Nº 8 | Qui 11 de Julho A lua não nasce para todos E m muitos lugares da internet se podem aprender os acordes e a letra de La luna y el toro, com esse imortal verso: abanicos de colores parecen sus patas. No labirinto que é a política, todos usam leques coloridos, um em cada pata, e ninguém parece querer encontrar a saída. Da próxima vez que virem um político de cinza e azul, lembrem-se: la luna se está peinando. Entretanto, em Almada, as pessoas fazem fila para entrar no Palco. A bicha já é uma alegria, mas estar sentado na bancada ao ar livre é um acontecimento. O silêncio antes de o actor começar é interrompido por essa maravilha da tecnologia moderna que é a telefonia celular. A mesma brisa que refresca os espectadores nestas noites de Julho traz os acordes sintetizados de uma velha canção. Tudo isto parece contrariar o trabalho dos artistas de teatro, mas pensando bem, talvez não. Os panos pretos e os cabelos do actor oscilam por igual com o vento suave e tudo conspira para que não tenhamos dúvidas de que estamos juntos, todos, no mesmo lugar, a ver a mesma peça, pensada para nós por um autor distante no tempo e no espaço mas, por milagre, presente ali hoje. No fim, a luz do espectáculo apaga-se lentamente, as luzes da bancada ainda não se acenderam, e enquanto as pessoas não aplaudem, a lua ilumina a plateia, o palco, a máquina da legendagem, estamos todos no escuro. Jorge Louraço O Joaquim morreu cedo, muito antes do tempo. Como faz falta nos dias que passam! – Os Construtores dos impossíveis teriam ao seu lado mais um arquitecto do sentido da vida. Júlio Cardoso Uma semana de Festival O Festival começou com um espectáculo, Maldito seja o traidor da sua pátria!, que incluía um insulto ao público português, o melhor equivalente possível ao insulto contido na versão original da peça eslovena, então dirigido aos compatriotas ex-jugoslavos. A resposta dos espectadores foi voltar ao Festival, para ver Victor, ou as crianças ao poder, uma sátira sobre o desgoverno da Europa no séc. XX; O Papalagui, sobre os colonizadores europeus, do ponto de vista do colonizado; ou Ai amor sem pés nem cabeça, a partir de textos do séc. XVIII, mas sobre o país e o teatro contemporâneos. O público voltou e aplaudiu com generosidade: tanto o Teatro da Cornucópia como Klaus Maria Brandauer, de A última gravação de Krapp, tiveram grandes ovações, com os actores a serem forçados a vir a palco quatro vezes. A média de espectadores, no conjunto dos vários teatros onde decorre o Festival de Almada, ultrapassou ontem à noi- Maldito seja o traidor da sua pátria! Victor ou as crianças ao poder te os 1300 por dia, na estreia de A última gravação de Krapp. Chegados ao sétimo dos quinze dias do Festival, mais de 10 mil pessoas estiveram nas 9 salas onde se apresentaram 17 obras diferentes (o São Luiz e o Pátio Prior do Crato só recebem os seus espectáculos nos últimos dias do Festival). No Palco Grande há ainda cinco espectáculos para ver, no Fórum Romeu Correia dois, e na sala principal do TMJB um, O Pelicano, de Strindberg, com encenação de Rogério Carvalho, produção própria da CTA Ai amor sem pés nem cabeça A última gravação de Krapp Últimas oportunidades! S e ainda não teve oportunidade de ver Habib Dembélé apresentar o homem branco, O Papalagui, e discorrer sobre os seus costumes absurdos, saiba que amanhã é o último dia para o fazer. O horário de sexta-feira (21h30) permite que o actor possa estar, às 19h00, na Esplanada da Escola D. António da Costa, para conversar com o público e responder às suas questões. H O Papalagui e O prémio Martin oje, também Peter Stein se despede do Festival, apresentando a última das duas sessões de O prémio Martin, no Teatro Nacional D. Maria II. Tal como ontem, o espectáculo desta noite promete uma sala lotada e mais de duas horas de muitas gargalhadas, peripécias e mal-entendidos. Magistralmente criados por Eugène Labiche e encenados por Peter Stein. A não perder! Ver-se grego “É a primeira vez que apresentamos este espectáculo fora de França”, disse Nicolas Yalelis, um dos actores e criadores de País natal, na conversa com o público de ontem, na Esplanada da Escola D. António da Costa. País natal, que se apresentou no Festival na segunda-feira, é o espectáculo