Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 AS CHARGES ELETRÔNICAS E SUA TEXTUALIDADE: UMA ANÁLISE VIA LINGUÍSTICA TEXTUAL Gerusa Martins Vieira dos Santos Joselice Adriane da Costa Letícia Cristina Ribeiro Rodrigues Michele Tinonin Boza (G -CLCA-UENP/CJ) Luiz Antonio Xavier Dias (Orientador - CLCA-UENP/CJ) RESUMO Com o advento da internet surgiram modalidades comunicativas de grande repercussão na sociedade atual como: vídeos, scraps, e as charges eletrônicas que ao utilizarem-se do humor, fazem uma crítica a determinados temas em voga na mídia. O presente trabalho, de caráter bibliográfico e documental, ancora-se em teorias advindas da Linguística Textual – Marcuschi (2008); Koch (2007) e Magalhães (2006). A presente pesquisa pretende analisar charges eletrônicas de autoria de Mauricio Ricardo Quirino sob a temática educação em diferentes focos e enfim analisar a sua textualidade: coesão, coerência, situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Compreende-se a importância da pesquisa em tela pois tais fatores proporcionarão ao texto uma maior significação e assim construir uma significação Considerações Iniciais As novas tecnologias da informação e comunicação estão em crescente avanço, e com elas, surgiram modalidades comunicativas que mediadas pelo computador, propiciam o surgimento de novos processos de interação, que trazem para a sociedade atual uma grande repercussão ao fazerem uma crítica a determinados assuntos em voga na mídia. Com essas recentes inovações tecnológicas, surgiram novas práticas sociocomunicativas que são desenvolvidas no meio da mídia eletrônica. Marcuschi e Xavier (2010) afirmam que essa denominação surgiu a partir dos anos 70 do século XX, pois a mesma é centrada e identificada na tecnologia computacional. Com isso, um novo tipo de comunicação caiu no conhecimento, denominada por Comunicação Mediada por Computador (CMC) ou comunicação eletrônica, “que abrange todos os formatos de comunicação e os respectivos gêneros que afloram nesse contexto”. (MARCUSCHI; XAVIER, 2010, p. 18). De acordo com os referidos autores (2010) a questão dos gêneros permanece, ainda, depois de muitos estudos, pouco esclarecida. O tema gêneros textuais veio com o surgimento da Linguística de Texto, a Análise Conversacional e a Análise do Discurso por volta dos anos 60. 253 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Por gêneros textuais define Marcuschi (2005) apud Silva e Prados (2010, p. 63) como sendo: [...] fenômenos históricos vinculados à vida cultural e social, entidades sóciodiscursivas que contribuem para ordenar as atividades comunicativas do dia-a-dia. Atualmente existe uma grande quantidade de gêneros textuais que surgem juntamente com a necessidade das atividades sócio-culturais e na relação com as inovações tecnológicas, diferentemente das sociedades anteriores que tinham somente a comunicação escrita. Silva e Prados (2010) salientam que a nascente das novas formas discursivas dá-se por conta dos grandes suportes tecnológicos da comunicação, como o jornal, o rádio, a revista, a televisão e a internet, que propicia e refugia novos gêneros bastante característicos, sendo eles as notícias, artigos de fundo, editoriais, tele mensagens, telefonemas, telegramas, teleconferências, reportagens ao vivo, videoconferências, chats (bate-papos virtuais), aulas chats (aulas virtuais), e-mails (cartas eletrônicas), entre outras. Koch (2007, p. 101) complementa dizendo que “[...] os gêneros como práticas sociocomunicativas, são dinâmicos e sofrem variações na sua constituição, que, em muitas ocasiões, resultam em outros gêneros; novos gêneros”. Dentre essas mudanças citaremos a charge, que teve como suporte inicial os jornais impressos, onde não atingiam um volume grande da população, já que, não eram muitas as pessoas que tinham o hábito da leitura nessa forma de comunicação. Para Silva e Prados (2010, p. 62) “[...] esses gêneros também permitem observações entre vários tipos de semioses, signos verbais, sons, imagens e formas em movimento”. A charge eletrônica, portanto, torna-se mais interessante em virtude desses elementos presentes em sua composição que auxiliam na animação e no humor do gênero em questão. Fatores de Textualidade O chargista, na construção das charges eletrônicas, faz uso de alguns fatores que fazem com que esse gênero seja um texto de verdade. Para isso, utiliza-se de elementos que são responsáveis pela textualidade, dessa forma, dando ao texto todo o seu sentido e, consequentemente, proporcionando aos leitores um bom entendimento. 