UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE ENSINO DE GEOGRAFIA – LEGEO FRANCO ANDREI BORGES OS CIGANOS DE UBERLÂNDIA E A QUESTÃO DE SUAS CRIANÇAS NA ESCOLA UBERLÂNDIA-MG 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FRANCO ANDREI BORGES OS CIGANOS DE UBERLÂNDIA E A QUESTÃO DE SUAS CRIANÇAS NA ESCOLA Trabalho apresentando à disciplina Trabalho Final de Graduação 4 como requisito parcial para a aprovação no curso de Bacharelado em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Orientadora: Pofª. Drª. Adriany de Ávila Melo Sampaio UBERLÂNDIA-MG 2010 FRANCO ANDREI BORGES OS CIGANOS DE UBERLÂNDIA E A QUESTÃO DE SUAS CRIANÇAS NA ESCOLA ___________________________________________ Profª. Drª. Adriany de Ávila Melo Sampaio Orientadora ___________________________________________ Profª. Ms. Roberta Afonso Vinhal Wagner Examinadora – Doutoranda IG-UFU __________________________________________ Profª. Ms. Rosana de Ávila Melo Silveira Examinadora IFET – Urutaí-GO ___________________________________________ Prof. Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos Geógrafo e Urbanista Examinador I.G. - UFU Data _____/_____/_____ Resultado_____________ Dedico este trabalho a minha Mãe, que sempre foi uma Geógrafa nata e sempre me orientou nos caminhos de minha trajetória, ensinando-me a decifrar o espaço em que estávamos inseridos e, em sua persistência, conduzindo-nos sempre aos caminhos do saber. A meu Pai (in memorian), que me levava em suas viagens de caminhão, mostrando-me a imensidão e diversidade deste mundo. A meu filho Heitor Andrei, que me ensina todos os dias. E a todos os meus irmãos que comigo ainda caminham nesta vida. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela dádiva da vida e por fazer-me sentir, que amparado por sua Graça, sou capaz de realizar meus sonhos. Agradeço aos meus pais pela educação que recebi, pelo apoio e esforço incondicionais mesmo diante das grandes dificuldades que superamos, bem como por acreditar que, um dia, todo esforço seria recompensado. À Profª. Drª. Adriany de Ávila Melo Sampaio, que me orientou neste trabalho e muito me ajudou com seu empenho e incentivo, com a paciência na leitura e correções, por apoiar-me neste caminho que escolhi. A todos aqueles que, de alguma forma, ajudaram-me na proposta e condução do trabalho. Ando devagar Porque já tive pressa E levo esse sorriso Porque já chorei demais Hoje me sinto mais forte, Mais feliz, quem sabe Eu só levo a certeza De que muito pouco sei, Ou nada sei [...] Cada um de nós compõe a sua história Cada ser em si Carrega o dom de ser capaz De ser feliz (Almir Sater e Renato Teixeira), Tocando em Frente) RESUMO Esta proposta de trabalho encontra contexto no mundo das Comunidades Ciganas estabelecidas na cidade de Uberlândia. Neste trabalho, pode-se perceber um pouco da trajetória desse povo tão pouco conhecido, de suas histórias de origem e suas realidades vivenciadas no mundo, da sua possível origem no norte da Índia à sua diáspora. Alguns rumaram à Palestina, outros seguiram para Europa, e outros, para o Brasil. Neste caminho, a cultura desse povo foi sendo contestada por seus costumes, sua língua, seus trajes. Por onde passavam, os ciganos foram vitimas de preconceitos, assim como estigmatizados por povos locais, sem que isso afetasse sua cultura. Assim, mantiveram-se e mantêm-se até hoje resistentes em suas tradições, desde os primeiros Ciganos que chegaram ao Brasil vindos nos grandes navios Portugueses. Suas tradições são repassadas verbalmente e cada membro guarda consigo estas preciosidades. Os mais idosos são os “baús” em que se guardam essas tradições. Muitas, por meio de suas histórias. Algumas questões são abordadas neste trabalho: e a escola? Como estas crianças chegam? Como são tratadas? São homogeneizadas como os demais alunos ou são diferenciados em seu contexto? A pesquisa mostrará que a Escola Pública Regular não recebe ou trata de forma distinta os alunos que têm um modo cultural diferente de vida. Todos são tratados igualmente e não há distinção de aluno. Outras questões são pertinentes ao estudo: como o Ensino de Geografia pode ajudar estes alunos e suas comunidades Ciganas que estão inseridas em um contexto maior, a cidade? Estas dentre outras questões, são discutidas com objetivo de valorizar a Cultura Cigana. Palavras Chave: Escolarização. Escola Regular. Ensino de Geografia. ABSTRACT The context of this work is the Gipsy Communities established in the city of Uberlandia-MG. In this work, we can see a part of the history of that people so little known, their origin stories and their realities in the world. And its possible origin in northern India until its Diaspora. Some went to Palestine, others went to Europe, and others came to Brazil. In this way, the people of that culture was challenged because their customs, their language, their clothes. Wherever they went, the Gypsies were victims of prejudice, and they was stigmatized by local people, without it affecting their culture. Thus, they remained and remain resistant until today in their traditions, since the first Gypsies who came to Brazil in the large Portuguese ships. Their traditions are orally passed, and each member can guard these treasures. The elderly people are the “chests” that are kept in these traditions. Many of them are passed through their stories. Some issues are addressed in this paper: and about school? How these children come in? How are they cared? Are homogenized as other students or they are differentiated in their context? The study shows that regular public schools don’t receive or treats differently those students who have a different cultural way of life. Everyone is treated equally and there is no distinction of the students. Other issues are relevant to the research: how the Teaching of Geography can help these students and their communities which are part of a larger context, the city? This question, among other issues, is discussed in order to enhance the Gypsy culture. Keywords: Schooling. Regular School. Geography Teaching. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................09 CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA E ORIGEM.................................................................................17 1.1 Os Ciganos no Brasil................................................................................................20 1.2 Ciganos em Uberlândia.......................................................................................................24 CAPÍTULO 2 – A ESCOLARIZAÇÃO DOS CIGANOS.......................................................27 2.1 A Realidade Européia..........................................................................................................28 2.2 A realidade brasileira..........................................................................................................34 2.3 Pequena análise da realidade escolar cigana em Uberlândia-MG......................................37 CAPÍTULO 3 – POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA ESCOLAR PARA O POVO CIGANO........................................................................................................41 3.1 A Geografia escolar na Escola Comum...............................................................................41 3.2 Contribuições da Geografia para os Ciganos......................................................................45 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................49 REFERÊNCIAS........................................................................................................................52 9 INTRODUÇÃO Quando se fala dos Ciganos, em qualquer lugar que estejamos, haverá sempre um estigma e preconceitos em relação a essas pessoas. Diz-se, por exemplo, que são pessoas perigosas, são ladrões de cavalos e galinhas, que se deve tomar mais cuidado com as crianças, pois os ciganos as roubam. Por onde costumam passar, sempre são tratados com desdém, intolerância, são perseguidos e discriminados. O preconceito é produzido por todos, que têm medo de se aproximar e conhecê-los, assim deixando de lado rótulos e qualificações negativas (re)transmitidas ao longo do tempo. Os Ciganos possuem uma cultura peculiar ao seu grupo étnico que é mantida por meio da oralidade, repassada de geração a geração: suas danças, suas roupas coloridas, o jeito de vestir das mulheres, principalmente – com grande quantidade de enfeites e cores, muitos adornos que enfeitam o corpo, vestidos sempre longos, cabelos amarrados com lenços coloridos com toda uma simbologia própria, além de uma grande quantidade de jóias de ouro, em sua maioria. Os Ciganos são identificados pelo pertencimento ao grupo, pelo local em que são encontrados realizando suas tarefas cotidianas, por seus negócios sempre entre Ciganos. É o que diz Pereira ([199?], p. 34): “[...] não se pode conhecer o Cigano isolado de seu contexto, isto é, dos condicionamentos socioculturais de sua etnia. No entanto, as chaves da identidade desse não se encontram no individuo, mas no grupo”. Os Ciganos nômades são aqueles que armam acampamentos em tendas, geralmente em locais já utilizados por eles há muito tempo, para os quais retornam de época em época. Suas tendas são, na realidade as suas casas. Nelas, estão todos os utensílios dos quais necessitam no dia-a-dia. Geralmente, há grande quantidade de animais domésticos próxima – cachorros, principalmente, posto que estes ajudam na manutenção da segurança do acampamento enquanto os homens estão comercializando seus produtos, que podem ser desde relógios, panelas ou tachos em cobre. Tem-se a “catira”, denominação popular para a troca de um produto por outro – seja de carros ou cavalos. Os ciganos realizam muitos negócios – principalmente com pessoas que utilizam estes animais para fins diversos como, por exemplo, pequenos fretes. Quando se passa próximo a um acampamento Cigano, sempre nos chama os olhos a quantidade de panelas de alumínio areadas, sempre muito brilhantes de tão limpas, que ficam 10 expostas do lado de fora de suas tendas, de modo a encantar com seu brilho – como em uma vitrine de comércio: o comprador entra para olhar as panelas expostas e acaba levando outros produtos. Afirma-se que os Ciganos são excelentes vendedores. Os Ciganos sempre fascinaram muitas pessoas que, na maioria das vezes, nunca tiveram contato direto com os mesmos, mas que viam acampamentos Ciganos e ficavam curiosos, tentando entender o modo de vidas destas pessoas, tão diferente, inclusive na questão da língua cigana. Segundo Borges (2010), seu pai, Manoel Horácio, era conhecido por amansar bois para as juntas de carro de boi, meio de transporte utilizado na época de sua infância, quando na fazenda de seu pai na região denominada “Córrego Feio” na época, área geograficamente pertencente ao distrito de Chapada de Minas, município de Estrela do Sul. Os Ciganos chegavam nessa região citada por Borges (2010), com as tropas de éguas, mulas e cavalos, pediam permissão para armar acampamento – geralmente para pernoite, outras vezes eram para passar algum tempo. Chegavam muito magros, com muitas crianças sujas, mas mesmo assim com suas vaidades – roupas brilhantes, as mulheres com muitos adornos. A depoente relata que, enquanto os homens Ciganos conversavam com seu pai e tios, as mulheres Ciganas iam logo ao encontro de sua mãe, Senhora Maria. Pediam “banha” para cozinhar, sabão para lavar roupas, entre outros, tentavam vender alguns produtos como roupas e enfeites, trocar algo do interesse de ambas as parte ou mesmo ofereciam a Quiromancia, a leitura das mãos, posto que, naquela época, o dinheiro nas roças era muito raro. Borges (2010) relata que muitos trabalhavam de sol a sol por um litro de banha; os homens tentavam negociar seus cavalos ou outros produtos, tais como a sela e arreios em outros sítios na região. Permaneciam na região por um tempo e, de um momento para outro, partiam para outra localidade, ficando a amizade e a troca cultural, mesmo que de forma imperceptível. Passaram-se muitos anos e muitas transformações importantes ocorreram, tais como os avanços na saúde, na alimentação. Por outro lado, quando se passa próximo a um acampamento Cigano, vê-se que, na realidade destes, o tempo pouco mudou. Os Ciganos nômades ainda permanecem em sua diáspora pelo mundo, viajando de um lugar para outro conforme sua necessidade utilizam fogareiro ou fogão de lenha para preparar seus alimentos, ainda usam roupas muito coloridas e ainda comercializam seus produtos – relógios, carros, utensílios domésticos, enxovais e, muitos ainda, cavalos. 