Avaliação dos efectivos populacionais de botos e golfinhos e do impacto
das capturas acidentais no Atlântico Europeu
As baleias, os golfinhos e os botos (conhecidos globalmente como “cetáceos”) têm uma ampla distribuição nos
mares Europeus. Uma das principais ameaças aos golfinhos (pequenos cetáceos) nesta área é a captura
acidental em redes de pesca, sendo o golfinho comum e o boto as duas espécies mais afectadas por este
problema. A União Europeia reconheceu as capturas acidentais como um sério problema à conservação
destas espécies, pelo que os Estados Membros são chamados a implementarem medidas de conservação
apropriadas.
Uma correcta avaliação do efeito das capturas acidentais exige um
conhecimento do número de animais que são capturados, bem como o
tamanho da população afectada. As primeiras estimativas de abundância de
botos foram realizadas em 1994 pelo projecto SCANS (Abundância de
Pequenos Cetáceos no Mar do Norte e zonas adjacentes). Em 2004 estas
estimativas necessitavam de ser actualizadas, pelo que se deu início ao
projecto SCANS-II (Pequenos Cetáceos no Atlântico Europeu e no Mar do
Norte), com o apoio do programa LIFE-Natureza e de 12 governos europeus. O
SCANS-II monitorizou a plataforma continental europeia e o Mar do Norte
(Figura 1).
Em Julho de 2005 o projecto SCANS-II estimou a abundância de várias espécies de pequenos cetáceos
através da realização de censos, utilizando barcos e aviões. Uma vez que estes censos em larga escala não
se podem realizar regularmente, as populações necessitam de ser monitorizadas durante o intervalo de tempo
que decorre entre 2 campanhas consecutivas de censos. Deste modo, o SCANS-II comparou e recomendou
diferentes metodologias que poderão ser utilizadas na monitorização de populações de cetáceos durante esse
intervalo de tempo. O projecto desenvolveu igualmente uma ferramenta informática que permite determinar
limites seguros para as capturas acidentais para uma determinada espécie, tendo em consideração a
incerteza existente relativamente ao conhecimento destes animais e do ambiente em que vivem.
A metodologia básica de censos seguida durante o SCANS-II para estimar a abundância de cetáceos é
conhecida como amostragem em transecto linear. O método foi actualizado de modo a ter em consideração o
facto de que nem todos os animais serão vistos pelos observadores nos barcos ou aviões, (uma vez que
poderão estar debaixo de água ou não ser detectados), e que algumas espécies reagem à aproximação dos
navios: ambas as situações causam um enviesamento nas estimativas de abundâncias finais. Para além dos
censos visuais, todos os navios levaram a reboque um hidrofone, de modo a que as emissões sonoras (clics)
produzidas pelos botos e os assobios de outras espécies pudessem ser registadas. Esta informação
complementou os avistamentos registados pelos observadores.
Os resultados do censo mostraram que o boto foi a espécie mais
observada. A sua abundância em toda a área prospectada foi
estimada em 386.000 animais. Considerando um intervalo de
confiança de 95%, o número real situa-se entre 260.000 e
570.000 animais. Considerando apenas a área prospectada em
1994 durante o projecto SCANS (Mar do Norte e zonas
adjacentes) a estimativa obtida em 2005 foi de 335.000 animais,
valor muito semelhante à estimativa de 341.000 animais
presentes em 1994, o que indica não existirem evidências de
alterações na dimensão da população entre 1994 e 2005. No
entanto, foram observadas grandes alterações na distribuição dos
botos entre 1994 e 2005. Em 1994 os botos distribuíam-se
preferencialmente em áreas localizadas a nordeste da costa do
reino Unido e águas em redor da Dinamarca. Em 2005, a
principal zona de concentração deslocou-se para sul do Mar do
Norte, não sendo claras as razões para esta alteração na
distribuição. São vários os factores que influenciam a distribuição
dos botos, sendo o mais importante a disponibilidade de alimento.
Alterações na distribuição e abundância das suas presas
preferidas podem ter ocasionado uma redistribuição dos botos, de
modo a seguirem as presas ou em busca de novas espécies de
presas. Foi igualmente estimada a abundância de outras
espécies de cetáceos, incluindo o roaz (12.600 animais) e o
golfinho comum (63.400 animais).