254 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Os fatores de textualidade são sete conforme define Beaugrande&Dressler (1981) apud Oliveira (2010): a coesão, coerência, informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Vale salientar que a coesão e a coerência estão intimamente ligadas ao texto e que as demais estão abocadas ao produtor e ao receptor do texto, sendo que a informatividade pode ser notada pelo aspecto computacional. A situacionalidade e a intertextualidade pelo aspecto sociodiscursivo e, por fim, pelo aspecto psicológico pode ser observada a intencionalidade e a aceitabilidade. De acordo com Koch e Elias (2006) as definições em torno da coesão e da coerência vem se modificando ao longo do tempo. Portanto, a coesão segundo sua concepção é: Costumou-se designar por coesão a forma como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se interligam, se interconectam, por meio de recursos também linguísticos, de modo a formar um “tecido” (tessitura), uma unidade de nível superior à da frase, que ela difere qualitativamente. (Koch, 2004 p. 35) Por conseguinte, de uma maneira bem simplificada, pode-se considerar a coesão como as palavras que ligam uma concepção a outra. É a conexão interna do texto. A coerência como determina Koch e Travaglia (2001, p. 45): [...] que dá textura ou textualidade à sequência linguística, entendendo-se por textura ou textualidade aquilo que converte uma sequencia linguística em texto. Assim sendo, podemos dizer que a coerência dá origem à textualidade [...]. Logo, a coerência é responsável por dar ao texto um sentido, quando as ideias postas nele são organizadas de maneira adequadas ao propósito da comunicação, interligando tais ideias por meio de conectivos e partículas de transição. Outro elemento indispensável nas charges é a informatividade que: [...] diz respeito ao grau de previsibilidade (ou expectabilidade) da informação contida no texto. Um texto será tanto menos informativo, quanto mais previsível ou esperada for a informação por ele trazida. Assim, se contiver apenas informação previsível ou redundante, seu grau de informatividade será baixo [...]; se contiver, além da informação esperada ou previsível, informação não previsível, informação não previsível, terá um grau maior de informatividade [...]; se, por fim, toda a informação de um texto for inesperada ou imprevisível, ele terá um grau máximo de informatividade, podendo, à primeira vista, parecer incoerente por exigir do receptor um grande esforço de decodificação [...].(Koch e Travaglia, 2001, p. 70-71). 255 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Nesse sentido, as informações contidas na charge deve ter um grau mediano, ou seja, uma mistura de elementos que insinuam e explicitam a informação para que o texto torne-se interessante. A situacionalidade como mais um fator para a coerência da charge tem relação com o contexto, à adaptação desse contexto para que o conteúdo exposto seja entendido. Para isso, Koch (2004) postula que a situacionalidade deve ser considerada em direções distintas, sendo uma da situação para o texto e, a outra, do texto para a situação. No primeiro sentido, a situacionalidade refere-se ao conjunto de fatores que tornam um texto relevante para uma situação comunicativa em curso ou passível de ser reconstruída.[...] [...] Ao construir um texto, o produtor reconstrói o mundo de acordo com sua experiências, seus objetivos, propósitos, convicções, crenças, isto é, seu modo de ver o mundo. O interlocutor, por sua vez, interpreta o texto de conformidade com seus propósitos, convicções, perspectivas.