11 Esta proposta de pesquisa é fundada primeiramente em uma grande curiosidade do autor em relação à cultura dos Ciganos. Saber sobre as relações destes com os não Ciganos, seus modos de vida, suas formas de garantir o sustento de suas famílias, decisões que os movem quanto a mudar ou não de cidade em determinadas épocas de suas vidas. Motiva este estudo a vontade de saber muito sobre pessoas que são uma cultura à parte e que não se misturam, exceto em ocasiões específicas. Ainda que fosse uma tarefa difícil, sondá-los seria a melhor maneira de realizar este trabalho. Decidiu-se, então, optar por estudar o contexto escolar dos filhos das comunidades Ciganas em duas escolas da Rede Municipal de Uberlândia, uma no setor Norte e outra no Setor Oeste desta cidade, que oferecem ensino desde a série introdutória até o nono ano, antiga oitava série do Ensino Fundamental. Nessas escolas – principalmente na escola do setor Oeste – há várias crianças Ciganas, e o maior número destes alunos encontra-se nas séries iniciais. Soube-se, pela direção da Escola, que, por motivos, raríssimos alunos Ciganos chegam ao nono ano. Alguns devido à idade de maturidade para a Cultura Cigana – entre 12 e 13 anos – época em que se dão o trabalho e o matrimônio. Para a realização da pesquisa, com as devidas autorizações da Secretaria Municipal de Educação, aplicou-se um questionário a professores de Geografia e outras disciplinas. Realizou-se, junto ao Diretor e ao Supervisor pedagógico, uma entrevista informal, de forma a ter-se um maior entendimento do universo a ser estudado, e com o objetivo maior de discutir como o Ensino de Geografia poderia contribuir com estes alunos. O autor dividiu o trabalho ema em três capítulos, sendo o primeiro destes denominado como - História e Origem. Este descreve sobre a história dos Ciganos, suas possíveis origens, sua diáspora pelo mundo, seus conflitos étnicos com outros povos e lendas relacionadas a estigmas sofridos. A cultura Cigana é rodeada de grandes mistérios que os caracterizam ainda mais como povos de qualidades distintas dos demais povos. Outros povos são distintos por peculiaridades intrínsecas, mas os Ciganos estão enraizados em processos e lendas que os caracterizam, justificando suas mudanças de um local para outro, sejam estas mudanças cíclicas ou apenas para visitar parentes em outras localidades. O mistério de andar ou vagar com a liberdade de ser Cigano por entre localidades diferentes é justificado por meio de lendas (Paramich). 12 No capítulo será apresentada ainda a trajetória dos Ciganos no território brasileiro, desde a entrada destes nas terras do Império Português, relatando-se um pouco do sofrimento e de poucos momentos de alegria vividos pelas Comunidades Ciganas no Brasil – marcados por perseguidores, bem como preconceitos e qualificação como uma subespécie humana. Vale dizer, para os Ciganos, sobressair é a palavra de ordem, bem como manter fiel às suas crenças e costumes, algo que será percebido nesse primeiro capítulo. Finaliza-se este capítulo tematizando a vivência dos Ciganos na cidade de Uberlândia, conhecendo-se um pouco de sua história local, suas atividades voltadas à sobrevivência, bem como os contatos com os não Ciganos, denominados por eles como Gadjo. O Segundo capítulo denominado como – A escolarização dos Ciganos. A proposta deste capítulo é tentar esclarecer um pouco sobre a realidade educacional das crianças ciganas na comunidade não Cigana, uma vez que ainda não há uma escola que seja voltada apenas a essas crianças. São levantadas questões sobre até que ano escolar elas costumam permanecer nas escolas, se permanecem ou não na escola e o porquê de sua saída prematura, antes de se completar a carga total dos ensinos Básico e Médio. É sabido através da Diretoria das Escolas pesquisadas que a evasão escolar acontece entre os doze e treze anos de idade, justamente no momento em que se preparam para os laços de matrimônio e viagens de trabalho com os pais. No capítulo será ainda visualizada a realidade da comunidade européia no contexto Cigano, os motivos que levaram esse povo a adotar medidas que viabilizassem a educação de crianças Ciganas e a inserção de suas famílias no contexto social e econômico dos países do bloco Europeu para comparar com a realidade brasileira que é bem distinta e está muito longe do que se deu na Europa com políticas públicas totalmente diferentes. O contexto Cigano no Brasil é outro – caracterizado pela homogeneização das culturas principalmente pelas instituições escolares; a distinção cultural somente é lembrada em pequenos teatros realizados principalmente em pré-escolas e nas datas específicas como dia do Índio, ou da princesa Izabel com a “libertação dos escravos”. Os Ciganos têm seu dia comemorativo instituído em 2006 pelo Ministério da Cultura como o dia 26 de maio, meramente. Nas escolas públicas não há comemoração no dia do Cigano; não se decretam feriados, não altera nada, sequer o dia do Cigano é lembrado. O terceiro e último capítulo – Possibilidades e Contribuições da Geografia Escolar Para o Povo Cigano. Neste, mostra como o ensino de Geografia pode ajudar aos Ciganos, 13 inserindo-os no contexto social, sem que, para isso, sejam eles homogeneizados no processo educacional, social, político e econômico vigente. Neste capitulo ainda será visualizado um pouco da realidade da sala de aula do introdutório ao 5º Ano, com contribuições dos profissionais de Educação da Escola localizada no setor Oeste, principalmente. Essa escola tem um número considerável de alunos Ciganos. A direção da outra escola a que se refere o estudo disse que não haveria como ou não saberia identificar esses alunos junto a outros alunos, fato que chama a atenção para o processo de homogeneização. Observamos que não há na ficha de matrícula da escola um item para raça ou etnia. O povo Cigano é constituído tradicionalmente por uma união cultural que os caracteriza de forma distinta dos demais povos, seja pela associação de todos os seus hábitos ou por sua forma de conduzir a vida. Essas tradições são herdadas ao longo da história desse povo; são estabelecidas e inscritas no dia a dia e por meio das gerações que se intercomunicam. Os ciganos consideram-se excelentes comunicadores. E são, seja pela forma como realizam seu comércio e suas transações financeiras, seja pela transmissão desta cultura pela oralidade, o que também os caracteriza. Muitos dos cidadãos nas comunidades Ciganas existentes não são pessoas analfabetas – pelo contrário, sabem ler, escrever, fazem contas, têm acesso a telefones celulares, TVs de diversos modelos, possuem equipamentos eletrônicos diversos, são portadores de Carteira de Identidade, CPF e Título de Eleitor. Alguns são adeptos do Catolicismo, outros seguem linhas evangélicas. São cidadãos brasileiros com um modo distinto de viver e realizar suas manifestações culturais, fazendo parte de uma comunidade de pessoas que têm, na grande maioria, uma alfabetização instrumental – sabem ler, escrever o suficiente para conduzirem-se no universo da sobrevivência: Elas têm uma história de oralidade como forma de conhecimento do mundo, não têm uma história de conhecimento do mundo como nós temos. A nossa história é, principalmente, de escrita e de leitura, e da delas de oralidade, a Oralidade liga-se às produções em imagens e sons por muitos fios, mas principalmente pelo seu realismo e pela sua sucessividade no tempo. (ALMEIDA, 1994). Em uma leitura de Almeida (1998) pode-se perceber que o fator primordial da Oralidade da Cultura Cigana é o tempo. Isto enfatiza suas características inerentes dessa cultura por meio de trocas entre grupos, repercutindo suas danças e mistérios nas condições 14 de vida em que estão inseridos, sejam Ciganos nômades com suas condições mais limitadas ou grupos sedentários que já estão estabelecidos em uma estrutura que oferece um pouco mais de conforto e até altera o modo de viver destes. A coletividade do povo Cigano é marcada por sua união e o seu modo de comunicar por meio da história, como afirma Claval (1995, p. 12): “os indivíduos e os grupos, são marcados pela Educação que receberam: a cultura aparece, assim, como uma herança.” É essa herança que os caracteriza como Povos Ciganos, mantendo costumes e condições que os cercam há gerações. Os Ciganos, apesar de estarem inseridos em um processo de produção oral da cultura, são influenciados pelos processos eletrônicos que invadem as suas vidas via aparelhos como as máquinas digitais, filmadoras, celulares com câmeras e a Internet. Muitas dessas mídias mostram abertamente para a sociedade a intimidade do povo Cigano. Mas isto não enfraquece a cultura Cigana, pois representa pouco do que realmente é vivido por eles no seu dia a dia. As imagens podem mostrar cores, gestos e faces, todavia existe muito mais não captado por estas. Os sons da fala em uma sociedade global são orais, são signos inteiros, glóbulos sonoros, que são utilizados para que se diga o que se vê, sente, ama, pensa, etc. São contínuos, ininterruptos, seus silêncios são pausas altamente significantes e cessam por vontade do falante ou do ouvinte. São produções do corpo todo, uma adaptação milenar de alguns órgãos que têm outra função que não a da fala. Enfim um constrangimento consciente e natural de garganta, pulmões, glote, dentes, língua, cavidade bucal e nasal, para que o corpo produza um sentido lingüístico que se torna significativo ao final da ultima palavra, cuja elocução presentifique-se como significado pleno de todos os sons ditos anteriormente, não como somatória, mas como totalidade semântica (ALMEIDA, 1994). Os Ciganos sempre foram povos globais, sempre interagiram com outros povos – seja na condição de escravos, servos, parceiros, comerciantes ou professores – a fim de aproveitarem oportunidades para manterem-se vivos frente às adversidades. Em sua origem, a diáspora pelo mundo e o contato com outras culturas caracteriza os Ciganos como povos globalizados, mas únicos em suas tradições. É única neles a linguagem corporal e os olhares que dizem tudo. O povo cigano tem características únicas e são dotados de uma coletividade milenar; mesmo não possuindo uma transmissão cultural escrita e sim por meio de uma oralidade através de uma língua própria, o Romani, estes mantêm tradições seculares. 15 Tradições que os mantêm unidos por sua cultura e todas as atividades empreendidas pelo coletivo de seu grupo, utilizando não de escritas, mas de transmissões orais de seus costumes que os caracterizam como Ciganos. Ong (1998, p. 19) caracteriza a oralidade em dois processos: “Oralidade primária”, a oralidade de uma cultura totalmente desprovida de qualquer conhecimento da escrita ou da impressão. Esta é “primária” em oposição à “Oralidade Secundária” da atual cultura de alta tecnologia, na qual uma nova oralidade é alimentada, pelo telefone, pelo rádio, pela televisão ou por outros dispositivos eletrônicos cuja existência e funcionamento dependem da escrita e da impressão. Partindo desta análise e sabendo terem eles uma alfabetização instrumental ou um baixo nível escolar, percebe-se que os Ciganos estão inseridos no contexto de uma oralidade secundária. Na realidade as culturas orais produzem realizações verbais impressionantes e belas, de alto valor artístico e humano, que já não são sequer possíveis quando a escrita se apodera da psique. Contudo, sem a escrita, a consciência humana não pode atingir o ápice de suas potencialidades, não é capaz de outras criações belas e impressionantes, neste sentido a oralidade, precisa e está destinada a produzir à escrita (ONG, 1998). Partindo deste princípio e seguindo a leitura de Ong (1998), pode se perceber que a oralidade limita-se ao que foi produzido e reproduzido através dos tempos apenas a partir da recordação do que é culturalmente adquirido. A partir do momento em que a escrita começa fazer parte do processo de construção de saber cultural, perde-se muito da oralidade, pois a escrita instiga a pensar e reescrever de forma distinta, colocando em risco o que já é estabelecido como cultura. Os indivíduos ciganos raramente chegam a cursar o Ensino Médio – o que seria um bom nível escolar para a grande maioria destes. Entretanto, um menino com doze anos de idade já é considerado um homem. A menina é considerada mulher (entre doze e treze) anos e pronta para o casamento logo após a primeira menstruação. Assim, a permanência por um maior de tempo em uma escola poderia gerar conflitos nas crianças ciganas – e um conflito maior nos pais. A escrita constitui um modo dialético de se perceber a realidade e os processos culturais Ciganos não se baseiam em escritas e sim na oralidade. Segundo Ong (1998, p. 20), “quando uma História Oral contada e recontada, não está sendo narrada, tudo que dela subsiste é seu potencial de ser narrada por certos seres humanos”. Os meios de se contar uma história dependem muito mais de quem conta do que 16 do próprio enredo, pois podem ser usados diversos meios para se chamar a atenção, tais como os gestos, a entonação da voz entre timbres graves e agudos de modo a não dispersar os ouvintes e ou para que os mesmos não percam o foco da lição. É fundamental se destacarem as histórias do povo contadas por ele mesmo, não só por refletirem essencialmente sua tradição, seus costumes, sua cosmovisão, mas também por ditarem normas de comportamento para os que as ouvem: são os mais velhos passando o seu verdadeiro ouro – os paramiches – aos mais jovens e as crianças, ao pé do ouvido, de boca em boca, de geração em geração (PEREIRA, [199?] ). O bem maior de todos os Ciganos é constituído por todos os seus indivíduos que os caracterizam. Um Cigano não é Cigano sozinho: necessita de outro para compreender a si mesmo. Os valores dos grupos residem também no respeito para com os mais idosos, uma vez que estes representam verdadeiros “livros” para todos os Ciganos. Os anciãos, por meio de suas histórias, os paramiches, ministram ensino sobre verdadeiros valores o Cigano deve ter ou saber para compreender o mundo que o cerca. Na sociedade atual, pouco se nota respeito para com os mais vividos. Algo nos Ciganos muito belo é o respeito de todos para com todos: de uma criança, que representa futuro, a um ancião, que constitui a história do grupo. Todos fazem parte