Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 CHARGES ELETRÔNICAS: SOM, ANIMAÇÃO, HUMOR E CRÍTICAS Larissa Fávaro de Oliveira Souza Camila Aparecida Baptista (G - CLCA - UENP/CJ) Vera Maria Ramos Pinto (Orientadora - CLCA - UENP/CJ) Introdução Inserida em meios de comunicação como jornais e revistas, a charge é um estilo de ilustração que utiliza a caricatura com o objetivo de humorizar e criticar situações atuais dos meios esportivo, cotidiano e, principalmente, político. As charges foram criadas no início do século XIX por opositores ao governo da época, criando assim, uma forma inusitada de fazer críticas aos políticos. Apesar de terem sido perseguidos pelos impérios e pelos governos, os chargistas resistiram e as charges espalharam-se mundialmente. Com a modernidade e o avanço da tecnologia, foram criadas as charges eletrônicas que circulam na TV e na Internet. Alguns dos chargistas conhecidos no Brasil são Rondinelli Gonzalez, Moisés dos Martírios Barros, Eduardo dos Reis Evangelista, o Duke, e o mais famoso, Maurício Ricardo, dono do charges.com.br, o site mais visitado do gênero. Neste artigo, iremos analisar o discurso contido em charges eletrônicas de Maurício Ricardo a fim de investigar a ideologia expressa pelo chargista, seja ela implícita ou explícita, no contexto sócio-histórico em que foram produzidas, sob concepções da Análise do Discurso francesa. Análise de Discurso A Análise de Discurso concebe o discurso como o mediador e busca verificar as condições que permitiram o seu aparecimento. Não é o questionamento “o que o texto quer dizer” (maneira tradicional de abordagem de texto), mas “como o texto significa” e “por que tomou esse sentido e não outro” que interessam, pois a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de 327 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 sentido enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade (ORLANDI, 2005, p.15-16). A produção do discurso acontece por meio da linguagem, onde se dá a materialização da ideologia. É, também, por meio da linguagem que os sujeitos se constituem e interagem. Ainda, de acordo com Orlandi (2005), na produção do discurso, é importante observar alguns fatores que o constituem e que fazem parte da exterioridade linguística, que podem ser agrupadas em condições de produção em sentido restrito, que são as circunstâncias de enunciação, o contexto imediato e, em sentido amplo, o contexto sócio-histórico-ideológico. O gênero charge De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1999), charge é representação pictórica, ou seja, uma imagem produzida que utiliza técnicas de fotografia, desenho, pintura, gravura, ou outras artes visuais. Tem caráter burlesco e caricatural, pois satiriza um fato específico, em geral de caráter político e que é de conhecimento público. Em outras palavras a charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. O termo é de origem francesa e significa carga, ou seja, exagero de traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco. No Brasil, as charges são muito utilizadas em críticas políticas. Com os avanços da tecnologia, vivendo em tempos midiáticos, deparamo-nos, com as charges eletrônicas, objeto de análise neste artigo. A charge eletrônica está fora dos veículos de comunicação da mídia impressa, sendo comumente veiculada no espaço virtual da Internet e da televisão. No Dicionário de Comunicação de Rabaça e Barbosa (1997), encontramos a seguinte definição de charge eletrônica: “ um cartum para televisão, com efeitos de animação, geralmente produzido por meio de computador gráfico, ou através de técnicas tradicionais de desenhos animados, animated captions etc.”. 328 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Desse modo, entendemos que a charge eletrônica tem características da charge comum, mas com acréscimo de som, às vezes com legenda (a legenda é opcional), e sequência de imagens com animação gráfica. Gurgel (2003) aponta que uma característica que a charge eletrônica mantém em relação à tradicional é a conjugação que o autor da charge faz com elementos díspares, ao figurar a autoridade e destroná-la e ao apontar a ordem instituída pelo reverso da sua aparência séria, provocando o riso. Logo o humor está presente também nas charges eletrônicas. Assim, para entendermos a mensagem de uma charge, é preciso ter uma noção mínima sobre conhecimento linguístico, isto é, conhecimento gramatical e lexical; conhecimento enciclopédico e de mundo, ou seja, conhecimentos sobre livros, história e conhecimentos gerais sobre o que acontece no mundo: política, sociedade, esportes, mídia; conhecimento empírico, adquirido por meio de experiências não científicas, segundo Koch e Elias (2006). Neste trabalho, apresentamos análise de charges eletrônicas – que foram exibidas na íntegra na exposição do pôster digital do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – com base teórica na A. D. francesa, fazendo as seguintes perguntas: Quem diz o que diz?: para conhecermos o autor da charge; Quando diz o que diz?: para sabermos a data em que a charge foi publicada; Como diz o que diz?: para sabermos quais recursos o chargista usou: imagem, som, cores; Para quem diz o que diz?: para sabermos qual público o chargista quer atingir: empresários, políticos, críticos, estudantes universitários, leitores de jornais, donasde-casa etc. Por que diz o que diz: o objetivo do chargista: expressar seu ponto de vista acerca de uma polêmica; criticar alguma instituição; criticar a mídia etc. Análise das charges Charge 1: “Questão pedagógica” 329 