[...] (Koch, 2004, p. 40). A intertextualidade é outro respeitável elemento de coerência. Esse componente pode ser de forma ou conteúdo. Koch (2007, p. 86) depreende a intertextualidade: [...] “ela é condição mesma da existência de textos, já que há sempre um já-dito, prévio a todo dizer.” [...]. É comum encontrar um texto falando de outro nas charges eletrônicas. Todavia, para o bom entendimento desse gênero os interlocutores devem ter um conhecimento desses textos que estão sendo referenciados. A intencionalidade como um fator de textualidade na compreensão de um texto está relacionada ao produtor, no caso, ao chargista. Refere-se ao objetivo que o autor quer alcançar com a produção da charge. Concluindo os sete fatores, temos a aceitabilidade que nada mais é que a contraposição da intencionalidade. A esse respeito, Kock (2004, p.43) nos explica: Em sentido restrito, refere-se à atitude dos interlocutores de aceitarem a manifestação linguística do parceiro como um texto coeso e coerente, que tenha para eles alguma relevância. Deste modo, mesmo que p texto contenha incoerências locais ou pareça a princípio incoerente, o leitor/ouvite fará o possível para atribuirlhe um sentido. Assim, se a produção do chargista estiver em conformidade com as expectativas do interlocutor, sua charge será aceita facilmente pelo público. Charge eletrônica: um gênero interessante 256 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 O temo ‘charger’, advém da língua Francesa que significa ‘carga’, ainda é uma palavra utilizada para se referir às ilustrações humorísticas que envolvem caricaturas de personagens relacionadas a diversos assuntos, os quais abordam temas da atualidade. As charges ainda são empregadas para realizar críticas à política, educação, futebol, economia e assuntos que de um modo geral abrangem a sociedade, bem como, temas que, geralmente, estão em voga na mídia. A charge é um gênero textual cuja intencionalidade é fazer critica por meio do humor. Sendo assim, de acordo Magalhães (2006): O acelerado desenvolvimento das novas tecnologias de informação comunicação, principalmente, as formas de comunicação mediadas pelo computador, têm propiciado o surgimento de novos processos de interação. Tais processos, todavia, nem sempre se apresentam de forma totalmente inédita; são, geralmente, adaptações ou reconfigurações de formas convencionais de comunicação. (MAGALHÃES, 2006, p. 17) Portanto, a charge eletrônica é um gênero interessante, pois integra aspectos da linguagem verbal e não verbal, sendo estes importantes para a compreensão deste gênero textual. Além disso, para que se possa entender o assunto trabalhado em uma charge, faz-se necessário fazer uma interação entre assuntos que estão em alta na mídia e o assunto que é tratado na charge, bem como, ser capaz de relacionar/identficar os personagens das charges com situações da atualidade. Conteúdo Temático O gênero textual em escolha é a charge eletrônica, trata-se de um gênero pós revolucionário do gênero charge. Este sofre variações por conta das práticas sociais e comunicativas proporcionadas pelas novas invenções tecnológicas. De acordo com Marcuschi (2010): [...] Os gêneros emergentes nessa nova tecnologia são relativamente variados, mas a maioria deles tem similares em outros ambientes, tanto na oralidade como na escrita. Contudo, sequer se consolidaram, esses gêneros eletrônicos já provocam polêmicas quanto à natureza e proporção de seu impacto na linguagem e na vida social. Isso porque os ambientes vituais são extremamente versáteis e hoje competem, em importância, entre as atividades comunicativas, ao lado do papel do som. (MARCUSCHI, 2010, p. 15) 257 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 As charges eletrônicas ultizadas para a elaboração deste trabalho são intituladas: Estudante canta: “Recomeçar” e Professoras da Rede Pública: “Asereje”, de autoria do chargista Mauricio Ricardo, são charges cujo tema é a educação, elas retratam a indignação de alunos e professores que estudam e trabalham nas redes públicas do Brasil. As charges escolhidas tem como conteúdo temático a crítica em forma de humor da educação no Brasil, e, ainda, um estilo acessível a todos, pois, trata-se de uma produção breve e de uma linguagem informal, além disso, apresenta