da conversa na casa Cigana. Mesmo as crianças participam ativamente de determinados assuntos, tais como os negócios da família. No entanto há um momento em que as crianças não participam das conversas, é o que se percebe na fala de Fonseca (1996): “o único tópico que as crianças são permanente excluídas das conversas adultas é concernente ao sexo e reprodução”. Ainda em conclusão da autora, longe dos pais, principalmente em fase adolescente, as crianças ciganas trocam informações entre si. 17 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA E ORIGEM A origem do povo Cigano é algo que não se pode determinar com exatidão, posto que há muitas histórias e dados quanto à origem e ao pertencimento a raízes genealógicas desse povo. Sempre há uma conotação de mistério e encanto quando se fala sobre os ciganos, o não saber exatamente de onde vêem, seus modos e sua forma de pertencimento nos grupos e suas estruturas hierarquizadas geram um prestígio exótico, poético misterioso e até romântico, isto é uma forma de manter qualidades de uma cultura, mesmo que seja esta transmitida por gerações, através da oralidade da cultura Cigana assim como do seu pertencimento ao grupo. Para Teixeira (2008): O que nos parece claro é que os Ciganos não são um grupo religioso ou uma nacionalidade. Além do mais, preferiu-se não chamar os Ciganos de povo, pois também esta expressão tem significados pouco precisos e muito ambíguos. A dispersão e o nomadismo, que tiveram início há mais de dez séculos, propiciou tantos contatos interétnicos e adaptações às condições espaço-temporais, que aplicar qualquer termo para o conjunto das comunidades ditas Ciganas é um tanto arriscado (TEIXEIRA, 2008, p. 6). O dicionário Aurélio on-line, em definição do termo “Cigano”, qualifica a constituição de um povo como segue: Indivíduo de um povo nômade, provavelmente originário da Índia e emigrado em grande parte para a Europa Central, de onde se disseminou, povo esse que tem um código ético próprio e se dedica à música, vive de artesanato, de ler a sorte, barganhar cavalos, etc. [Designam-se a si próprios rom, quando originários dos Bálcãs, e manuche, quando da Europa central.] [Sin.: boêmio, gitano; calom (bras.); judeu (MG); quico (MG e SP).] Conforme se afirma no verbete, as obras literárias seguem o mesmo conceito, e seguindo a obra de Simões (2007, p. 18), “o povo Cigano é identificado na história a partir do ano de III a.C. Existem sinais que localizam sua origem no norte da Índia, mais exatamente na região do Punjab, onde hoje se encontra o Paquistão”. Se fizermos uma comparação dos povos localizados na Índia com a etnia Cigana, teremos muitas semelhanças físicas – tais como a cor da pele, os traços do rosto, a semelhança 18 dos trajes e vestimentas que requerem uma grande quantidade de brilho e cores, como se percebe no dizer de Pereira [199?] abaixo. Existem, no entanto, explicações cientificas para a origem dos Ciganos, pois a par de estudos comparativos, sobre o modo e vida, a capacidade espiritual (superstições de signos ocultos e cabalísticos), trajes, ofícios ( ferreiros, músicos e adivinhos), caracteres físicos dos Ciganos e de tribos nômades que há no noroeste da Índia, atual Paquistão... estudos etnolinguisticos (séc XVIII) que comprovaram que o romanê – língua dos Ciganos é aparentado com o sânscritos, língua da Índia Antiga” (PEREIRA, [199?] , p. 35) Seguindo essa mesma linha, [...] a pesquisa pela análise dos grupos sanguíneos, com a inclusão de elementos bioquímicos referentes a hereditariedade, tem fornecido algumas pistas sobre a origem Cigana. Uma das mais fortes é apontada tanto pela antropologia física como pela genética de populações e identifica a Índia como seu local de origem (SIMÕES, 2007, p. 30). Em relação à liberdade dos ciganos, existem algumas lendas. Em uma leitura de Simões (2007) a liberdade tão característica dos ciganos se dá ao fato de que, quando Deus criou o mundo, logo em seguida criou o homem branco e o homem negro, desta forma, Deus, ficou tão satisfeito com o resultado que fez em seguida o homem Cigano, e deu a ele a liberdade para andar livre pelo mundo. Além das conotações romântica e poética a que a lenda nos remete, a lenda refere-se também à diáspora do povo Cigano pelo mundo, a respeito do que não se pode afirmar com exatidão o porquê. A partir século XII, saíram para o mundo em duas vertentes como cita Simões (2007, p. 97): “o asiático (Ciganos da Palestina) e o Europeu (Ciganos da Pérsia e da Armênia, daí foram por todo o continente europeu”. Na história de vida do povo Cigano há muitas lacunas que são preenchidas com fatos, lendas, histórias que justificam a origem deste, assim como engrandece e inspira pertencimento. 19 Muito Ciganos afirmam serem descendentes dos Egípcios em função de uma história que é contada por muitos, como afirma Teixeira (2008, p. 5): “No Brasil os Ciganos afirmam também que procedem do Egito: e contam a velha lenda de que, por terem recusado hospedagem a Virgem Maria, quando ela fugia, peregrinam sobre a terra, dispersos, sem pátria, por todos os tempos”. Quando ouvimos essas lendas e contos, podemos ser levados a qualificá-los como qualidade de coitados ou castigados por não terem um local para se fixarem. No entanto, em contrapartida, em muitos lugares e espaços os Ciganos fixam raízes e se tornam sedentários, mas ainda fazendo-se das andanças o seguimento da cultura. Em Teixeira (2008) percebemos que muitas histórias podem ser contadas sobre a verdadeira diáspora dos Ciganos pelo mundo – como a narrativa de que eles negaram auxilio à mãe do Menino Jesus. E segundo o autor por esta condição de negação de auxilio à Virgem Maria, receberam uma praga ou maldição que os fizesse andar de um ponto ao outro pelo mundo sem estabelecerem raízes e se passarem de mendicantes para sua sobrevivência. Os Ciganos eram sempre vistos como desprezíveis, conforme afirma Teixeira (2008, p. 4): “desde o século XV a palavra “Cigano” é utilizado como insulto”. O termo aparece registrado pela primeira vez em português e emerge em uma peça teatral com o título A farsa das Ciganas, de Gil Vicente, que escreveu outras peças teatrais provavelmente em 1521. Nessa obra, os ciganos são considerados originários da Grécia. Em leitura de Simões (2007), percebe-se que muitas outras suposições, mesmo em histórias, deixam uma incógnita a respeito da real origem. No entanto, é mais enfatizado o subcontinente indiano. Em alguns lugares no Brasil por onde os Ciganos passavam, por não entenderem muito a comunicação Cigana, os nativos chamavam-nos de turcos. Pelo fato de a sua fala destes serem pouco entendidas, subentendia-se que eram oriundos também da Turquia, ou Líbano, como muitos vendedores de porta em porta, os mascates caixeiros. Os Ciganos do Ocidente podem ser divididos em três grandes grupos: o Grupo Rom, com um maior contingente populacional e disperso por uma infinidade maior de países. Este grupo é, por conseqüência, dividido em subgrupos que são: os Kalderash, que trabalham com caldeiras, os Matchuara, os Lovara e os Tchurara, instalados na Europa Central e Bálcãs, a atual Romênia. Segundo Moonen (2008), o fato de muitos Ciganos serem denominados 20 romenos ou mesmo fazerem referência à Romênia quando se fala dos ciganos encontra razão no fato de que estes foram, por muito tempo, escravos naquele pais, sendo libertados somente em meados do século XX. Por isso, receberam uma influência muito forte da cultura romena. Sendo assim, a Romênia constituiu-se berço para muitos Ciganos. Ainda em leitura de Moonen (2008) os Rom são os verdadeiros Ciganos, pois grupo proclamou-se superior em nobreza e autenticidade em relação aos demais. O segundo grupo, os Sinti, são mais numerosos em países como Alemanha, Itália e França, e falam a língua Sintó. O terceiro grupo, os Calon, cuja língua é o Caló, teve maior presença na Espanha e Portugal. Deste grupo são as famílias que primeiro vieram para o Brasil como imigrantes Ciganos de forma não voluntária. 1.1 Os ciganos no Brasil No Brasil, a maioria dos Ciganos é pertencente ao Grupo Rom ou ao grupo Calon. Estes, podem ser diferenciados pelas suas profissões. Entre outros aspectos, os que muda, de lugar para lugar, é a denominação dada pelos gadjos aos Ciganos: Turcos, Gintanos, Gipses. O primeiro Cigano que chegou ao Brasil foi João Torres, que veio para cá não a convite da coroa Portuguesa, para habitar uma terra nova e cheias de possibilidades: João Torres foi deportado. Não há dúvidas alguma de que os primeiros Ciganos que desembarcaram no Brasil foram oriundos de Portugal, e que estes não vieram voluntariamente, mas expulso daquele pais. Foi o que parece ter acontecido, por exemplo, já em 1574, com um certo João Torres e sua mulher Angelina, que foram presos apenas pelo fato de serem Ciganos. Inicialmente João foi condenado às galés e Angelina deveria deixar o país dentro de dez dias, levando seus filhos. (TEIXEIRA, 2008, p.15). Ainda na leitura de Teixeira (2008), João Torres supostamente pagou suborno a oficiais portugueses a fim de trazer consigo sua mulher e filhos. 21 Em relação aos ofícios dos Ciganos, estes são: consertadores de caldeiras, artistas de circos, poetas, músicos, dançarinos, dentre outros. Sendo caracterizados pela diversão, estavam presentes junto a reis e imperadores. (TEIXEIRA, 2008). Ainda em Teixeira (2008), até o momento em que eram úteis, foram tratados com algum valor. A partir do instante que perdem a função, foram marginalizados e tratados com indiferença por todos. Os Ciganos do Brasil foram para cá enviados em grandes levas, já no inicio do século XVIII. Não foram recebidos com bons olhos, sendo tratados como uma subespécie humana, como ladrões, trapaceiros, sujos, dentre outras qualificações. Não tiveram tranqüilidade para se deslocarem sem serem vigiados. Um dos perseguidores mais ferrenhos dos ciganos foi a Igreja Católica. Como os Ciganos não tinham uma fundamentação religiosa ou aceitação ao cristianismo, a igreja os via como hereges e insubordinados à Coroa. Padre Raphael Bluteau, autor do primeiro dicionário de Portugal, repercute as preocupações que a Igreja tinha com o comportamento considerado herege dos Ciganos, no início do século XVIII: no seu dicionário segue a definição abaixo dos Ciganos: ‘Ciganos – Nome que o vulgo dá a uns homens vagabundos e embusteiros, que se fingem naturais do Egito e obrigados a peregrinar pelo mundo, sem assento nem domicílio permanente, como descendentes dos que não quiseram agasalhar o Divino Infante quando a Virgem Santíssima e São José peregrinavam com ele pelo Egito’ (TEIXEIRA, 2008 p. 2). Definições bizarras foram usadas para denegrir a imagem destas pessoas – o que é pior – foram aceitas pela grande maioria da população, ainda prevalecendo até hoje, por conivência ou ignorância. Prevaleceu(e) o imaginário de que os Ciganos são povos contrários ao cristianismo e contra Jesus, portanto inimigos da Igreja. Outras formas de repúdio contra os Ciganos foram promovidas por regimes autoritários durante a Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX. Entretanto, nem mesmo a Revolução Industrial conseguiu colocar os Ciganos no modo de produção capitalista como força de trabalho ou sob o domínio da ideologia capitalista, pois estes sempre permaneceram fieis a seus costumes e ao seu modo de vida. Teixeira (2008) aponta que a Quiromancia ou a arte de ler a mãos a fim de prever o futuro, sempre praticada pelas 22 mulheres, foi e é uma arte dos Ciganos, mas também, uma forma de venda de serviços por onde estes circulassem um meio de prover algum recurso para a família. Em relação a essa arte, a igreja julgou e condenou os ciganos, qualificando-os como feiticeiros ou praticantes de atos pagãos. No entanto, os Ciganos mantinham e mantém os mistérios de sua cultura, que afastavam as pessoas. Por outro lado, não se misturavam facilmente e não queriam comprometer sua coexistência com os não Ciganos, pois dependia desta e deles. Assim, apenas realizavam negócios. Seguindo as referencias pesquisada, principalmente Teixeira (2008) e Moonen (2008), Não há notas ou documentos que atestam uma nova vinda de Ciganos oriundos de Portugal para o Brasil, entre 1574 a 1685, após a vinda do Cigano João Torres e sua família. Mas após essa data, começa haver registros sobre deportação ou banimento dos Ciganos para as colônias Portuguesas, para vários estados do Brasil e para Países da África como a Angola. No Brasil, os estados que mais receberam estes cidadãos foi Maranhão e Ceará. (Teixeira, 2008). Em 1686 há uma leva de Ciganos enviados para os estados do Maranhão e do Ceará no sentido de mantê-los longe dos centros e portos brasileiros, no Rio de Janeiro e em Salvador. Também havia o objetivo de deixá-los o mais longe possível das áreas de mineração em Minas Gerais e Áreas de agricultura (TEIXEIRA, 2008). Nos estados que estavam destinados a receber os Ciganos, muitas recomendações eram impostas, tais como não deixar que retornassem a Portugal e nem que fizesse uso de sua língua. O objetivo era fazer com que estes esquecessem seus costumes e sua cultura, afinal a liberdade cigana – eram homens livres e sem pátria – gerava certos incômodos nas elites portuguesas e na igreja. Os decretos feitos para o banimento de Ciganos eram emitidos por atos de Estado em praça pública com data marcada e anunciados por oficiais agentes de governo. Antes do embarque nos portos portugueses todos ficavam acorrentados em praça pública aguardando o momento de embarque para seu destino (TEIXEIRA, 2008). Comunidades inteiras foram deportadas para o Brasil, não importando se eram velhos, mulheres ou crianças. Para a Metrópole, todos eram criminosos simplesmente por terem nascidos Ciganos. 