Os meios da justificação: a fé
Visto que a lei não pode justificá-lo, a única esperança do homem é
receber "justiça sem lei" (isto, entretanto, não significa injustiça ilegal, nem
tampouco religião que permita o pecado; significa sim, uma mudança de
posição e condição). Essa é a "justiça de Deus", isto é, a justiça que Deus
concede, sendo também um dom, pois o homem é incapaz de operar a justiça.
(Efés. 2:8-10.)
Mas um dom tem que ser aceito. Como, então, será aceito o dom da
justiça? Ou, usando a linguagem teológica: qual é o instrumento que se
apropria da justiça de Cristo? A resposta é: "pela fé em Jesus Cristo." A fé é a
mão, por assim dizer, que recebe o que Deus oferece. Que essa fé é a causa
instrumental da justificação prova-se pelas seguintes referências: Rom. 3:22;
4: 11; 9:30; Heb. 11:7; Fil. 3:9.
Os méritos de Cristo são comunicados e seu interesse salvador é
assegurado por certos meios. Esses meios necessariamente são estabelecidos
por Deus e somente ele os distribui. Esses meios são a fé — o princípio único
que a graça de Deus usa para restaurar-nos à sua imagem e ao seu favor.
Nascida, como é, no pecado, herdeira da miséria, a alma carece duma
transformação radical, tanto por dentro como por fora; tanto diante de Deus
como diante de si própria. A transformação diante de Deus denomina-se
justificação; a transformação interna espiritual que se segue, chama-se
regeneração pelo Espírito Santo. Esta fé é despertada no homem pela
influência do Espírito Santo, geralmente em
conexão com a Palavra. A fé lança mão da promessa divina e apropria-se
da salvação. Ela conduz a alma ao descanso em Cristo como Salvador e
Sacrifício pelos pecados; concede paz à consciência e dá esperança
consoladora do céu. Sendo essa fé viva e de natureza espiritual, e cheia de
gratidão para com Cristo, ela é rica em boas obras de toda espécie.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é
dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efés. 2:8,9). O
homem nenhuma coisa possuía com que comprar sua justificação. Deus não
podia condescender em aceitar o que o homem oferecia; o homem também não
tinha capacidade para cumprir a exigência divina. Então Deus graciosamente
salvou o homem, sem pagar este coisa alguma —"gratuitamente pela sua
graça" (Rom. 3:24). Essa graça gratuita é recebida pela fé. Não existe mérito
nessa fé, como não cabem elogios ao mendigo que estende a mão para receber
uma esmola. Esse método fere a dignidade do homem, mas perante Deus, o
homem decaído não tem mais dignidade; o homem não tem possibilidades de
acumular bondade suficiente para adquirir a sua salvação. "Nenhuma carne
será justificada diante dele pelas obras da lei" (Rom. 3:20).
A doutrina da justificação pela graça de Deus, mediante a fé do homem,
remove dois perigos: primeiro, o orgulho de autojustiça e de auto-esforço;
segundo, o medo de que a pessoa seja fraca demais para conseguir a salvação.
Se a fé em si não é meritória, representando apenas a mão que se
estende para receber a livre graça de Deus, que é então que lhe dá poder, e
que garantia oferece ela à pessoa que recebeu esse dom gratuito, de que viverá
uma vida de justiça? Importante e poderosa é a fé porque ela une a alma a
Cristo, e é justamente nessa união que se descobre o motivo e o poder para a
vida de justiça. "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos
revestistes de Cristo"(Gál. 3:27). "E os que são de Cristo crucificaram a carne
com as suas paixões e concupiscências" (Gál. 5:24).
A fé não só recebe passivamente mas também usa de modo ativo aquilo
que Deus concede. É assunto próprio do coração (Rom. 10:9,10; vide Mat.
15:19; Prov. 4:23), e quem crê com o coração, crê também com suas emoções,
afeições e seus desejos, ao aceitar a oferta divina da salvação. Pela fé, Cristo
mora no coração (Efés. 3:17). A fé opera pelo amor (a "obra da fé"... 1Tess.
1:3), isto é, representa um princípio enérgico, bem como uma atitude
receptiva. A fé, por conseguinte, é poderoso motivo para a obediência e para
todas as boas obras. A fé envolve a vontade e está ligada a todas as boas
escolhas e ações, pois "tudo que não é de fé é pecado" (Rom. 14:23).Ela inclui
a escolha e a busca da verdade (2 Tess. 2:12) e implica sujeição à justiça de
Deus (Rom. 10:3).
O que se segue representa o ensino bíblico concernente à relação entre fé
e obras. A fé se opõe às obras quando por obras entendemos boas obras que a
pessoa faz com o intuito de merecer a salvação. (Gál. 3:11.) Entretanto, uma fé
viva produzirá obras (Tia. 2:26), tal qual uma árvore viva produzirá frutos. A fé
é justificada e aprovada pelas obras (Tia. 2:18), assim como o estado de saúde
das raízes duma boa árvore é indicado pelos frutos. A fé se aperfeiçoa pelas
obras (Tia. 2:22), assim como a flor se completa ao desabrochar. Em breves
palavras, as obras são o resultado da fé, a prova da fé, e a consumação da fé.
Imagina-se que haja contradição entre os ensinos de Paulo e de Tiago. O
primeiro, aparentemente, teria ensinado que a pessoa é justificada pela fé, o
último que ela é justificada pelas obras. (Vide Rom. 3:20 e Tia. 2:14-16.)
Contudo, uma compreensão do sentido em que eles empregaram os termos,
rapidamente fará desvanecer a suposta dificuldade. Paulo está recomendando
uma fé viva que confia somente no Senhor; Tiago está denunciado uma fé
morta e formal que representa, apenas, um consentimento mental. Paulo está
rejeitando as obras mortas da lei, ou obras sem fé; Tiago está louvando as
obras vivas que demonstram a vitalidade da fé. A justificação mencionada por
Paulo refere-se ao início da vida cristã; Tiago usa a palavra com o significado
de vida de obediência e santidade como evidência exterior da salvação. Paulo
está combatendo o legalismo, ou a confiança nas obras como meio de
salvação; Tiago está combatendo antinomianismo, ou seja, o ensino de que
não importa qual seja a conduta da pessoa, uma vez que creia. Paulo e Tiago
não são soldados lutando entre si; são soldados da mesma linha de combate,
cada qual enfrentando inimigos que os atacam de direções opostas.
Editora Vida, 2006
ISBN 8573671440
Título original: Knowing the Doctrines of the Bible
Tradução: Lawrence Olson
Reeditado por SusanaCap, a partir de arquivo txt encontrado na web. *
Agradecimentos ao Dumane pela digitalização do Cap.VIII, que faltava.
* Obs.: Algumas referências bíblicas estavam ilegíveis e não puderam ser recuperadas
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