estrutura curta e linguagem verbal e não verbal. Contexto de produção Como este trabalho tem a intenção de analisar charges eletrônicas retiradas do site www.charges.com.br pode-se dizer que o público a quem se destina este gênero textual advindo da internet são pessoas jovens que gostam de navegar no mundo virtual, conforme Magalhães [...] “Inicialmente, a charge publicada em meio eletrônico parece aproximar-se mais do público adolescente e jovem, nem sempre leitores típicos das charges convencionais.” (MAGALHÃES, 2006, p. 17), e [...] “a leitura de comentários enviados por visitantes, leva à constatação da assiduidade de leitores adolescentes e jovens” [...]. (MAGALHÃES, 2006, p. 17). Além do humor, ao assisti-las o seu público também é informado sobre acontecimentos que estão repercutindo na mídia. Marcas linguístico-enunciativas São muitos os gêneros que despontaram com o surgimento da internet, e, conforme Marcuschi, [...] “Os gêneros emergentes nessa nova tecnologia são relativamente variados, mas a maioria deles tem similares em outros ambientes, tanto na oralidade como na escrita.” [...] (MARCUSCHI, 2010, p. 15). Assim, a charge eletrônica é uma variação da charge publicada em jornais, de acordo com Magalhães [...] “são produzidas com base nos mesmos objetivo das charges jornalísticas convencionais: a crítica social por intermédio do humor.”[...] (MAGALHÃES, 2006, p. 17). Entretanto, as charges eletrônicas se diferenciam 258 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 das jornalísticas em alguns aspectos, elas apresentam animações, são coloridas e, também, possuem som. Neste trabalho serão analisadas as “charges-okê”, estas são charges eletrônicas caracterizadas por apresentar um tema de repercussão na mídia através de paródia, e a música utilizada para a produção, também, se constitui em canções com elevado conhecimento pelas pessoas. Vale ressaltar, de acordo com Magalhães: No que concerne à abertura das charges-okê, destacamos a presença, em todas as aberturas, do enunciado “com som fica muito melhor, mas você pode ler as legendas”. Esse enunciado além do aspecto técnico, indicar uma possibilidade de leitura da charge-okê inclusive por aqueles cujo computador não disponha de saída de áudio, assinala também um efeito de diálogo simétrico entre o autor das charges e o leitor-navegador. [...] o chargista procura colocar-se em uma relação simétrica com o seu leitor, compartilhando com ele a posição de observador, testemunha dos fatos ocorridos no cotidiano de nossa sociedade. (MAGALHÃES, 2006, p. 90) Ou seja, o autor pretende estabelecer uma relação de proximidade com o leitor, através da sugestão “com som fica melhor” ele propõe ao espectador de sua charge a melhor forma, segundo ele, de fazer a apreciação da charge eletrônica, demonstrando que autor e leitor se encontram na mesma situação ao refletir sobre os acontecimentos reais. Estrutura Composicional e Linguística A forma composicional (formas do enunciado), as marcas linguísticas (formas da língua) e o estilo (escolhas lingüístico-discursivas) dependem do gênero a que fazem parte do texto, dependendo da circunstância da enunciação em curso na operação é que será esse gênero operante. As novas características lingüístico-discursivas e enunciativas, ligadas ao suporte, à ferramenta e a seus dispositivos, ao modo de comunicação (hiper)textual e ao espaço enunciativo virtual, levaram-nos a apontar o surgimento de novos gêneros, ou seja, o computador seria o mediador que modificaria o discurso e levaria à criação de outros gêneros textuais e a novas maneiras de ler/escrever. (COSTA, 2005, p. 105) A charge que existe desde o começo do século XIX, é um gênero textual fértil em intertextualidade, porque torna possível ao leitor fazer suas conclusões entre o dito e o não dito. De acordo com Santos (2007), gêneros textuais são os vários tipos de textos encontrados em diferentes ambientes de discurso na sociedade. Diversos fatores sócio- 259 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 culturais ajudam a reconhecer os gêneros e a determinar qual gênero deve ser usado no instante mais apropriado à situação, seja na escrita ou oralidade. Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vagapara referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativasdefinidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI apud SANTOS, 2007, p 2-3). A charge ganhou versão eletrônica, assim como os diversos gêneros textuais. Existem sites na internet que as publicam semanalmente, o público pode assisti-la on-line ou baixá-la e vê-la quando desejar. Porém, como todo gênero textual que ganha uma versão eletrônica, a charge animada é mais interativa e divertida, pois quando as personagens reais são retratadas nela, as vozes, os gestos são igualmente representados. Músicas e efeitos sonoros são incorporados e a animação ajuda ao expectador a fazer uma melhor interpretação dos acontecimentos. Mas ainda assim, é preciso que se faça a leitura entre o dito e o não-dito na charge, pois da mesma forma, a charge animada requer que o expectador saiba o fato político-social a que a charge faz analogia. (SANTOS, 2007, p.8) Encontra-se na internet novas formas de escrita e leitura, diferente da convencional, usa-se uma nova linguagem, leitor e escritor estão diante de novas formas de produção e compreensão textual. Leitura e escrita são feitas de maneira diferente e peculiar com características próprias. Suporte As charges eletrônicas têm como suporte a televisão e a internet (onde são publicadas), segundo Maingueneau (1996) apud Costa (2005), o suporte exerce uma função essencial na emergência e na estabilização de um gênero. Seguindo a evolução das produções mediáticas, a charge, caracterizada pela expressão na mídia impressa, obteve outras oportunidades. Análise das charges eletrônicas 260 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Ao tratar-se de um texto, seja ele escrito ou falado, é primordial que a mensagem por ele expressa seja de maneira clara, ou seja, que tenha sentido. Essa relação de sentido ou coerência dá-se por meio de recursos de coesão que “são representados pelos conectivos, os quais se manifestam por meio das preposições, conjunções, pronomes, advérbios e locuções adverbais e palavras denotativas”. (DUARTE, 2012, p.1) Nesse sentido, a análise dos textos das charges-okê Estudante canta: “Recomeçar” (Restart) e Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)”, conforme anexo, dar-se-ão por meio da relação de suas partículas de coesão que dão aos mesmos sua coerência. Eu sei que o Brasil não tá bem não No ranking mundial da educação E infelizmente não posso ajudar[...]” “[...]A educação tá ruim! E se o governo não mudar e se tocar De que tem que investir pra poder melhorar A história não tem fim! Não! (QUIRINO, 2010) O uso do conectivo “e” para ligar a oração anterior anuncia o desenvolvimento do discurso e não a repetição do que foi dito antes, dessa forma, nesses casos, indica uma progressão que adiciona, acrescenta o dado novo. Na charge Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)”, o pronome demonstrativo “desse” é um anafórico que retoma os danos que as más condições no âmbito educacional causam a toda população brasileira. Na ultima eleição meu candidato, Prometeu ouvir as queixas do professorado Dizendo que só a educação tiraria a população Desse atraso danado![...]. (QUIRINO, 2002) O conectivo “Só que” utilizado na charge em questão, estabelece relação de contradição ao que foi prometido pelos candidatos na última eleição. “[...] Só que depois não mudou nada: a mesma sala lotada! [...]”. [...]Ah, eu berrei! Ah, berrei! Ao ver no contracheque o salário chocante E humilhante que pagaram pra mim! Ah, eu berrei! Ah, berrei! Por ter que aguentar dentro da sala Um bando de aluno mala, ganhando mal assim! Ah, eu berrei! Ah, berrei! Aliás, berro todo dia[...](QUIRINO, 2002) 261 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 O conectivo “aliás” foi utilizado pelo chargista a fim de conferir mais credibilidade aos seus argumentos, reforçando-os juntamente à ideia final, portanto, além de ganhar mal, ainda é necessário usar um tom de voz muito alto para poder trabalhar. Situacionalidade A situacionalidade está ligada aos fatores que tornam o texto relevante perante um