionado anteriormente, as dificuldades em se analisar células vivas fizeram das preparações fixadas e coradas o material ideal de estudo. Nesse tipo de preparação, a estrutura mais proeminente é o núcleo descrito por Brown. Muitos corantes, especialmente os corantes básicos como o carmim e a hematoxilina, coravam o núcleo profundamente; isto, juntamente com a aparente presença universal do núcleo, sugeria que ele tivesse um papel importante. Mas qual seria a origem do núcleo da célula? Levou mais de meio século de observações e experimentações por parte de numerosos pesquisadores para que essa questão fosse respondida. Em 1835, Valentin sugeriu que o núcleo seria formado pela precipitação de substâncias no interior da célula. Três anos mais tarde, Schleiden e, em seguida, Schwann também sugeriram que o núcleo podia se originar de novo. Até por volta 21 de 1870, alguns pesquisadores famosos acreditavam que pelo menos alguns núcleos podiam ter uma origem não-nuclear. Nessa mesma época, outros pesquisadores igualmente competentes estavam clamando que todos os núcleos surgiam de núcleos préexistentes. Diversos processos foram sugeridos – em geral alguma forma de partição em dois ou fragmentação, um mecanismo que mais tarde foi denominado amitose. Não havia nenhuma razão, é claro, porque os núcleos teriam de surgir por apenas um tipo de mecanismo. Considerando a enorme variedade de fenômenos naturais, não seria surpresa se houvesse diversas maneiras de surgimento de núcleos. No entanto, os cientistas procuram regularidades na natureza e seria mais satisfatório intelectualmente se houvesse um mecanismo constante para a origem do núcleo. A DESCOBERTA DA DIVISÃO CELULAR Em 1873, A. Schneider publicou o que agora pode ser tomado como a primeira descrição razoável das complexas alterações nucleares, hoje chamadas de mitose, que ocorrem durante a divisão da célula. Neste ano, Otto Bütschi e Hermann Fol fizeram descrições semelhantes. A descrição de Schneider foi a mais completa; seu objetivo era descrever a morfologia de Mesostoma sp., um platelminto. Quase todo seu trabalho é dedicado à estrutura desse verme mas, sendo um observador cuidadoso, ele descreveu tudo o que viu. A fertilização em Mesostoma sp. é interna e o início do desenvolvimento ocorre em um útero. As ilustrações do que ele viu estão mostradas na figura 3. Os primeiros desenhos mostram o ovo rodeado por células foliculares. Na região bem central está o pequeno núcleo com seu pequeno nucléolo. As estruturas espirais são espermatozóides. O ovo é a área clara central da ilustração e os glóbulos menores ao seu redor são as células foliculares, que não foram representadas nos desenhos seguintes. Pouco antes da célula se dividir o limite do núcleo se torna indistinto. Schneider, no entanto, verificou que com a adição de um pouco de ácido acético ele se tornava visível, apesar de dobrado e enrugado. Mais tarde o nucléolo desaparecia e tudo o que restava do núcleo era uma área clara na região central da célula. Figura 3. Ilustrações de Schneider (1873) das alterações nucleares durante a clivagem do ovo de Mesostoma. À esquerda, desenho de um ovo (zona clara central, onde se vê o núcleo com um nucléolo) rodeado por células foliculares. As outras figuras mostram os filamentos, hoje chamados de cromossomos, e seus movimentos durante a divisão da célula. aumentar e quando a célula se dividia eles iam para as células-filhas. O que alguém faria com essas observações? A resposta está longe de ser clara. Se não era possível ver os filamentos nas células vivas e, se eles apareciam repentinamente quando as células No entanto, o tratamento com ácido acético mostrava uma massa de filamentos delicados e curvos. O segundo desenho mostra esses filamentos, os cromossomos (um termo que só seria proposto em 1888, por Waldeyer) alinhados em uma placa equatorial. A quantidade de filamentos parecia B A D C E Figura 4. Ilustrações de Flemming de mitoses em células fixadas e coradas de embrião de salamandra. A.) Duas células em intérfase: não existem cromossomos visíveis. B.) Célula em prófase: os nucléolos já desapareceram, mas a membrana nuclear continua intacta; o citoplasma não está mostrado. C.) Célula em início de metáfase: a membrana nuclear desapareceu e os centrossomos se separaram. D.) Uma preparação de excelente qualidade, onde se vê os cromossomos metafásicos duplos, isto é, compostos por duas cromátides. E.) As cromátides se separam e se movem para os pólos do fuso. F.) Célula em final de divisão com os cromossomos dos núcleosfilhos sendo envolvidos pela membrana nuclear. (Flemming, 1882) F 22 Figura 5. Ilustrações de Flemming de mitose em células vivas de larva de salamandra. Os desenhos estão organizados em seqüência, começando com a prófase, no canto superior à esquerda, e terminando com duas células, na fileira inferior. Os dois últimos desenhos mostram os cromossomos vistos do pólo da célula e uma telófase em vista lateral, respectivamente. O desenho mais à direita na segunda fileira mostra que os cromossomos estão duplos. (Flemming, 1882) eram tratadas com ácido acético, não seria razoável pensar que eles fossem um artefato? No entanto, o fato de os filamentos serem observados repetidamente, e de eles parecerem sofrer estranhos movimentos, sugeria que já estivessem presentes na célula viva, numa forma invisível. Flemming teve sucesso em determinar que os eventos nucleares observados na célula em divisão em materiais fixados e corados tinham sua contrapartida na célula viva. Apesar de não ter descoberto a mitose, devemos a ele mais do que a qualquer outro o conceito de mitose que temos hoje; apenas detalhes do processo foram adicionados à sua descrição. (Fig. 4 e 5) O sucesso de Flemming foi conseguido graças a alguns fatores: material que ele selecionou para seu estudo; ter sido cuidadoso em procurar nas células vivas as estruturas observadas nas células fixadas e coradas; ter à sua disposição microscó23 pios muito melhores do que os existentes anteriormente. O uso de células vivas, além de dar a confiança de que o observado era real e não artefato, permitiu também determinar a seqüência dos eventos. As fases da mitose Costuma-se dizer que um núcleo que não está sofrendo divisão encontra-se em repouso. Esse é um termo infeliz pois sugere inatividade e hoje nós sabemos que a maior atividade fisiológica do núcleo acontece durante esse período. Flemming não viu cromossomos nos núcleos em “repouso” de células vivas. Esses núcleos pareciam não ter nenhuma estrutura interna. Quando essas células eram fixadas e coradas via-se que seus núcleos continham uma rede densa com grande afinidade por certos corantes, além de um ou dois grânulos esféricos, os nucléolos. Mudanças no núcleo são as primeiras evidências que a mitose está a caminho. No núcleo vivo, aparentemente desprovido de estruturas, aparecem longos e delicados fios. Quando eles podem ser vistos, é o começo da prófase. (A mitose é um processo contínuo; ela é dividida em fases pelos citologistas apenas com o intuito de facilitar sua descrição.) Esses fios se condensam em cromossomos que se posicionam no meio da célula na metáfase, época em que a membrana nuclear já desapareceu. Em células coradas podese ver que os cromossomos estão presos a um elaborada estrutura fibrosa – o fuso. Células coradas podem mostrar também a presença de minúsculos grânulos nas extremidades do fuso – os centríolos. Elas podem mostrar também um outro conjunto de fibras, os raios astrais, que irradiam dos centríolos. Durante a anáfase das células vivas, os cromossomos se separam em dois grupos que se movem através do fuso para pólos opostos da célula. Quando os cromossomos atingem as extremidades do fuso, é a telófase. Os cromossomos nas células vivas se tornam cada vez menos distintos e a membrana nuclear se refaz. O núcleo está de novo em “repouso”. O que se pode concluir desse processo? É óbvio que todas as estruturas celulares precisam ser reproduzidas para que as célulasfilhas sejam idênticas à célula-mãe. Flemming foi capaz de explicar como isso acontece para os cromossomos. Se os cromossomos de uma célula vão ser divididos igualmente entre as célulasfilhas, eles precisam dobrar em número em algum estágio do ciclo celular. Flemming observou que, quando os cromossomos aparecem pela primeira vez no início da prófase eles já estão duplos; assim, em algum momento entre seu desaparecimento na telófase e seu reaparecimento na prófase, cada cromossomo deve ter se duplicado. Hoje, é claro, nós consideramos os cromossomos como estruturas permanentes nas células mesmo sendo eles visíveis apenas na mitose. Nós também reconhecemos a individualidade dos cromossomos, isto é, que eles existem em geral em pares homólogos, cada par contendo um conjunto específico de genes. Essas conclusões poderiam ter sido tiradas a partir das observações de Flemming? Na verdade não. E as hipóteses a seguir, poderiam ser refutadas? Você poderia argumentar o seguinte: como o processo mitótico assegura que cada célula-filha receba seu lote de cromossomos isto deve indicar, sem muita dúvida, que um mecanismo tão elaborado e preciso para duplicação e distribuição é de importância fundamental. E o que pode ser mais importante do que assegurar que os elementos controladores da hereditariedade e da vida de cada célula cheguem até elas? Mas alguém pode responder que, sendo as células-filhas idênticas à célula-mãe, todos os produtos celulares são reproduzidos. Pode-se argumentar que é mero acidente que o processo de reprodução e distribuição seja mais facilmente observado nos cromossomos. Não existe razão, portanto, para não assumirmos que cromossomos, membranas celulares e todos aqueles grânulos e glóbulos observados no citoplasma possam ter igual chance de estarem envolvidos na hereditariedade. A DESCOBERTA DA MEIOSE Flemming e muitos outros citologistas seus contemporâneos estavam considerando que as divisões mitóticas do núcleo aconteciam em toda divisão celular. A reunião de inúmeras observações em células de um grande número de espécies de plantas e animais permitia que se fizesse esta afirmação geral. Note que isso é um bom exemplo de indução. Nós podemos agora usar essa afirmação geral como uma hipótese a ser testada. Isto é, nós podemos partir para um raciocínio dedutivo. Por exemplo: se a hipótese de que o núcleo sempre divide por mitose for verdadeira, então o número de cromossomos deve dobrar a cada geração. Isso seria inevitável. Como os núcleos do óvulo e do espermatozóide se unem na fertilização, caso eles se formassem por mitose, o zigoto deveria ter duas vezes o número de cromossomos de seus genitores. Mas isso não acontece: Flemming e outros citologistas estavam cientes de que o número de cromossomos parecia ser o mesmo em todos os indivíduos e em todas as gerações de uma espécie. Obviamente existe um problema com essa hipótese. Deveria haver algum mecanismo que reduziria o número de cromossomos antes ou durante a fertilização. Seria possível supor que, quando os núcleos do óvulo e do espermatozóide se fundiam na fertilização, os cromossomos também se fundiriam uns com os outros, sendo que metade de cada um deles seria destruída. Uma 24 Fig. 33 Fig. 43 Fig. 36 Fig. 45 Fig. 42 Fig. 46 Figura 6. Ilustrações da meiose em fêmea de Ascaris. Anteriormente às etapas mostradas nos desenhos, os cromossomos haviam se duplicado e se emparelhado, formando duas tétrades. Estas se separaram na primeira divisão meiótica e duas díades foram para o primeiro corpúsculo polar, enquanto que as outras duas permaneceram nos óvulos. Isto é mostrado no desenho 33 de Boveri. No desenho 36, as díades estão em rotação antes da sua separação na segunda divisão meiótica. O segundo corpúsculo polar pode ser visto na posição correspondente à das duas horas. Os desenhos 42 e 43 mostram as díades se separando. No desenho 45, a segunda divisão já terminou e o segundo corpúsculo polar com seus dois cromossomos aparece na superfície do óvulo; o primeiro corpúsculo polar está acima dele. Os dois cromossomos no óvulo estão para formar o pró-núcleo feminino. O desenho 46 mostra o primeiro corpúsculo polar na posição correspondente à das 3 horas, o segundo corpúsculo polar na superfície do óvulo, na posição correspondente à das 12 horas, o pró- núcleo. hipótese alternativa é que ocorresse redução do está contida no núcleo das células germinativas, número de cromossomos durante a formação dos no filamento enovelado no interior do núcleo [alguns citologistas pensavam que os óvulos e dos espermatozóides nas gônadas. cromossomos formavam um fio contínuo ou O significado dos corpúsculos polares. espirema durante a interfase], que em certos Vários pesquisadores tinham descrito, em períodos aparece na forma de alças ou barras diversas espécies animais, a eliminação de minús- [estes eram os cromossomos nos estágios culas esferas na região do pólo animal do óvulo, mitóticos]. Nós podemos, além disso, considerar por ocasião da fertilização. Essas esferas logo que a fertilização consiste no fato de um número desapareciam e, como pareciam não ter função igual de alças [cromossomos] de cada genitor alguma, foram denominadas corpúsculos polares. ser colocado lado a lado, e que o núcleo do zigoto Observou-se também que na partenogênese for- é composto desta maneira. No que diz respeito a mava-se um único corpúsculo polar, mas que nos esta questão, não tem importância se as alças óvulos fertilizados eles sempre pareciam ser dois. [cromossomos] dos dois pais se misturam mais Em algumas espécies, um corpúsculo era formado cedo ou mais tarde ou se permanecem separadas. antes da fertilização e um segundo, depois da A única conclusão essencial necessária à nossa entrada do espermatozóide. Em outras espécies, hipótese é que a quantidade de substância os dois corpúsculos polares eram formados após hereditária fornecida por cada um dos genitores seja igual ou aproximadamente igual entre si. a fertilização. (Fig. 6) Em 1887, August Weismann propôs uma Se for assim, as células germinativas dos hipótese para explicar a constância da quanti- descendentes conterão os germoplasmas de amdade de material hereditário de uma geração bos os pais unidos, isso implica que tais células para outra. Com base na observação de muitos só podem conter metade do germoplasma citologistas, ele diz: “pelo menos um certo paterno, como estava contido nas células gerresultado sugere que exista uma substância minativas do pai, e metade do germoplasma hereditária, um material portador de materno, como estava contido nas células tendências hereditárias, e que esta substância germinativas da mãe.” 25 Weismann acreditava que a redução à metade do material hereditário da mãe, necessária à sua hipótese, ocorria quando o segundo corpúsculo polar era formado. Diz ele: “Minha opinião sobre o significado do segundo corpúsculo polar é, em poucas palavras, esta: a redução do germoplasma acontece na sua formação, uma redução não só em quantidade, mas sobretudo na complexidade de sua constituição. Por meio da segunda divisão nuclear, evita-se o acúmulo de diferentes tipos de tendências hereditárias ou germoplasmas que, sem isso, seria necessariamente produzido em excesso pela fertilização. Com o núcleo do segundo corpúsculo polar são removidos do óvulo tantos tipos diferentes de idioplasmas [um termo usado na época para designar o material hereditário] quantos serão posteriormente introduzidos pelo núcleo do espermatozóide; assim, a segunda divisão do núcleo do óvulo serve para manter constante o número de diferentes tipos de idioplasmas, que compõem o germoplasma durante o curso das gerações.” E, se a constância é mantida de geração a geração, Weismann supõe que um processo similar precisaria ocorrer no macho. Ele diz: “Se o número de germoplasmas ancestrais contido no núcleo do óvulo destinado para a fertilização deve ser reduzido à metade, não pode haver dúvida que uma redução semelhante também deve ocorrer, em alguma época e de alguma maneira, nos germoplasmas das células germinativas do macho.” Na época em que essas surpreendentes predições foram feitas (surpreendentes porque se mostraram essencialmente corretas) os citologistas estavam