Publicada no D.O.U. de 17/01/2002, Seção 1, página 106 CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - CNDRS RESOLUÇÃO N.º 26 DE 28 DE NOVEMBRO DE 2001 Dispõe sobre a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar, no âmbito do MDA. O Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CNDRS, no uso de suas atribuições, conferidas pelo Decreto nº 3.992, de 30 de outubro de 2001, e na vigência do Regimento Interno do CNDRS, de 02 de março de 2001, em seus Artigos 15 e 16, torna público que o Plenário do CNDRS, em Sessão realizada em 28 de novembro de 2001, RESOLVEU: Art. 1º Aprovar o documento Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultura Familiar no âmbito do MDA elaborado pela Câmara Técnica de Assistência Técnica, Extensão Rural, Pesquisa e Capacitação. Art. 2º Encaminhar o referido documento à Câmara de Fortalecimento da Agricultura Familiar para que elabore uma proposta de implementação da referida Política de Assistência Técnica e Extensão Rural a curto prazo, em 2002, e a médio prazo, em 2003. Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. RAUL BELENS JUNGMANN PINTO Presidente Publicado no D.O.U. de 17/01/2002, Seção 1, páginas 106/108 ANEXO POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA AGRICULTURA FAMILIAR NO ÂMBITO DO MDA I – APRESENTAÇÃO II – ANTECEDENTES E RESGATE HISTÓRICO III – ALGUNS DADOS SOBRE A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL IV – PROPOSTA DE ATER PARA A AGRICULTURA FAMILIAR 1. Missão da Assistência Técnica e Extensão Rural 2. Público e Abrangência 3. Operacionalização 3.1 Princípios Pedagógicos 3.1.1 Enfoques Sistêmico e Holístico 3.1.2 Diretrizes 3.1.3 Aspectos Conceituais 3.2 Dos Executores de ATER 3.3 Sistema de Monitoria e Avaliação I – APRESENTAÇÃO Ao longo das ultimas décadas, as instituições oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER – vêm experimentando sensível mudança, adaptando-se à realidade imposta pelas transformações que ocorrem na sociedade em que estão inseridas. O modelo convencional de Extensão Rural pública, exclusivamente estatal, uniforme para todo o país, apesar das diferenças regionais, tem dado mostras de esgotamento, assim como está evidenciado o esgotamento do modelo de desenvolvimento rural e agrícola que foi dominante no período do pós-guerra. Em 1997 por iniciativa da ASBRAER, FASER e CONTAG, foi elaborada uma proposta – Uma Nova Assistência Técnica e Extensão Rural Centrada na Agricultura Familiar- para construção de uma nova Extensão Rural. O processo de construção da proposta com debate nas 27 unidades da federação, envolveu trabalhadores da extensão rural, movimentos sociais representativos de agricultores familiares, sindicalistas, universidades e ONG’s. A implementação dessa nova ATER porém, tem se dado de maneira desuniforme e diferenciada no país como um todo, mas certamente sem a velocidade que as transformações ambientais exigem. A proposta propriamente dita, baseada no documento acima citado e em algumas experiências em andamento em diferentes regiões, tem como principal desafio a sua efetiva implementação. Procura nortear as ações de assistência técnica e extensão rural a serem apoiadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e propõe uma operacionalização que procura comportar as diferenças regionais e permite a diversidade de experiências orientadas pelas diretrizes estratégicas e eixo pedagógico da Política Nacional de ATER. Uma nova política de ATER não pode, estar inteiramente orientada por mecanismos de livre mercado, onde os agricultores familiares escolham individualmente ou em grupo a empresa executora que mais lhe convier, mesmo porque, para algumas áreas, é falsa a premissa de que há uma considerável oferta de serviços de ATER, onde os produtores possam ter opção de escolha. Ademais, cabe ressaltar que existe uma responsabilidade de Governo em manter serviços oficiais de ATER , expressa na Constituição Federal ( Capitulo da Política Agrícola – Artigo 187 inciso IV e sua vinculação como sub-função de Estado ), na Lei Agrícola ( Lei n.º 8.171 de 17 de janeiro de 1991, que considera a ATER como função concorrente dos Governos Federal, Estaduais e Municipais ), além dos dispostos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais e que deve ser compartilhada com os Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável, em seus diversos níveis, no estímulo à constituição e formação de redes de serviços e consórcios, capacitação de entidades estatais e não estatais para operacionalização da nova ATER, além do credenciamento, acompanhamento da execução e avaliação sistemática dos serviços prestados. Inicialmente procurou-se historiar a atuação do serviço de Extensão Rural implantado no país, seguido de um pequeno diagnóstico da agricultura familiar. Diante disto, tanto o diagnóstico atual da realidade local da ATER, quanto as propostas de atuação, assim como