contexto sociocomunicativo. Na charge Estudante canta: “Recomeçar” (Restart), a situação é o ensino de má qualidade no Brasil e a falta de investimento do governo na educação. Já na charge Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)”, a situação, também, é o descaso do governo com a educação brasileira, porém, o foco é a desvalorização dos professores. Informatividade A informatividade diz respeito ao nível de novidade que cada um atribui ao texto e a suficiência de dados no texto. Na charge Recomeçar (Restart), o nível de informatividade é médio, pois contém um nível de informação bom, suficiente para o entendimento sobre o assunto "má qualidade do ensino no Brasil", mas não se tem muitas novidades, em virtude de ser um assunto já conhecido pela maioria das pessoas. Na charge Professores da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)”, o nível de informatividade também é médio, têm-se informações satisfatórias, mas não é um tema novo. Figura 1 - Estudante canta: “Recomeçar” (QUIRINO, 2010) 262 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Intertextualidade A primeira intertextualidade encontrada ao analisar as charges estudadas neste trabalho refere-se ao fato de tratar-se de duas charges-okê, conforme já explicitado anteriormente, estas usam de músicas bastante conhecidas em sua produção. A charge-okê Estudante canta: “Recomeçar” (Restart) usou a música Recomeçar interpretada pelo grupo Restart. Vale dizer que é necessário que o receptor conheça a música original para que a charge provoque todo o efeito esperado. Neste caso, conforme a Redação da Rede TV a Banda Restart “Com três discos e um DVD lançados em apenas quatro anos de carreira, o quarteto colorido é uma das bandas mais queridas do público jovem brasileiro.” (REDAÇÃO REDE TV, 2012), como as charges postadas no site “charges.com.br” criadas por Mauricio Ricardo também tem um grande público jovem, percebe-se que o entendimento da charge é alcançado pelo público. Do mesmo modo acontece com a charge-okê Professoras da Rede Pública que utilizou da música Ragatanga interpretada por um grupo musical chamado Rouge, “O Rouge foi formado em 2002 no programa “Popstars”, reality show apresentado no SBT” (SOUZA, 2011). De acordo com Moreira do Diário de S. Paulo: Atingir a marca de um milhão e 23 mil discos, 50 mil DVDs e 20 mil fitas VHS vendidos é o sonho de muitos artistas que há anos batalham no cenário musical brasileiro. [...] Tais marcas foram alcançadas, sobretudo, graças ao hit electro-latino "Ragatanga", que martelou as rádios sem parar ao longo de 2002. [...] (MOREIRA, 2003). Talvez se esta charge fosse produzida e postada hoje a intertextualidade não produziria o sentido desejado pelo chargista, já que nem todos poderiam lembrar-se do sucesso musical “Ragatanga” provocado entre os jovens em 2002, mas sabendo-se que esta charge-okê foi publicada no site em 22 de setembro do referido ano, época do sucesso musical, a intertextualidade produziu todo o sentido. Além disso, outros pontos de intertextualidade podem ser encontrados nas charges. A charge-okê Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)” intitulada possui a seguinte ilustração: 263 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Figura 4 - Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)” (QUIRINO, 2002) A partir desta figura pode-se chegar a algumas constatações sobre o “aluno mala” citado na charge. O tal aluno está portando armas, uma faca em sua cintura e uma arma de fogo no interior da mochila, objetos que jamais poderiam adentrar em uma escola levados por um aluno, mas, sabe-se que isto tem acontecido em muitas escolas brasileiras conforme se vê em noticiários jornalísticos. Vale ressaltar que a principal intertextualidade verificada nesta ilustração faz referência às letras “C” e “V” pintadas na parede que, possivelmente, está remetendo a sigla de uma facção criminosa conhecida como Comando Vermelho. Assim a intertextualidade proporciona a compreensão do texto através de um prévio conhecimento de outro. Intencionalidade Como já se sabe e também já foi citado neste trabalho este gênero textual busca realizar uma crítica