23 Eu, Dom João, pela graça de Deus, etc., faço saber a V. Mercê que me aprouve banir para esta cidade vários Ciganos – homens, mulheres e crianças - devido ao seu escandaloso procedimento neste reino. Tiveram ordem de seguir em diversos navios destinados a esse porto, e, por lei recente, o uso de sua língua habitual, ordeno a V. Mercê que cumpra esta lei sob ameaça de penalidades, não permitindo que ensinem a dita língua a seus filhos, de maneira que daqui por diante o seu uso desapareça (KIDDER, 1980, p. 39 apud TEIXEIRA, 2008 p. 10). Os Ciganos não eram bem vistos em lugar nenhum e, se estavam sendo banido para o Brasil, algum motivo havia. Era isso o que todos pensavam. Mas estavam sendo enviados por não se adequarem a formas impositivas feitas pela Coroa portuguesa, que os qualificava como presunçosos, sem envolvimento com o trabalho servil e rotineiro. E isto poderia gerar certo desconforto nas autoridades locais do Brasil colônia, pois não eram donos de engenhos, escravos ou outro modo de produção e ainda gozavam de certa liberdade que poderia gerar insatisfação entre os demais súditos da coroa. Não iriam querer que estas pessoas, de forma alguma, pudessem interferir no modo de vida e dominação exercida pela metrópole portuguesa, contra isso foram criadas algumas medidas de segurança. Em Minas Gerais, no final do século XIX, praticamente todas as cidades possuíam os Códigos de Posturas do Município, que têm como meta organizar os interesses sociais e trazer um melhor cuidado para com o que pode ou não acontecer em vias públicas, bem como os cuidados com horários. Isso é ainda um instrumento de condução moral do espaço urbano em uso nos tempos atuais. Em relação às medidas legais, foram criados artigos que proibiam a realização de comércio com Ciganos. Teixeira (2008) cita que “o ultimo código de postura que tivemos conhecimento é o de Dores de Boa Esperança (Atual Estrela do Sul), de 1895, quando é feita atualização do código de 1872, que apresentava menções a Ciganos sendo a ultima referência citada de código de posturas que citam Ciganos”. Para Teixeira (2008), a partir do momento em que os Ciganos começam a fazer parte do processo de formação das cidades mineiras, o controle de entrada e saída deste tornou-se um problema público, de segurança e qualidade de vida das populações locais. Assim, normas como os Códigos de Posturas foram efetivadas para que os ciganos não adentrassem aos centros urbanos e que, quando por estes locais passassem com suas caravanas, fossem de antemão advertidos a fim de que não praticassem crimes como o roubo de animais, assaltos a 24 comitivas, brigas, dentre outros delitos. Todavia, muitos destes crimes eram praticados por não Ciganos e a culpa era sempre imputada aos Ciganos. Desta forma, muitas caravanas Ciganas eram já avisadas por cidadãos e policiais até mesmo antes de entrar no perímetro urbano. Ficavam então os Ciganos acampados à margem das cidades. Mesmo assim, os Ciganos não se intimidavam e, mesmo naquela época, século XIX, iam aos espaços públicos vender seus serviços e oferecer a leitura de mãos. Para os homens Ciganos, mesmo sendo sitiado pela ordem policial, o espaço público que é o espaço de oportunidades para negócios e conhecimento de possíveis ações contra eles mesmos por partes dos agentes de segurança (TEIXEIRA, 2008). O higienismo praticado no Rio de Janeiro e a abolição da escravatura de 1888 (muitos Ciganos trabalhavam com comércio de negros) foram dois motivos da grande demanda de Ciganos para o Estado de Minas Gerais entre os séculos XIX e XX, aumentando no Estado a população destes à procura de oportunidades de melhoria de vida para os grupos aos quais pertenciam (TEIXEIRA, 2008). Desta forma houve uma demanda muito grande por novas frentes de possibilidades de ganhos para Ciganos, seja através de seus habituais serviços, de caldeireiros, ferreiros, comerciantes entre outros, pois a vastidão do território brasileiro era cheio de possibilidades para todos. 1.2 Ciganos em Uberlândia Os Ciganos são povos que, há muito tempo, passam por Uberlândia com suas caravanas, suas famílias e os costumes inerentes à sua cultura, que permanecem ainda resistentes mesmo diante da grande modernidade presente no dia a dia. Estes estão inseridos na cidade de Uberlândia, participando da formação, do crescimento da cidade, de sua construção por meio do comércio local, usando recursos de infra-estrutura, mesmo de forma bem tímida, como é o caso da água. Compram produtos nos comércios – como os bens de primeira necessidade – e também faz negócios como a venda de cavalos e a “catira” de carros com compensação financeira de uma “volta”, que é um valor em dinheiro pelo produto de melhor qualidade. Para Vaz (2003): 25 Nota-se então, que o cavalo sempre fez parte das atividades Ciganas, mesmo antes de virem para Ipameri; e que nas barganhas eles geralmente buscam o lucro. Na barganha dos animais, aceitar troca por outro animal ou por objetos (como espingarda ou relógio) é fundamental. Para o barganhistaCigano a “volta”, seja em dinheiro ou objetos é importante, pois é nisto que consiste seu lucro (VAZ, 2003, p. 59). Muitos fatores determinam a chegada de Ciganos em Uberlândia: a estrutura, comércio forte, o pólo industrial diversificado, com grandes indústrias aqui estabelecidas, assim como as rodovias Estaduais e Federais que cortam a cidade, fazendo ligação com diversos outros pontos do país. Todos esses fatores são atrativos de bons negócios para vários os Ciganos. É uma cidade em que “corre muito dinheiro”. Nota-se que há muitos acampamentos Ciganos estabelecidos na cidade, o que demonstra que Uberlândia é uma cidade que acolhe bem a todos os que chegam aqui, afinal a cidade é composta na sua grande maioria de migrantes, Ciganos ou não. Mas em outros locais não há recepção como em Uberlândia, “[...] além disso, a cidade (Uberlândia) não pratica uma política de hostilidade aos Ciganos, a exemplo do que ocorre em várias localidades do interior de São Paulo, onde estes são constantemente perseguidos e proibidos de erguerem as barracas” (FONSECA, 1996). Assim em sua grande maioria, possuem Títulos de Eleitor e reivindicam melhorias para sua comunidade. Os Ciganos de Uberlândia sempre tiveram bons contatos com lideres e grupos políticos da cidade e sempre permitiram que os acampamentos Ciganos fossem visitados em busca de apoio político.1 Os seus lares são constituídos por grandes tendas de lona, erguidas em áreas de lotes vagos na cidade ou até mesmo em lotes pertencentes a eles ou a outros Ciganos. Alguns bairros da cidade – como Nossa Senhora das Graças, Marta Helena, Custódio Pereira, Umuarama, Mansour, Pampulha – chegam a apresentar como característica urbana constituinte a presença desses cidadãos, pois são locais historicamente já habituados à presença dos Ciganos em suas idas e vindas. Os Ciganos nômades armam acampamentos com outras famílias que estão juntas em viagem. No interior de suas tendas, os cômodos são separados por móveis que delimitam a 1 Informação fornecida por membros Ciganos em um acampamento Cigano do Setor Oeste da Cidade de Uberlândia-MG. 26 divisão entre um cômodo e outro. A tenda, para os Ciganos, tem uma conotação muito especial. São sempre armadas uma ao lado da outra e colocadas de forma a preservar a privacidade da família, e gerar proteção para o grupo, de forma que nenhum estranho entre no acampamento. A tenda representa abrigo para suas famílias: é o aconchego para receber amigos, celebrar dias de festas ou tristeza. Os Ciganos de Uberlândia não vivem exclusivamente em tendas armadas e terrenos: há muitas famílias de Ciganos em Uberlândia que têm endereço fixo, tornaram-se sedentárias, mas continuam a cultura Cigana, vivendo no conforto de uma casa como os não Ciganos, mas fazendo suas confraternizações nas tendas. Seus acampamentos são montados em pontos estratégicos. Geralmente o são onde se sabe que podem contar com auxílio de não Ciganos, que, com gestos de solidariedade, os ajudam com água potável e energia elétrica sendo pagos por esses recursos. Em outro momento, ficam próximos a locais de grande movimento – como vias de trânsito – e onde possam ter acesso a pastos para os cavalos, pois muitos Ciganos ainda trabalham com cavalos. Nos negócios dos Ciganos, vendem seus produtos sempre supervalorizados, iludindo os compradores com a necessidade da utilização do produto ou as vantagens que o objeto poderá proporcionar ao cliente. Em uma cidade do tamanho de Uberlândia, às vezes passa despercebida a magnitude de um acampamento Cigano, um atrativo em relação à beleza e organização. Lembram sempre os circos, com tendas exóticas e povos exóticos. Cabe dizer, devemos respeitá-los em seu modo de vida, sem julgar, discriminar ou estigmatizar o que não conhecemos, algo muito usual em nossa sociedade contemporânea, mesmo porque a cultura cigana antecede a cultura que herdamos da colonização lusitana. Mesmo com toda esta carga de história acumulada desde seus antecessores na Europa, os componentes de acampamentos Ciganos em nossa região deveriam estar a nossa frente em muitas áreas de conhecimento do nosso ponto de vista, seja literário, humano e até cientifico. Mas, não é isso que se percebe no capitulo seguinte, mostra que os ciganos em seu contexto Europeu e brasileiro contemporâneo, vivem, muitos ainda apenas com uma informação básica Escolar, sabendo apenas as operações matemáticas básicas e ler e escreve, fugindo do adestramento imposto por uma escola regular que reflete uma sociedade condicionada por conceitos e preconceitos sociais. 27 CAPÍTULO 2 A ESCOLARIZAÇÃO DOS CIGANOS Para conhecer os ciganos, é preciso manter contato, aproximar-se do saber de suas histórias, de seu modo de vida presente e passado. É preciso conhecer também como tratam da Educação que têm, e como educam seus filhos; saber como a Educação pode ser-lhes útil e o valor que a ela é dado. A Educação, para estes, é interessante apenas para que seus filhos, principalmente os homens, aprendam noções de matemática para poderem fazer contas e lidar com dinheiro sem que sejam enganados, vivendo do comércio e do lucro nos negócios. Saber ler, escrever e realizar as operações matemáticas básicas sem ter que depender de outros para realizar tais tarefas já é algo suficiente para uma vida toda. Em Uberlândia, várias escolas têm alunos Ciganos matriculados. A pesquisa trabalhou de forma qualitativa com dados de duas escolas da rede Municipal de Ensino – uma no setor Oeste e outra no Setor Norte da cidade de Uberlândia-MG. A idade adulta para o Cigano chega muito se comparada com a idade considerada adulta na cultura dos não Ciganos. Com 12 anos um menino cigano já é adulto. Na cultura cigana, os meninos ajudam os pais em comércios e/ou viagens para trabalho e as meninas permanecem em casa, ajudando as mães em seus afazeres domésticos que são muito valorizados por um pretenso marido e para uma futura sogra (sob o olhar de quem fica a esposa recém-casada). Saber cuidar de uma casa ou da tenda representa, assim, um valor agregado. As meninas, por outro lado, não são levadas à escola com muito interesse, é necessário que seja preservada sua integridade, seja física ou moral esta integridade se refere a um possível envolvimento com meninos não ciganos em condições afetivas, visto que uma menina Cigana atinge sua maioridade independente de sua idade enquanto ser humano em uma sua comunidade. Como se pode perceber na fala da professora Literatura, SENHORA A.2, sobre a condição das meninas e das demais crianças da Escola do Setor Oeste. Quando chegamos ao acampamento para saber do paradeiro de algumas crianças que faltava às aulas, falamos com uma senhora que era a matriarca da família e era a pessoa que comandava ali, fomos muito bem recebidas e ela quis logo saber quem eram as crianças que faltavam as aulas, no outro quase todas as crianças foram para aula, inclusive algumas 2 Depoimento fornecido no dia nove de novembro de 2010 na Escola do Setor Oeste de Uberlândia - MG 28 que tinham saído há muito tempo, exceto uma menina que já estava em seu ciclo menstrual, e não podia misturar com pessoas solteiras. (SENHORA A, 2010). Em outro momento, ela relata sobre uma conversa que teve com uma de suas alunas Ciganas sobre a relação entre o ciclo menstrual e o tornar-se uma mulher. Segundo a professora, partir daí a menina-mulher, não pode mais freqüentar ambientes onde haja meninos, devendo sempre estar acompanhada de outra pessoa da família que não seja solteira, afim de não “se contaminar” ou ser influenciada, posto que a menina agora mulher já esteja preparada para constituir a sua família. Esse fato é um dos motivos da evasão escolar. Para muitos os Ciganos, a Educação formal é indiferente, enquanto que muitos dos pais não Ciganos que não tiveram acesso à escola lutam para que seus filhos estudem o máximo possível afim de ter um futuro melhor que o deles. Para a maioria dos pais Ciganos, na análise da trajetória de estudo destes no passado, em comparação com a trajetória de seus filhos hoje, há pouco progresso, pois a escola agrega pouco ao modo de vida cigano. 