os papéis de cada ator neste processo, deverão considerar as características peculiares às diversas realidades existentes. Isto se justifica pela coexistência de situações extremamente antagônicas em termos de efetividade da ATER, seja estatal ou não, ao considerarmos o Brasil como um todo. II – ANTECEDENTES E RESGATE HISTÓRICO Em dezembro de 1948 foi implantado oficialmente no país o Serviço de Extensão Rural com a criação da ACAR-MG, instituição não governamental sem fins lucrativos orientada para atender os pequenos produtores rurais, combinando a assistência técnica com o crédito rural supervisionado e o ensino coletivo, à semelhança de experiência exitosa em atividade nos Estados Unidos. Com o êxito do Serviço em Minas Gerais, em meados da década de 50 este modelo foi implantado nas demais Unidades da Federação, com a criação de instituições semelhantes, as quais passaram a ser coordenadas nacionalmente pela Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural – ABCAR, criada em 1956. A rede ABCAR funcionava exclusivamente com recursos provenientes de receita própria decorrente da prestação de serviços e de ajuda financeira de entidades internacionais. A partir de 1959 a rede ABCAR passou a contar com o amparo legal e financeiro do Governo Federal. Posteriormente, sua estratégia de ação foi desvinculada do crédito rural supervisionado e atrelada à política produtivista do governo, que privilegiava a transferência de conhecimentos tecnológicos na busca do aumento da produção e da produtividade, com o propósito de substituir importações e alcançar o equilíbrio da balança comercial. Na década de 50, ainda que em fase inicial de estruturação, o trabalho da Extensão caracterizava-se como um processo de educação informal, voltado para a mudança de comportamento dos agricultores, tendo sua atenção dirigida, especialmente, aos agricultores de menor nível de educação formal. A partir de meados da década de 60, passou a predominar a assistência técnica caracterizada por um assessoramento técnico prestado aos agricultores, em problemas por eles identificados, mais adequado ao produtor com maior capacidade de respostas a inovações tecnológicas. Passaria a predominar a transferencia de tecnologia agropecuária e, em articulação com a Embrapa, os pacotes tecnológicos. Em 1974 a ABCAR e suas filiadas foram incorporadas por novo formato institucional, a partir da criação da EMBRATER e EMATER’s. Nas décadas de 70 e 80, a extensão rural além dos aspectos puramente tecnológicos que dominavam a agricultura, desenvolveu também trabalhos de organização rural, principalmente o cooperativismo e o desenvolvimento de novas metodologias, assim como programas orientados aos pequenos produtores ou agricultores de baixa renda. Em 1990 ocorreu a extinção da EMBRATER. Apesar de seu papel ter sido passado oficialmente à Embrapa , com a inexistência de uma coordenação nacional efetiva e escassez de recursos financeiros para o Sistema, houve um sucateamento progressivo do Serviço em muitos Estados, principalmente no Nordeste brasileiro. Para agravar a situação, os extensionistas passaram a ser, em geral, mal remunerados e, em alguns casos, pouco capacitados. Nesse período surgiram várias Organizações Não Governamentais voltadas para a promoção do setor rural e novas formas de atendimento, como por exemplo, o LUMIAR, cooperativas de prestação de serviços, etc. Em 1996, foi criado o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural – DATER, no Ministério da Agricultura e do Abastecimento, com a missão de “elaborar as diretrizes de ação governamental para a assistência técnica e extensão rural” Estabeleceu-se exclusividade, no seu relacionamento com as entidades públicas estaduais de assistência técnica e extensão rural, às ações dirigidas ao aumento da competitividade da agricultura familiar. Nesse mesmo ano, apenas para os municípios do Pronaf Infra-estrutura, foram disponibilizados escassos recursos (2 a 4% dos orçamentos da extensão rural oficial) para capacitação dos técnicos em desenvolvimento rural e planejamento municipal; profissionalização de agricultores familiares; reaparelhamento e informatização das unidades municipais de ATER e elaboração de projetos de crédito rural e assistência técnica aos agricultores familiares. Não obstante, a ação do DATER foi limitada devido não só à carência de recursos financeiros, como também pela pouca representatividade política da ATER no Ministério da Agricultura. Com estes recursos, além do serviço público estatal de ATER, estão sendo apoiados financeiramente, também com valores pouco significativos, Federações de Trabalhadores Rurais e outras ONG’s, para capacitação de agricultores familiares. Procura-se assim, apoiar as Instituições de assistência técnica e extensão rural existentes, quer sejam estatais ou não, para trabalharem com o agricultor familiar, buscando seu fortalecimento. Em