social utilizando do humor para isso. Com base nisto pode-se dizer que em relação às charges analisadas neste trabalho as quais possuem como tema a educação, a charge-okê Estudante canta: “Recomeçar” representa uma crítica ao sistema educacional que permite que os alunos progridam nas séries, porém, sem realmente aprender o conteúdo, e o governo não realiza investimentos para mudar essa situação, assim o Brasil ocupa posições ruins no ranking mundial de educação. Nesta charge eletrônica o humor se faz presente, primeiramente, porque o chargista utiliza de um aluno para fazer a crítica em forma de paródia musical e este aluno tem as mesmas características dos intérpretes da música original, 264 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 ou seja, as roupas, acessórios, corte de cabelo, entre outros são imitações dos artistas da banda Restart. A outra charge eletrônica intitulada de Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)” também possui o tema educação, mas nesta o chargista utiliza da voz de professoras para fazer a crítica, também, em forma de paródia musical, nessa a crítica é sobre a situação dos professores que além de ter de driblar todos os problemas educacionais como salas lotadas, alunos indisciplinados, aprovar alunos que não dominam o conteúdo necessário, eles, ainda, ganham baixos salários. E o humor está caracterizado pela paródia da música Ragatanga do extinto grupo Rouge, na qual as personagens professoras dançam e cantam. Aceitabilidade O fator de aceitabilidade demonstra se determinado texto é bem aceito pelo seu público. Conforme a pesquisa realizada, referente às charges eletrônicas escolhidas para a análise deste trabalho Estudante canta: “Recomeçar” e “Ragatanga”, o nível de aceitabilidade, foi de grande importância, pois as charges publicadas no site: http://charges.uol.com.br/ receberam vários comentários interessantes, cujo público leitor deste gênero textual manifesta seu ponto de vista sobre o assunto abordado nas charges, assunto este que se refere a educação. O público comenta que apesar da charge “Ragatanga” ter sido produzida e publicada no ano de 2002, em 2012 o assunto abordado permanece atual e ainda não foi solucionado o problema ao qual o autor faz referência. Além disso, as charges são veiculadas nas redes sociais, e recebem curtidas no “facebook”. A charge “Ragatanga” recebeu 527 curtidas, e a “Recomeçar” 175 curtidas, existe uma diferença de curtidas entre as duas charges, que podem ser explicadas pela data da publicação. A primeira foi publicada em 2002, já a segunda em 2010, ano onde essa rede social já estava mais difundida no país, porém as duas foram bem aceitas pelo público, que estão insatisfeitos com a educação no Brasil. Considerações Finais De acordo com a pesquisa realizada nota-se que, os fatores de textualidade são um conjunto de características que fazem com que um texto se torne um texto, e não apenas uma 265 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 sequência de frases. Conclui-se que todos os fatores de textualidade são necessários para a elaboração de qualquer de texto. Referências BORGES, Ana Maria Ventura. A charge eletrônica e a formação do leitor. Disponível em :<http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/sell/article/view/5/4>. Acesso em 25 de agosto de 2012. COSTA, Sérgio Roberto. (Hiper) textos ciberespaciais: mutações do/no ler-escrever. In: Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 65, p.102-116, jan./abr. 2005. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 25 de agosto de 2012. DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Os conectivos como elementos de coesão – uma análise minuciosa. Disponível em: < http://www.portugues.com.br/redacao/os-conectivoscomo-elementos-coesao-uma-analise-minuciosa.html>. Acesso em 9 de setembro de 2012. FERREIRA, Marcos Rogério. Editorial animado na internet: visão crítica das notícias através do site charges.com.br. Disponível em: <http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteração>. Acesso em 25 de agosto de 2012. KOCH, Ingedore Villaça. Ler e Compreender:os sentidos do texto. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2007. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Coerência textual: um princípio de interpretabilidade. In: Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. KOCH, Ingedore G. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. KOCH, Ingedore G. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2001 MAGALHÃES, Amarildo Pinheiro. Sentido, História e Memória em Charges Eletrônicas do Governo Lula:Os Domínios do Interdiscurso. UEM (Dissertação de Mestrado), Maringá, 2006. MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antonio Carlos (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2010. MOREIRA, D. Rouge lança segundo CD e tenta repetir sucesso com o zouk. CULTURA. Diário de S. Paulo. 259. ed. 2003. Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG57362-6011,00%20ROUGE+LANCA+SEGUNDO+CD+E+TENTA+REPETIR+SUCESSO+COM+O+ZO UK.html>. Acesso em: 07 de setembro de 2012. 266 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 OLIVEIRA, Mariângela Rios. Linguística Textual. In: Manual de Linguística. Motta (org.). 1 ed. São Paulo: Contexto, 2010. REDAÇÃO REDETV. Restart vira livro com fotos e depoimentos inéditos. 2012. Disponível em: <http://www.redetv.com.br/estacaoteen/noticia/387083/restart-vira-livro-comfotos-e-depoimentos-ineditos.html>. Acesso em 07 de setembro de 2012. SANTOS, Everton Pereira. Gêneros textuais e o discurso das charges: um campo fértil de intertextualidade. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/generos-textuais-e-odiscurso-das-charges/2794/>. Acesso em 25 de agosto de 2012. SILVA, Maria de Fátima da; PRADOS, Rosália Maria Netto. Os subentendidos das charges. In: Revista Interfaces: ensino, pesquisa e extensão. Publicação NUPE-UNISUZ, ano 2, n. 2, p. 61-67, out. 2010. ISSN 2176-5227. SOUZA, A. C. Grupo Rouge, do hit ‘Ragatanga’, pode voltar: ‘A comoção dos fãs na internet dá uma mexida na gente’, conta Karin. TV e Lazer. 2011. Disponível em: <http://extra.globo.com/tv-e-lazer/grupo-rouge-do-hit-ragatanga-pode-voltar-comocao-dosfas-na-internet-da-uma-mexida-na-gente-conta-karin-3407154.html>. Acesso em 7 de setembro de 2012. QUIRINO, Maurício Ricardo. Estudante canta: “Recomeçar”. 2010. Disponível em:<http://charges.uol.com.br/2010/12/09/estudante-recomeçar/>. Acesso em 30 de junho de 2012. QUIRINO, Maurício Ricardo. Professoras da Rede Pública: “Asereje (Ou Ragatanga)”. 2002. Disponível em: <http://charges.uol.com.br/2002/09/22/professoras-da-rede-publica-asereje/>. Acesso em 30 de junho de 2012 Nem escrever,ver ,ver ANEXO Sem copiar Estudante canta: “Recomeçar” (Restart) A educação tá ruim! Eu sei que o Brasil não tá bem não E se o governo não mudar e se tocar No ranking mundial da educação De que tem que investir pra poder E infelizmente não posso ajudar. melhorar Gritos A história não tem fim! A escola me passou, eu não passei Não! As provas eu deixei em branco ou errei Foi maus! Não aprendi nem a colar. Pobre de mim Hoje eu mal sei, sei, sei Mal sei contar! 267 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Professoras da rede pública: “Asereje (ou Ragatanga)” Na ultima eleição meu candidato, Prometeu ouvir as queixas do professorado Dizendo que só a educação tiraria a população Desse atraso danado! Só que depois não mudou nada: a mesma sala lotada! Impossível não perder a paciência! E me mandaram aprovar analfabeto Como parte do projeto de acabar com a repetência! Que indecência! Vejam vocês No fim do mês Ah, eu berrei! Ah, berrei! Ao ver no contracheque o salário chocante E humilhante que pagaram pra mim! Ah, eu berrei! Ah, berrei! Por ter que aguentar dentro da sala Um bando de aluno mala, ganhando mal assim! Ah, eu berrei! Ah, berrei! Aliás, berro todo dia Senão, nessa grande anarquia, ninguém liga pra mim 268 Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Para citar este artigo: BOZA, Michele Tinonin et al. As charges eletrônicas e sua textualidade: uma análise via linguística textual. In: IX SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS Estudos Linguísticos e Literários. 2012. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2012. ISSN – 18089216. p. 253-269. 269