encontrando evidências que as apoiavam. A observação mais importante estava sendo feita no verme nematóide Ascaris, que tem a grande vantagem de possuir poucos cromossomos e de grande tamanho, o que os torna fáceis de serem estudados. Meiose na fêmea de Ascaris Na penúltima década do século XIX, foram feitas importantes contribuições para o entendimento da formação dos gametas e da fertilização. Três citologistas merecem referência especial: Edouard van Beneden (1846-1912), Theodor Boveri (1862-1915) e Oskar Hertwig (18491922). Eles descobriram que ocorrem duas divisões celulares diferentes durante a formação dos gametas, as quais resultam na redução do número de cromossomos à metade – como Weismann previu que deveria acontecer. Estas duas divisões são divisões mitóticas modificadas e foram denominadas divisões meióticas – os nomes são tão parecidos que continuam a causar problema para os estudantes até hoje. Na descrição que se segue, utilizaremos a terminologia moderna. O ovário de Ascaris começa a se formar no início do desenvolvimento e o extraordinário aumento no número de suas células é conseqüência de divisões mitóticas. Cada núcleo tem quatro cromossomos, o número diplóide, e pode-se notar que cada cromossomo aparece duplo já no início da prófase. Nessa fase, eles estão formados por duas cromátides, indicando que eles se duplicaram antes do início da divisão. Na mitose, as oito cromátides são divididas entre as duas célulasfilhas, o que resulta em quatro cromossomos em cada uma delas. À medida que a fêmea de Ascaris amadurece, seu ovário passa a conter células aumentadas, as ovogônias, ainda com o número diplóide de cromossomos. A célula reprodutiva feminina permanece diplóide até ser libertada do ovário e penetrada pelo espermatozóide. É somente então que a meiose começa e os corpúsculos polares são formados. A figura 6 (de Boveri, 1887) mostra o que acontece. No começo da meiose, cada um dos quatro longos cromossomos da ovogônia encurta e toma o aspecto de uma pequena esfera. Estes quatro cromossomos então se juntam em pares, um processo conhecido como sinapse. Quando isso ocorre, cada um dos cromossomos já está duplicado, pois a duplicação ocorreu na intérfase precedente. Assim, a célula em início de meiose terá dois grupos com quatro cromátides cada. Cada um desses grupos é denominado tétrade. As tétrades se separam em uma divisão celular altamente desigual que resulta em um pequeno corpúsculo polar e uma célula grande, o futuro óvulo. Cada uma dessas duas células contém dois cromossomos duplicados. Portanto, cada tétrade foi dividida em duas díades. Na segunda divisão meiótica, observa-se uma característica essencial da meiose: os cromossomos não são duplicados. Então, cada díade se liga ao fuso e, na anáfase, suas duas cromátides 26 desenvolvimento, as células aumentam em número por divisões mitóticas, isto é, as células que se originam desse processo tem o número diplóide de quatro cromossomos (Bauer, 1893). No entanto, no testículo maduro, as duas últimas divisões antes de as células se diferenciarem em espermatozóides são diferentes. É quando ocorrem as divisões meióticas no macho. No que se refere aos cromossomos, os eventos são os mesmos que os da fêmea, mas quando se considera a célula como um todo, existem diferenças entre as divisões meióticas de macho e de fêmea. (Fig. 7) Durante a meiose do macho, os quatro cromossomos já duplicados se juntam dois a dois, formando dois pares, ou duas tétrades. Na vão para pólos opostos. A célula se divide novamente de modo desigual. O resultado é um minúsculo corpúsculo polar com dois cromossomos e um grande óvulo também com dois cromossomos. Assim, no decorrer das duas divisões que compõem a meiose, o número diplóide de quatro cromossomos da célula feminina foi reduzido ao número monoplóide de dois cromossomos. A hipótese de Weismann provou ser verdadeira, pelo menos para as fêmeas de Ascaris. Meiose no macho de Ascaris A previsão de Weismann para os machos também mostrou-se correta. Quando os testículos foram estudados, verificou-se que, durante o início do Em Ascaris, a fecundação é que desencadeia a meiose feminina. Células que irão formar espermatozóides possuem 4 cromossomos, o número diplóide. ➤ ➤ No início da meiose, ocorre o emparelhamento dos cromossomos homólogos. No início da meiose os cromossomos homólogos se emparelham. ➤ ➤ Os cromossomos emparelhados formam tétrades, cada uma com 4 cromátides. Os cromossomos emparelhados formam tétrades, cada uma com 4 cromátides. Os cromossomos homólogos separamse na primeira divisão da meiose. ➤ ➤ ➤ ➤ Os cromossomos homólogos se separam na primeira divisão da meiose. ➤ O primeiro glóbulo polar e o futuro óvulo contêm duas díades cada. ➤ ➤ Cada célula-filha da primeira divisão contém duas díades. ➤ A formação do segundo glóbulo polar deixa o óvulo com um número Não há duplicação haplóide de cromossomos. cromossômica antes da segunda divisão da meiose e as duas cromátides de cada díade se separam. ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ Os núcleos de origem paterna e materna se aproximam um do outro. ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ Cada pró-núcleo contribui com dois cromossomos para o zigoto, restabelecendo o número diplóide da espécie. Cada uma das células originadas na meiose diferencia-se em um espermatozóide. Figura 7. Representação esquemática da meiose masculina, à esquerda, e da meiose feminina, à direita em ascaris de cavalos. 27 deador do desenvolvimento do ovo, foi descoberto por J. L. Prévost e J. B. Dumas em 1824. No entanto, o real papel do espermatozóide não foi estabelecido nesse trabalho. Como relatado anteriormente, foi George Newport (1854) quem demonstrou que o espermatozóide penetra no óvulo das rãs. Mas o que acontece então? Ascaris mostrou-se um material muito bom para o estudo dos detalhes da fertilização, novamente devido ao fato de possuir poucos e grandes cromossomos. Van Beneden e Boveri descreveram o processo em detalhe. (Fig.8) A figura 8 mostra desenhos de Boveri, publicados em 1888. A primeira ilustração (A) é de um corte de um ovo logo após a entrada do espermatozóide. O pró-núcleo paterno aparece no quadrante inferior direito. As duas massas irregulares fortemente coradas são os dois cromossomos – dois é o número haplóide. A estrutura formando uma cápsula dobrada imediatamente acima do pró-núcleo paterno é o acrossomo, que é a parte da cabeça do espermatozóide composta por material do aparelho de Golgi. A massa granular escura no centro do óvulo é o centrossomo, que também se origina Fertilização e restabelecimento do número do espermatozóide. Existem quatro corpos diplóide de cromossomos escuros, aproximadamente na posição corresponO fato básico da fertilização, de que é o esper- dente à das 12 horas; os dois superiores são os matozóide e não o líquido seminal o desenca- cromossomos do segundo corpúsculo polar. Os primeira divisão meiótica os cromossomos de cada par se separam, indo uma díade (cromossomo duplicado) para cada pólo. No entanto, ao contrário da primeira divisão meiótica da fêmea, no macho são produzidas duas células de igual tamanho. Na segunda divisão meiótica não há replicação cromossômica, as díades se dividem e cada célula-filha termina com dois cromossomos. Assim, a partir de cada célula diplóide original, com quatro cromossomos, formam-se quatro células, cada uma com dois cromossomos, o número háplóide. Não há outras divisões dessas células e cada uma se diferencia em um espermatozóide. Uma diferença fundamental entre a mitose e a meiose é que na mitose há uma duplicação de cada cromossomo para cada divisão celular; na meiose há somente uma duplicação de cada cromossomo para duas divisões sucessivas. Então, a mitose é um mecanismo que mantém a constância do número cromossômico nas divisões celulares enquanto a meiose reduz esse número à metade. A D C B F E Figura 8. Ilustrações de Boveri da fertilização em Ascaris Veja explicação no texto. (Boveri, 1888) 28 no entanto, meióticas e não mitóticas. Durante estas duas divisões, as células se dividiam duas vezes mas os cromossomos se replicavam somente uma vez. Essas divisões celulares eram iguais, isto é, produziam, cada uma delas, duas células de mesmo tamanho. Isso resultava em quatro células de igual tamanho, cada uma com dois cromossomos, o número haplóide. As quatro células, então, se diferenciavam nos espermatozóides. Depois de muitos ciclos celulares de divisões mitóticas, algumas das células ovarianas aumentavam bastante em tamanho, formando os ovócitos. Como no caso dos machos, ocorriam duas divisões meióticas do material nuclear com somente uma única replicação dos cromossomos. A primeira divisão da célula era tão desigual que a maior parte do material permanecia na célula que iria originar o óvulo e só uma ínfima quantidade era incluída no primeiro corpúsculo polar. Isto se repetia na segunda divisão, produzindo um minúsculo segundo corpúsculo polar e um grande óvulo. Todavia, os núcleos do segundo corpúsculo polar e do óvulo eram idênticos – cada um continha um número haplóide de dois cromossomos. A meiose em Ascaris produzia, portanto, o espermatozóide monoplóide e o óvulo monoplóide. A união deles originava o zigoto diplóide – o início de um novo verme nematóide. Os processos estão sumarizados na figura 7. Estava claro pelo trabalho de van Beneden, Boveri e outros que cada genitor transmite o mesmo número de cromossomos ao zigoto. Além disso, os cromossomos no núcleo materno e paterno pareciam ser idênticos. Estas duas observações podiam ajudar a explicar o que já se acreditava há algum tempo: que a contribuição hereditária de cada genitor é aproximadamente a mesma. Este era um campo de pesquisa excitante e importante e logo muitos pesquisadores estavam estudando uma grande variedade de plantas e Significado da formação dos gametas e da animais. Com poucas exceções, o que se fertilização encontrou em Ascaris mostrou-se verdadeiro para Tudo estava acontecendo como previsto por todos os outros organismos. Certamente existiam Weismann. As células que iriam, muitas gerações pequenas variações, mas um estudo intenso serviu mais tarde, formar os gametas, tanto no ovário como somente para aumentar a profundidade do nosso no testículo de Ascaris, começavam com quatro entendimento do processo global. Um conceito cromossomos, o número diplóide. E, estas células de aplicação universal havia sido descoberto. As extraordinárias observações sobre o se dividiam repetidamente, sempre por mitose. Nos machos, as duas últimas divisões das células comportamento dos cromossomos na mitose, formadoras de espermatozóides no testículo eram, meiose e fertilização, feitas entre 1870 e 1890, dois de baixo são os cromossomos, em número haplóide, do pró-núcleo materno. O segundo corpúsculo polar aparece nos cortes de embriões mostrados em (C) e (E). Em (B), os pró-núcleos materno e paterno já se aproximaram um do outro e seus cromossomos tornaram-se indistintos. Em (C) os cromossomos alongaram-se bastante e, embora agora saibamos que existem apenas dois cromossomos em cada pró-nucleo, isto não pode ser visto na ilustração (este é um exemplo claro da grande dificuldade enfrentada pelos citologistas para chegarem à conclusão de que o número de cromossomos de qualquer espécie é constante e que os cromossomos são individualmente únicos – na maioria das vezes eles pareciam tão emaranhados como um prato de espaguete). Pode-se distinguir dois grânulos escuros no centrossomo: os centríolos. Em (D), os cromossomos tornaram-se distintos uma vez mais [de (B) a (C) eles estavam em um estágio modificado de “repouso”] e vê-se dois em cada pró-núcleo. O centrossomo dividiu-se em dois, cada um deles com um centríolo no centro. Este processo continua através de (E). Em (F), os quatro cromossomos, dois de cada prónúcleo, estão alinhados no fuso e, logo depois disso, pode-se ver que cada um está duplicado, isto é, composto por duas cromátides. As cromátides irão se separar para formar cromossomos independentes que vão para pólos opostos da célula. A forma do aparelho mitótico está bem mostrada em (F). Em cada extremidade do fuso encontra-se um minúsculo centríolo, cercado por uma área granular escura – o centrossomo. Em material bem preservado, pode-se observar fibras irradiando de cada centrossomo, formando um áster. Outras fibras se estendem de um centrossomo ao outro, formando o fuso. Em (F), célula em metáfase da primeira divisão embrionária com os cromossomos alinhados na placa equatorial. 29 Provou-se que toda fertilização do óvulo, envolve a união ou estreita associação de dois núcleos, um de origem materna e o outro de origem paterna. Está estabelecido o fato, algumas vezes chamado de “lei de van Beneden” em homenagem ao seu descobridor, que estes núcleos germinativos primários dão origem a grupos semelhantes de cromossomos, cada um contendo metade do número encontrado nas células do corpo. Demonstrou-se que quando novas células germinativas são formadas cada uma volta a receber apenas metade do número característico de cromossomos das células do corpo. Acumularam-se evidências, especialmente pelos estudos admiráveis de Boveri, que os cromossomos de sucessivas gerações de células, que normalmente não são vistos nos núcleos em repouso, na realidade, não perdem sua individualidade, ou que de uma maneira menos óbvia eles se adaptam ao princípio da continuidade genética. Desses fatos, tirou-se uma conclusão de que os núcleos das células do corpo são diplóides ou estruturas duplas, descendentes igualitários dos grupos de cromossomos de origem materna e paterna do ovo fertilizado. Esses resultados, continuamente confirmados pelos trabalhos dos últimos anos [isto é, ciência normal], gradualmente tomaram um lugar central na Citologia; [...] Uma nova era de descobertas agora se abre [um novo paradigma]. Assim que o fenômeno mendeliano tornou-se conhecido ficou evidente que em linhas gerais, ele forma um complemento para aqueles fenômenos que a Citologia já tinha tornado conhecido a respeito dos cromossomos.” Esta citação é parte da famosa Croonian Lecture to the Royal Society of London proferida por Wilson em 1914. Nessa época as relações entre cromossomos e herança já haviam sido testadas e se mostrado verdadeiras acima de qualquer suspeita.. principalmente na Alemanha, forneceram um quadro geral para a transmissão de geração a geração das estruturas fundamentais responsáveis pela herança. Pode-se argumentar, com razão, que esses estudos não forneceram qualquer evidência crucial de que os cromossomos seriam, de fato, a base física da hereditariedade. Eles apenas sugeriam que os cromossomos poderiam desempenhar tal papel. Nem mesmo durante as últimas duas décadas do século XIX se chegou próximo à descoberta de como seria possível estabelecer o papel de uma estrutura celular na herança. Tanto a Citologia como o que atualmente chamamos de Genética estavam no estágio de ciência normal Kuhniana, esperando pela chegada de um novo paradigma. Isso iria ocorrer, de uma forma dramática, no ano de 1900. Mas antes de entrarmos no século XX, podemos concluir com este sumário de E. B. Wilson sobre o que havia sido estabelecido durante o florescimento da Citologia no último quarto do século XIX. “O trabalho da Citologia neste período de estabelecimento de seus fundamentos construiu uma base ampla e substancial para as nossas concepções mais gerais de hereditariedade e seu substrato físico. Foi demonstrado que a base da hereditariedade é uma conseqüência da continuidade genética das células pela divisão e que as células germinativas são o veículo da transmissão de uma geração para outra. Acumularam-se fortes evidências de que o núcleo da célula desempenha um papel importante na herança. Descobriu-se o significativo fato de que em todas as formas ordinárias de divisão celular o núcleo não divide “em massa” mas que primeiro ele se transforma em um número definido de cromossomos; estes corpos, originalmente formados por longos fios, dividem-se longitudinalmente para efetuar uma divisão merismática da substância nuclear inteira. EXERCÍCIOS PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS Preencha os espaços em branco nas frases de 1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado. 1. ( ) é um tipo de divisão nuclear em que os núcleos-filhos conservam o mesmo número de cromossomos do núcleo original. (a) anáfase (b) meiose 2. A migração dos cromossomos para os pólos ocorre na ( ). (c) metáfase (d) mitose (e) prófase (f) telófase 30 3. ( ) é um tipo de divisão nuclear que reduz à metade o número de cromossomos nos núcleos-filhos. PARTE B: L IGANDO CONCEITOS 4. Cromossomos arranjados na região equatorial da célula caracteriza a fase da divisão chamada ( ). 