nível nacional, segundo dados de julho/2001, da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural – ASBRAER, o Sistema oficial contava com uma força de trabalho de 22.681 empregados, dos quais 11.365 são extensionistas rurais atuando diretamente no campo, com escritórios em 4.167 municípios brasileiros, prestando assistência técnica e extensão rural a 2.131.147 agricultores, dos quais 1.797.479 ( 85% ) são agricultores familiares. Isso significa uma presença permanente e continua em 75 % dos municípios e se levarmos em conta o atendimento a municípios vizinhos que ainda não possuem escritórios da extensão rural oficial esse atendimento chega a atingir a 93 % da totalidade dos municípios brasileiros ( 5.576 ). Por outro lado, segundo estudo realizado pelo MDA (Novo Retrato da Agricultura Familiar no Brasil), o acesso aos serviços de Assistência Técnica é de apenas 16,7% dentre os agricultores familiares, contra 43,5% entre os agricultores patronais. Além de uma diferenciação no acesso, entre os familiares, que varia de 2,7% na região Nordeste a 47,2% na região sul. Mesmo considerando as diferenças no interior da agricultura familiar nordestina, o número de agricultores familiares com acesso a ATER é muito pequeno. As atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural executados por cooperativas, empresas privadas e outras organizações não governamentais têm se expandido, mas não estão disponíveis os dados sobre sua dimensão e o número de beneficiários de sua ação, não havendo, também, registros de sua presença na maioria dos municípios brasileiros. Apesar dessa expansão deve-se ressalvar que na década de 90 houve uma retração no número de empresas de planejamento agrícola e de ATER, bem como do número de profissionais vinculados aos Departamentos Técnicos de Cooperativas. Esta retração acompanhou a redução do volume do crédito rural oficial, especialmente para os agricultores familiares. Por outro lado, nesse período, após a promulgação da Constituição de 1988 e subsequente elaboração das Leis Orgânicas Municipais, observou-se um crescimento das estruturas municipais de agricultura (secretarias, departamentos,etc.). Recente pesquisa realizada pelo IBASE, com reflexo no cenário acima, referente aos anos de 1996 e 1997, encomendada pelo Ministério do Trabalho, com vistas a verificar aplicação dos recursos do FAT, demonstra a grande importância desempenhada pelo Serviço de Extensão Rural oficial, na implementação do PRONAF, na linha de ação de financiamento da produção. O Serviço divulgou o Programa para 47% dos agricultores beneficiados com crédito rural; realizou 65% da capacitação em que os agricultores participaram e prestou assistência técnica para 49% dos agricultores beneficiados com este programa sendo que para 45% deles, a assistência ocorre desde 1991. A pesquisa também mostrou que,além da participação direta das instituições oficiais de ATER na elaboração de planos de crédito rural, prestação de assistência técnica e capacitação dos agricultores familiares, normalmente os extensionistas têm assento nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural e coordenam a elaboração dos Planos Municipais de Desenvolvimento Rural. III – ALGUNS DADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL Segundo o Censo Agropecuário 1995/96 existem aproximadamente 4 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, desses 85,2% são estabelecimentos familiares, ocupando 30,5% da área total e respondendo por 37,9% do Valor Bruto da Produção (VBP) nacional. Dado o grande número dos estabelecimentos familiares, muitos dos quais com área muito reduzida e destinada principalmente a moradia e plantio de subsistência, esse percentual é elevado, principalmente considerando que a pecuária de corte e a cana-deaçúcar, produtos tipicamente patronais e de alto valor agregado, têm um importante peso no VBP da agropecuária nacional. A análise regional apresentada no documento “Novo Retrato da Agricultura Familiar no Brasil – O Brasil Redescoberto” (MDA, 2000) demonstra a importância da agricultura familiar no país. A região sul é a mais forte em termos de agricultura familiar, representada por 90,5% de todos os estabelecimentos da região ocupando 43,8% da área e produzindo 57,1% do VBP regional, além de possuir a maior expressividade de ATER nacional. Na região norte os agricultores familiares representam 85,4% dos estabelecimentos, ocupam 37,5%da área e produzem 58,3% do VBP regional. O Centro-oeste apresenta o menor percentual de agricultores familiares, representando 66,8% dos estabelecimentos e apenas 12,6% da área regional enquanto o Nordeste concentra o maior número de agricultores familiares distribuídos em cerca de 2 milhões de estabelecimentos (88,3%). No entanto, a presença da ATER na região Nordeste obedece a uma relação inversa, ou seja, apresenta o menor índice de assistência técnica do país. Tal situação