A Lipodistrofia na vida das pessoas seropositivas O tratamento das pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (VIH) tem tido um enorme sucesso. No entanto desde 1996, quando do aparecimento das novas terapêuticas (HAART - Highly Active Anti-retroviral Therapies /Terapias Anti-retrovirais de Alta Eficácia), muitas das sequelas têm aparecido levando a alterações morfológicas que incluem lipodistrofia periperal (perda de gordura subcutânea na face, membros superiores e inferiores e nádegas) e acumulação de gordura (na região intra-abominal, tronco, seios, pescoço e lipomas subcutâneos) ou, por vezes, de forma mista, com alterações metabólicas ao nível da dislipidémia e metabolismo da glucose. No que concerne ao aspecto clínico, o mais relevante destas condições é o acentuado risco cardiovascular e a percepção da pessoa da sua condição de desfiguração e estigmatização, que é tida como uma erosão da imagem corporal, que torna público o seu estatuto serológico de VIH positivo. Em Portugal já alguns clínicos tomam cuidados relativamente a estes efeitos colaterais da terapêutica, adequando medicação com menor efeito na alteração metabólica e alterando a mesma, quando necessário. No entanto alguns de nós, por tomarmos há muito tempo, necessitamos de intervenções cirúrgicas para retirar o excesso de gordura, já que a acumulação da mesma na zona intra-abdominal e na zona cervical são em tal proporção que a mesma toma formas evidentes e visíveis. Necessitamos também de repor algo que nos faça voltar a ter um aspecto nemos estigmatizante, como no caso da lipoatrofia facial que conduz a uma diminuição acentuada da gordura nas bochechas. Qualquer uma destas situações tem um efeito negativo na qualidade de vida e na imagem corporal, levando a que se esconda o corpo com uso de roupas mais largas, ou no caso da face, que não podemos encobrir, a diminuir a nossa vida social. Vários estudos (1) identificam que as pessoas com esta problemática se sentem desconfortáveis na sua vida diária e social, já que se confrontam com as questões de amigos, familiares e colegas de trabalho, sobre a razão das alterações morfológicas visíveis, em especial a lipoatrofia facial. A necessidade de intervenções cirúrgicas de remoção de gordura (através de lipoaspiração) ou da reconstrução facial, recorrendo a implementação de produtos, é da maior premência, para estas pessoas poderem-se manter activas na sua vida quotidiana, no meio laboral e social. 1 A dificuldade em se fazer intervenções cirúrgicas de remoção de gordura (lipoaspiração) tem sido negada sobre pretexto de que esta cirurgia é uma questão estética, considerada como “vaidade pessoal”, não se tendo em conta os aspectos negativos que tal situação acarreta para as pessoas com lipodistrofia, na sua qualidade de vida, auto-estima e imagem corporal, a acrescentar o risco cardiovascular. Os cirurgiões plásticos da maioria dos hospitais públicos, onde as pessoas com VIH são seguidas clinicamente, têm relutância em fazer lipoaspiração alegando várias razões, desde a “vaidade estética”, ao medo de serem infectados durante a intervenção cirúrgica, menosprezando o mal-estar que as pessoas com lipodistrofia sentem. Mas, nem todos pensam assim e temos casos positivos de cirurgiões que compreendem esta problemática e fazem intervenções. O percurso para se ter acesso a esta cirurgia reconstrutiva passa por ter acesso a uma consulta na especialidade de Cirurgia Plástica, mas muitos destes especialistas minizam a situação do doente e na maioria das vezes nem os inserem nas listas de cirurgia plástica, que se poderá fazer em outros locais, como no Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Entroncamento, entre outros. A intervenção cirurgia na face, com técnicas correctivas, através da aplicação de produtos como a Sculptra (New-Fill) e a Bioalcamid, já utilizada em várias destas pessoas, resultou numa melhoria da sua auto-estima, muito embora sejam poucos os que a ela tiveram acesso, já que estes produtos não são comparticipados pelo estado. É por demais importante que o Ministério da Saúde e quem de direito, reconheça que estas intervenções cirúrgicas reconstrutivas, são necessárias e prementes para as pessoas que têm esta problemática, como se actua para a terapêutica anti-retroviral, já que ao manter e melhorar a sua qualidade de vida quotidiana, possibilitam que conservem a sua actividade profissional e contribuam para a sociedade activamente. Existem, na Europa dos 27, boas práticas nesta situação, onde os serviços públicos de saúde asseguram, graciosamente aos seus utentes, as intervenções cirúrgicas reconstrutivas. Em Itália, na Universidade de Modena e Reggia Emilia, existe uma Clínica Metabólica, dirigida pelo Professor Giovanni Guaraldi, que tem uma consulta de atendimento personalizado e de referência para a Itália, na intervenção cirúrgica reconstrutiva das pessoas com esta problemática de lipodistrofia. 2 A Clínica Metabólica, recebe os seus pacientes, que são avaliados por um grupo multidisciplinar, que consiste num médico de doenças infecciosas, nutricionistas, um personal trainer para actividades físicas, psicólogos e cirurgiões plásticos. Os pacientes são avaliados segundo objectivos que incluem a medição do colesterol total, do LDL, triglicéridos, glucose sanguínea, medição da massa corporal, medição circunferencial do peito, do ventre, das pernas e braços, bem como a medição da gordura da face através de um medidor de frequência ultrasónica. Inclui avaliação DEXA do corpo, gordura das pernas e massa corporal, uma avaliação da adiposidade visceral abdominal e subcutânea. São também tidos em conta todos os potenciais factores de risco cardiovascular, incluindo a dislipidémia, resistência à insulina, hipertensão, ser ou não fumador, estilo de vida (sedentário ou não) e o peso. Os resultados obtidos mostram que os pacientes que sofreram intervenções cirúrgicas reconstrutivas, apresentam uma melhor satisfação da sua imagem corporal, maior auto- estima, menos depressões e mais hábitos de convivência social e regresso ao trabalho. Também há que ter em conta que muitas pessoas portadoras de VIH se recusam a tomar as terapêuticas anti-retrovirais, devido ao facto de já conhecerem estas sequelas da lipodistrofia e não pretenderem ter no seu corpo alterações metabólicas, elevando assim as despesas em saúde pública do seu tratamento posteriormente, outros pura e simplesmente quando se confrontam com o início das alterações interrompem o tratamento até aí seguido. É importante que quem decide no nosso País, sobre saúde e tratamentos, tenha em conta que esta situação já abrange um elevado número de pessoas portadoras de VIH, e fomente a criação de um centro de referência, onde as pessoas tivessem acesso a esta cirurgia reconstrutiva, ou criar condições nos vários hospitais públicos que têm consultas de imunodepressão e de cirurgia plástica, bem como criar clínicas metabólicas, à semelhança de Itália, onde as pessoas com lipodistrofia possam ter acesso à cirurgia reconstrutiva e a outros tratamentos. 3