5. ( ) é a primeira fase da divisão celular, na qual os cromossomos se tornam evidentes. Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 18 a 21. a. fertilização b. meiose c. mitose 18. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica para duas divisões celulares. 19. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica para uma divisão do citoplasma. 6. ( ) é a fase final da divisão celular, em que os núcleos se reorganizam. 20. Apenas células diplóides se dividem por ( ). 21. Células diplóides e haplóides se dividem por ( ). Preencha os espaços em branco nas frases de 7 a 11 usando o termo abaixo mais apropriado. Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 22 a 25. (a) corpúsculo polar (c) haplóide (e) ovogônia (b) diplóide (d) ovócito a. células diplóides b. células haplóides 7. ( ) é uma célula que está sofrendo meiose e dará origem a um gameta feminino. 22. Ovogônias são sempre ( ). 8. Uma célula animal feminina que irá sofrer meiose é chamada ( ). 23. Gametas são sempre ( ). 9. ( ) é o termo usado para designar uma célula que possui dois conjuntos de cromossomos. 10. ( ) é o nome das minúsculas células que se formam no decorrer da meiose feminina. 24. Zigotos são sempre ( ). 25. Meiose produz sempre ( ). 26. Dos cinco eventos listados a seguir, quatro ocorrem tanto na mitose quanto na meiose. Indique qual deles acontece essencialmente na meiose? a. Condensação dos cromossomos. b. Formação do fuso. c. Emparelhamento dos cromossomos. d. Migração dos cromossomos. e. Descondensação dos cromossomos. 11. ( ) é o termo que designa uma célula que possui apenas um conjunto de cromossomos. Preencha os espaços em branco nas frases de 12 a 17 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) cromátide (b) díade (c) fertilização E FATOS (d) pró-núcleo (e) sinapse (f) tétrade Utilize as alternativas abaixo para completar as frase de 27 e 28. 12. Dois cromossomos emparelhados no início da meiose formam um(a) ( ). 13. O emparelhamento de cromossomos na meiose é chamado ( ). a. Antonie van Leeuwenhoek b. Nehemiah Grew c. Robert Brown d. Robert Hooke 14. ( ) é o nome do núcleo do espermatozóide ou do óvulo imediatamente antes de eles se fundirem para formar o núcleo do zigoto. 27. ( ) é considerado o descobridor da célula. 28. ( ) foi o descobridor do núcleo celular. 15. Um cromossomo duplicado, formado portanto por dois filamentos idênticos, é chamado ( ). 16. ( ) é nome que se dá a cada um dos dois filamentos que formam um cromossomo duplicado. Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 29 a 33. a. August Weismann b. Rudolph Virchow c. Theodor Schwann d. Walther Flemming 29. A idéia de que a formação do corpúsculo polar é uma estratégia para a redução do material hereditário do óvulo foi lançada em 1887 por ( ). 17. A fusão de dois gametas com formação de um zigoto é chamada ( ). 31 30. Um dos formuladores da teoria celular foi ( ). 31. A célebre frase “omnis cellula e cellula”, indicando que toda célula provém da divisão de outra célula, foi cunhada em 1855 por ( ). 32. ( ) é considerado o descobridor da mitose pelo fato de ter demonstrado que os eventos cromossômicos observados em células fixadas e coradas ocorriam nas células vivas. 33. A teoria celular mostrou que, apesar das diferenças visíveis a olho nu, todos os seres vivos são iguais em sua constituição básica, pois a. são capazes de se reproduzir sexuadamente. b. são formados por células. c. contêm moléculas. d. se originam de gametas. a. Espermatozóide. b. Óvulo. c. Primeiro corpúsculo polar. d. Segundo corpúsculo polar. e. Ovócito primário. f. Ovócito secundário. 37. Qual é a hipótese central da teoria celular? 38. Por que foi difícil estender o conceito de célula para os animais? 39. Que critério Schwann utilizou para estabelecer relações de semelhança entre as unidades microscópicas que compõem o corpo dos animais e das plantas? 40. Que tipo de observação permitiu concluir que espermatozóides eram células? 41. Por que não se deve chamar o núcleo interfásico de núcleo em repouso, como faziam os antigos citologistas? Por que era usado aquele nome? 34. Os vírus não são exceções à teoria celular pois a. são formados por células. b. formam gametas. c. são organismos vivos. d. só conseguem se reproduzir no interior de uma célula viva. 42. O que Weismann imaginou ser necessário para manter a constância do número de cromossomos através das gerações? 43. Identifique as principais diferenças entre mitose e meiose. PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR O número diplóide de cromossomos da espécie humana é 46. Essa informação deve ser usada para responder as questões 35 e 36. 35. Determine o número de filamentos cromossômicos (cromátides) presentes em um núcleo celular humana em a. prófase mitótica. d. telófase mitótica. b. prófase I da meiose. e. telófase I da meiose. c. prófase II da meiose. f. telófase II da meiose. Obs. No caso das telófases, considere apenas um dos núcleos em formação. 36. Determine o número de filamentos cromossômicos (cromátides) presente em cada um dos tipos celulares relacionados a seguir. 32 44. Analise os tipos de argumento usados para justificar a idéia de que a informação hereditária estaria contida nos gametas. 45. Que tipo de raciocínio dedutivo levou os antigos citologistas a concluir que a mitose não poderia ser o único tipo de divisão celular? 46. Qual é o significado da meiose e da fertilização no ciclo de vida dos organismos? 47. Que importantes paradigmas direcionaram as pesquisas citológicas nos primeiros dois terços e no último terço do século XIX, respectivamente? M ENDELISMO: AS LEIS DA SEGREGAÇÃO E DA SEGREGAÇÃO INDEPENDENTE Terceira aula Objetivos (T3) 1. Identificar as épocas da descoberta e redescoberta das leis fundamentais da hereditariedade, assim como os pesquisadores envolvidos. 2. Identificar as vantagens da ervilha para o estudo da hereditariedade. 3. Descrever os experimentos de Mendel. 4. Explicar como Mendel testou suas hipóteses sobre hereditariedade. 5. Enunciar a primeira e a segunda leis de Mendel. Texto adaptado de: MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986. AS ORIGENS DA GENÉTICA O ano de 1900 marca o início da Genética Moderna. Foi quando um modesto, subestimado e esquecido trabalho de um monge Agostiniano, falecido em 1884, tornou-se conhecido pela comunidade científica em geral. A área de cruzamento animal e vegetal tinha passado por um período longo e não-excitante de “ciência normal” kuhniana, mas em 1900 estava para acontecer uma notável mudança de paradigma e a Genética estava a caminho de se tornar uma Ciência com ampla capacidade de explicar fatos e de fazer previsões. O novo paradigma surgiu com a descoberta de um trabalho longo e pouco conhecido, Versuche über Pflanzen-Hybriden, baseado em conferências que Gregor Mendel proferiu na Sociedade de História Natural de Brünn, na Áustria (hoje Brno, na atual República Tcheca) em 8 de fevereiro e 8 de março de 1865, publicado em 1866. A história é familiar aos professores de Biologia e uma fonte apropriada de documentos básicos é fornecida por Stern & Sherwood (1966). Dois cientistas, o holandês Hugo de Vries (1900) e o alemão Carl Correns (1900) são considerados como os primeiros a compreender a importância do que Mendel tinha feito. Um terceiro cientista, o austríaco Erick von Tschermark, é usualmente 33 incluído como um dos redescobridores mas Stern e Sherwood (1966, p. X-XI) dão razões de porque ele não merece esse reconhecimento. De Vries havia cruzado numerosas “espécies” e variedades de plantas durante a última década do século XIX. Naquela época, o termo “espécie” era às vezes aplicado para plantas cultivadas que diferiam entre si por um ou poucos alelos capazes de produzir grandes alterações fenotípicas e que hoje são considerados como pertencentes à mesma espécie. De Vries adotou o ponto de vista de que estas diferentes “espécies” poderiam ser consideradas “como constituídas de fatores independentes” ou unidades e que, “As unidades determinantes dos caracteres específicos das espécies devem ser consideradas, nesse sentido, como entidades nitidamente separadas e deveriam ser estudadas como tal. Elas deveriam ser sempre tratadas como independentes umas das outras, uma vez que não há razão para ser de outro modo. Em todo experimento de cruzamento, apenas um caráter, ou um número definido deles, deve ser considerado.” De Vries se referiu a caracteres em estados antagônicos mas observou que somente um desses estados se expressava nos híbridos (isto é, em F1). Contudo quando os grãos-de-pólen e óvulos eram formados nos híbridos “os dois estados antagônicos das características se separavam, seguindo na maioria das vezes as leis simples da probabilidade”. De Vries verificou que essas conclusões essenciais a que havia chegado tinham sido apresentadas 35 anos antes por Mendel, cujo trabalho tinha sido esquecido e seu significado não compreendido. A história de como De Vries tomou conhecimento do trabalho de Mendel é bem interessante. Ele não o descobriu por meio de pesquisa bibliográfica, mas por um desses acasos extraordinários que parecem ser de grande importância nas descobertas científicas. Um cientista holandês, Professor Beyerinck, sabia que De Vries estava trabalhando com hibridação de plantas e escreveu perguntando se ele não estaria interessado em uma antiga publicação sobre o assunto. Era o trabalho de Mendel. A carta e a publicação chegaram às mãos De Vries em 1900, justamente quando ele estava preparando seus próprios resultados para publicação. Ele estava preparado para compreender que estava confirmando os experimentos anteriores e mais completos de Mendel. A história sobre Correns é igualmente interessante. Ele também tinha realizado experimentos de cruzamento com plantas e estava tentando desenvolver uma hipótese para explicar os resultados obtidos. No outono de 1899, a solução veio a ele num “estalo” que, com mais freqüência do que se imagina, parece ser a origem de rupturas verdadeiramente importantes em Ciência. Pouco tempo depois ele encontrou o trabalho de Mendel e o leu. Ele publicou seus próprios resultados e mostrou sua semelhança com os de Mendel. A famosa obra de Gregor Mendel não é um trabalho científico no sentido convencional, mas um conjunto de conferências que ele apresentou na Sociedade de História Natural de Brünn em 1865. Os dados completos nunca foram publicados mas, a parte que ele incluiu, juntamente com sua extraordinária análise dos resultados, coloca sua contribuição no mesmo nível da de Charles Darwin. Mendel estava plenamente consciente dos experimentos de cruzamentos de plantas, normalmente chamados de hibridação, que haviam sido realizados durante anos por muitos cientistas famosos. Nenhuma lei geral havia sido proposta, como já vimos ao considerar o insucesso de Darwin no livro Variation ... publicado somente dois anos depois do trabalho de Mendel . Mendel começou seus experimentos sobre hereditariedade alguns anos antes da publicação, em 1859, da obra On the Origin of Species e uma das razões para o que ele se propunha a fazer, como ele próprio diz, era a necessidade de “se chegar a uma solução para a questão, cujo significado para a história evolutiva da vida não deve ser subestimado.” Assim, o trabalho de Mendel começou como “Ciência normal” dentro do paradigma da Teoria da Evolução. Somente mais tarde é que ele iria se tornar o início de um novo paradigma – A Genética mendeliana. Este é um ponto interessante, pois mostra como uma descoberta em um determinado campo da Ciência pode ser de grande importância para outro campo. MATERIAL E MÉTODOS USADOS POR MENDEL Características favoráveis da ervilha Na metade do século XIX, as pessoas interessadas em hibridação de plantas tinham uma riqueza de material à sua disposição. Numerosas variedades de uma mesma espécie, tanto de plantas comestíveis como ornamentais, tinham sido selecionadas. Muitas das variedades diferiam bastante entre si; algumas eram tão diferentes que chegavam a ser consideradas espécies distintas e recebiam nomes científicos próprios. Mendel decidiu trabalhar com ervilhas e começou com 34 variedades. Ele as cultivou por duas estações para estar seguro de que elas eram capazes de se cruzar e produzir descendência fértil. No final reduziu o número a 22 variedades. (Fig. 9) As ervilhas tinham vantagens importantes. Além de existir muitas variedades disponíveis, como já mencionamos, elas eram fáceis de se cultivar e seu tempo de geração era curto. Os descendentes obtidos por cruzamento entre as variedades eram férteis. A estrutura da flor também era importante. Os estames e pistilos ficavam encobertos pelas pétalas e, se as flores fossem cobertas para evitar a ação dos insetos, elas se autofecundavam, isto é, o pólen caía sobre o estigma da mesma flor. Apesar disso, era possível fazer cruzamentos experimentais removendo as anteras antes da maturação da flor e, mais tarde, colocando pólen de outra planta sobre o estigma. Assim, Mendel podia cruzar qualquer uma das suas variedades 34 Estandarte Estandarte ➤ ➤ Ala Carena ➤ B ➤ A ➤ ➤ ➤ ➤ Ala Sépalas Óvulo Carena Estandarte o mesmo que dizer que 3/4 da amostra é de um tipo e 1/4 da amostra é de outro tipo ou então que 75% é de um tipo e 25% de outro. Na discussão do experimento de Mendel que se segue procurou-se apresentar o tópico de uma maneira que auxilie a compreensão e permita uma apreciação a altura do que Mendel fez. ➤ OS RESULTADOS Ala DE MENDEL As características estudadas ➤ Por meio de cruzamentos genéticos tenta-se descobrir a base hereditária das diferenças; ao mesmo tempo as informações obtidas podem nos Estigma Filete ajudar a entender porque indivíduos Anteras ➤ de uma mesma espécie se parecem E tanto entre si. Não se cruzam indivíduos geneticamente idênticos na D esperança de se descobrirem leis da Óvulo Estilete herança. Por isso Mendel escolheu variedades de ervilhas que diferiam entre si. A diferença era em relação Figura 9. Representação esquemática da flor de ervilha (Pisum aos estados das características entre sativum). A. Flor inteira. B. Corte longitudinal da flor. C. Pétalas isoladas. D. Estames envolvendo o pistilo. E. Pistilo. as diversas variedades. Assim, (Redesenhada de Rawitscher, F. Elementos básicos de Botânica. algumas de suas variedades tinham São Paulo: Nacional, 1967) sementes lisas enquanto que em outras as sementes eram rugosas ou, se ele deixasse as flores intactas, a próxima (angulosa seria a melhor tradução do termo usado por ele); algumas das suas variedades tinham geração seria resultado da autofecundação. sementes amarelas e outras, verdes. Ao todo, ele usou 7 caracteres, que apresentavam estados A análise matemática contrastantes, como se segue: Aqueles que já ensinaram Genética mendeliana sabem que muitos estudantes têm dificuldade com CARÁTER AFETADO E STADO a Matemática. Isso poderá se tornar mais fácil quando chegarmos a 1903 e colocarmos as unidaTextura da semente lisa ou rugosa Cor da semente amarela ou verde des hereditárias nos cromossomos, mas vale fazer Revestimento da semente colorido ou branco um pequeno esforço agora para entender alguns Textura da vagem inflada ou enrugada aspectos críticos do modelo mendeliano como, Cor da vagem verde ou amarela por exemplo, a proporção 3 : 1 para um par de Posição da flor axilar ou apical estados contrastantes de um caráter pode ser exComprimento do caule longo ou curto pandida para a proporção 9 : 3 : 3 : 1 quando se trata de dois pares de estados de dois caracteres. Variedades apresentando estados contrastantes Em minha experiência, um dos princípios mais