envolve desde fatores históricos da ocupação da terra até fatores econômico-sociais. Quanto ao sudeste, há na região cerca de 600 mil estabelecimentos familiares, representando 75,3% do total regional e cerca de 29% da área. Esse documenta apresenta ainda dados referentes a eficiência da agricultura familiar mostrando que os estabelecimentos familiares produzem em média R$ 104,00/ha/ano contra apenas R$ 44,00/ha/ano dos agricultores patronais. No que se refere a geração de postos de trabalho no meio rural brasileiro a agricultura familiar, mesmo dispondo de apenas 30% da área, é responsável por 76,9% do pessoal ocupado. O breve diagnóstico acima apresentado demonstra a necessidade do desenvolvimento de uma política de ATER voltada para a agricultura familiar, não apenas pela representatividade da mesma, como também pelo volume de produção, eficiência, geração de empregos, enfim, uma conjugação de fatores sociais e econômicos que determinam a necessidade de uma forte atuação dirigida a esse público. A possibilidade de resultados a serem obtidos em termos de desenvolvimento local, pela conjugação dos fatores empregabilidade, aplicação de tecnologias específicas, exploração de atividades não agrícolas na propriedade e a abertura de nichos de mercado, coloca a agricultura familiar como prioritária nas políticas governamentais, sendo a ATER um dos melhores instrumentos para o sucesso dessas políticas. IV - PROPOSTA DE ATER PARA A AGRICULTURA FAMILIAR 1. MISSÃO DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL Contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar e de suas organizações, por meio de processos educativos participativos, integrados às dinâmicas locais, que viabilizem as condições necessárias para o pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Essa contribuição, que deve envolver toda a ATER – estatal e não estatal – que receba ou venha a receber recursos públicos para a prestação de assistência técnica e extensão rural, dá-se pelo estabelecimento de uma relação de parceria e co-responsabilidade entre todos os agentes do processo. Esta relação é pautada pela intercomplementariedade e pelo respeito mútuo, sobretudo no que se refere ao conhecimento dos agricultores. Estes são considerados, efetivamente, como sujeitos conscientes do processo de desenvolvimento, que gerem, de forma compartilhada, todas as etapas do planejamento: diagnóstico, execução, avaliação e acompanhamento das ações, articulando suas energias, conhecimentos e vontades na perspectiva da superação das limitações institucionais existentes. Esses diversos agentes mantêm preservadas as suas identidades, protagonizando processos educativos dialéticos, onde são utilizadas metodologias participativas que possibilitem o intercâmbio e a produção de conhecimentos. A partir de uma compreensão construtivista, são construídos os saberes necessários para a afirmação de uma vontade coletiva que, numa perspectiva histórica, seja a referência para o desenvolvimento sustentável e para a afirmação da cidadania de todos os envolvidos. No cumprimento dessa missão procura-se contribuir para a formação dos agricultores familiares, como indivíduos e seres sociais, para que sejam capazes de enfrentar a complexidade da realidade e a velocidade das suas transformações, intervindo de forma consciente na direção da construção do bem-estar comum. Busca-se ampliar a capacidade de construir uma nova institucionalidade que permita respostas mais ágeis aos desafios que são postos pela conjuntura e uma maior eficiência e eficácia das ações de fomento ao desenvolvimento. Busca-se ainda, estabelecer redes solidárias de cooperação que ajudem a articular o capital social necessário para estabelecer processos sustentáveis de desenvolvimento que articulem o local com o global. A expansão e o fortalecimento da agricultura familiar se dão pelo efetivo estabelecimento de políticas públicas, diferenciadas e direcionadas para uma concepção de desenvolvimento sustentável, que tenha na agricultura familiar seu vetor referencial. A partir desta concepção, os serviços de ATER devem ter uma relação estreita não só com a pesquisa e novas tecnologias de produção, mas atuar também no acesso ao crédito, à educação e formação profissional, na agregação de valor à produção e renda, na integração na cadeia produtiva e na afirmação das oportunidades e direitos dos agricultores familiares. A sua abordagem pedagógica terá como foco a totalidade concreta das relações sociais vivenciadas pelos agricultores e agricultoras, bem como com as suas mediações com o ambiente físico. Especificamente no que se refere a relação com a pesquisa, o trabalho de ATER, juntamente com os agricultores familiares e suas organizações, deve contribuir na identificação de linhas de pesquisa adequadas para as realidades locais e específicas da agricultura familiar, apresentando demandas às instituições