2.1 A Realidade Européia A escolarização de crianças Ciganas no continente europeu, analisadas principalmente em Portugal e Espanha, não é tão distinta da realidade brasileira, pois, estas enfrentam grandes dificuldades financeiras. Para inserirem-se de forma legal no mercado de trabalho, dado o baixo nível de estudo e qualificação profissional, enfrentam situações de hostilidade, tanto por parte das populações locais como por outros os Ciganos em disputas por territórios, comércio ou moradia (LIÉGEOIS, 2001). Na Europa, os Ciganos são considerados estranhos na realidade das populações locais. Por isso, formas de preconceitos e marginalização são ainda meios de repúdio à cultura Cigana na Europa. Os Ciganos se sentem pressionados, sejam por Políticas Públicas de equiparação social ou projetos de habitação que lhes condicionem a uma vida com um pouco mais de qualidade (LIÉGEOIS, 2001). Costa (2001) relata que: Os barracos foram totalmente substituídos por blocos com as condições mínimas necessárias a uma permanência digna. Contudo a degradação moral e de costumes as que as pessoas se foram habituando e com os quais parecem fazer gala em quererem coabitar, fazem deste bairro uma zona muito pouco aconselhável e sobretudo nada propício ao perfeito 29 desenvolvimento cívico, cultural, moral e até mental dos jovens que na sua grande maioria constituem a população estudantil desta escola (COSTA, 2001, p. 40). A citação refere-se uma área popular situada na parte oriental da Cidade do Porto, em Portugal, um conjunto populacional habitacional multiétnico composto de 5.000 habitantes, sendo 3.500 destes Ciganos (SOUSA, 2001). Em Teixeira (2008), percebe-se que quando os Ciganos, já estabelecidos nas periferias dos centros urbanos, como Rio de Janeiro no período colonial, o melhor era deixá-los isolados em seus “guetos” que muitas vezes as ruas tinham como nome “Rua dos Ciganos”, por si só afastava muitos do convívio com os Ciganos. Desta forma as autoridades também evitavam muitos problemas isolando-os dos demais. Aceitar a cultura Cigana talvez seja a parte mais difícil. Para Moscovici (1988): Toda sociedade que classifica os homens e separa os grupos locais dos grupos “estrangeiros” inclui um sistema de crenças, religiosas ou outras. Suas representações obedecem a uma norma que dá a seus atos um sentido ético. Esses atos não são cometidos por criminosos ou loucos, mas por pessoas que sabem o que é permitido ou proibido, qual é a diferença entre o bem e o mal (MOSCOVICI, 1988, p. 658-659). Há muitos conflitos no âmbito escolar em Portugal, pois mesmo lá as crianças Ciganas não são vistas com bons olhos e simpatia. Para Costa (2001), “A escola tal e qual a conhecemos, desenvolve relações de conflitualidade e não de empatia com as crianças Ciganas. São muitas vezes consideradas como intrusas, não são compreendidas na sua diferença” (COSTA, 2001 p. 39). No decorrer da história no continente Europeu a (não) aceitação dos ciganos era devida às condições políticas e sociais do momento em cada Nação. Em alguns países, eram hostilizados e em outros eram aceitos em função de alguma necessidade interna do país. Por isso, sempre andavam em busca de locais em que eram aceitos. Na Europa, principalmente, os Ciganos sempre desconfiaram de medidas que visam incluí-los em projetos, sejam escolas para seus filhos, qualificação profissional ou outros. Costa (2001) afirma que: A cultura Cigana é ágrafa, por isso, o saber é transmitido oralmente no contexto família , ao contrário da instituição escolar, em que o saber assenta fundamentalmente na transmissão escrita. Esta é uma das razões por que a criança Cigana é muitas vezes considerada inadaptada e oferece resistências, 30 no contexto de escolarização, à aprendizagem autoritária de um saber transmitido por uma pessoa estranha a familiar (COSTA, 2001, p. 40). Se, na escola, muitas crianças Ciganas têm dificuldade para se adaptar, isso se deve a uma ligação muito próxima com a família. Isso pode também ser visto em muitas crianças não ciganas. Costa (2001) afirma que “a criança Cigana trabalha como membro de uma unidade familiar/econômica, nunca se separando, por razão alguma, dos laços de afeto e dependência, existentes entre todos os membros da família. O único chefe que reconhece é o seu pai ou outro parente adulto” (COSTA, 2001, p. 43). Esta questão interfere na autoridade que a escola tem como agente integrador e socioeducador junto dos alunos. Esta autoridade paterna e onipresente é uma forma dos grupos Ciganos se manterem fiéis a seus princípios culturais restringindo a influência da Escola nos filhos, na ausência dos pais. Os Ciganos em Portugal estão ligados a antigos costumes de suas tradições; dificilmente são vistos indivíduos Ciganos em trabalhos não Ciganos. Preferem os comércios ambulantes, vendas de diversos objetos e serviços em feiras. Isso é passado de geração a geração, se torna hereditário na sucessão da família. No entanto, tornam-se cada vez mais escassos estes tipos de empreendimento em função da pouca aceitação junto às comunidades (COSTA, 2001): Mantêm-se ligados aos seus ofícios tradicionais ou variantes próximos deles, razão pela qual se encontram a margem da inovação tecnológica. A venda ambulante sua principal atividade, pode manter-se na medida em que existam espaços povoados que lhe permitam. Os produtos são transacionados à margem de qualquer controle de qualidade, sem impostos, sem espaços comerciais fixos que exijam rendas ou aquisições de imóveis (COSTA, 2001, p. 46). A Escola é um fator limitador no contexto de vida para os Ciganos e sempre será vista com desconfiança pelas famílias ciganas. No entanto, o espaço da informalidade cigana está sendo reduzido nas comunidades não ciganas e, com isso seus tradicionais ofícios podem estar correndo o risco de não mais serem mais aceitos ante modernidade dos serviços e produtos de fácil acesso para todos. No contexto português, já se tem muitos casos de Ciganos adentram aos vícios e crimes por revoltarem-se com suas situações e a impossibilidade de se manterem financeiramente ante à escassez de seus tradicionais nichos econômicos (COSTA, 2001). 31 As sociedades modernas e industriais baseiam-se em horários pré-determinados. Para quase tudo há uma rotina de vida para os povos globais. Em via contrária estão os Ciganos, visto que dificilmente se enquadram em processos que os condicionem a horários. Em sociedades como a Portuguesa, os Ciganos resistentes à adaptação cultural e social podem correr riscos em relação a sua sobrevivência. Nesse sentido, o governo português propôs alternativas, a fim de que estes Ciganos não pereçam, enclausurados em seus modos de vida. As propostas foram firmadas na inserção destes grupos, no enquadramento de horários e organização ante outras sociedades, de forma a que eles não fiquem à margem dos processos de globalização. A escola é ponto chave para que os Ciganos não utilizem apenas as noções básicas de matemática e língua pátria para sobreviverem. Representa a condição para que uma nova mudança possa ser direcionada sem que, para isso, haja dominação ou exposição dos Ciganos. É preciso a aceitação por parte dos não Ciganos e a introdução de um multiculturalismo, já existente devido à globalização (LIÉGEOIS, 2001). Para Costa (2001): A escola monocultural gerou insucesso escolar nas crianças de etnia Cigana, bem como conflitos e desenraizamentos. Para estas, a família é o elemento nuclear de seu desenvolvimento. Por isso, os Ciganos desenvolveram uma cultura de resistência, preservando, assim, a sua singularidade, em contraponto de que a idéia de que a humanidade esta unida por uma imaginação comum (COSTA, 2001, p. 47). Na realidade a globalização gera uma falsa idéia de que todos são iguais e pertencem ao mesmo processo de crescimento. Isso é verdade se imaginamos que, em Uberlândia, se comemora o Halowen, uma festa do dia da bruxas característica de países do hemisfério Norte, algo não cultural e sim importado e que pode oferecer risco a nossas tradições locais. Os Ciganos vêem o mesmo, por isso resistem a tudo. As propostas do Governo Português tentaram inserir os Ciganos por meio do processo escolar: Assim os conteúdos devem fazer abordagens e aprendizagens significativas, não devendo ser discordantes das atividades familiares, mas incorporá-las, assim como devem distribuir o êxito pelos alunos, no sentido de potenciar e favorecer o processo de ensino/aprendizagem; devem utilizar de metodologias de discussão dos problemas capacitantes para compressão inter-grupos das suas representações, da gestão de seus conflitos, da compreensão da diversidade, entre outros e que permitam construir saberes a 32 nível cognitivo, emocional, comportamental e afetivo de persuasão e aceitação do outro (COSTA, 2001, p. 49). Reformas devem ser feitas no contexto das sociedades, e estas devem estar preparadas para a multiculturalidade, a socialização dos diversos povos entre si em um mesmo contexto. Assim, Ciganos, populações locais vivendo harmoniosamente, dos diversos saberes, dos diversos povos, visto que Portugal em seu processo colonial procurou a multiculturalidade através dos empreendimentos coloniais e hoje devido ao fim de algumas de suas colônias, através da independência, recebem muitos imigrantes legais e ilegais, incluindo os Ciganos (LIÉGEOIS, 2001). Para Costa (2001): O espaço sala-de-aula deve organizar-se de forma interativa e facilitadora da comunicação intergrupos: utilizar imagens das diferentes culturas ou etnias. Explicitando os valores de cada uma delas; construir competências relacionais e comunicacionais, que façam apelo ao uso da palavra e à capacidade da escuta (COSTA, 2001 p. 49). A proposta de um projeto para uma multiculturalidade Português teve seu início em 1986 devido à grande quantidade de migrantes de ex-colônias que se tornaram independentes presente em seu território, imigrantes diversos que se reuniam a outros presentes no país, geralmente em cidades litorâneas. Muitos destes imigrantes que chegaram de barco, se aventuravam no interior de Portugal, poderiam ser pegos pela política de imigração (LIÉGEOIS, 2001). A construção de uma escola que não fosse homogeneizada e que seguisse uma mesma linha tradicional foi a saída para uma reforma que atendesse a toda uma demanda que não se adequava às condições de igualdade da sociedade Portuguesa, visto que estes povos já estavam inseridos no mercado de trabalho ou em subempregos que os natos não realizavam. Inseriam-se nas áreas de prestação de serviços, prostituição, alimentação. Estavam ali e precisavam ser inclusos (LIÉGEOIS, 2001). Esta reforma teve seu princípio quando, em 1984, quando o parlamento Europeu aprovou duas resoluções chamando a atenção para as difíceis condições de existência das comunidades Ciganas. A primeira foi a resolução de 16 de março de 1984 sobre a Educação das crianças cujos pais não tem domicilio fixo, através da qual o Parlamento convidava a Comissão Européia a colaborar com os Estados-Membros e a elaborar medidas que assegurem um ensino adaptado para estas crianças. A segunda foi a resolução de 24 de maio de 1984 sobra a situação dos Ciganos na Comunidade Européia, através da qual o Parlamento recomendava que os Governos dos Estados- 33 Membros coordenasse as sua atitudes e solicitava à comissão que elaborasse programas subvencionados por créditos comunitários, com vista a melhorar a situação dos Ciganos sem, no entanto, destruir os seus valores culturais (LIÉGEOIS, 2001, p. 7). As propostas de aceitação da inclusão de grupos minoritários e políticas públicas de acesso a programas sociais do Estado Português não se deram por reconhecimento político das reais necessidades destes grupos, mas sim como condição para que o Estado Português fizesse parte como Estado-Membro da Comunidade Européia. Nesse momento da história, Portugal figurava como periferia da Comunidade Européia, necessitando fazer ajustes para sua aceitação (LIÉGEOIS, 2001). A partir deste ponto, criaram-se medidas que realmente visavam ao acolhimento deste contingente que antes não era visto ou era ignorado pela grande maioria populacional. A Reforma Curricular e a Lei de Bases do Sistema Educativo Português (1986) foi o primeiro passo nesse sentido. Conforme aponta Cardoso (2001, p. 66), em seguida, em 1991, uma subsecretária do Ministério da Educação Português, com uma primeira medida política de inclusão, criou o “‘Entreculturas’ [que] foi a primeira medida política concreta com objetivos expressamente interculturais (ME 63/91 de Março de 1991)”. Havia também outras leis que viam a legalização dos imigrantes clandestinos no intuito de inseri-los no contexto social, tirando-os da marginalidade, como é o caso da Lei dos Imigrantes (Decreto Lei 94/93), [...] teve em vista a identificação das situações de clandestinidade dos imigrantes em Portugal e dar a possibilidade, dentro de prazos estritos e dos parâmetros da lei, de se legalizarem. Em todo o caso, esta medida constituiu um compromisso inicial do Estado que o levou a iniciativas subsequentes. Além disso representou também um reforço ao reconhecimento da existência das minorias imigrantes na sociedade Português e das suas estruturas de pressão e de diálogo (CARDOSO, 2001, p. 66-67). Mesmo diante de medidas que visavam à inclusão de minorias, ainda assim havia uma barreira: a formação de professores para o ensino Intercultural. Esperar se ia uma maior especificidade da Lei de Bases e, sobretudo, dos documentos subsequentes que a regulamentaram, a cerca da formação dos professores para uma sociedade em processo crescente de globalização e diversificação (CARDOSO, 2001, p. 67). 