difíceis para os estudantes é aprender que 1/4 de de caracteres foram cruzadas por meio da remo1/4 não é 1/2 nem 1/8, mas 1/16. Além disso, os ção das anteras ainda imaturas das flores de uma estudantes devem perceber que a proporção 3 : 1 é variedade e colocação de pólen de outra varie➤ Pétalas que formam a carena ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ C 35 dade, sobre seus estigmas. A primeira geração híbrida, ou F1 ( abreviatura para first Filial generation) para usarmos um termo introduzido mais tarde, dava um resultado uniforme: todos as plantas F1 exibiam o estado da característica de um dos genitores. Mendel chamou de dominante o estado da característica que aparecia nas plantas F1, em contraste com o estado da característica que não aparecia, por ele chamado de recessivo. Estes resultados, tão familiares hoje em dia, eram bastante inesperados naquela época. Embora outros casos semelhantes ao obtido por Mendel já houvessem sido descritos, a regra geral era a de que os indivíduos de F1 apresentassem estados de caracteres intermediários aos dos pais. E na maioria dos casos, isso ocorria por uma simples razão: se as variedades diferirem em diversas características os indivíduos F1 serão, em geral, mais ou menos intermediários entre os tipos parentais. Mas Mendel concentrou-se na análise da herança dos detalhes, ou seja, dos caracteres isolados, e não do indivíduo como um todo. Nesse sentido, ele esqueceu da planta como um todo e questionou somente se as ervilhas tinham sementes lisas ou rugosas, se eram altas ou baixas etc. As plantas F1 foram protegidas para não serem polinizadas pelos insetos e, em conseqüência se autofecundaram. De novo, os resultados foram uniformes. Para cada um dos sete tipos de cruzamento originais entre plantas com estados de caráter contrastantes, a descendência F2 assemelhava-se a um ou outro genitor da geração P. Ele nunca encontrava intermediários. A proporção 3 : 1 Enquanto que a maioria dos cultivadores de plantas tinha descrito somente o reaparecimento de ambas as variedades em F2 ( abreviatura para second Filial generation), Mendel fez uma coisa simples e extraordinária. Ele contou o número de indivíduos com cada característica. Os resultados para os sete tipos de cruzamentos foram os mesmos: a proporção de três plantas com a característica dominante para uma com a recessiva. Ou nós podemos dizer 3/4 (75%) de F2 apresentava o estado dominante e 1/4 (25%), o estado recessivo da característica analisada (Tab. 1). Estas proporções e porcentagens eram derivadas dos dados brutos observados. Por exemplo, no caso do cruzamento de plantas Tabela I. Resultados obtidos por Mendel em cruzamentos entre variedades puras de sementes lisas de ervilha. com plantas puras de sementes rugosas, Mendel Tipos de cruzamento Características Autofecundação Plantas F Razão entre obteve 7324 sementes F2 entre plantas “puras” das plantas F de F os tipos F das quais 5474 eram lisas 5474 lisas Lisa X Lisa 1. Textura das sementes Sementes lisas e 1850, rugosas – uma 1850 rugosas 2,96 : 1 Lisa X Rugosa proporção de 2,96 para 1. 7324 (total) 6022 amarelas O cruzamento de plantas Amarela X Amarela 2001 verdes 2. Cor das sementes Sementes 3,01 : 1 Amarela X Verde amarelas “puras” de sementes ama8023 (total) relas com plantas “puras” 705 cinzas Semente de Cinza X Cinza 3. Cor da casca 224 brancas de sementes verdes produ3,15 : 1 das sementes casca cinza Cinza X Branca 929 (total) ziu 8023 sementes F2 das 882 infladas quais 6022 eram amarelas Vagens infladas Inflada X Inflada 4. Textura das vagens 299 comprimidas 2,95 : 1 Inflada X Comprimida e 2001, verdes – uma 1181 (total) proporção de 3,01 para 1. 428 verdes Vagens verdes Verde X Verde 5. Cor das vagens 152 amarelas Podemos ver que Mendel 2,82 : 1 Verde X Amarela 580 (total) tinha razão em suspeitar que 651 axilaress a resposta teórica deveria se Flores axilares Axilar X Axilar 6. Posição das flores 207 terminais 3,14 : 1 Axilar X Terminal 3 : 1 e não 3,01 para 1. Estes 858 (total) eram cruzamentos mono787 longos Caule longo Longo X Longo 7. Comprimento do caule 277 curtos íbridos, isto é, envolviam só 2,84 : 1 Longo X Curto 1064 (total) um carácter com dois estados contrastantes. 2 1 1 2 36 A proporção 9 : 3 : 3 : 1 Quando Mendel seguiu a herança de duas características com dois pares de estados contrastantes, no cruzamento diíbrido, foram obtidos novamente, resultados uniformes. As plantas da geração F1 exibiam os dois estados dominantes das características analisadas e, em F2, apareciam quatro tipos de planta na proporção de 9 : 3 : 3 : 1. Isto é, 9/16 de F2 mostrava ambos os estados dominantes, 3/16 mostrava um dominante e outro recessivo, 3/16 mostrava o outro dominante e o primeiro recessivo e 1/16 tinha ambos os estados recessivos dos caracteres. Assim, quando as plantas cruzadas na geração original P eram do tipo liso-amarelo e rugosoverde, todos os F1 apresentavam sementes do tipo liso-amarelo. Na geração F2, Mendel obteve 315 sementes do tipo liso-amarelo, 108 liso-verde, 101 rugoso-amarelo e 32 rugoso-verde. Para um total de 556, a proporção dos diferentes tipos foi de 9,8 : 3,4 : 3,2 : 1. Estas proporções representam os dados reais, mas Mendel propôs a hipótese de que o resultado teórico esperado deveria ser 9 : 3 : 3 : 1. Agora nosso problema é analisar como a proporção 3 : 1 está relacionada com a 9 : 3 : 3 : 1. No cruzamento amarelo com verde, a geração F2 seria 3/4 amarela e 1/4 verde; no cruzamento liso e rugoso, F2 seria 3/4 lisa e 1/4 rugosa. Uma pergunta que se pode fazer nesse ponto é se com base nessas informações seria possível prever a proporção de 9 : 3 : 3 : 1 obtida em F2? Para muitos essa pergunta parecerá um problema insolúvel, mas a análise a seguir resolve a questão. Quando duas ou mais características com estados contrastantes estão envolvidas, pode-se verificar que a proporção 3 : 1 ainda é mantida se considerarmos cada característica individualmente. Verifique no cruzamento mencionado acima (liso-amarelo x rugoso-verde) que a proporção 3 : 1 é mantida para cada um dos pares de estados das características consideradas. Isso pode ser verificado também matematicamente. Considere a proporção 9/16 liso-amarelo: 3/16 liso-verde: 3/16 rugoso-amarelo: 1/16 rugoso-verde. Considerando o par liso/rugoso separadamente, temos 9/16 + 3/16 = 12/16 de sementes do tipo liso e 3/16 + 1/16 = 4/16 do tipo rugoso. Desde que 12/16 = 3/4 e 4/16 = 1/4, nós observamos a proporção 3:1 para esse par de características. O mesmo é verdadeiro para o par amarelo-verde. Assim, se nós perguntarmos em que freqüências aparecerão os indivíduos F 2 de um cruzamento diíbrido, a resposta pode ser obtida com uma simples multiplicação de frações. Assim, dos 3/4 que serão lisos, 3/4 serão também amarelos e 1/4 será verde; portanto 3/4 x 3/4, ou 9/16, serão lisos e amarelos e 3/4 x 1/4, ou 3/16, serão lisos e verdes. Do 1/4 de F 2 que será rugoso, 3/4 serão também amarelos e 1/4 será verde. Logo, 1/4 x 3/4 (ou 3/16) serão rugosos-amarelos e 1/4 x 1/4 (ou 1/16) será rugoso-verde. Esta é a derivação da proporção 9 : 3 : 3 : 1. Estas regularidades foram observadas por Mendel em todos os seus cruzamentos. Por isso, ele achou que devia haver um princípio fundamental responsável por elas. E havia. MODELO PARA CRUZAMENTO MONOÍBRIDO A figura 10 é um modelo que explica a hipótese que Mendel propôs para os cruzamentos monoíbridos. Tanto o esquema quanto a terminologia seriam padronizados meio século mais tarde, no início do século XX. A primeira coisa que um leitor atento notaria é um “erro” nos genótipos da geração P. Eles estão mostrados como haplóides ao invés de diplóides e isto levanta um ponto muito importante em nosso estudo sobre conceitos genéticos. Mendel usou os símbolos de genótipo para indicar os tipos de fatores hereditários, e não seu número por gameta. Os gametas parentais lisos poderiam conter inúmeros fatores R, e não somente um, como se acredita hoje. A [Não devemos nos esquecer que Mendel era professor de autopolinização de linhagens puras lisas Física; teria havido aqui uma influência do pensamento produzia apenas descendência lisa, pois seus de Galileu? “Para Galileu, o objetivo da investigação era o conhecimento da Lei, captada na própria natureza, pela gametas só podiam conter fatores R. (As letras observação dos fenômenos, confirmada pela maiúsculas e minúsculas indicam que um alelo é dominante ou recessivo, respectivamente.) experimentação e matematicamente quantificada”] 37 A pureza dos gametas No cruzamento entre plantas “puras” de sementes lisas com plantas de sementes rugosas poderia haver apenas um tipo de descendência (Rr) já que há somente um tipo de pólen e um tipo de óvulo. Quando estas plantas F1 amadureceram, cada flor produziu óvulos e grãos de pólen. Agora, surge um dos aspectos mais importantes do modelo de Mendel: ele assumiu que um gameta poderia apresentar fatores de hereditariedade de apenas um tipo, isto é, um gameta produzido pela planta F1 iria ter R ou r, mas nunca ambos (Fig. 10). P1 Fenótipo Liso X Rugoso Genótipo R r Genótipo dos gametas ➤ ➤ R r Genótipo ➤ ➤ Liso X Rr ➤ ➤ r R ➤ ➤ F2 Fenótipos e Genótipos Rugoso Rr Genótipo dos gametas ➤ ➤ F1 Fenótipo Liso Rr R Liso RR r rugoso rr Liso Rr Figura 10. Modelo de um cruzamento mendeliano monoíbrido. Os genótipos dos indivíduos da geração P estão representados como mostrado por Mendel em seu trabalho. O quadro de cruzamento abaixo mostra a origem do F2 (genótipos como representado atualmente) a partir de pólen e óvulos de F1. Com certeza, esta idéia seria de difícil aceitação pelos geneticistas do início do século – suas mentes estavam influenciadas pelo conceito de inúmeras gêmulas. Como um gameta poderia ser “puro”, ou seja, ter gêmulas apenas do tipo R ou r? Mendel considerou, então, que os indivíduos de F1 produziam gametas que continham ou o fator R ou o r, mas nunca ambos. Em seguida, ele assumiu que óvulos e grãos de pólen seriam combinados aleatoriamente e que as freqüências dos diferentes tipos de descendentes seriam 38 determinadas pelas freqüências dos diferentes tipos de gametas formados. Deve-se enfatizar nesse ponto que a aparente simplicidade do esquema da figura 10, sobre a origem de F2 a partir de gametas de F1, advém do fato de as classes genotípicas de óvulos e grãos de pólen estarem em freqüências iguais. Isto é, cada indivíduo produz 50% de gametas R (pólen ou óvulo) e 50%, r. As linhas representam todas as combinações que podem ocorrer – e elas ocorrem em freqüências iguais. O gameta R da esquerda, por exemplo, supondo que seja um grão de pólen), tem igual oportunidade de se combinar com um óvulo R ou r. O mesmo é válido para o pólen r. O quadro inferior da figura 10 é um outro modo convencional de apresentação que facilita o entendimento de como um cruzamento monoíbrido, pela hipótese de Mendel, resulta na proporção de 3 : 1 em F1. O modelo é válido para todos os cruzamentos que envolvem apenas um par de estados contrastantes de uma característica. No entanto, o modelo explicará os resultados apenas nas seguintes condições: 1. Em cada par de unidades hereditárias contrastantes, um membro do par é dominante e o outro recessivo. Dominância e recessividade são definições operacionais – determinadas pelo fenótipo de um indivíduo que apresenta ambos os tipos de unidades hereditárias. 2. As unidades hereditárias dominantes e recessivas, quando presentes juntas, não modificam uma à outra de modo permanente. Assim, em F1 o fator r do parental rugoso, no cruzamento da figura 10, está combinado com o fator R do parental liso. Não há expressão do fator r em F1, mas em F 2 1/4 dos indivíduos são rugosos e tão enrugados quanto um de seus avós. 3. Por algum mecanismo desconhecido por Mendel, os dois tipos de fatores segregam de tal maneira que cada gameta contém apenas um dos tipos. Assim, no exemplo, os gametas conterão R ou r. 4. Ainda por outro mecanismo também desconhecido por Mendel, os gametas que contêm R e aqueles que contêm r são produzidos em números iguais. 5. Combinações entre os grãos de pólen e os óvulos são totalmente ao acaso e a proporção da descendência resultante irá depender da proporção das diferentes classes de gametas. O teste da hipótese uniformes: expressavam o fenótipo dominante dos estados contrastantes das duas características analisadas. Na formação de gametas pelos indivíduos de F 1, Mendel assumiu, como no cruzamento monoíbrido, que cada gameta receberia apenas um tipo de cada uma das duas unidades contrastantes - R ou r. O mesmo foi assumido em relação a V e v. Neste ponto, outra condição teve que ser assumida para explicar os resultados obtidos: deveria haver uma distribuição independente das unidades de cada par. Assim, cada gameta deveria ter ou R ou r, além de V ou v. Deveriam, portanto, ser formadas quatro classes, tanto de grãos de pólen quanto de óvulos: RV, Rv, rV e rv. O modelo também exigia que estas classes deveriam aparecer em igual freqüência - 25 % cada. ➤ ➤ Deve ser enfatizado que a concordância entre os dados e o modelo não é casual. Apesar dos itens 1 e 2 acima poderem ser considerados fatos, os itens de 3 a 5 são totalmente hipotéticos – foram propostos para explicar os dados. Esse é um procedimento científico perfeitamente aceitável. Este modelo deve ser considerado como uma tentativa de explicação, uma hipótese, que será conirmada ou não através de testes das deduções feitas a partir dela. Um teste decisivo era fácil de ser realizado. A geração F2 do cruzamento representado na figura 10 era composta por três plantas com a característica dominante lisa para cada planta recessiva rugosa. No entanto, se a hipótese fosse verdadeira, as sementes lisas deveriam ser de dois tipos e em proporções previsíveis. Assim, para cada Simulação com moedas semente com genótipo R (lembre-se que estamos Um jogo simples com duas moedas diferentes usando ainda o esquema de Mendel e, portanto, nos ajudará a entender a origem das quatro classes não falamos em RR), haveria duas Rr. Não era possível distinguir visualmente as sementes R e P Fenótipos Liso - amarelo X Rugoso - amarelo 1 Rr, mas se elas fossem plantaGenótipos RV rv das e ocorresse autofertiliGenótipos zação de suas flores, a descenRV rv dos gametas dência daria a resposta. Neste caso, as plantas com genótipo ➤ ➤ R produziriam apenas semen- F Fenótipos X Liso - amarelo Liso - amarelo 1 tes lisas, enquanto as plantas Genótipos RrVv RrVv com genótipo Rr dariam ➤ origem a sementes lisas e RV RV Genótipos dos Genótipos rugosas, na proporção de 3:1. RRVV grãos de pólen dos óvulos Rv Rv Mendel deixou que as plantas F2 se autofecundassem e obteRRVv RRVv rV rV ve o resultado esperado de RrVV RRvv RrVV acordo com sua hipótese. rv rv ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ PARA RrVv F2 Genótipos CRUZAMENTO DIÍBRIDO A figura 11 mostra o modelo de cruzamento diíbrido já discutido anteriormente. A linhagem pura de plantas amarelo-lisas foi cruzada com a linhagem pura verde-rugosa. Os indivíduos resultantes em F 1 foram ➤ ➤ MODELO RrVv RrVv Rrvv rrVV rrVv RrVv Rrvv rrVv rrvv Figura 11. Modelo de um cruzamento mendeliano diíbrido. Os genótipos da geração P foram representados como Mendel os teria representado. O quadro de cruzamento mostra a origem de F2 a partir de grãos de pólen e óvulos de F1 (os genótipos como representados atualmente). 