de pesquisa e aos Conselhos, Nacional e Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável, cabendo a esses gestionar pela realização das pesquisas demandadas. Isso significa uma articulação dos serviços de ATER com as instituições de pesquisas de modo a proporcionar um processo permanente de atualização tecnológica da agricultura familiar, e a influenciar a realização de pesquisas adequadas às condições sociais, econômicas e culturais da agricultura familiar. O locus dessa ação coletiva é o espaço rural, entendido como algo muito mais amplo que a área agrícola, ocupando todas as dimensões onde se dão as relações técnicas, econômicas e sociais de produção. A ATER deve incorporar a dimensão territorial do desenvolvimento e potencializar a intervenção organizada da população das áreas não densamente povoadas, os habitantes do campo e das pequenas e médias aglomerações urbanas, no sentido de se perceberem como sujeitos ativos na construção da sua realidade. É nesse espaço que deverão ser estabelecidos processos educativos integrais, voltados para a formulação de estratégias locais de desenvolvimento e para a formação plena do cidadão, sintonizadas com a realidade global. É nesse locus que deverá ser buscado o potencial endógeno do desenvolvimento rural sustentável, de modo a estabelecer relações de equilíbrio entre suas dimensões política, econômica, social, histórica, cultural e ambiental. Este processo construído a partir da mobilização das energias e potencialidades locais, voltado para a produção e reprodução de qualidade de vida do conjunto da população, através de ações múltiplas e articuladas que viabilizem o crescimento econômico eqüitativo e solidário, lastreado na distribuição de renda, geração de empregos, ocupações produtivas e segurança alimentar, proporcionará a inclusão social em todas as suas dimensões. Essas ações devem orientar uma ATER pública com enfoque interdisciplinar, de modo a adotar novos paradigmas tecnológicos que, além de permitir uma inserção não subordinada das populações locais no mercado globalizado, sejam economicamente viáveis, socialmente justos e ecologicamente sustentáveis. Para isso, é fundamental que a ATER ajude a estabelecer relações organizadas que favoreçam não só a troca de informações e a conquista de mercados, mas também a pressão coletiva por bens públicos capazes de dinamizar a realidade local, maximizando o aproveitamento das suas potencialidades. 2. PÚBLICO e ABRANGÊNCIA Os serviços de ATER desenvolvidos com recursos públicos devem ser gratuitos, de elevada qualidade e destinados a atender, exclusivamente, aos que lhe justificam e viabilizam a existência, ou seja, os agricultores familiares, suas famílias e organizações, bem como outros trabalhadores rurais. Enquadra-se como agricultor familiar o proprietário, posseiro, assentado da reforma agrária, extrativista, parceiro, meeiro, arrendatário, colono, rendeiro, ocupante, pescador artesanal, agregado, índio, acampado, ribeirinho, caiçara e remanescente de quilombo, assalariados rurais e outros que se identifiquem como público beneficiário do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF. O termo “agricultor familiar” deverá ser adotado oficialmente nos projetos, planos e programas de governo nos três níveis da federação. Nessa vasta amplitude de público com características específicas é imprescindível a identificação “In loco” das demandas, a fim de poder organizá-las e promover o atendimento equânime aos vários setores. Vale ressaltar a garantia da referida eqüidade no atendimento dos agricultores familiares, em especial os grupos com níveis de renda mais baixos, historicamente excluídos. Assim, a abrangência e o tamanho da ATER devem ser dimensionados a partir de um diagnóstico que retrate a realidade com base em demandas concretas, orientadoras da construção de um planejamento. Esse planejamento deverá priorizar as necessidades demandadas pelos setores mais marginalizados da sociedade, sendo o fator estimulador da população para a construção de alternativas que potencializem o desenvolvimento sustentável. A ATER deve cumprir com o papel de promotora de processos inovadores, comprometendo-se com os resultados a serem obtidos e alertando sobre os riscos dos novos empreendimentos, tanto na cadeia da produção, transformação e comercialização da produção da agricultura familiar, quanto nas atividades coletivas de ocupação e valorização do espaço rural (artesanato, agroturismo, lazer, etc.) Portanto, a ATER deve considerar, para efeito de sua área de abrangência, não apenas o aspecto geográfico, mas o espaço sob influência de projetos e programas de desenvolvimento sustentável, considerando as interconexões estabelecidas pelas políticas públicas dos municípios e estados, e pelas diferenças regionais, inclusive preocupando-se com ações interinstitucionais, articuladas a partir do planejamento local. 