sensação do Théâtre Liberté, jovem grupo franco-grego que se conheceu e juntou em Toulon e que ganhou notoriedade pela forma cândida e simples como aborda questões complexas: a identidade grega e francesa, as causas da crise económica, a pesada herança da História. “Quando mostrei a pessoas em França o programa do Festival, perguntaram-me: “Já foste ver o Pays natal ? Depois diz-me o que achaste do espectáculo.” Eu achei que levantava questões muito interessantes, e creio ter reconhecido as referências a Carla Bruni, por exemplo”, dizia um dos espectadores do colóquio, à laia de preâmbulo da sua interpelação aos actores. As referências a Carla Bruni, a actriz Aurélie Nuzillard não as reconhece. Mas que o espectáculo levante questões, é motivo de satisfação, decorrente da forma como este foi criado, ”baseado em discussões e improvisações”. Um espectáculo “sem pretensões intelectuais”, afirma Pierre-Marie Poirier, acrescentando que a informalidade e a juventude não são razões para não se sentir na pele as questões importantes da actualidade: “Conheci um espanhol que me disse que apesar de viver em França há 10 anos e de se sentir integrado, ainda ouve flamenco tocar dentro da cabeça”. País natal foi bem recebido também em Almada , e as questões que nele se abordam geraram grande interesse.“O texto é panfletário, levanta questões muito interessantes, com humor. Ridendo castigat mores, dizia Horácio. É preciso divulgá-lo, que as pessoas tenham acesso ao texto: é preciso que o disponibilizem!” A Alemanha, o grande credor da dívida grega, devia sentirse em dívida também, acrescentou: “Era interessante que apresentassem este espectáculo na Alemanha. Os gregos, que in- ventaram a palavra democracia, podiam cobrar direitos!” Mas a ideia do espectáculo era exactamente oposta, respondeu Nicolas Yalelis. Esquecer o passado, que na sua opinião coibiu também os portugueses de continuar os feitos dos Descobrimentos: “Como os gregos, diziam-me há pouco, também os portugueses, que vivem uma situação muito difícil, tiveram um papel muito importante na história mundial – e depois descansaram sobre esses louros. É preciso fazer mais: o que seria de Pessoa se se baseasse em Camões?” Carregar na farinheira* Avinhão bem aviado C hega Julho, e chega Avinhão, com o seu festival. Mas, mais importante do que o festival propriamente dito é a atenta e copiosa cobertura que o Público dele faz – os quatro portugueses que por ano lá vão agradecem. Ainda nem vamos a meio e são já quatropáginas-quatro inteirinhas, fervorosamente dedicadas à última edição dirigida por Baudriller e Archambault. Dizem algumas línguas viperinas que nalguns sectores do teatro francês já se dão alvíssaras à debandada da dupla neo-flamenga que cada ano saca vedetas da cartola que nem coelhos – e que no mês seguinte já ninguém conhece. A vedeta deste ano, a crer na descrição do diário de Alcân- tara, é, pelos vistos, Julien Gosselin, que adaptou um romance de Houellebecq, considerado um idiota fascista nalguns sectores da cultura francesa – outros descrevem-no como “uma bicha ressabiada que escreveu um romance a dizer mal da mãe”. O artigo de hoje cobiça um “elenco dedicado e sexualmente irresistível”, pelos vistos “brilhante”, acreditando que o autor iria gostar das “cuequinhas das meninas, e da tensão erótica entre os meninos, e das cenas de violação e das orgias e de muito álcool e muita filosofia misturada com discurso protoreaccionário”. Avinhão tão longe – e o Cais do Sodré, e o Príncipe Real e a recta de Coina aqui à mão... * Na gíria teatral, diz-se que os actores “carregam na farinheira” quando exageram. Nós carregamos na farinheira quando a realidade ultrapassa a ficção. AGENDA de amanhã Restaurante da Esplanada Espectáculos Hoje 19H00: noites brancas Maria Matos Teatro Municipal 21H30: O Papalagui Teatro Municipal Joaquim Benite – Sala Experimental 21H30: Cada sopro Teatro da Politécnica 21H30: i.b.s.e.n. Teatro da Trindade colóquios 19H00: Habib Dembélé, protagonista de O Papalagui Esplanada da Escola D. António da Costa SOPA - Sopa de feijão verde PRATOS - Arroz de pato - Dourada no forno Amanhã PRATOS - Sopa da Pedra - Bacalhau à Gomes Sá Escola D. António da Costa Avenida Prof. Egas Moniz ALMADA 2804- 503