39 de gametas. Cada moeda representará um gene e, em uma delas, “cara” representará, por exemplo, o alelo dominante R enquanto “coroa” será o alelo recessivo r. Na outra moeda, “cara” representará o alelo dominante V e “coroa”, o alelo recessivo v. As moedas são então lançadas e os resultados anotados. Se arremessos suficientes forem feitos, espera-se 1/4 de “caras” para ambas as moedas (ou seja, a categoria RV acima); 1/4 de “coroas” para ambas as moedas (o que corresponde à categoria rv); 1/4 será “cara” para uma das moedas e “coroa” para a outra (= Rv) e 1/4 será o contrário (= vR). Quando há quatro classes de gametas não é prático usar as linhas indicativas utilizadas na figura 10; assim, na parte inferior da figura 11 há um quadro indicando todas as possíveis combinações de grãos de pólen e óvulos na produção de F2 (para simplificar, todos os genótipos foram representados como diplóides). Há 16 combinações possíveis e, se considerarmos os fenótipos, 9 das 16 são amarelo-lisas, 3 são verde-lisas, 3 são amarelo-rugosas e 1 é verderugosa. Isto representa uma proporção de 9:3:3:1. Note que somente os fenótipos amarelo-liso e verde-rugoso estavam presentes nas gerações P e F1. O modelo predizia, no entanto, que dois novos tipos de sementes deveriam aparecer: verde-lisas e amarelo-rugosas. A seguir estão os resultados registrados por Mendel para F2: hipótese predizia que, exceto as 32 sementes verde-rugosas, todas as outras classes consistiriam de indivíduos geneticamente diferentes, apesar de iguais na aparência. Isto pôde ser testado, plantando-se as sementes F2, permitindo a autopolinização das plantas adultas e, então, contando-se as sementes F3. Primeiramente, considere as 32 sementes verde-rugosas. O modelo prevê que estas manteriam suas características, se autofecundadas. Tais sementes foram plantadas e 30 atingiram a fase adulta. Todas comprovaram ser verde-rugosas. As 101 sementes amarelo-rugosas eram idênticas quanto à aparência. Podemos ver, no entanto, a partir do modelo da figura 11, que dois genótipos estão aí representados dentre os 3/16 desta categoria: um dos três é rrVV e os outros dois são rrVv ( Mendel usaria rV, ao invés de rrVV, mas, para facilitar, estou usando a mesma representação da figura 11). Desta forma, uma em cada três destas sementes, o grupo rrVV, manteria suas características, produzindo apenas sementes amarelo-rugosas, por autofecundação. Já o grupo rrVv ( duas das três), deveria produzir sementes em uma proporção de 3 amarelorugosas para 1 verde-rugosa. As 101 sementes foram plantadas, sendo que 96 atingiram a maturidade. Destas, 28 (onde o esperado era 32) produziram apenas sementes amarelo-rugosas, enquanto 68 (o esperado era 64) produziram tanto sementes amarelo-rugosas como verderugosas em uma proporção de 3:1. Assim, a dedução a partir da hipótese foi confirmada. Fenótipo Obtido Esperado A mesma análise foi realizada com as sementes verde-lisas. A proporção de 3/16 desta classe lisa - amarela 315 313 deveria ser composta por 1/3 RRvv e 2/3 Rrvv. lisa - verde 108 104 O 1/3, representado por RRvv, deveria produzir rugosa - amarela 101 104 prole idêntica. Os 2/3 restantes deveriam produzir rugosa - verde 32 35 sementes em uma proporção de 3 verde-lisas para 1 verde-rugosa. As 108 sementes foram plantadas Os números observados correspondiam aos e 102 atingiram a maturidade. O número esperado obtidos experimentalmente por Mendel e os de indivíduos que originariam descendentes todos números esperados correspondiam à proporção verde-lisos era 34, enquanto 68 resultariam na exata de 9:3:3:1. A concordância entre os dois proporção de 3 : 1. Os números observados fovalores é extraordinária, como Weldon e Fisher ram 35 e 67, respectivamente. O teste mais complexo para a hipótese baseounotariam anos mais tarde. se nos 9/16 de F2 que eram amarelo-lisos. A Outros testes da hipótese distribuição no quadro é a seguinte: 1 dos 9 é O modelo do cruzamento diíbrido permitiu RRVV, 2 são RRVv, 2 são RrVV e 4 são RrVv. testes ainda mais requintados para a hipótese. A Assim, somente 1/9, o grupo RRVV, deveria 40 linhagem pura de plantas com uma produzir prole ‘pura’. A descendência de RRVv característica dominante com outra pura estaria em uma proporção de 3 amarelo-lisas para recessiva, o híbrido formado seria idêntico ao 1 verde-lisa. Os RrVV deveriam produzir 3 parental dominante e uniforme na aparência. amarelo-lisas para 1 amarelo-rugosa. E finalmente, os RrVv, que são iguais aos F1 na figura 3. Já que o híbrido descrito acima era idêntico em aparência ao parental puro dominante, era 11, deveriam resultar na proporção de 9:3:3:1. possível concluir que não havia relação exata As 315 sementes foram plantadas e 301 chegaram entre genótipo e fenótipo. Assim, o fenótipo à fase adulta. O modelo predizia que os números liso poderia ser conseqüência tanto do esperados em cada classe seriam, na ordem apregenótipo RR (Mendel diria R) quanto do Rr. sentada acima, 33, 67, 67 e 134. Por exemplo, 1/9 ou 33 sementes deveriam manter suas caracte- 4. Os fatores da hereditariedade responsáveis pelas condições de dominância e recessividade rísticas, uma vez que o modelo previa que esse não eram modificados quando ocorriam junnúmero de sementes corresponderia à RRVV. tos no híbrido. Se dois destes híbridos fossem Mendel observou o seguinte resultado: 38, 65, cruzados, a descendência seria constituída 60 e 138. tanto por indivíduos manifestando o estado O fato de F2 resultar em uma F3 que não difere dominante da característica quanto por aqueles significativamente da hipótese, em testes tão preciapresentado o estado recessivo, não havendo sos quanto estes, é um argumento muito forte em evidência de que os fatores hereditários favor da validade da hipótese. Em todos os casos responsáveis por eles fossem modificados por os números observados foram bem próximos dos sua associação nos híbridos parentais. esperados. E os valores esperados basearam-se na Qualquer indivíduo recessivo de F2 deveria ser probabilidade dos gametas se comportarem de acordo com regras precisas. No entanto, os númefenotipicamente idêntico à geração recessiva ros observados e esperados nunca foram idênticos. original P. A probabilidade disto ocorrer equivaleria à proba- 5. Quando híbridos tais como Rr eram bilidade de obtermos 5 “caras” e 5 “coroas” em 10 cruzados, os dois tipos de unidade heredilançamentos de moedas. tária (R e r) segregavam um do outro e recombinavam-se aleatoriamente na fertilização. A proporção fenotípica na descenAS CONCLUSÕES DE MENDEL dência seria de 3 : 1, enquanto que genotipicamente, usando a nomenclatura atual, seria Os experimentos de Mendel com cruzamentos de 1 RR, 2 Rr e 1 rr. A segregação dos de variedades de ervilha e a notável análise que fatores de um mesmo par ficou conhecida ele fez dos resultados levaram a oito importantes como “Primeira Lei de Mendel”. conclusões, arroladas a seguir. Deve-se ressaltar que, em 1865, tais conclusões eram válidas para 6. Essa proporção somente poderia ocorrer se cada gameta recebesse apenas um tipo de fator ervilhas e somente para ervilhas. Para ter certeza, de hereditariedade – no caso, R ou r. Mendel realizou alguns cruzamentos preliminares 7. Quando um cruzamento envolvia dois pares com feijão, mas os resultados foram confusos. de unidades hereditárias contrastantes, tal 1. A conclusão mais importante era a de que a como RrVv x RrVv, cada par se comportava herança parecia seguir regras definidas e independentemente. Isto é, os diferentes tipos relativamente simples. Mendel propôs um de unidades hereditárias associavam-se indemodelo que poderia explicar os dados de todos pendentemente uns dos outros. Então, os os seus cruzamentos. Além disto, o modelo tinha gametas podiam ser somente de quatro tipos: um grande poder de previsão – um objetivo de RV, Rv, rV ou rv. Desta maneira, todas as todas as hipóteses e teorias em Ciência. combinações possíveis seriam obtidas, com 2. Quando dois tipos diferentes de plantas eram base estritamente na regra de que cada gameta cruzados, não havia mistura dos estados das podia apresentar somente um tipo de cada um características individuais. Nos sete pares de dos pares de unidades hereditárias. As estados contrastantes de caracteres estudados, diferentes classes de gameta estariam em um estado era dominante e o outro recessivo. freqüências iguais. Este fenômeno de associaIsto significava que em um cruzamento de uma 41 ção independente ficou conhecido como “Segunda Lei de Mendel”. 8. A hipótese mendeliana, e sua formulação em um modelo, era tão específica que deduções podiam ser feitas e testadas pela observação e experimentos. Nenhum outro campo da Biologia experimental havia atingido equivalente nível de desenvolvimento em 1865. O trabalho de Mendel não é compreendido Mas, como vimos, naquela época nenhum biólogo parecia ter consciência de que esse era o caso. Certamente, o trabalho de Mendel não seria tão importante, se ele valesse apenas para ervilhas, do mesmo modo que se a descoberta das células por Hooke se aplicasse apenas à cortiça. O campo do conhecimento relativo aos cruzamentos de plantas estava cheio de dados que não permitiam conclusões gerais. Mendel escreveu cartas para um grande estudioso na área, Nägeli, explicando seus resultados. Nägeli deve ter considerado os dados para ervilhas apenas como mais um exemplo da enorme variação nos resultados obtidos em experimentos de hibridação. Nägeli sugeriu que Mendel utilizasse outra planta, a chicória ( Hieracium sp.). Mendel assim o fez e falhou em encontrar regras consistentes para a herança. (Ocorre que Mendel não estava realizando os experimentos que acreditava estar). Era extremamente dificil realizar experimentos de hibridação com as pequenas flores de Hieracium. Contudo, Mendel acreditou ter conseguido em muitos casos, e surpreendeu-se com a falta de uniformidade dos resultados. O problema estava, na realidade, com Hieracium, e não com Mendel. Muito depois de sua morte, descobriu-se que, em Hieracium, ocorre um tipo de desenvolvimento partenogenético, em que há a formação de um novo indivíduo a partir de um óvulo não fecundado. Assim, nenhuma proporção uniforme era de se esperar se parte da prole era resultado de fertilização e parte, de apomixia. Deste modo, o próprio Mendel passou a acreditar que seus primeiros resultados tinham aplicação restrita, e o fato é que seu modelo foi ignorado nas três últimas décadas do século XIX. Durante esse período, os principais estudiosos de hereditariedade abandonaram o paradigma do cruzamento experimental e se concentraram principalmente no comportamento dos cromossomos na meiose, mitose e fertilização. Eles acreditavam estar construindo uma base física para a herança, e pesquisas posteriores viriam a mostrar que eles estavam corretos. EXERCÍCIOS PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS 4. O desenvolvimento do pólen de uma planta no estigma da flor de outra planta é um (a) ( ). Preencha os espaços em branco nas frases de 1 a 8 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) autofecundação (e) hibridação (b) espécie (f) híbrido (c) fecundação cruzada (g) óvulo (d) grão-de-pólen (h) variedade 5. A ( ) em ervilha é feita removendo-se as anteras de uma flor, antes de sua maturação e, mais tarde, colocando-se pólen de outra planta sobre o seu estigma. 1. A estrutura da flor que contém os gametas masculinos, ou núcleos gaméticos, é o ( ). 6. O termo ( ), empregado por Mendel, referese ao indivíduo proveniente do cruzamento entre duas plantas de linhagens diferentes. 2. O ( ) das plantas angiospermas é uma estrutura multicelular onde se forma o gameta feminino, a oofera. 7. ( ) era o termo usado para designar plantas cultivadas que diferiam entre si quanto a uma ou algumas características contrastantes, transmissíveis aos descendentes. 3. Na ervilha ocorre ( ) , isto é, o gameta masculino fecunda o gameta feminino da mesma flor. 8. ( ) é o termo usado para designar grupos de populações naturais capazes de se cruzar, produzindo descendência fértil. 42 21. Uma das premissas do modelo mendeliano de monoibridismo é que a ( ) se dê aleatoriamente na fertilização, por meio da combinação ao acaso dos gametas masculinos e femininos. Preencha os espaços em branco nas frases de 9 a 16 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) dominante (d) geração F1 (g) monoíbrido (b) fenótipo (e) geração P (h) recessivo (c) genótipo (f) geração F2 9. As duas linhagens puras com uma ou mais características em seus estados contrastantes que são cruzadas em um experimento genético constituem o (a) ( ). 10. Mendel chamou de ( ) o estado da característica que aparecia em todas as plantas da primeira geração híbrida. 11. O estado da característica que não aparecia nos indivíduos híbridos foi denominado por Mendel de ( ). 12. A primeira geração híbrida, ou seja, aquela resultante do cruzamento entre indivíduos de variedades diferentes, é chamada ( ). 13. A descendência resultante da autofecundação da primeira geração híbrida é chamada ( ). 14.O termo ( ) é empregado para designar as características apresentadas por um indivíduo, sejam elas morfológicas, fisiológicas, ou comportamentais. 15. O termo ( ) refere-se à constituição genética do indivíduo, isto é, aos fatores hereditários, ou genes, que ele possui. 16. Um cruzamento ( ) envolve indivíduos que diferem apenas quanto a um caráter, com dois estados contrastantes. Preencha os espaços em branco nas frases de 17 a 21 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) associação dos fatores (b) haplóide (c) diplóide (d) pureza dos gametas (e) segregação dos fatores 17. Gameta é uma célula ( ) pois apresenta apenas um lote de cromossomos. 18. O zigoto, por possuir dois lotes cromossômicos, é uma célula ( ). 19. A expressão ( ) significa que um gameta contém apenas um fator para cada característica hereditária. 20. A ( ) ocorreria, segundo Mendel, na formação dos gametas e seria responsável por sua pureza. PARTE B: LIGANDO CONCEITOS E FATOS Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 22 a 26. (a). 1 : 1 (b). 1 : 2 : 1 (c). 3 : 1 (d). 1 : 1 : 1 : 1 (e). 9 : 3 : 3 : 1 22. Nos cruzamentos envolvendo apenas um par de caracteres contrastantes, Mendel obteve na geração F 2 indivíduos com características dominante e recessiva, na proporção de ( ). 23. Quando Mendel seguiu a herança de duas características, isto é, em cruzamentos diíbridos, encontrou na geração F2 indivíduos com ambos os estados dominantes para as duas características analisadas , com um dominante e o outro recessivo, com o primeiro recessivo e o outro dominante e com ambos recessivos, respectivamente, na proporção de ( ). 24. A proporção de ( ) na geração F 2 corresponderia, segundo o modelo do monoibridismo, aos genótipos dos indivíduos dominantes puros, híbridos e recessivos, respectivamente. 25. Um organismo heretorozigótico quanto a um par de fatores formará gametas na ( ). 26. Um organismo duplo-heterozigótico quanto a dois pares de fatores com segregação independente formará gametas na proporção ( ). 27. Mendel selecionou 22 ( ) de ervilha capazes de se cruzar e produzir descendência fértil, para seus experimentos de hibridação. a. espécies c. populações b. fatores d. variedades 28. De acordo com o modelo do monoibridismo, os indivíduos da geração F 2 a. são todos puros. b. são todos híbridos. c. são metade puros e metade híbridos. d. são 3/4 puros e 1/4 híbridos. 29. Se você tem uma drosófila com uma determinada característica dominante, que tipo de teste poderia ser feito para se determinar se ela é pura (AA) ou híbrida (Aa)? 43 Utilize as alternativas abaixo para responder às questões 30 e 31. a. b. c. d. cinza. O cruzamento desses últimos indivíduos entre si produziu uma geração F2 constituída por 198 camundongos cinzas e 72 brancos. associação dominância segregação independente segregação a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os esperados de acordo com o diagrama. 30. A pureza dos gametas é resultado da ( ) dos fatores de cada par na formação dos gametas. 31. Os quatro tipos de gametas que um diíbrido forma resulta da ( ) dos fatores dos dois pares. 42. Um dos diferentes tipos de albinismo que ocorrem na espécie humana é determinado por um fator recessivo a. PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR 32. No que a análise de Mendel diferiu da de seus predecessores que trabalharam com hibridação de plantas? a. Do casamento entre uma mulher portadora do fator para albinismo (Aa) e um homem albino, qual a proporção esperada de filhos albinos? 33. Quais as razões que levaram Mendel a escolher ervilha como material para os seus experimentos? b. Do casamento entre dois portadores (Aa), qual a proporção esperada de filhos albinos? 34. Qual foi a hipótese levantada por Mendel para explicar a proporção 3 : 1 obtida em cruzamentos monoíbridos? 