3. OPERACIONALIZAÇÃO A Política de Assistência Técnica e Extensão Rural objetiva viabilizar serviços de assistência técnica e extensão rural, em parceria com os Estados, Municípios e Movimentos Sociais de agricultores familiares, que tenham como referência o desenvolvimento sócio-econômico sustentado do meio rural. A operacionalização da política nacional de ATER para a agricultura familiar e reforma agrária deve basear-se nas seguintes premissas: Comporte as diferenças regionais e permita a diversidade de experiências orientadas pelos princípios, objetivos, diretrizes estratégicas e eixo pedagógico da Política Nacional de ATER. Integre as organizações dos agricultores familiares ao processo de Desenvolvimento Rural Sustentável; Integre horizontal e verticalmente as organizações econômicas associativas de agricultores familiares para formação de escala e inserção competitiva nas cadeias produtivas. Integre os diferentes executores da ATER para agricultura familiar, nos municípios, através da consolidação dos seus Planos de Trabalho nas áreas em que atuam, no Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável aprovado pelo CMDRS. 3.1. PRINCíPIOS PEDAGÓGICOS O relacionamento da Assistência Técnica e Extensão Rural com o agricultor deve ser estabelecido levando-se em conta o seu saber, a sua experiência, os seus costumes e as suas crenças, fazendo uma análise crítica e construtiva de seus projetos. A lógica do agricultor deve significar um importante referencial para a intervenção do técnico, pois só assim, conhecendo sua realidade, o técnico será capaz de propor alternativas com chance de êxito. Nesse sentido a ATER deve assumir um direcionamento mais identificado com a realidade da agricultura familiar, incluindo os assentados da reforma agrária, incorporando novas abordagens metodológicas. 3.1.1.– ENFOQUES SISTÊMICO E HOLÍSTICO Sistêmico – Tudo na unidade de produção familiar se relaciona, há uma interação constante entre os diversos elementos da relação dos homens entre si e com a natureza. Assim um problema de ataque de pragas não pode ser visto de modo isolado e particular, mas devem ser observados e analisados todos fatores que levaram a esse desequilíbrio, como solo, clima, plantas hospedeiras, insumos utilizados etc. Saber dimensionar e analisar as relações entre esses elementos faz parte das atividades do novo paradigma extensionista. Cada unidade produtiva é entendida como um sistema, complexo e dinâmico, o qual apresenta limites, componentes, interações, entradas e saídas. É necessário compreender, redimensionar e/ou fazer uso adequado dos fluxos de produção do sistema adotado pelo agricultor. Holístico – É preciso observar a unidade de produção familiar como um todo, assim, o sistema de interações homem-natureza não está desvinculado das interações entre os homens. Deve-se procurar conhecer as partes e as especificidades no contexto geral. Assim o incentivo às organizações coletivas torna-se também uma forma de buscar soluções para problemas individuais dos agricultores. 3.1.2.-DIRETRIZES utilizar métodos participativos de apreensão da realidade, possibilitando compreender melhor os sistemas de produção existentes e planejar com os agricultores as melhores alternativas para o desenvolvimento de projetos; integrar toda a família – Incorporar a mulher e os filhos na tomada de decisões da unidade de produção a nas atividades produtivas em si. O técnico deve ter presente a ocupação de cada membro, sua participação qualitativa e quantitativa ao longo do ano nas atividades ligadas à produção e seus afazeres fora da propriedade. Assim o foco da ATER pública deve ser a família rural – homens e mulheres, jovens, adultos e idosos – considerados na dimensão da cidadania como agentes de desenvolvimento e na dimensão profissional como gestores da Unidade Familiar de Produção. incorporar os conceitos ecológicos e ambientais – Disseminar o entendimento de que é necessário desenvolver uma agricultura sustentável como condição indispensável para perpetuação das atividades nas áreas de agricultura familiar; apoiar as formas organizativas – Incentivar formas associativas e cooperativas que priorizem o desenvolvimento do associado, a cooperação entre os sócios e entre as cooperativas/associações; planejar a produção dentro de uma visão articulada dos vários setores inseridos no processo produtivo, na perspectiva de inserção das propriedades em cadeias produtivas (estímulo à agroindustrialização, suporte à comercialização, a articulação com indústrias de insumos, se for o caso etc.); construir o Desenvolvimento Rural Sustentável – aliar às discussões de produção, renda, preservação ambiental, etc., o enfrentamento das questões relativas especialmente ao resgate da cidadania, extrapolando-se a visão restrita à feição técnica e econômica. Outros indicadores de qualidade de vida devem fazer parte das preocupações da ATER, com o mesmo grau de prioridade conferida aos demais aspectos, destacando-se : educação, saneamento, saúde, ações sociais, culturais e esportivas; disseminar as experiências exitosas dos agricultores, potencializando o espírito inovador e a capacidade de transmissão de conhecimentos de agricultor para agricultor. 