34 Ante essa necessidade, a estrutura educacional de formação de Professores começou a ter uma ênfase na formação de professores com uma destinação a um processo Intercultural. A grade curricular de algumas instituições passaram a ter disciplinas com o intuito de qualificar o profissional de intercultura, com ênfase em cidadania, formação pessoal e social, isto em cursos de Graduação e Pós-graduação (CARDOSO, 2001). A Educação Intercultural deve permitir que as minorias adquiram os conhecimentos e as competências necessárias para participar na cultura cívica nacional e para aderirem aos ideais democráticos, da igualdade, da justiça e da liberdade (domínio público); por outro lado, deve permitir a manutenção e afirmação, em liberdade, dos traços identitários mais relevantes – língua, crenças, usos, costumes, tradições etc. – da cultura do indivíduo (domínio Privado), que não colidam com a realização do domínio público (CARDOSO, 2001, p. 73-74). Com o intuito de inclusão de minorias em numa sociedade globalizada e excludente, as propostas do governo Português se viram diante de uma caminhada lenta e contínua de convivência e aceitação. Há ainda muitas ações por parte de diversos organismos no território Português: ONGs, entidades assistencialistas como o Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nacional Pastoral dos Ciganos. Estes têm por objetivo dar suporte às famílias, oferecendo cursos de promoção social e econômica e creches para as crianças, a fim de que as mães possam aprender um ofício. Além disso são oferecidos trabalhos em colheitas de tomates ou trabalhos domésticas, além da formação profissional, centros de saúde e segurança social (LIÉGEOIS, 2001). 2.2 A realidade brasileira A realidade brasileira tem uma conotação diferente da Européia, visto que, lá, o projeto de inclusão social e econômica das famílias de grupos discriminados como imigrantes ilegais e, principalmente, de minorias étnicas como os Ciganos e viajantes, foram feitos como forma de quesito obrigatório para que países como Portugal, no início da década de 1980, fossem aceitos na Comunidade Européia. Para isso, o Estado Português teria que dispor de 35 diversos termos que melhorassem a vida destas pessoas, como já feito por países já pertencentes à Comunidade Européia (LIÉGEOIS, 2001). No Brasil, a questão dos Ciganos não recebeu um tratamento diferenciado em relação aos demais grupos formadores da sociedade brasileira. Até para atender toda a demanda de vagas para crianças que não são Ciganas faltam escolas em muitas regiões; para os Ciganos não seria diferente. Quando desejado por seus parentes, as comunidades Ciganas colocam seus filhos na escola regular pública, oferecida a todos sem distinção. Nas entrevistas realizadas nas escolas Municipais de Uberlândia, estas crianças atingem desempenhos regulares; faltam excessivamente e poucas fazem as atividades levadas para casa. Geralmente são indisciplinadas, desprendidas, e até suas brincadeiras são diferentes das brincadeiras dos demais alunos. Os pais até que comparecem nas reuniões para os pais dos alunos, mas há um grande índice de evasão escolar, pois muitos pais tiram os filhos da escola para o trabalho, o casamento, viagens com eles, entre outros. Na LDB, tem-se: Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; (LDB, 1996) A respeito dos conteúdos curriculares do Ensino Fundamental e Médio, diz-se que devem estes ter uma base comum. No item 4º do artigo 26, que fala do ensino de história, e sobre a formação do povo brasileiro, a LDB/1996 diz: “§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia” As etnias,são unidades operativas do processo civilizatório, cada uma corresponde a uma coletividade humana, exclusiva em relação as demais, unificada pelo convívio de seus membros através de gerações e pela co-participação de todos eles na mesma comunidade de língua e de cultura (etnias tupinambá, germânica, brasileira etc.), [...] etnia nacional quando essas entidades se constituem em estados organizados politicamente para dominar um territorio, e de macroetnias quando tais estados entram em expansão sobre populações 36 multiétnicas com a tendência a absorvê-las, mediante a transfiguração cultural. (RIBEIRO, 2000,P.24). Tendo como base a leitura acima nota-se que a formação do povo brasileiro é alem das três matrizes citadas, pois a partir do momento que o imperio português, começa a ter várias culturas sob seu domínio e até mesmo os ciganos que são deportados para o Brasil colônia em 1574, a agregação destas culturas dentro do contexto brasileiro atribui que a cultura cigana também deva ser reconhecida como parte das matrizes de formação do povo brasileiro. Ainda em Ribeiro (2008), um complexo multiétnico unificado por uma dominação imperial que se exerça sobre seus povos, com propensão a transfigurá-los culturalmente e a fundi-los em uma entidade mais inclusiva, é uma macroetnia (macroetnia romana, incaica, colonial-hispanica etc.), colônia portuguesa pode ser inserida neste contexto, devido a sua grande abrangência de domínio colonial, na America do Sul, África, Ásia etc. Para isso deve se ter uma discussão mais detalhada sobre as verdadeiras matrizes de formação do povo brasileiro. Para a ONU o conceito de minoria (Organização das Nações Unidas) é assim proposto como “grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas, religiosas ou lingüísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não dominância; vítima de discriminação”. Em uma perspectiva, tem-se: No Brasil isto compreende os índios; os Ciganos; as comunidades negras remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de imigrantes; membros de comunidades religiosas.Essa a primeira dificuldade. O censo classifica população brasileira em brancos, negros, pardos, indígenas (apenas recentemente), amarelos e outros. Indaga sobre a religião a que pertencem, e o país de nascimento. Nada mais. A única minoria a ser identificada como tal no Brasil são os índios. E os dados populacionais são desencontrados. Os índios eram 251.422, em contagem de 1996, do IBGE. Para a FUNAI, órgão oficial de assistência e proteção aos índios, os índios são 325.652 (Direitos Humanos Net – 2010). A Constituição Federal de 1988, assim propõe a partir de seu artigo 216 que segue: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, 37 tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. A cultura Cigana é um patrimônio brasileiro expressado de forma distinta dos demais e deveria ser valorizada, assim como a cultura dos Índios e Negros, afinal os ciganos fazem parte do processo de formação do povo brasileiro. Sempre estiveram presentes na construção da identidade nacional, assim como muitos imigrantes o fizeram. Mas para isso, é necessário que as comunidades Ciganas se organizem como forma de se mostrarem fortes ante os processos políticos existentes, reivindicar não somente condições escolares para seus filhos, saúde e amparo aos idosos. 2.3 Pequena análise da realidade escolar cigana em Uberlândia-MG Foi feita nas escolas a aplicação de questionários aos professores. Em visita às residências das crianças e conversa com os pais, a realidade parece mudar um pouco em relação aos questionários, pois alguns pais já se mostram desejosos de que os filhos se tornem profissionais por meio do estudo. Em pergunta sobre qual profissional gostariam que seus filhos fossem, não hesitam em dizer: advogado e médico. Cabe notar que são estas profissões que elevam a auto-estima de uma família quando alcançam sucesso. No entanto, isso valeria apenas para os meninos, pois as mulheres ainda continuam sob o olhar de uma cultura intensamente machista que determinam o comportamento e a posição social que a mulher ocupa no grupo e ou na sociedade, com um conceito que a mulher deve ocupar deve cuidar dos filhos, da casa e do marido e no caso dos Ciganos, ainda sob a vigília da sogra. Na Escola do Setor Oeste estão matriculados trinta alunos Ciganos, sendo maior a concentração destes nas séries do introdutório ao sétimo ano, visto que os meninos, que deveriam estar no oitavo ou nono ano, estão acompanhando os pais em trabalhos ou estão se preparando para casar com as meninas também de mesma faixa etária e escolar. Os questionários foram aplicados a dez professores, todos da escola do Setor Oeste e professores Regentes (do introdutório ao quinto ano), pois na outra escola havia apenas uma aluna matriculada. A escola do Setor Oeste trabalha com programas que atendem as crianças que têm um desenvolvimento abaixo do esperado ou que, quando chegam à escola, não conseguem 38 acompanhar o rendimento dos outros alunos. Para isso são utilizados programas como o “Acelera Brasil” do Instituto Airton Senna, em que a criança faz um “intensivão” e é equiparada aos alunos de mesma faixa etária e ano escolar. Nos questionários, a quantidade de alunos Ciganos varia de sala para sala, em relação ao desempenho. Analisando os vários pontos de vista. Como cita a Professora B, com apenas uma aluna Cigana do quarto ano: “Seu desempenho é bom, ela procura entender o conteúdo e quer sempre fazê-lo. Ela é ótima em matemática”. Em outra sala, que tem apenas outra menina Cigana, a realidade é distinta: “A aluna não tem freqüência. Mais falta do que vem a aula. Portanto, rendimento baixíssimo” (PROFESSORA B, 2010). Assim como diversas famílias não Ciganas, que tem problemas semelhantes em relação à questão do aprendizado dos filhos, é necessário tratar cada caso de forma diferente um do outro. Nos exemplos dos questionários acima vê-se duas realidades diferentes dentro do mesmo contexto educacional, diferenciadas apenas pelo ano escolar: a primeira aluna está no quarto ano e a segunda está cursando o terceiro ano do Ensino Fundamental. Na terceira pergunta sobre se são disciplinados os alunos Ciganos, se estes esforçavam-se para aprender, se têm bons resultados e se fazem a lição para casa, 70% respondeu que esses alunos não eram bons alunos, não faziam lições de casa, como resposta da Professora B do quarto ano: “Ela tem dificuldades quanto a obedecer as regras, e executálas, fica contrariada quando é advertida. Costuma esquecer os materiais, é um tanto desleixada com o seu visual e materiais escolares” (Professora B, 2010). Os outros 30% dos professores observa os alunos Ciganos como comportados, dizem no questionário que estes fazem as lições, procuram aprender o que é dito e participam das aulas. Em relação ao convívio com os outros Ciganos, 70% dos professores disseram que todos tem um convívio muito bom com os outros colegas e que se relacionam muito bem. 30% dos entrevistados disse que os alunos não têm um convívio muito bom. Segue a resposta de um deles nesse sentido, a Professora C, do quarto ano: “[...] é meio agressiva, diz o que o pensa sempre, não importa com as conseqüências. Por ser criança, ela não controla bem seus sentimentos, ora ama ora odeia” (Professora C, 2010). Outra questão é sobre se o professor havia percebido alguma situação de preconceito por parte dos alunos, professores, funcionários ou qualquer pessoa contra os alunos ciganos. Novamente, 70% disse que nunca percebeu uma situação como esta. 30% disse que sim, e que 39 não permitia que o evento de preconceito prosseguisse. Em uma das falas do professor D, ele diz: “Não. É sempre bem vinda por parte dos alunos, mas sei que tem professores que preferem não ‘dá’ aulas para eles, pois na grande maioria eles são desorganizados e sem interesses” (Professor D, 2010). Perguntados se os pais não Ciganos os procuravam para tirar alguma dúvida sobre os alunos Ciganos e se faziam algum comentário sobre os mesmos, a resposta dos professores foi unânime em afirmar que nenhum pai de aluno não Cigano procurou o professor ou a escola para saber de seu filho em relação a alunos Ciganos. Observando-se os alunos Ciganos durante o recreio, percebe-se que todos são crianças como as outras; a única diferença é que os não Ciganos têm brincadeiras com menos demonstração de força. As brincadeiras dos Ciganos são de medir força, tais como o “braço de ferro” – é como se fossem adolescentes mostrando-se uns para os outros. Perguntado aos professores se a escola está preparada para recebê-los, as respostas são variadas. Seguem algumas: “ Acho que muitos professores fazem seu trabalho bem, independente de ser ou não Ciganos os alunos.” “ Não sei, no meu caso eu aproveito para trabalhar as diferenças culturais e religiosas da turma.” “Está. A escola procura atendê-los da melhor forma possível, mas a cultura deles é diferente.” Realmente, esta escola recebe a todos os que batem em sua porta. Deve-se reconhecer que o Estado e o Município não têm estrutura para atender de forma diferente àqueles que são diferentes, mas o empenho de muitos profissionais, como visto nesta escola do Setor Oeste, é algo diferenciado. Cada aluno é tratado com respeito. Professores vão ao encontro de alunos que estão faltando às aulas, procuram saber o porquê de não estarem indo, tarefa realizada pela Professora A da disciplina de Literatura. A direção se empenha em manter estas crianças junto do convívio escolar e todos participam de forma igualitária. O que falta são políticas públicas que viabilizem projetos para atender culturas distintas, mesmo que em pequenos grupos, pois referentes aos profissionais ainda há muitos professores