43. Em algumas variedades de gado bovino, a ausência de chifres é condicionada por um fator dominante (C). Um touro sem chifres foi cruzado com três vacas. No cruzamento com a vaca I, portadora de chifres, foi produzido um bezerro sem chifres. No cruzamento com a vaca II, portadora de chifres, foi produzido um bezerro com chifres. No cruzamento com a vaca III, sem chifres, foi produzido um bezerro com chifres. 35. Como pode ser derivada a proporção 9 : 3 : 3 : 1, típica de um cruzamento diíbrido, a partir da proporção 3 : 1, típica de um cruzamento monoíbrido? 36. Quais das condições necessárias para que o modelo mendeliano fosse válido podiam ser consideradas fatos? a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. 37. Como se explica o fato de Mendel não ter encontrado as proporções previstas por suas leis em cruzamentos de plantas de Hieracium? 38. Admitindo-se a segregação independente, quantos tipos de gameta cada indivíduo abaixo produz? I. AaBbCCdd; II. AaBbcc; III. AAbbCCDDEe 39. Enuncie a primeira e a segunda leis de Mendel. 40. Com base nas hipóteses e observações de Mendel, esquematize os resultados esperados nos seguintes cruzamentos: a. ervilha alta homozigótica (dominante) com ervilha anã. b. F1 do cruzamento (a) entre si. c. F1 do cruzamento (a) com a ervilha anã original. 41. O biólogo francês Cuenot, no início do século, cruzou camundongos selvagens de cor cinza, com camundongos brancos (albinos). Na primeira geração todos os indivíduos tinham cor 44 b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os esperados de acordo com o diagrama. 44. Uma planta de flores longas e brancas foi cruzada com outra de flores curtas e vermelhas. Os descendentes obtidos, todos de flores longas e vermelhas, foram autofecundados produzindo os seguintes tipos de descendente: 63 com flores longas e vermelhas, 21 com flores longas e brancas, 20 com flores curtas e vermelhas e 8 com flores curtas e brancas. a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os esperados pelo diagrama. A REDESCOBERTA E A EXPANSÃO DO MENDELISMO Quarta aula (T4) Texto adaptado de: MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986. MENDELISMO , Objetivos da Unidade 1. Identificar os motivos que fizeram com que o trabalho de Mendel permanecesse ignorado por 35 anos. 2. Explicar os motivos do antagonismo entre mendelistas e biometristas. 3. Conceituar os seguintes termos: alelo, homozigoto, heterozigoto, loco gênico e gene. 4. Resolver problemas sobre variações nas proporções mendelianas. dúvida, encontrada na negligência em relação aos estudos experimentais sobre o problema de Espécie, decorrente da aceitação geral das doutrinas darwinianas. O problema da Espécie, conforme concebido por Gartner, Kölreuter, Naudin, Mendel e os demais hibridistas da primeira metade do século XIX, não mais atraia os pesquisadores. A questão, acreditava-se, já havia sido respondida e o debate concluído. Ninguém mais tinha interesse no assunto [uma mudança de paradigma!]. Várias outras linhas de pesquisa haviam sido repentinamente abertas e, em 1865, os pesquisadores mais entusiastas naturalmente consideraram esses novos métodos mais atraentes do que as observações tediosas dos hibridistas, cujos questionamentos tinham, além do mais, levado a resultados inconclusivos. Entretanto, se pretendemos avançar no estudo da hereditariedade e levar adiante o problema de “O que é uma Espécie?” como uma questão diferente de “Como uma espécie sobrevive?” devemos voltar e retomar a linha de questionamento exatamente como Mendel a tomou.” E, como podemos ver, foi exatamente o que Bateson fez. O trabalho de Mendel com ervilhas não é o único exemplo de uma importante descoberta não compreendida pela comunidade científica de seu tempo. Novos paradigmas dificilmente são prontamente identificados e adotados. A maioria UM NOVO PARADIGMA Muita importância é dada ao fato de que o trabalho de Mendel foi publicado em uma obscura revista de uma sociedade também obscura, de tal modo que foi esquecido ou desconhecido por 35 anos, durante os quais floresceram a Citologia e um enorme interesse pela hereditariedade. Um julgamento mais acurado, eu acredito, nos levaria à conclusão de que sua publicação foi desconsiderada, e não desconhecida. Essa publicação era do conhecimento de Focke (1881), que a discutiu brevemente em seu criterioso tratado de hibridação em plantas, e também foi mencionada mais tarde por Bailey (1895). Como já mencionado, Mendel se correspondia com um dos mais proeminentes estudiosos de hereditariedade daqueles tempos, Karl Wilhelm von Nägeli, o qual não se mostrou impressionado com os resultados dos cruzamentos em ervilhas. A explicação de Bateson, em sua introdução à publicação de Mendel (Mendel, 1902, p.2), foi a seguinte: “Pode parecer surpreendente que um trabalho de tal importância não tenha tido reconhecimento por tanto tempo, e não tenha se difundido no mundo científico. É bem verdade que a revista em que ele foi publicado era pouco divulgada, mas circunstâncias como esta raramente tem retardado o reconhecimento de um trabalho pela comunidade. A causa será, sem 45 dos cientistas de qualquer época, estará ocupada fazendo sua ciência normal, seguindo os paradigmas preexistentes. A dificuldade em mudar o que se faz e como se pensa gera resistência às novas idéias e ao empreendimento de novos programas de pesquisa. Isto não foi problema para de Vries e Correns em 1900. A razão pela qual eles entenderam a importância das conclusões de Mendel foi terem feito o mesmo tipo de trabalho e desenvolvido hipóteses semelhantes, antes mesmo de lerem a publicação de Mendel. Eles estavam trabalhando no novo paradigma antes de conhecerem seu paradigmático autor. O mesmo pode ser dito de Bateson. Ele havia estudado variação e hibridação em plantas por anos e, apesar de nunca ter observado as regularidades do modelo mendeliano, ele sabia os tipos de experimentos que deveriam ser feitos. Considere o parágrafo a seguir, sobre as idéias de Bateson. Em 11 e 12 de julho de 1899, uma terça e uma quarta-feira, a “Royal Horticultural Society” realizou uma “Conferência Internacional sobre Hibridação (cruzamento entre espécies) e sobre Cruzamento de Variedades” em Chiswick, Londres. O volume 24 da revista da Sociedade consiste do registro da conferência. Assim, temos acesso às opiniões de importantes pesquisadores em hibridações com plantas, da época imediatamente antes de Mendel mudar sua Ciência. A maioria dos artigos da revista descrevem resultados de cruzamentos, mas Bateson preferiu um discurso mais teórico, como podemos notar no trecho seguinte (Bateson, 1900a): “O que precisamos inicialmente saber é o que acontece quando uma variedade é cruzada com outras variedades próximas. Se pretendemos que o resultado tenha algum valor científico, é quase absolutamente necessário que a descendência de tais cruzamentos seja então examinada estatisticamente. Deve ser registrado quantos descendentes se parecem com cada um dos parentais e quantos mostram o caráter intermediário entre eles. Se os parentais diferem em vários caracteres, a descendência deve ser examinada estatisticamente e classificada, considerando cada um dos caracteres separadamente.” É como se Bateson estivesse aconselhando um estudante de graduação, que atendia pelo nome de Mendel, como planejar o programa de pesquisa para seu Ph.D. (doutorado em filosofia)! Há vários aspectos da história de Mendel que são interessantes. Um deles é a atenção quase universal que é dada ao cientista que fez a descoberta. Até recentemente, cientistas, especialmente biologistas, raramente poderiam ter a expectativa de fazer fortuna como cientistas – isto é, ganhar uma grande soma de dinheiro. A recompensa para um cientista era o próprio prazer de investigar a natureza e a aprovação de seus pares pela pesquisa bem feita e pela formulação de hipóteses arrojadas e imaginativas. Hoje, cientistas vêem o trabalho de Mendel com admiração. Como poderia ter ele avançado tanto em relação aos paradigmas da época e feito observações que, logo após sua morte, revolucionariam as Ciências Biológicas? Outro ponto interessante é que, repetidamente na história, parece que quando o campo está “pronto” a descoberta será feita. Se Mendel não tivesse nascido, o caminho da Genética não seria muito diferente. Ao redor de 1900, alguém chegaria às mesmas conclusões. Apenas aconteceu de serem de Vries e Correns. Tschermak estava tão perto da resposta que geralmente é incluído com de Vries e Correns como co-redescobridor. Bateson, em mais ou menos um ano, poderia ter descoberto independentemente as regras mendelianas da herança. Como parece, o progresso da Ciência é inevitável. OPOSIÇÃO INICIAL AO MENDELISMO No decorrer da história de Mendel, podemos ser levados a acreditar que em 1900, com a publicação dos artigos de de Vries e Correns, a “Ciência pura” tinha finalmente triunfado. Mas não foi bem assim. Havia vigorosa, muitas vezes sarcástica, oposição às conclusões de Mendel (Provine, 1971). Esse duelo científico envolveu principalmente três ingleses - William Bateson versus Karl Pearson e W. F. R. Weldon, cada lado apoiado por um grupo de seguidores. As duas escolas eram fundamentalmente diferentes em suas propostas. Bateson procurava informações sobre herança através de cruzamentos experimentais. Weldon, Francis Galton e Karl Pearson procuravam aplicar métodos matemáticos, especialmente estatísticos, aos problemas biológicos. A oposição destes biometristas é realmente surpreendente, se lembrarmos que Mendel se baseou na matemática. A disputa básica começou antes de 1900 e estava relacionada com a temática evolutiva. Mais 46 uma vez era o caso de paradigmas conflitantes. Weldon, Galton, Pearson e outros eram seguidores de Darwin, acreditando que a evolução dos seres está baseada em alterações filogenéticas graduais. Em populações naturais a variação tende a ser contínua. Quando organizados pelo tamanho ou outra característica qualquer, os indivíduos de uma espécie parecem mostrar uma variação contínua. Não surpreende que se considerasse a evolução envolvendo mudanças tão pequenas que, apenas após longo intervalo de tempo, seria possível observar qualquer diferença. A lei da herança ancestral de Galton Uma importante asserção desta escola da variação contínua era a “lei da herança ancestral” de Galton. Ele considerava a herança na sua totalidade e realçava que cada característica hereditária de um indivíduo não provinha apenas dos pais, mas também dos ancestrais mais remotos. Galton (1897) propôs sua famosa lei, baseando-se em cuidadoso estudo de genealogias de cães basset. “A lei a ser examinada pode parecer à primeira vista muito artificial para ser verdadeira, mas uma análise mais acurada mostra a predisposição advinda dessa impressão superficial é infundada. O assunto será mencionado novamente, por enquanto a lei deve ser enunciada. Ela diz que os dois genitores contribuem ambos com aproximadamente metade, ou (0,5) do total da herança da descendência; os quatro avós, com um quarto, ou (0,5)2; os oito bisavós, com um oitavo, ou (0,5)3, e assim por diante. Assim, a soma da contribuição ancestral é expressa pela série {(0,5) + (0,5) 2 + (0,5)3 + ....)}, que, sendo igual a 1, dá conta de toda a hereditariedade.” Assim, traços de nossos mais remotos ancestrais poderiam ser encontrados em nós e esta herança passada frearia mudanças repentinas. As exigências darwinianas de um mecanismo para mudanças imperceptíveis e lentas na evolução estariam então satisfeitas. Mas, como funcionaria a Lei de Galton? Atualmente, a noção de que nossos genes são herdados apenas dos nossos pais, exatamente metade de cada, está tão fixada em nossas mentes, que não podemos imaginar um mecanismo de herança de ancestrais veneráveis, sobrepondo-se à paterna. A resposta é que Galton estava se referindo a fenótipos, e não genótipos. Já era bem conhecido 47 que um indivíduo pode expressar certas características fenotípicas que seus pais não expressam. Variação contínua e descontínua em debate A noção de variação contínua em evolução e, claro, em herança, foi contestada por Bateson e outros. Ele havia estudado evolução e hereditariedade por muitos anos. Em 1894, produziu o imenso volume Materials for the Study of Variation Treated with Especial Regard to Discontinuity in the Origin of Species (“Materiais para o Estudo da Variação voltado especialmente para a Descontinuidade na Origem das Espécies”). Ele desejava descobrir se as evidências sugeriam que a evolução é produto de variação contínua ou descontínua, e concluiu que esta última é possível. Sobre isso, escreveu, em 1900: “Nós aprendemos que Evolução é um processo muito lento, acontecendo por passos infinitesimais. Na horticultura é raro acontecer algo desse tipo .... O melhoramento de organismos anda a galope. Nesse caso, portanto, em que pode ser mostrado que a variação dos organismos é descontínua, não é mais necessário supor que para sua produção foram necessárias inúmeras gerações de seleção e acúmulo gradual das diferenças, e o processo de Evolução torna-se assim mais fácil de ser entendido. De acordo com o que pode ser descrito como a visão mais aceita, esse processo consiste na transição gradual de um tipo normal para outro tipo normal. Essa suposição implica na hipótese quase impossível de que cada tipo intermediário apareceu sucessivamente entre as duas formas extremas. Se existir descontinuidade essa hipótese é totalmente dispensável.” Não é de admirar que Bateson acreditou ser o paradigma mendeliano tão aceitável. Diferenças hereditárias poderiam ser marcantes, isto é, as variações pareciam ser descontínuas. Para Bateson e seus seguidores o modelo de Mendel era compatível com o seu paradigma. (Como um aparte, seria interessante notar que o motivo deste debate ainda hoje é pertinente. Alguns evolucionistas acreditam que o padrão principal seguido pela evolução é baseado em mudanças pequenas. Outros acreditam ser o padrão comum de pequenas mudanças, ocorrendo durante longos períodos de tempo, seguidas por mudanças bruscas de curta duração – equilíbrio pontuado. Parte da confusão é conse- qüência da dificuldade de definição quanto ao tamanho da mudança, para considerá-la grande ou pequena. Além disso, o que é exatamente um longo ou um curto período de tempo? Alguns curtos períodos são de 10 mil anos. A resposta será, provavelmente, que algumas linhagens caracterizam-se por mudanças lentas e relativamente constantes ao longo das eras, outras por períodos de estase e de saltos, e outras por mudanças pequenas em períodos muito longos de tempo. As duas escolas opostas seriam, então: “Evolução Gradual” e “Evolução em Saltos”). A veemência com que estes debates se deram indica claramente que os partidários do antigo paradigma da variação contínua sentiram-se ameaçados. Mesmo aqueles que, do outro lado, viram a proposta de Mendel como uma grande promessa, isto é, a idéia da variação descontínua, tinham que admitir que as conclusões de Mendel não poderiam explicar os resultados de cruzamentos para todos os organismos e para todas as características. A conseqüência foi que Bateson e os hibridistas continuaram a realizar experimentos que mostravam até que ponto os princípios de Mendel poderiam ser aplicados, e Weldon e outros continuaram a apontar que nem tudo poderia ser explicado a partir da hipótese original de Mendel. Weldon (1902) resumiu as conclusões de Mendel e escreveu: “É evidente a importância de se testarem essas afirmações incomuns por meio de um estudo cuidadoso dos resultados numéricos, e pela aplicação de tais testes sempre que possível. Tenho a impressão que ao negligenciarem essas precauções alguns escritores deixaram de apreciar como os resultados de Mendel concordam de modo surpreendentemente consistente com sua teoria.” A concordância entre o esperado e o obtido por Mendel Weldon submeteu as proporções obtidas por Mendel a testes estatísticos e concluiu que: “se os experimentos fossem repetidos uma centena de vezes, nós esperaríamos obter um resultado pior cerca de 95 vezes, ou as chances contra um resultado igual ou melhor que esse é de 20 para 1 .” Anos mais tarde, ainda outro cientista inclinado à área matemática, R. A. Fisher (1936), veio a considerar a questão dos dados de Mendel serem “tão bons”. De qualquer modo, havia