3.1.3.- ASPECTOS CONCEITUAIS a) Planejamento com participação Planejar de forma participativa pressupõe estabelecer com a comunidade uma interação efetiva e cotidiana, que permita adotar e rever continuamente os passos e ações estabelecidos, na busca da correção dos erros e multiplicação dos acertos Assim, no planejamento e execução da ATER devem ser observadas algumas orientações para a ação concreta e cotidiana, que são comentadas a seguir: Diagnosticar a realidade – A base do planejamento é o diagnóstico que, por sua vez, é composto de três elementos: a) conhecer a realidade, identificando-se os principais problemas e oportunidades; b) analisar as causas e conseqüências desses problemas e oportunidades; c) identificar os principais problemas a serem trabalhados, visando a sua superação e o aproveitamento das oportunidades. Ao estudar a realidade é fundamental identificar os fatores externos e internos que interagem com esse público e seus processos produtivos. Os fatores externos referem-se à política agrícola, à disponibilidade de tecnologias adequadas, às interferências do poder político, às condições ambientais etc. Os fatores internos referem-se ao nível de organização da comunidade, de capitalização ou endividamento, escolaridade, conhecimento técnico, condições de vida e aspectos subjetivos, com auto-estima, combatividade, perseverança etc. Entender a organização social – Fundamental para o trabalho do técnico extensionista/educador é o conhecimento das diversas formas de organização e das relações interpessoais. É importante respeitar e conviver com todos grupamentos, sejam as organizações de representação política, as beneficentes, esportivas e culturais, as produtivas, agro-industriais e de comercialização e as religiosas. Garantir a participação – Os extensionistas e os agricultores deverão trabalhar em conjunto – pensar, estudar, identificar problemas, descobrir soluções e tomar decisões. Assumir o êxito e o fracasso do trabalho. A participação implica em trabalhar grupos, em obter interação dos indivíduos para atingir objetivos comuns; implica em organização, em distribuição de tarefas. Todos devem estar onde possam dar o máximo de si. Assegurar a comunicação – Se o agricultor(a) não consegue apreender o que já foi repetido tantas vezes, talvez a dificuldade seja de expressão, não de compreensão. Ao se trabalhar com um público que tem dificuldades de leitura e de entender questões teóricas e abstratas, deve-se utilizar meios visuais, como desenhos, diagramas, mapas simplificados, para retorno dos resultados das análises. Dessa forma, torna-se a informação pública e visível, ao alcance de todos no mesmo nível de compreensão e entendimento. A devolução do conhecimento produzido para o agricultor é muito importante para que ele também possa corrigi-lo, ordená- lo, analisá-lo e assim, tomar decisões adequadas a cada situação. É fundamental, ainda, que se aprecie os sistemas de gestão tradicional e de manutenção, as tecnologias populares, as estratégias de sobrevivência, as formas e as razões pelas quais as pessoas sentem, vêem, pensam e atuam na sua realidade. Discutir resultados – É indispensável que no final de cada etapa do planejamento com base nos dados concretos dos resultados alcançados, os técnicos e agricultores discutam as causas de seus sucessos e revezes. Com a identificação dos problemas mais comuns pode-se partir para um replanejamento conjunto da ação técnica necessária para superá-los. Promover avaliação contínua – O planejamento conjunto e a gestão participativa são imprescindíveis para implantação e/ou desenvolvimento dos projetos de agricultura familiar. Para que isto se concretize, há necessidade de um processo contínuo de gerenciamento do projeto pela equipe, com a participação dos agricultores de forma organizada. b) Capacitação e Treinamento Tudo que demanda mudanças de comportamento e de paradigmas implica no estabelecimento de uma política de formação, de capacitação e treinamento. Dos técnicos – É necessário promover uma capacitação dos técnicos adequada aos desafios da agricultura familiar, numa realidade de rápidas transformações, em que a sustentabilidade e a equidade estão no centro do desenvolvimento. A capacitação e treinamento nesse aspecto deverão se dar de forma continuada, atendendo às demandas da realidade e dentro do planejamento participativo adotado para o desenvolvimento. Deve abordar assuntos que propiciem a melhoria no desempenho do trabalho com agricultura familiar, tais como: Mercado, Verticalização e transformação da produção, agricultura de base ecológica, artesanato, turismo