Figura 1 – Área coberta pelo censo do Projecto
SCANS-II. (brown area) : censos aéreos
(yellow area): censos com barcos, (orange
area): censos na costa polaca, (dotted line):
limite da plataforma continental (200 m
A metodologia mais correcta para monitorizar pequenos cetáceos depende das questões que necessitam de
ser respondidas (os objectivos da monitorização), a espécie-alvo, os recursos disponíveis, questões práticas e
logísticas, e a dimensão da área a monitorizar. No projecto SCANS-II aproveitou-se a realização do censo
para recolher dados que permitissem comparar várias metodologias de monitorização. Foi realizada uma
análise para avaliar a eficácia de distintas metodologias na detecção de variações de determinada magnitude
ao longo de um determinado período de tempo. Adicionalmente, foi efectuada uma análise custo - benefício
relativamente aos métodos mais eficazes para a obtenção de um determinado resultado. Os resultados destas
análises permitirão aos Estados Membros da UE tomar as melhores decisões, a nível colectivo, sobre o modo
como monitorizar populações de pequenos cetáceos no futuro.
Apesar de o boto ser uma espécie numerosa em águas europeias, as capturas
acidentais continuam a remover anualmente centenas de animais. Apesar de o
objectivo global ser o da redução das capturas acidentais até níveis próximos de
zero, a realidade é que o esforço de pesca se mantém e é importante conhecer os
limites a partir dos quais os níveis de capturas acidentais começam a tornar-se
preocupantes. O projecto SCANS-II desenvolveu uma ferramenta informática que
permite determinar esses limites para uma determinada espécie, mesmo na
presença de incertezas sobre o conhecimento das populações e o ambiente
marinho em que vivem.
Apesar de ser um trabalho essencialmente técnico, é possível dizer, com algum grau de confiança, qual o
número limite de botos que podem ser acidentalmente capturados sem que a população sofra um impacto
negativo a longo termo. Os quantitativos reais dependem de um conjunto de factores que incluem, em primeiro
lugar, um conhecimento dos objectivos de conservação. Um dos objectivos assumido foi o de que as
populações seriam capazes de recuperar e/ou manter-se a 80% do tamanho da população, assumindo um
cenário de ausência de capturas acidentais. Assumindo um determinado conjunto de condições concluiu-se
que os limites seguros para as capturas acidentais variam entre 0% e 1,5% da abundância, dependendo da
confiança existente sobre o conhecimento disponível.
A ferramenta desenvolvida pelo projecto SCANS-II pode também ser adaptada para outras espécies. O
golfinho comum, por exemplo, é capturado acidentalmente por arrastos pelágicos e outras artes de pesca, e
quando informação adicional sobre abundância da espécie estiver disponível para regiões oceânicas, será
possível avaliar a importância desta ameaça para as populações de golfinho comum.
Os resultados do projecto SCANS-II necessitam de ser disponibilizados a quem deles necessita: cientistas e
responsáveis pela elaboração e implementação de políticas de conservação e de pescas. Os resultados serão
disponibilizados a legisladores e gestores em vários países europeus, bem como à Comissão Europeia,
juntamente com a mensagem de que os resultados obtidos beneficiarão a conservação das populações
europeias de cetáceos.
Pretende-se igualmente partilhar estes resultados com outras individualidades não-especialistas, o que pode
ser conseguido através da página http://biology.st-andrews.ac.uk/scans2/, que fornece informação adicional
sobre o projecto, desde o seu início até à sua finalização.
Participantes no SCANS-II
O projecto foi coordenado pela Universidade de St. Andrews (Reino Unido). Parceiros do projecto: Instituto
Nacional de Investigação Ambiental (Dinamarca), Universidade de La Rochelle (França), Universidade
Christian Albrechtus de Kiel (Alemanha), Universidade de Cork (Irlanda), Ministério da Agricultura,
Natureza e Qualidade Alimentar (Holanda), Universidade de Gdansk (Polónia), Instituto da Conservação
da Natureza (Portugal), Sociedade Espanhola de Cetáceos (Espanha), Comité para a Conservação da
Natureza (Reino Unido). Entidades subcontratadas: Conservation Research Ltd (Reino Unido), Instituto
Hidrográfico Dinamarquês (Dinamarca), Centro Fjord e Baelt (Dinamarca), GDNatureza (Dinamarca),
Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal (Reino Unido) Universidade de Estocolmo (Suécia). O
projecto foi co-financiado por: Agência Dinamarquesa para a Floresta e Natureza (Dinamarca), Ministério
da Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável (França), Ministério Federal para o Ambiente,
Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (Alemanha), Serviço Nacional de Parques e Vida
Selvagem (Irlanda), Instituto da Conservação da Natureza (Portugal), Ministério das Pescas (Espanha),
Agência de Protecção Ambiental Sueca (Suécia) e Departamento de Ambiente, Alimentação e Assuntos
Rurais (Reino Unido).
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