abun48 dante confirmação disto. Sinnott e Dunn (1925, p. 47) relacionaram as proporções obtidas por Mendel e por outros seis experimentadores que tentaram conferir os resultados dele, entre 1900 e 1909. No caso de amarelo x verde, por exemplo, o número total de sementes foi 179399. Destas, 134707 eram amarelas (75,09%) e 44692 (24,91%) eram verdes. Mendel havia registrado 75,05% e 24,95%, respectivamente. Aparentemente, não era muito difícil a obtenção de dados “tão bons”. Mendel nunca publicou seu trabalho completo. Seu artigo de 1865 foi baseado em palestras e pareceu razoável a ele selecionar os dados dos cruzamentos que melhor ilustravam a hipótese que estava propondo. Em conferências, normalmente, os cientistas não descrevem todos os seus experimentos, nem apresentam todos os seus resultados – mesmo quando parecem fazê-lo. Então, Mendel também estava seguindo os procedimentos de sua época, não os atuais. Mas, após todas as verificações e discussões, comprovouse que Mendel estava certo. S. Wright (1966) estudou novamente os dados, e concluiu “Estou convicto, entretanto, de que não houve esforço deliberado em falsificação”. A questão da dominância e da recessividade Weldon continuou a questionar a noção de dominância e recessividade. Ele cometeu o erro, que Mendel insistiu em evitar, de assumir que um tal fenótipo implica sempre em um mesmo genótipo. Weldon conhecia muitas variedades de ervilhas que tinham características semelhantes àquelas que Mendel usou. Mas elas nem sempre davam os mesmos resultados quando cruzadas. Weldon parecia não entender que um determinado fenótipo em uma variedade poderia não ter a mesma base genotípica que um fenótipo aparentemente idêntico, em outra variedade. Além disso, Weldon parecia não entender a importância de se conhecer previamente a constituição dos pais se, por exemplo, o fenótipo era produzido por um genótipo homozigótico ou heterozigótico. No entanto, foi capaz de citar casos onde a dominância não era completa e os “híbridos” eram intermediários. Isto seria comprovado em vários casos, como Correns e outros iriam descobrir mais tarde. Weldon atacava a idéia de que as “afirmações de Mendel eram universalmente válidas” e resumiu, “Eu penso que nós só podemos concluir que aquela segregação dos caracteres das sementes nos cruzamentos de ervilha não é de ocorrência universal, e que quando ocorre, pode ou não seguir as leis de Mendel. A lei da segregação, como a lei da dominância, parece portanto se aplicar a raças com ancestralidades particulares... . O erro fundamental que invalida todo trabalho baseado no método de Mendel é negligenciar a ancestralidade, e tentar considerar o efeito completo de um genitor particular sobre a descendência, como devido à existência no genitor de caracteres estruturais particulares; enquanto que os resultados contraditórios obtidos por aqueles que observaram a descendência de genitores aparentemente idênticos em certos caracteres mostram claramente que não apenas os pais, mas também sua raça, isto é, sua ancestralidade, devem ser levados em conta antes que os resultados de um cruzamento entre eles possam ser previstos.” A última objeção é um tanto estranha. Mendel tomou muito cuidado para se assegurar que suas variedades originais sofressem autofertilização. Esta é uma das razões pelas quais ele obteve sucesso, quando tantos falharam. O última frase da citação mostra que Weldon ainda achava que a Lei da Herança Ancestral de Galton deveria ser considerada. O mendelismo estava em clara competição com a Lei de Galton e, portanto, não surpreende que os biometristas estivessem ansiosos para contestar seus resultados e conclusões – foi isso que Weldon fez. Algumas indicações da alta consideração desse grupo por Galton estão presentes nas seguintes citações de Pearson (1898): “Em resumo, se a lei do Sr. Galton pode ser firmemente estabelecida, ela é uma solução completa, em qualquer caso, para todo o problema de hereditariedade. Ela baseia a questão da herança em duas constantes, que podem de uma vez por todas ser determinadas; daí sua importância fundamental.” E Pearson fecha seu artigo com esta arrogante nota: “No momento eu meramente registraria minha opinião pessoal que, com todas as reservas devidas, me parece que a Lei da Herança Ancestral irá provar ser uma das mais brilhantes descobertas do Sr. Galton; é altamente provável que é seu enunciado descritivo simples que reúne sob o mesmo foco todas as complexas linhas da hereditariedade. Se a evolução darwiniana é seleção natural combinada com hereditariedade, então a afirmação simples que abarca todo o campo da hereditariedade deverá se tornar para o biólogo uma referência quase do mesmo nível que a lei da gravitação é para o astrônomo.” Bateson versus Weldon Esta área desenvolveu-se muito rapidamente no anos 1900 - 1903. O artigo de deVries (1900) sobre a ‘redescoberta’ havia sido submetido à publicação em 14 de março de 1900 e o de Correns (1900) em 26 de abril. Essas publicações geraram muita discussão. Logo depois, Bateson (1900b) discutiu tais artigos em um encontro da “Royal Horticultural Society”. Subseqüentemente, foi feita uma tradução do artigo de Mendel (1902), possibilitando uma análise por todo o mundo científico – poucas bibliotecas deveriam possuir o original de 1865. O artigo anti-Mendel de Weldon (1902) foi recebido pelos editores da Biometrika em 9 de dezembro de 1901. Bateson iniciou imediatamente a produção de um livro, Mendel’s Principles of Heredity: A defense (“Os Princípios da Hereditariedade de Mendel: Uma Defesa”) (1902). Este livro não apenas apresenta uma tradução dos artigos de Mendel sobre Pisum e Hieracium, como também discute seus dados com clareza. Bateson, então, documenta a visão errônea e distorcida de Weldon sobre o trabalho de Mendel. Weldon, vendo seu paradigma severamente contestado, respondeu-lhe de uma maneira que gostaríamos de acreditar não ocorresse em Ciência. Ele trouxe o descrédito para si mesmo e para os biometristas como um grupo. Bateson conclui com o seguinte: “Eu acredito que o que escrevi convenceu o leitor de que nós estamos [como conseqüência do trabalho de Mendel] finalmente começando a nos mover. O Professor Weldon declara que ele “não deseja depreciar a importância das realizações de Mendel”; que ele deseja “simplesmente chamar a atenção para uma série de fatos que para ele parecem sugerir linhas frutíferas de investigação”. Eu me aventuro a auxiliá-lo nesse propósito, pois eu penso que, da maneira como ele está desamparado - citando uma frase de Horace Walpole, está tão próximo de acender fogo com pano molhado quanto de estimular o interesse pelas descobertas de Mendel com sua apreciação humorada. Se eu contribui um pouco para essa causa, meu tempo não foi perdido. 49 Nestas páginas eu apenas toquei as fronteiras desse novo campo que está se descortinando diante de nós, de onde em um período de dez anos deveremos olhar para trás, para o cativeiro dos dias atuais. Logo, toda a ciência que lida com animais e plantas estará repleta de descobertas que o trabalho de Mendel tornou possíveis. O criador, seja de plantas ou de animais, não mais se desgastando nos velhos caminhos tradicionais, será superado apenas pelo químico em recursos e em capacidade de previsão. Cada concepção de vida da qual fizer parte a hereditariedade - e qual delas estaria isenta? - deverá mudar antes do desencadeamento de fatos que está por vir.” A previsão de Bateson sobre o que se veria dez anos mais tarde estava correta - Morgan estabeleceria as bases para um desenvolvimento espantoso em Genética. Bateson, o campeão e o profeta, fez muito para proteger e promover o mendelismo em sua fase inicial. Ele agiu de maneira similar a seu compatriota, Thomas Henry Huxley, que meio século antes, havia sido vigoroso e efetivo defensor do darwinismo. DEFININDO Bateson (em Bateson e Saunders, 1902) forneceu-nos algumas das terminologias básicas para a Genética mendeliana: “Esta pureza da linhagem germinativa, e sua incapacidade de transmitir simultaneamente as duas características antagônicas, é o fato central do trabalho de Mendel. Nós chegamos assim à concepção de unidades de caráter existentes em pares antagônicos. Nós propomos para tais caracteres a denominação de alelomorfos, e para o zigoto formado pela união de gametas portadores de alelomorfos antagônicos, a denominação de heterozigótico. De modo semelhante, o zigoto formado pela união de gametas portadores de alelomorfos semelhantes deve ser chamado homozigótico”. Mais tarde, o termo alelomorfo foi encurtado para alelo. ALGUNS TERMOS GENÉTICOS No ano de 1902 surgiu uma outra publicação de fundamental importância - a primeira das comunicações ao Comitê de Evolução da Royal Society, realizada por Bateson e pela senhorita Saunders (1902). Em 1897 eles deram início a uma série de cruzamentos em uma grande variedade de plantas e animais. Seu objetivo inicial era aprender mais sobre os fenômenos de herança contínua e descontínua, e também sobre o fenômeno da “predominância”, que mais tarde seria denominado dominância. Naquela época eles pensaram que, “Do que foi averiguado até o momento sobre o fenômeno da hereditariedade, não se pode evitar a inferência de que não há uma lei universal, mas que, por meio do estudo de diversos casos específicos, diferentes leis podem ser descobertas.” Um empreendimento muito grande para Darwin, Nägeli, Weismann e Galton! Por outro lado, Bateson e Saunders, antes de publicarem seus resultados, perceberam que “todo o problema da hereditariedade estava sofrendo uma completa revolução”. Essa visão permitiu que eles usassem o paradigma mendeliano para explicar seus resultados. 50 Distinguindo gene e alelo Nesse ponto irei explicar como planejo usar os termos gene, loco gênico, e alelo. Os professores com larga experiência no ensino de Genética em cursos introdutórios sabem o quanto é difícil para os estudantes lidarem com essa terminologia. Esta dificuldade se deve mais ao modo inexato como muitos geneticistas usam estes termos, do que à falta de competência do aluno. E, atualmente, apareceu um complicador adicional: quanto mais se sabe a respeito das bases moleculares de um loco gênico, mais complicado se torna o conceito de gene. No momento, vamos ignorar o presente e discutir os genes como eles eram concebidos nos Anos Dourados da Genética Clássica: pequenas contas de um colar – na verdade, não exatamente isso. O principal problema é o uso freqüente dos termos alelo e gene como sinônimos. Eu tentarei não fazer isso, mas como muitos de meus amigos geneticistas, eu poderei algumas vezes incorrer nesse erro. Gene será a menor porção do cromossomo (os átomos da hereditariedade!) que produz um efeito definido que, é claro, precisa ser detectável (ou nós nunca poderiamos saber de sua existência). A posição que o gene ocupa no cromossomo será seu loco. Alelos serão as diferentes variantes detectáveis de um dado gene. Cada gene deve ter pelo menos dois alelos – de outro modo nós não saberíamos de sua existência. Um gene revela sua existência quando ele muta de tal modo que o novo alelo mutante tenha um efeito detectável. VARIAÇÕES NAS PROPORÇÕES MENDELIANAS Os resultados dos cruzamentos entre variedades de ervilhas - dominância e recessividade, segregação e segregação independente, com suas conse-qüências, ou sejam, a proporção 3 : 1 em F2 de um cruzamento monoíbrido e a proporção 9 : 3 : 3 : 1 no F2 de um cruzamento diíbrido exibiram um alto grau de uniformidade e, por isso, levantaram a questão da universalidade dos resultados. Um caso típico de monoibridismo Em sua primeira comunicação ao Comitê de Evolução, Bateson e Saunders (1902) descreveram vários cruzamentos, muitos dos quais iniciados antes deles tomarem conhecimento do trabalho de Mendel. Saunders descreveu seus experimentos com plantas de espécies selvagens do gênero Lychnis. Algumas das espécies são pubescentes, isto é, com pêlos, e outras são glabras, isto é, sem pêlos. a. Cruzamentos de plantas pubescentes com plantas glabras produziram em F1 1006 plantas pubescentes e nenhuma glabra. b. Quando indivíduos F1 foram cruzados entre si, obteve-se um F2 constituído por 408 plantas pubescentes e 126 glabras. Esses resultados podem ser explicados assumindo-se a existência de um gene condicionante do caráter, que se apresenta sob a forma de um alelo dominante, condicionante do traço pubescente, e de um alelo recessivo, condicionante do traço glabro. Essa conclusão se baseia no fato de o caráter glabro não ter aparecido em F1, mas ter reaparecido em 1/4 dos indivíduos de F2. c. Quando um indivíduo F1 foi cruzado com uma planta pubescente pura, a descendência continha 41 plantas pubescentes e nenhuma glabra. d. Quando um indivíduo F1 foi cruzado com uma planta glabra pura, a descendência obtida era formada por 447 plantas pubescentes e 433 glabras. de dois tipos de gameta (nas mesmas proporções) pela geração F1, a qual é, portanto, formada por indivíduos heterozigóticos. Com base nesse raciocínio, quando se deseja determinar o genótipo de um indivíduo com fenótipo dominante faz-se o cruzamento dele com um indivíduo com fenótipo recessivo. No caso dos descendentes serem todos de fenótipo dominante, conclui-se que o indivíduo em teste formou apenas um tipo de gameta, sendo, portanto, homozigótico. No caso de se obter os dois fenótipos na progênie, conclui-se que o indivíduo em teste formou dois tipos de gameta, sendo, portanto, heterozigótico. Esse tipo de cruzamento, com o intuito de se determinar o genótipo de um indivíduo, é chamado cruzamento-teste. Herança da forma da crista em Gallus gallus Na mesma publicação Bateson descreveu seus primeiros experimentos com Gallus gallus. Ele estudou muitos tipos de características, incluindo a forma da crista desses galináceos. (Fig. 12) A B C D Figura 12. Tipos de crista em Gallus gallus: A. crista simples; B. crista ervilha; C. crista rosa; D. crista noz. Esses tipos de cruzamento, em que o indivíduo é cruzado com um ou outro dos tipos parentais Um dos tipos de crista era ervilha e o outro, recebe o nome de retrocruzamento. O fato de no retrocruzamento com o parental recessivo (d) simples. ter sido produzido 50% de indivíduos pubescentes a. Quando ervilha foi cruzada com simples, todo o F1 apresentou crista ervilha. e 50% glabros corrobora a hipótese da produção 51 b. Quando indivíduos F1 foram cruzados entre si, f. A situação se tornou mais complicada com o a descendência foi composta por 332 indivíduos resultado do cruzamento entre animais de uma com crista ervilha e 110 com crista simples. linhagem pura de crista ervilha com animais de uma linhagem pura de crista rosa. A geração Esses resultados podem ser explicados assuF 1 foi uniforme mas todos os animais mindo-se a existência de um gene condicionante do apresentavam um tipo de crista diferente da caráter, que se apresenta sob a forma de um alelo dos tipos parentais – crista noz. Esse tipo de dominante, condicionante de crista ervilha, e de um crista já era conhecido de outros cruzamentos. alelo recessivo, condicionante de crista simples. Em uma segunda publicação (Bateson et al., g. Quando os F1 com crista noz foram cruzados entre si, obteve-se, em F2, 99 noz, 26 rosa, 38 1905), Bateson relatou outros experimentos sobre ervilha e 16 simples. herança da forma da crista em Gallus gallus. Pode-se perceber que a proporção em F2 é c. Quando indivíduos com um terceiro tipo de aproximadamente 9 : 3 : 3 : 1. Esta proporção pode crista, denominada rosa, foram cruzadas com indivíduos de crista simples obteve-se um F 1 ser tomada como significando o envolvimento de dois genes cada um deles com um par de alelos. totalmente composto por rosa. Estes alelos estão cumprindo as regras mendelianas d. Quando os F1 foram cruzados entre si, obtevede dominância, segregação e segregação indepense um F2 formado por 221 rosa e 83 simples. dente. A situação é enigmática apenas porque ame. Quando indivíduos F1 foram cruzados com bos os pares estão afetando a mesma característica, indivíduos de crista simples, a descendência foi a forma da crista. (Figs. 13 e 14) composta de 449 rosa e 469 simples. (Fig. 13) h. Quando indivíduos noz foram cruzados com Esses resultados podem ser explicados assusimples, a descendência foi de 139 noz, 142 mindo-se a existência de um gene condicionante do rosa, 112 ervilha e 141 simples. caráter, que se apresenta sob a forma de um alelo Esse foi um cruzamento teste, onde um dominante, condicionante de crista rosa, e de um indivíduo recessivo (crista simples) foi cruzado alelo recessivo, condicionante de crista simples. Assim, rosa e ervilha são ambos dominantes com um indíviduo cujo genótipo se deseja sobre simples. Mas como pode haver três alelos: determinar (crista noz). O fato de terem sido produzidos quatro tipos de descendente nas simples, rosa e ervilha? P1 Fenótipo R r ➤ simples rr Rosa Rr E E ➤ ➤ Rosa RR Ervilha Ee e R F2 Fenótipos e Genótipos X Ee Genótipo dos gametas r ➤ ➤ Ervilha ➤ Genótipo Rosa Rr R e Rr ➤ ➤ F2 Fenótipos e Genótipos E ➤ r Genótipo dos gametas F1 Fenótipo ➤ ➤ Genótipo dos gametas ee Rosa Rr Simples EE ➤ X X Genótipo ➤ Genótipo ➤ ➤ Rosa Ervilha ➤ rr P1 Fenótipo ➤ RR ➤ F1 Fenótipo Simples ➤ Genótipo dos gametas X ➤ Genótipo Rosa Ervilha e Ee Ervilha simples EE ee Ervilha Ee Figura 13. Diagramas genéticos de cruzamentos entre galináceos com diferentes tipos de crista. 