rural, organização e administração rural, metodologia e em atividades para o desenvolvimento rural sustentável e planejamento municipal; Dos agricultores – Perante aos novos desafios colocados – agricultura sustentável, participação e organização – a ATER deve priorizar formas de capacitação e treinamento dos agricultores que construam caminhos para sua autonomia, tornando-os centros e agentes principais do seu processo de desenvolvimento. Deve gerar técnicas apropriadas e modelos de gestão participativa que integrem todos os personagens familiares nos sistemas produtivos e nas demais relações sociais. Atenção especial deverá ser dada ao jovem e à mulher. O extensionista deve, prioritariamente,ser ele próprio o agente executor dessas formas de capacitação, dentro do projeto de desenvolvimento, parte de um amplo processo de mobilização social. Dos Conselheiros - para responder positivamente as responsabilidades atribuídas aos Conselhos, torna-se necessário um processo contínuo de capacitação dos conselheiros, tanto em nível Municipal como Estadual, sendo que no municipal essa capacitação deve ser preferencialmente efetuada pela entidade de ATER que estiver trabalhando no município. 3.2. DOS EXECUTORES DE ATER O credenciamento de entidades prestadoras de serviços de ATER para a agricultura familiar e reforma agrária deverá ser realizado pelo CEDRS a partir das indicações dos CMDRS, com base nos seguintes critérios e princípios: a) ter natureza jurídica de direito público ou privado; b) fazer constar em seus Estatutos a finalidade de prestação de serviços de ATER para agricultura familiar; c) apresentar documentação que comprove experiência mínima de 2 anos na atividade de ATER na agricultura familiar; d) comprovar o credenciamento da Entidade e de seus profissionais junto aos agentes financeiros e Conselhos de regulamentação de profissões; e) comprovar a posse de infra-estrutura necessária para a prestação dos serviços de ATER, no âmbito do contrato a ser firmado; f) demonstrar comprovada qualificação e conhecimento na oferta destes serviços, na conformidade dos princípios pedagógicos estabelecidos por esta política; g) estar presente ou comprovar possibilidade de atuação continua no município ou na comunidade onde deverá atuar; h) contar com equipe técnica multidisciplinar, capaz de dar suporte às estratégias de desenvolvimento rural sustentável, com as quais deverá contribuir; i) estar devidamente articulada com as instituições de pesquisa; j) demonstrar condições para o pleno atendimento dos requisitos estabelecidos na missão da ATER para a agricultura familiar e reforma agrária estabelecida neste documento. 3.3. SISTEMA DE MONITORIA E AVALIAÇÃO DA ATER O eixo do processo avaliativo é oferecer aos profissionais da agricultura familiar e da extensão rural os procedimentos e instrumentos necessários à identificação dos reais pontos de estrangulamento do trabalho. Encontrar as suas origens, perceber as suas inter-relações, o seu movimento e as suas transformações. Isto só poderá ser conseguido com a participação e a cooperação ativa e crítica de todos os envolvidos. Estimular e motivar os interessados para a necessidade de um sistema de monitoria e avaliação é uma pré condição para o seu sucesso. O sistema é um instrumento para identificar as lacunas existentes no trabalho, as necessidades de aporte externo, de capacitação e formação dos envolvidos, além das necessidades de ajustes estruturais e conjunturais na estratégia desenvolvida. É parte integrante do processo de trabalho como um todo, ou seja, é um instrumento de apoio técnico e metodológico. Sendo assim, o sistema de avaliação e monitoria da ATER é parte do planejamento da própria ATER, assim como o estabelecimento dos seus objetivos específicos, dos indicadores e dos procedimentos que serão utilizados no trabalho. A sua especificidade é a construção de um enfoque metodológico que viabilizar a percepção, pelo coletivo, das limitações na prática desenvolvida e das possibilidades de superação destes limites. Em termos práticos, é preciso articular o sistema de monitoria e avaliação com a estrutura de gestão da ATER. O sistema só faz sentido se for um instrumento que agregue qualidade ao trabalho desenvolvido. Os conselhos municipais e estaduais de desenvolvimento rural sustentável são estratégicos nesse processo por serem os espaços institucionais de formulação e controle social do trabalho. Caberá a eles definir a estratégia operacional mais adequada a cada situação. O importante é garantir coerência e unidade metodológica ao trabalho. Do ponto de vista metodológico, é preciso construir indicadores que evidenciem o alcance das dimensões estabelecidas pela missão da ATER, sendo necessário também a definição de responsabilidades para operacionalizar o sistema de monitoria e avaliação de forma contínua, buscando o aprimoramento das ações de extensão rural.