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Fonte www.charges.com.br Esta charge tem como personagem uma diretora de uma escola pública debatendo com uma professora de Matemática sobre o baixo índice de aprendizagem na disciplina que os alunos saem do ensino médio. A professora, para atender às exigências da diretora, muda sua estratégia de ensino na sala de aula, passando a usar a linguagem do cotidiano de seus alunos, o que os faz compreender melhor a matéria que antes tinham dificuldade. Seguindo a perspectiva da AD, questiona-se: Quem diz o que diz? O chargista, Maurício Ricardo. Quando diz o que diz? Em 05 de setembro de 2011. Como diz o que diz? Por meio de animação: imagem, som. Para quem diz o que diz? Internautas, visitantes do site. Por que diz o que diz?: Para criticar a grande distância entre o discurso pedagógico das instituições que cuidam da educação no Brasil e a dura realidade da maioria das escolas públicas de periferias das grandes cidades. 330 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Charge 2: “Descontente a mãe gentil” Fonte www.charges.com.br Nesta charge, há uma crítica à atual presidente do país, Dilma Rousseff, por receber de volta, às vésperas do feriado de sete de setembro, José Dirceu e Delúbio Soares, ex-membros de seu partido político - Partido dos Trabalhadores – que participaram do Mensalão, o maior escândalo envolvendo compra de votos de parlamentares em 2005. Quem diz o que diz? O chargista, Maurício Ricardo. Quando diz o que diz? Em 07 de setembro de 2011. Como diz o que diz? Por meio de animação: imagem, som. Para quem diz o que diz?: internautas, visitantes de seu site. Por que diz o que diz?: Criticar o governo Dilma pela volta de Delúbio Soares e Zé Dirceu ao partido, uma vez que os dois já haviam sido exonerados de seus cargos. 331 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Charge 3: “Aqui dentro, não” Fonte www.charges.com.br Na charge acima, o autor critica a proibição do uso de telefones celulares dentro das agências bancárias, o mais novo método, na época, utilizado pelos banqueiros para tentar impedir o roubo de clientes ao saírem dos bancos. Quem diz o que diz? O chargista, Maurício Ricardo; Quando diz o que diz? Em 02 de setembro de 2011; Como diz o que diz? Por meio de animação: imagem, som; Para quem diz o que diz? Internautas, visitantes de seu site. Por que diz o que diz? Para fazer uma crítica ao novo método utilizado por bancos de São Paulo (capital): proibir o uso de telefones celulares dentro das agências, a fim de impedir que supostos assaltantes deem informações aos comparsas do lado de fora dos bancos e esses saibam quem está saindo com dinheiro, assaltando-os. Porém, esse método não é totalmente eficiente, pois fere os direitos das pessoas uma vez que estão em locais públicos. 332 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Charge 4: “Se virando como dá” – Fonte www.charges.com.br A charge cujo título é “ Se virando como dá” faz crítica à Secretaria de Saúde pelas péssimas condições em que médicos e enfermeiros trabalham em um certo hospital de João Pessoa, estado da Paraíba. Neste hospital, por falta de equipamentos específicos, os médicos estavam usando furadeiras de marceneiros para fazerem cirurgias cerebrais nos pacientes. Quem diz o que diz? O chargista, Maurício Ricardo; Quando diz o que diz? Em 12 de setembro de 2011; Como diz o que diz? Por meio de animação: imagem, som; Para quem diz o que diz? Internautas, visitantes de seu site. Por que diz o que diz? Para criticar a falta de investimento nos hospitais públicos e o descaso e a falta de respeito que são tratados os pacientes do SUS – Sistema Único de Saúde do Brasil. Considerações finais 333 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 O trabalho de leitura e interpretação de charges eletrônicas embasado pela Análise de Discurso (AD) pode proporcionar ao aluno uma leitura mais atenta, levando-o, entre outras análises, a perceberem que as palavras, as imagens animadas e o som podem ter significados diferentes, dependendo do lugar em que são empregadas. Além disso, é possível perceber que há um jogo de representação social no qual as pessoas apresentam (agem) conforme a classe social a que pertencem ou seus interesses, pois, além do dito, o não dito também se faz presente no texto e significa. Desse modo, por meio da AD, é possível desvendar a ideologia presente no texto e refletir criticamente sobre ela, e isso faz com que quem lê perceba que ler não é apenas reproduzir, mas construir significados e sentidos. Referências FERREIRA, Aurélio Buarque de H. (Ed.). Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1999. GURGEL, Nair. A charge numa perspectiva discursiva. Disponível em: http://www. primeiraversão.unir,. br/ artigo 135. html. > Acesso em: 08/09/2011. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Cortez, 2006. MUSSALIM & BENTES. Análise de Discurso. In: MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Christina. 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Disponível em: http://charges.com.br > Acesso em: 08/09/2011. 334 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 _________.Se virando como dá. Disponível em: http://charges.com.br > Acesso em: 08/09/2011. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. Ática, São Paulo, 1987. Para citar este artigo: SOUZA Larissa Fávaro de Oliveira; BAPTISTA, Camila Aparecida. Charges eletrônicas: som, animação, humor e críticas. In: VIII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2011. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2011. ISSN – 18089216. p. 327 – 335. 335