52 P1 Fenótipos Ervilha Genótipos X Rosa EErr ➤ ➤ Genótipos dos gametas eeRR Er eR Noz Genótipos EeRr X Noz EeRr ➤ ➤ ER ER EERR Er Er ➤ ➤ EERr eR Genótipos dos óvulos ➤ ➤ Genótipos dos espermatozóides ➤ ➤ ➤ ➤ F1 Fenótipos EERr eR F2 Genótipos EeRr EErr EeRr Eerr EeRR EeRr eeRR eeRr ➤ ➤ EeRR er er EeRr Eerr eeRr proporção fenotípica obtida em F2 pode-se explicar esse caso supondo que a cor da flor seja determinada por um único gene com dois alelos. Uma planta homozigótica para um dos alelos produz flor rosa, a homozigótica para o outro alelo produz flor branca e a heterozigótica produz flor violeta [Nota do tradutor: Posteriormente, este e outros casos semelhantes, no quais a proporção fenotípica era 1 : 2 : 1 e não 3 : 1 passaram a ser denominados de padrão de herança monofatorial com codominância] Herança da cor da flor em Lathyrus e em Matthiola eerr Os cruzamentos a seguir mostraram outra variação das Figura 14. Diagrama genético de um cruzamento entre galináceos de crista proporções mendelianas e são mais difíceis de serem ervilha e de crista rosa, mostrando a produção de indivíduos de crista noz. compreendidos. Bateson e colaboradores mesmas porcentagens indica que o indivíduo em (1906) haviam realizado numerosos cruzamentos teste produziu quatro tipos de gameta na propor- com ervilhas-de-cheiro (gênero Lathyrus) e com ção de 1 : 1 : 1 : 1. Isso corrobora o envolvimento crucíferas (gênero Matthiola), obtendo em amde dois genes com segregação independente. bos os casos resultados confusos. Casos como esse, em que dois ou mais genes a. Quando duas variedades diferentes com flores interagem na determinação de um mesmo caráter, brancas foram cruzadas, todas as plantas de são conhecidos como interação gênica. F1 foram coloridas. b. Quando os F1 foram cruzados entre si, pareceu à primeira vista, que havia um número igual Herança da cor da flor em Salvia de flores brancas e coloridas em F2. Entretanto, Em seu segundo trabalho (Bateson et al., estudos posteriores mostraram que a propor1905), Bateson apresentou os resultados de vários ção em F2 era na verdade de 9 coloridas para cruzamentos com plantas de sangue-de-adão 7 brancas. (gênero Salvia). Foram usadas linhagens com A figura 15 apresenta o diagrama de Bateson flores rosa e branca. para os resultados de F 2. Ele e seus co-autores a. Quando rosa é cruzado com branco todo o F1 concluíram que a cor branca das flores das duas é violeta. variedades originais não era determinada pelo b. Em um cruzamento entre plantas F 1 foram mesmo genótipo. Um genótipo era CCrr e o outro obtidas 59 plantas de flores violetas, 25 rosas ccRR. Para que as flores fossem coloridas era e 34 brancas. Em outro cruzamento, foram necessário que a planta possuísse pelo menos um obtidas 225 violetas, 92 rosas e 114 brancas. C e um R. Em F1, por essa hipótese, todos seriam Note que o F1 apresenta um fenótipo diferente CcRr, e portanto, coloridos. Casos como esse, dos de ambos os tipos parentais. Com base na em que alelos de um gene mascaram a expressão 53 P1 Fenótipos Branca Genótipos X Bran CCrr CONCLUSÃO ccRR ➤ ➤ Este quadro da Genética dos primeiros anos do século XX Cr cR nos conscientizou da complexidade e confusão que existia ➤ ➤ naquela época. Aqueles que F1 Fenótipos Colorida X Colorida desejavam que o mundo vivo Genótipos CcRr CcRr se comportasse como o deli➤ neado pelas ervilhas de Mendel CR CR Genótipos dos Genótipos logo verificaram que isto não CCRR grãos de pólen dos óvulos era verdadeiro. Isto não signifiCr Cr ca que a história original de CCRr CCRr cR cR Mendel estivesse “errada”. Isto significa apenas que ela estava CCrr CcRR CcRR cr cr incompleta e que estava sendo CcRr CcRr CcRr CcRr substituída por uma compreF2 Genótipos ensão mais profunda da Ccrr ccRR Ccrr natureza da hereditariedade. Nenhuma das regras originais ccRr ccRr de Mendel mostrou-se verdadeira para todos os casos. ccrr Pode ser argumentado que o significativo progresso da Figura 15. Diagrama que mostra a natureza da razão 9 : 7 em F2 de um Genética foi baseado numa cruzamento entre variedades de ervilha-doce. O estado colorido do caráter atitude que pode ser vista como cor da flor aparece apenas quando os alelos C e R se encontram. Cada “não-científica”. Ou seja, desde quadro corresponde a um zigoto e as letras em seu interior mostram seu o momento em que as hipóteses genótipo. Os quadros escuros representam as plantas com flores coloridas de Mendel se tornaram conhee os claros, as com flores brancas. cidas, ficou claro que elas não se aplicavam a todos os organisde outro gene, são conhecidos como casos e inte- mos. Entretanto, os que realmente acreditavam nelas ignoraram as exceções e lentamente encontraram ração gênica com epistasia. Esses poucos exemplos de cruzamentos gené- explicações para esses casos que podiam ser ticos indicam o tipo de problemas que se pode colocadas em termos originais do mendelismo. À encontrar em estudos genéticos. Há inúmeros medida que o conhecimento sobre experimentos de outros, é claro. Os livros indicados na bibliografia cruzamentos em diferentes espécies aumentava, foi complementar trazem diversos exemplos. Muitos possível expandir a teoria para acomodar os novos dos problemas nestes livros apresentam apenas resultados. Foi possível compreender mais e mais as proporções observadas e não os números reais as exceções. Descobriu-se que alguns dos problemas mais de indivíduos em cada classe fenotípica. Terá maior valor se os estudantes manipularem os difíceis tinham base cromossômica. Um desses dados reais porque eles podem chegar a uma problemas foi o dos “cromossomos acessórios” ou conclusão importante; quando somente as “cromossomos X”. Para discutir esse caso proporções são dadas, esta conclusão importante precisamos ver agora o que os citologistas estavam fazendo nos primeiros anos do século vinte. já foi alcançada. Genótipos dos gametas ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ ➤ 54 EXERCÍCIOS (d) homozigótico (e) interação gênica sem epistasia (f) codominância PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS Preencha os espaços em branco nas frases de 1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado. 11. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo, resultante da união de gametas portadores de um mesmo tipo de alelo é chamado ( ). (a) biometrista (d) hibridista (b) evolução gradual (e) variação contínua (c) evolução em saltos (f) variação descontínua 12. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo, resultante da união de gametas portadores de alelos diferentes de um mesmo gene é denominado ( ). 1. A escola ( ) se caracterizava por procurar obter informações sobre hereditariedade por meio de cruzamentos experimentais. 13. O fenômeno de dois ou mais genes atuarem na determinação de uma mesma característica é chamado ( ). 2. A escola ( ) se caracterizava por procurar compreender hereditariedade por meio da aplicação de métodos matemáticos. 14. O fenômeno de a expressão de um alelo de um gene mascarar o efeito de um alelo de um outro gene é chamado ( ). 3. Um caráter com ( ) apresenta diferenças pequenas e graduais entre os indivíduos de uma população. 15. O fenômeno de um alelo de um gene mascarar o efeito de um outro alelo do mesmo gene é chamado ( ). 4. Um caráter com ( ) apresenta diferenças contrastantes, facilmente identificáveis, entre os indivíduos de uma população. 5. Pequenas mudanças, lentas e relativamente constantes ao longo do tempo caracteriza a ( ). 6. Períodos de mudanças lentas e graduais seguido de períodos curtos de mudanças bruscas caracteriza o ( ). Preencha os espaços em branco nas frases de 7 a 10 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) alelo ou alelomorfo (b) gene (c) loco (d) mutação 7. ( ) pode ser definido como a porção do cromossomo (um segmento da molécula da hereditariedade) que produz um efeito detectável no indivíduo. 8. Uma alteração hereditária em uma característica é chamada ( ). 9. Cada uma das formas detectáveis de um ( ) é chamada ( ). 10. A posição que um determinado ( ) ocupa no cromossomo é seu (sua) ( ). Preencha os espaços em branco nas frases de 11 a 15 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) dominância (b) interação gênica com epistasia (c) heterozigótico PARTE B: LIGANDO CONCEITOS E FATOS Indique os termos que completam ou respondem as questões de 16 a 28. 16. Para Weldon e Pearson, seguidores de Galton, o mendelismo era incompatível com a teoria darwinista e por isso o combatiam. Esse pensamento era defendido pela chamada escola a. evolucionista. c. hibridista. b. biometrista. d. darwinista. 17. A “lei da herança ancestral” de Galton dizia que a. as características adquiridas eram hereditárias. b. as regras da herança podiam ser expressas matematicamente pelas fórmulas 3:1 e 9:3:3:1. c. a contribuição ancestral na formação de um indivíduo era de 1/2 dos pais, 1/4 dos avós, 1/8 dos bisavós e assim por diante. d. as mudanças hereditárias eram lentas e graduais e dependiam da ancestralidade. 18.Para Bateson a explicação mendeliana para a hereditariedade não se contrapunha ao darwinismo, pois o processo de evolução podia envolver características a. adquiridas. b. com variação contínua. c. com variação descontínua. d. com efeito aditivo. 55 Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 19 e 20. a. dominância c. interação gênica b. epistasia d. variação contínua 19. Em galinhas, como observado por Bateson e colaboradores no início do século, o cruzamento entre indivíduos de crista noz produz descendência com crista tipo noz, rosa, ervilha e simples, na proporção de 9:3:3:1, respectivamente. Trata-se de ( ). 20. Em ervilha-de-cheiro, Bateson e colaboradores obtiveram, no cruzamento entre plantas híbridas com flores coloridas, plantas com flores coloridas e plantas com flores brancas na proporção de 9:7. Trata-se de ( ). 27. No caso de uma interação entre dois genes com segregação independente, em que o alelo dominante de um dos genes mascara ou inibe a expressão do outro gene, a proporção fenotípica esperada no cruzamento de dois duplo-heterozigotos é ( ). 28. No caso de uma interação entre dois genes com segregação independente, em que o par de alelos recessivos de um dos genes mascara ou inibe a expressão do outro gene, a proporção fenotípica esperada no cruzamento de dois duplo-heterozigotos é ( ). PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR 29. Qual a explicação que se costuma dar para o fato de o trabalho de Mendel não ter sido entendido durante 35 anos? 21. O cruzamento de um indivíduo com fenótipo dominante com outro de fenótipo recessivo, com o objetivo de se determinar o genótipo do primeiro, é denominado a. cruzamento teste. c. monoibridismo. b. diibridismo. d. retrocruzamento. 30. Por que Moore admite que o antagonismo entre o mendelista Bateson e os biometristas Weldon e Pearson era uma questão de conflito de paradigmas? Utilize as alternativas abaixo para responder às questões de 22 e 25. a. diplóide. c. heterozigótico. b. haplóide. d. homozigótico. 31. Por que algumas pessoas levantaram a questão de que Mendel pode ter falsificado seus resultados? 32. Como surgem os diferentes alelos de uma gene? 22. No cruzamento entre um indivíduo com um caráter hereditário dominante eoutro com o caráter recessivo, todos os descendentes apresentaram o caráter dominante. Pode-se dizer, portanto, que, muito provavelmente, o tipo parental dominante é ( ). 23. Em um cruzamento entre um indivíduo com um caráter hereditário dominante e outro com o caráter recessivo, foram produzidos descendentes com o caráter dominante e descendentes com o caráter recessivo. Esse resultado permite concluir que o tipo parental dominante é ( ). 24. Um indivíduo que apresenta em suas células apenas um alelo de cada gene é ( ). 25. Um indivíduo que apresenta em suas células um par de alelos de cada gene é ( ). Utilize as alternativas abaixo para responder às questões de 26 a 28. a. 1 : 2 : 1 c. 9 : 7 b. 9 : 3 : 4 d. 12 : 3 : 1 26. Nos casos em que alelos diferentes de um gene se expressam na condição heterozigótica, a proporção fenotípica esperada em um cruzamento entre dois híbridos é ( ). 33. Quais serão as proporções fenotípicas esperadas em um cruzamento entre dois duploheterozigotos em que os dois genes apresentam segregação independente e interagem das seguintes maneiras: a. um dos genes na condição homozigótica recessiva, independentemente da condição do outro gene, condiciona o fenótipo A; em qualquer outra situação o fenótipo do indivíduo será B. b. os alelos recessivos não produzem nenhum tipo de pigmento e cada alelo dominante condiciona a produção de uma quantidade X de um mesmo pigmento. c. basta ter um alelo dominante de qualquer dos dois genes para apresentar o fenótipo A; no caso dos dois genes estarem na condição homozigótica recessiva, o fenótipo será B. 34. Em rabanetes, a forma da raiz pode ser arredondada, ovalada ou alongada. Cruzamentos entre plantas de raiz alongada e plantas de raiz arredondada produziram apenas indivíduos com raiz ovalada. Em cruzamentos desses indivíduos entre si foram obtidos 400 56 descendentes, dos quais 100 apresentaram raízes alongadas, 195 apresentaram raízes ovaladas e 105 apresentaram raízes arredondadas. a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os esperados de acordo com o diagrama. c. Os resultados obtidos estão de acordo com as leis mendelianas? Explique d. De acordo com a hipótese, se cruzássemos rabanetes de raiz ovalada com rabanetes de raiz arredondada, quais as proporções fenotípica e genotípica esperadas na descendência? 35. Em abóboras, a forma do fruto pode ser discóide, esférica ou alongada. Uma variedade pura de frutos discóides foi cruzada com uma variedade pura de frutos alongados. A geração F1 foi inteiramente constituída por plantas de frutos discóides. A autofecundação das plantas F1 produziu 80 descendentes, dos quais 30 tinham frutos esféricos, 5 tinham frutos alongados e 45 tinham frutos discóides. b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os esperados de acordo com o diagrama. c. Os resultados obtidos estão de acordo com as leis mendelianas? Explique. 36. Em uma certa linhagem de animais foram identificados dois genes com segregação independente afetando a massa. Os alelos dominantes condicionam, cada um, um acréscimo de 10 gramas à massa básica de 50 gramas do duplo-recessivo. Determine a massa máxima e a mínima na descendência de um cruzamento Aabb X AaBB. 37. A pigmentação da plumagem em uma certa linhagem de galinhas é condicionada por dois genes com segregação independente. O alelo dominante de um dos genes ( C) condiciona a produção de pigmento enquanto o alelo recessivo ( c) é inativo, condicionando cor branca. O alelo dominante do outro gene (I) inibe a formação de pigmento, enquanto o alelo recessivo (i) não o faz. Determine a proporção fenotípica em um cruzamento entre dois indivíduos duplo-heterozigóticos. a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. 57