que se dedicam ao ofício e procuram exercê-lo com qualidade. Na última questão foi solicitado ao professor para que opinasse de forma aberta no sentido de identificar a cultura Cigana no contexto escolar. Eis uma resposta: “Como dou aula 40 no quarto ano não trabalho focado dentro da cultura Cigana nas disciplinas aplicadas, mas trabalho a liberdade de pensamento, a valorização das raças, o respeito, o amor por qualquer cidadão brasileiro ou não” (Professora B, 2010). Em outra resposta relativa ainda sobre a ultima questão, a professora A diz: Observei que os mesmos são unidos uns com os outros. Defendem os seus direitos. Não se dedicam muito a estudar. Acham que vivem em um mundo diferente do nosso. Não se ajeitam a nossa cultura. Freqüentam as aulas apenas com o intuito de aprender a ler e escrever. As mulheres freqüentam as aulas somente até os doze anos de idade, depois os pais as tiram da escola para se casar. Se casam muito cedo, pois a mesma já está prometida desde criança. Abandonam tudo, se casam, tem muitos filhos e nunca têm moradia fixa (professora A, 2010). Para Ribeiro (2000), relativo a cultura e etnia, ...uma coletividade que cultiva certas tradições comuns integradoras, cujos membros se unificam pelo desenvolvimento de lealdades grupais exclusivistas, como os ciganos ou os judeus. É de muita importância a contribuição feita pela professora citada, mas na realidade é isto mesmo, este comportamento é peculiar a cultura cigana estas crianças podem ser objetos de curiosidade devido ao comportamento e suas atitudes e modos que ainda não foram adestradas pela sociedade que dita as normas sociais, morais e comportamentais diante dos demais, são modos estranhos para nós assim como devemos ter modos também estranhos para os mesmos, pois nós já temos modos de conduta e ou adestramento que são pertinentes aos locais que freqüentamos, entretanto para as crianças ciganas, elas seguem seu padrão cultural e a escola é apenas um momento em suas vidas. E para que este momento mesmo que dure apenas alguns anos é necessário que seja lembrado ou que seja importante na vida destas crianças. E no capitulo seguinte, com o Ensino de Geografia poderá em suas mais diversas formas e metodologias fazer com que uma contribuição seja significativa em seus caminhos que serão com certeza muitos, pois o andar faz parte da alma cigana e o espaço que se desenrolar a frente destes cidadãos não serão espaços enigmáticos ou segregados, mas espaços geográficos abertos a todos que estão preparados para decifrá-los. 41 CAPÍTULO 3 POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA ESCOLAR PARA O POVO CIGANO 3.1. A Geografia escolar na Escola Comum A Geografia Escolar sempre foi motivo de preocupação para quem esteve ou pretendeu se manter no poder. Nesse sentido, cabe dizer que, por meio dos processos pedagógicos e de ensino de Geografia, possibilita-se ao estudante uma visão ampla de todo o contexto, seja de uma sociedade ou de qualquer espaço habitável ou não, uma vez que essa disciplina estuda os aspectos físicos, políticos, sociais, entre outros, possibilitando uma visão critica e detalhada do espaço em análise. Fazendo um panorama em algumas obras, mesmo que não cientificas, como é o caso d“A Arte da da Guerra”, de Sun Tzu, sobre as grandes batalhas empreendidas pelos imperadores chineses da época e seus oponentes, percebemos que estes utilizavam um fator importante e muito restrito a poucos: além de conhecer, por meio de informantes, um pouco do inimigo e sua táticas, conheciam o local em que se ocorreria a batalha. Isso era fator-chave para sucesso ou derrota da guerra (SUN TZU, 2005) Desta forma, eram informações preciosas a topografia do terreno da possível batalha, com informações de localização dos combatentes, se haveria recursos e suprimentos para a tropa, se o terreno ofereceria resistência maior para quem fosse hostilizado. Uma importante referência, agora científica, mostra a gama de variedades e propostas: “Geografia pode e é usada por muitos, principalmente para o levantamento de informações que visam à manutenção do poder pelas grandes corporações políticas e suas ramificações nas bases empresariais” (LACOSTE, 2005). Sobre tal obra, em sua primeira edição, de 1976, trata Vesentini na apresentação da 10ª edição: “A presente edição brasileira deste livro, nas atuais circunstâncias é devera e oportuna. Devido a certas vicissitudes, as idéias aqui expostas acabaram não conhecendo no Brasil a circulação e os debates que elas merecem” (LACOSTE, 2005). Neste momento o Brasil vivia ainda sob o Regime Militar, que oprimia e usava meios como a censura para impedir obras literárias e manter a escuridão de sua opressão. 42 Neste momento, a Geografia no Brasil e o seu ensino desta disciplina viviam algo muito alem da ditadura: a imposição de uma medida que marcaria o ensino de Geografia e História, como segue: Enquanto na universidade, na década de 70 do século XX, os debates se acirravam em decorrência da busca de novos paradigmas teóricos no âmbito do conhecimento em Geografia, a escola pública de primeiro e segundo graus, hoje ensino fundamental e médio, enfrentava um problema ocasionado pela Lei, 5.692/71: a criação de estudos sociais com a eliminação gradativa da História e da Geografia da grade curricular (PONTUSCHKA, PAGANELLI, CACETE, 2007, p. 59) Sendo assim, Geografia tem um papel muito grande na formação dos cidadãos, pois com sua síntese de conhecimentos, envolve desde a paisagem natural, com suas belezas naturais, até a transformação desta natureza pelo homem, passando por diversos fins, como as implicações de utilização desta paisagem, o porquê de usar esse espaço, como esse uso afetaria o local onde as pessoas vivem, quais seriam os agentes envolvidos. A Geografia possibilita ao professor e ao aluno a visão política do local onde se dão todas as ações feitas com os mais diversos fins, por diversos agentes modificadores desta paisagem. Nesse sentido, a Geografia com sua síntese de conhecimentos gera incômodos a muitos, uma vez que engloba conteúdos bióticos, abióticos, físicos, químicos, naturais, artificiais, sociais, políticos e, sobretudo humanos. Por isso, é uma disciplina que orienta e conduz o modo de ver a transformação do vivido por todos, algo que deve ser tratado com respeito ou eliminado. Ainda nos anos 1970, uma nova mudança na Geografia mundial, com a discussão de novos conceitos e metodologias, mudaria as discussões em torno do foco dos estudos, passando-se para uma ciência que abrangeria mais os conceitos humanos, considerando os valores inerentes a estes. Com o fim do Regime Militar, a Educação brasileira sofreu muito em termos continuação dos processos de formação escolar, pois a Educação entrou em crise e foi-se a qualidade no ensino público brasileiro. A Geografia então se viu perdida em um turbilhão de problemas e conceitos epistemológicos – afinal, a Geografia dos tempos do Regime Militar ainda era uma Geografia de descrição e enumeração dos lugares; o homem era apenas uma peça e a homogeneização fazia parte do processo em que todos eram tratados de forma igual. Com o fator homem na Geografia, novos paradigmas começam a surgir: 43 A Geografia defronta-se, assim, com a tarefa de entender o Espaço Geográfico num contexto bastante complexo. O avanço das técnicas, a maior e mais acelerada circulação de mercadorias, homens e idéias distanciam os homens do tempo da natureza e provocam certo “encolhimento” do espaço de relação entre eles (CAVALCANTI, 1998, p. 16). Estas eram as Geografias Criticas. No Brasil, os Geógrafos começam estudaram esta linha, A discussão, neste momento, não era mais tratar todos de forma igual, mas sim tratar de forma única os valores e a pessoa humana e as diferenças como diferenças Alguns autores como Straforini, achava que a Geografia Critica nunca foi apresentada de fato aos professores, que esta já foi criada e desde já colocada pronta e acabada para que os professores já a ministrassem em seus conteúdos. Na verdade a Geografia Critica foi apresentada para a grande maioria dos professores através dos livros didáticos, pulando a mais importante etapa: sua construção intelectual. Da mesma forma que os conteúdos chegavam aos professores de maneira pronta e acabada na Geografia escolar tradicional, os conteúdos sob a luz da Geografia Crítica também assumiam o mesmo papel junto aos professores, ou seja, de essencialmente dinâmicos, na Espaço Geográfico continuavam estáticos (STRAFORINI, 2006, p. 49-50). Anteriormente, os professores não ensinavam o auto-reconhecimento do homem dentro de seu próprio espaço. Com esses novos paradigmas, o conflito se tornou mais visível, com a possibilidade de mudanças e novas linhas de pesquisas. Problemas que ficaram sem discussão no decorrer do ensino de Geografia, tais como as grandes mazelas sociais da população e as novas concepções sobre a cidade como meio de vida e habitat de muitos que antes faziam parte das áreas rurais, as periferias urbanas, os excluídos, o reconhecimento de uma variedade maior de raças e credos mesmo limite urbano e suas diferenças. Para o Autor a Geografia Critica é construída todos os dias, seja em nossas casas, quando saímos às ruas e socializamos com os demais, no trabalho, na escola como estudantes e professores, como consumidores, geradores de renda e misérias, como poluidores do sistema, quando concordamos ou fingimos não ver que o rolo compressor da injustiça ou dos interesses de grupos privilegiados subjuguem os mais fracos. Apesar das questões novas para uma sociedade que teve uma abertura de possibilidades com o fim do Regime Militar, principalmente nas questões escolares, ainda caminhou se pouco, como argumenta Cavalcanti (1998): 44 Embora haja um significativo desenvolvimento da pesquisa e da produção científica sobre a Espaço Geográfico de ensino e no âmbito específico do ensino de Geografia, é sabido que os avanços teóricos obtidos têm chegado muito lentamente à Espaço Geográfico escolar, que permanece em boa parte respaldada em concepções teóricas tradicionais, tanto do ensino quanto da Geografia. Por outro lado, os professores têm insistido na procura de respostas a questões relacionadas com as dificuldades de aprendizagem dos alunos (CAVALCANTI, 1998, p.11). A Geografia precisa ser analisada por instituições de ensino no sentido de avaliar a qualidade do que é ensinado, pois nas escolas há diversos propostas pedagógicas, visto que há fatores diversos como falta de professores, condições insalubres de ensino, falta de material didático, móveis inadequados, indisposição de profissionais para um ensino de qualidade, indisciplina escolar, Políticas Públicas direcionadas para a Educação de qualidade dentre outros. Estes são fatores que fazem com que o ensino de Geografia e outras disciplinas se torne um grande desafio para as instituições escolares, deixando-se de focar a qualidade do que é ensinado. A Geografia escolar ainda continua fragmentada, como se percebe: A finalidade de ensinar Geografia para crianças e jovens deve ser justamente de os ajudar a formar raciocínios e concepções mais articulados e aprofundados a respeito do espaço. Trata-se de possibilitar aos alunos a Espaço Geográfico de pensar os fatos e acontecimentos mediante várias explicações, dependendo da conjugação destes determinantes, entre os quais se encontram o espacial (CAVALCANTI, 1998, p. 24). O Espaço Geográfico para muitos teóricos é chave para o ensinar Geografia; é onde tudo acontece, onde as relações se estabelecem, onde o fragmentado se torna uno e as máscaras da opressão e da segregação social se mostram. Através da Geografia pode-se construir um espaço cidadão que respeite valores e modos distintos de vida. 45 3.2 Contribuições da Geografia para os Ciganos São muitas as contribuições da Geografia para os Ciganos, como também da comunidade de Ciganos para a Geografia. Os Ciganos nômades, por exemplo, sempre estão em movimento através do Espaço Geográfico; migram constantemente, passando por diversas cidades. Dependendo de suas rotas, passam por grandes, médios ou pequenos centros urbanos. As rodovias que levam a estes locais são sempre estudadas antes de se empreitar uma viagem: estruturam-se estrategicamente nestas cidades tendo em vista o comércio de seus produtos, montam acampamentos em locais em que poderão usufruir de segurança para todos, mantêm contatos com os moradores locais a fim de aproveitar o máximo sua estadia. Em seus deslocamentos pela grande imensidão geográfica em território nacional, são geralmente tratados com hostilidades pelos não Ciganos, que ainda reagem negativamente à presença destes indivíduos. O espaço onde todos convivem é onde também as diferenças são estabelecidas e postas em conflito para a formação dos novos valores. somos pessoas normais, trabalhamos, temos nossas casas nesta rua, todas nossas, gostamos de viajar, acordamos, enchemos a camionete e saímos, não ficamos presos a trabalhos, ou a escola esperando as férias dos filhos para fazer isso, fazemos nossas férias (Sr. Marcos, 2010).3 Várias camionetes novas nas garagens estavam dispostas, ele me disse que algumas casas são deles outras são alugadas e todos que moram praticamente naquela rua são da mesma família. As casas alugadas são mais difíceis de serem locadas ou feitos contratos de locação, muitos proprietários não alugam para Ciganos, desta forma alguns aluguéis já são pagos o ano todo, para não haver problemas. No comércio do bairro onde se localizam os Ciganos, da Região Oeste de Uberlândia em Minas Gerais, os comerciantes dizem que vendem para os Ciganos e que os mesmos pagam certo. (SENHORA Márcia, 2010).4 Exceto as crianças deste grupo de Ciganos, raros são aqueles que não têm documentos pessoais, em sua maioria, aqueles com idade de maioridade absoluta, todos possuem 3 Nome fictício de cidadão Cigano que fez o depoimento em Uberlândia-MG. 4 Comerciante do Setor Oeste da Cidade onde se localiza as residências dos Ciganos. 46 documentos de identificação, Titulo de Eleitor, CPF, enfim, são pessoas que se justificam, como cidadãos brasileiros e os são. Já teve vez de chegarmos cansados em cidades e irmos para o hotel, depois de conferir toda a documentação e assinarmos as fichas de hospedes, a recepcionista percebe que somos Ciganos e disse que não poderia locar os quartos para Ciganos, ficamos chateados, somos certos com nosso nome (Sr. MARCOS, 2010). A partir depoimento acima percebe-se que os ciganos são discriminados em estabelecimentos comerciais exatamente por serem Ciganos, mesmo em condições iguais às de qualquer outro cidadão. Se não fossem cidadãos brasileiros, não poderiam ter contas em agências bancárias, contrair financiamentos de veículos automotores, circular livremente pelo território nacional, como segue na Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5º XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Diante disso, a Geografia pode trabalhar com os Ciganos a questão de cidadania e reivindicação de direitos como cidadãos, pois os ciganos são brasileiros natos. Da forma como estão inseridos em um contexto – seja este local, regional ou global – são pertencentes a este espaço. São eles também que o produzem e o vêem sendo alterado por diversos seguimentos da sociedade. Podem todos estes, então, requerer benefícios que os dignifiquem como a qualquer outro cidadão brasileiro – seja, a segurança da polícia para com seu patrimônio e sua família; a rede pública de escolas, onde, em muitos lugares, estas fazem a inclusão das comunidades locais; a rede pública de saúde, e demais serviços públicos que são oferecidos a todos os cidadãos natos, inclusive defensoria pública. Assim, têm direito aos órgãos de defesa do consumidor, onde os interesses dos cidadãos que utilizam serviços ou compras de produtos podem reclamar do atendimento, fazer denúncias de estabelecimentos comerciais que são preconceituosos ou dêem preferência a determinados clientes. O conceito a que o termo cidadania pode elucidar vai muito além, como afirma Damiani (2006): A noção de cidadania envolve o sentido que se tem do lugar e do espaço já que se trata da materialização das relações de todas as ordens, próximas ou distantes. Conhecer o espaço é conhecer a rede de relações a que se está sujeito, do qual se é sujeito. Alienação do espaço e cidadania configuram um antagonismo a considerar (DAMIANI, 2006, p. 50). 47 Sendo assim, o Ensino de Geografia pode trabalhar com as crianças Ciganas a noção do Espaço Geográfico que utilizam, tais como o caminho de suas casas para a escola e vice versa, as áreas de lazer e institucionais dos bairros em que estão inseridos, os lugares que mais freqüentam, os comércios de bairros, as Unidades de Saúde e o direito de usufruir tudo isso, dentre outros aspectos. Pode-se trabalhar com as demais crianças o direito de todos ao usufruto do mesmo espaço, a cidadania dentro e fora dos portões da escola, os direitos humanos, as diferenças entre cidadãos, sejam estas em relação à raça, opção sexual, opção religiosa e demais condições distintivas de todos os cidadãos. A princípio, pode-se trabalhar a questão espacial escolar e sua influência na vida das comunidades próximas. Desta forma, trabalhar-se-ia a questão da cidadania no contexto escolar, pois é para isso que a escola está no bairro: para ensinar, seja por meio de exemplos e atitudes; para disponibilizar a todos um mesmo processo educativo e um projeto formador de pessoas e valores humanos. Conforme aponta Damiani (2006): As instituições educacionais não podem se assemelhar a instituições totais, que criam um mundo em separado, redefinindo os indivíduos ligados a eles, para além de seus laços sociais. Ao contrário, devem se misturar intrinsecamente com a sociedade civil (DAMIANI, 2006 p. 55). Mas um pensamento sobre o espaço, que capte as virtualidades sociais, não pode ser um pensamento reduzido a uma razão que se instala nos fatos como irremediavelmente constituídos, definitivos (DAMIANI, 2006 p. 54). As formas e as estruturas do espaço é uma constante mutável e também é uma forma de trabalhar o uso do espaço por todos os agentes modificadores, sejam eles sociais, políticos, morais e até econômicos. É nessa linha de transformação que se deve pensar a formação deste espaço. Por meio do diálogo, das relações cotidianas, nos encontros com os demais cidadãos. É preciso tratar as diferenças a partir da valorização e do respeito, reconhecendo-as como formas distintas – seja de percepção, de cultura, entre outras, a fim de não tratar tudo de uma forma única, homogênea e que não permita a mesclagem de pessoas. Segundo Damiani (2006), “é a dialética que consegue captar a diversidade da vida humana, atingindo o entendimento do sujeito e potencializando-o como tal”. Para Santos (2004), por sua vez: 48 A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam sua pratica social. A práxis, ingrediente fundamental da transformação da natureza humana, é um dado sócio-econômico mas é também tributária das imposições espaciais (SANTOS, 2004, p.171). Em Santos (2004) e Damiani (2006) percebe-se que o Espaço Geográfico é feito de diálogos, de relações sociais, que o simples o fato do convívio das pessoas gera esta modificação no que se chama de lugar. O respeito por diferenças, sejam econômicas ou sociais devem ser pautado no dia a dia, pois o espaço está sempre em mutação e são as ações humanas que condicionam esse espaço a essas mudanças. A ecologia trabalha com formas duráveis ou efêmeras, naturais e socais, introduzidas pelo homem. As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado (SANTOS, 2004, p. 171). A cidade dentro de suas “rugosidades”, áreas que recebem uma nova estrutura (por exemplo, centros antigos de várias cidades que são replanejados e para os quais são arquitetados novos usos), oferecem a todos condições de livre locomoção. Nessa realidade, pretende-se que os Ciganos ocupem espaço na sociedade – seja em áreas novas ou áreas que as rugosidades impostas pelo espaço dialético transformaram, pois, de certo, alguns de seus produtos e serviços podem ser vendidos em tal contexto espacial. Por meio de um resgate histórico e de uma interdisciplinaridade com matérias como a História, pode-se trabalhar no contexto Escolar Geográfico com a ocupação do território brasileiro através dos tempos, com a inserção do Cigano, documentada em literaturas, possibilitando, assim, a análise de uma realidade antes não vivenciada, identificando também os Ciganos como agentes formadores do Espaço Geográfico brasileiro ao longo da história do Brasil e da reprodução do espaço pelo Capital. 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Geografia é uma disciplina que fascina as pessoas que a estudam e aos que são estudados, pois, em sua síntese de formação, consegue envolver o objeto de estudo e todo o seu perímetro de vivência, sua ligação com as redes que o cercam, observando as entrelinhas de formação do espaço, visualizando os lugares em suas mais íntimas concepções sociais. Sendo assim, para a Geografia, a observação é muito importante, pois permite perceber as mudanças, mesmo que sejam estas sutis. Associar esse conhecimento à ciência é fundamental. Por outro lado, o objeto de estudo de qualquer pesquisador dever ser tratado como a parte mais importante de sua pesquisa. Se este for um ser humano ou grupos de pessoas, deve este ser tratado com o devido respeito e ética na condução da pesquisa e divulgação dos dados. Trabalhar a questão dos Ciganos, seja na concepção social, espacial, territorial, econômica, antropológica, política e até mesmo a questão educacional, não se não se esgota em um só estudo. As comunidades Ciganas de qualquer região são pequenos tesouros que precisam de atenção voltada a suas complexas relações com o meio social e espacial. Não necessitam apenas de atenção ou pedem socorro: pelo contrário, são independes das relações de trabalho oficiais, utilizam o comércio para atender sua necessidade. Quanto aos seus tesouros, sua maior riqueza é a cultura. A Escola Pública do município foi o local escolhido para a realização da pesquisa, mas, em momento algum, se teve contato com as crianças Ciganas, a fim de preservar sua integridade. O trabalho foi pautado no questionamento e suas relações com as crianças Ciganas. Cabe dizer, a pesquisa com os professores foi muito importante, pois ninguém melhor que eles conhece seus alunos. São eles que sabem realmente das necessidades destes, de seu meio familiar e das dificuldades que enfrentam no dia a dia na escola, mesmo com outros professores e com outros alunos. Com os professores e juntamente com a direção escolar, o trabalho teve um direcionamento a partir do qual a pesquisa ficou mais interessante, ante os depoimentos destes que contavam a vida dos alunos e o amparo que tinham na sala de aula. Segundo os professores entrevistados, as crianças eram acolhidas humanamente. O trabalho teve também o processo empírico de observação. Nos intervalos de aulas, podiam-se constatar as diferenças destas crianças em relação aos demais alunos – seja pela maturidade das brincadeiras destes, pela forma como conversam ou pela atenção em observar 50 e perceberem que são observadas. A curiosidade destas crianças e a percepção do seu meio é algo interessante de se notar. Quando um fator novo é inserido no contexto de suas relações, logo é percebido não somente por um, mas por todos. A escola tem um papel muito importante na realidade da vida cigana. É nela que muitos aprendem um pouco para o resto de suas vidas; é onde as operações mínimas de matemática os marcam como comerciantes; é onde as lições de português servem para que os mesmos a lerem e escreverem na sociedade, servem também como base para o aprendizado e relações interpessoais dos Ciganos enquanto crianças. Alguns meninos ainda prosseguem seus estudos, mas poucos conseguem chegar ao nono ano escolar. Depois disso, saem para seguir suas vidas juntamente com seus pais. As meninas, muitas vezes, são traídas pelas crenças de seu meio. Muitas gostariam de ficar e estudar, mas com o primeiro ciclo menstrual são obrigadas a abandonar a vida de estudante. Segundo depoimentos de membros da comunidade Cigana, estas continuam a estudar em casa com professores particulares. Porém, isto não foi comprovado nesta pesquisa. Em uma análise do contexto escolar, estas crianças ciganas estão inseridas na realidade dos demais alunos não ciganos, e todos são tratados de forma igual, homogeneizada, pelas políticas pedagógicas de cada unidade escolar. É observado que toda a cultura – seja ela cigana ou outra qualquer – não tem seu tratamento específico, e nem a escola tem uma política pedagógica própria para com os diferentes. Nota-se que os alunos Ciganos se mostram diferentes, como Ciganos, mesmos no meio escolar onde todas as crianças gritam, correm de um lado para outro em suas brincadeiras. Esta pesquisa considera que dificilmente se deixariam seduzir pelos encantos do mundo não cigano: sua cultura fala mais forte, isso está formado em suas concepções familiares, suas visões de mundo são totalmente diferentes da sociedade comum no contexto brasileiro. Entretanto, a escola é um ponto comum para todos os Ciganos e não Ciganos afim de se perceberem como diferentes, pois todos os são, não somente os ciganos e que a escola é um lugar de se aprender a viver e conviver e também aprender com estas diferenças o respeito por cada ser como único em suas concepções sejam elas, políticas, culturais, sociais, religiosas e a forma de vive-las sejam em grupos, sozinho etc. Neste trabalho obteve-se a oportunidade de trabalhar um pouco da situação das crianças Ciganas e a sua relação com a escola com professores e diretores. Tentou-se contribuir para a produção de uma melhor de inseri-los, de forma mais humana, no espaço 51 que é explicado pela Geografia. Muitas questões ainda podem ser trabalhadas na realidade dos Ciganos, e propostas futuras podem ser estudadas junto à Geografia como meio de contribuição com as comunidades Ciganas. 52 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Milton José de. Imagens e Sons: A Nova Cultura Oral. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2004. Coleção questões de nossa época, v. 32. BORGES, Gilda de Oliveira. Gilda de Oliveira Borges: depoimento [abr., 2010]. Entrevistador: F. A. Borges. Uberlândia: Residência da Entrevistada, 2010. Entrevista concedida para a pesquisa. CARDOSO, Carlos. A formação de professores para a diversidade. In: LIÉGEOIS, JeanPierre (Org.). Que Sorte Ciganos na nossa Escola. 1. ed. Lisboa: Ed. Secretariado Entreculturas (Ministério da Educação), 2001. Coleção Interface. CASA-NOVA, Maria José. Etnicidade e educação familiar: o caso dos ciganos. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7887/1/ETNICIDADE% 20E%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20FAMILIAR.pdf. 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