Tradução & Comunicação Revista Brasileira de Tradutores Nº. 24, Ano 2012 ENTREVISTA COM CAROLINA ALFARO DE CARVALHO Interview with Carolina Alfaro de Carvalho Thaís Collet Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC [email protected] Rafael Matielo Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC [email protected] Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Entrevista Recebido em: 03/03/2012 Avaliado em: 18/09/2012 Publicação: 30 de setembro de 2012 159 160 Entrevista com Carolina Alfaro de Carvalho APRESENTAÇÃO Carolina Alfaro de Carvalho é tradutora para legendas, com grande experiência na área de legendagem. Carolina Alfaro de Carvalho possui graduação em Letras - Habilitação Tradução (1996), especialização em Tradução Inglês-Português (1998) e mestrado em Letras, todos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2005). Atua como tradutora e revisora desde 1997, com experiência em legendagem de filmes e programas para cinema, televisão, VHS e DVD, além de vídeos técnicos e institucionais. Traduziu dezenas de filmes e documentários para a TV a cabo, entre eles: episódios das séries Brothers and sisters e House; longas metragens O filho da noiva, Igual a tudo na vida, Amores brutos, Aos treze, Wall Street: o dinheiro nunca dorme, Abraços partidos, Fale com ela, Os intocáveis, Pantaleão e as visitadoras, Amores perdidos; versão para o espanhol de Cazuza, Proibido proibir, Anjos do sol, séries Mothern e 7x Bossa Nova; programas da série Falando de sexo com Sue Johanson, programas de culinária (Jamie Oliver, Gordon Ramsay, G. Garvin) e muitos outros. Tem vasta experiência em publicações de natureza acadêmica e científica, incluindo livros de não ficção. Realiza atividades de pesquisa e docência em tradução e legendagem, dando aulas de tradução para legendagem em cursos livres, de graduação e especialização. É sócia da empresa Scriba Traduções. ENTREVISTA Tradução & Comunicação (TC): Como foi o início de sua carreira? Quais foram os principais desafios enfrentados? Carolina Alfaro de Carvalho (CAC): Fiz o curso de especialização na PUC-Rio em 1997, e nele tive aulas de legendagem para o cinema com a Monika Pecegueiro do Amaral1. Durante o próprio curso, ela me pediu ajuda com a tradução de um filme argentino com muitas gírias (eu sou argentina). Em seguida, em 1998, ela me repassou mais dois ou três filmes argentinos para traduzir para um festival, e ela fez a revisão. Assim comecei tendo contato com distribuidoras de filmes e traduzi mais alguns, sempre para o cinema. Em 1999 ou 2000, a Globosat selecionou tradutores e eu recebi treinamento na própria empresa, aprendendo a usar o Systimes 4.0. Foi assim que comecei a traduzir para a TV a cabo. 1Monika Pecegueiro do Amaral tem anos de experiência em tradução de filmes para o cinema. Bacharel em Letras/Tradução, pela PUC-Rio, tem mestrado em Literatura Luso-Brasileira pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara/USA, é professora de Tradução de Cinema da Pós-Graduação Lato Sensu em Tradução da PUC-Rio, membro do SINTRA e sócia da ABRATES. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 24, Ano 2012 • p. 159-164 Thaís Collet, Rafael Matielo 161 Não sei que tipos de “desafios” vocês têm em mente. Com relação às oportunidades de trabalho, não tive grandes dificuldades. Um cliente me recomendava para outro (a partir da Monika, no início), eu fui me aprimorando tecnicamente e entrei no mercado gradualmente, sem problemas. Abri minha empresa em 2001 justamente porque a essa altura eu prestava serviços regularmente para a Drei Marc e precisava emitir nota fiscal. Nunca tive percalços ou empecilhos. (TC): Como você costuma lidar com a tradução dos chamados itens culturalmente marcados? (CAC): Há diversas estratégias. É fundamental levar em conta o contexto, tanto do serviço (o cliente, o público, a finalidade da tradução) quanto do conteúdo traduzido. As estratégias mais comuns são ou a manutenção dos termos culturalmente marcados, se não causarem problemas e compreensão para o público-alvo, ou a substituição por um item mais genérico ou ligeiramente explicativo, se a prioridade for permitir a compreensão em detrimento da especificidade cultural. Mas realmente a reflexão deve ser caso a caso. (TC): Como fica a questão da censura na tradução para as legendas no Brasil, seja ela por parte de clientes diretos ou indiretos? (CAC): Acabo de escrever um artigo sobre isso, que está sendo avaliado pelos editores. Caso seja aceito, será publicado no fim deste ano. Acho curioso que vocês perguntem explicitamente sobre “censura”, algo que, a rigor, é inconstitucional e, se existisse comprovadamente, deveria ser punido. Muitos clientes, sobretudo de cinema, DVD e TV, têm diversas diretrizes que devemos seguir, entre elas questões de gramática e estilo. Muitos clientes (sejam as produtoras de vídeo encarregadas da tradução ou os canais ou distribuidoras originais) limitam o uso de linguagem vulgar, escatológica ou preconceituosa, por exemplo. E vários canais de TV impedem o merchandising. Mas nem todos os clientes impõem essas restrições. Também há materiais técnicos e institucionais, ou mesmo materiais de ficção para festivais, por exemplo, cujos produtores fazem questão de usar uma linguagem fiel ao registro e ao vocabulário originais. Acho um pouco complicado chamar essas restrições de “censura”, assim explicitamente. (TC): Como você lida com as críticas feitas às legendas, principalmente aquelas vindas de um público muitas vezes “desavisado”? (CAC): Se as críticas forem dirigidas a mim ou ao meu trabalho, acho importante examinar se são fundamentadas ou não e, se tiverem algumas razões, levá-las em conta. Já Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 24, Ano 2012 • p. 159-164 162 Entrevista com Carolina Alfaro de Carvalho críticas “genéricas” sobre a legendagem não me afetam (me incomodavam mais alguns anos atrás, mas atualmente não). Se forem infundadas e feitas por pessoas desqualificadas ou que claramente desconhecem o tema, são irrelevantes. Acho complicado quando são críticas infundadas ou sem base feitas na imprensa ou por críticos mais “sérios” ou influentes, pois é uma atitude pouco profissional. Diversas vezes escrevi e-mails ou enviei comentários em casos assim, explicando um pouco mais o processo da legendagem ou a responsabilidade dos clientes sobre o produto final. Mas acho que isso está mudando e estão aparecendo matérias um pouco mais completas sobre legendagem. (TC): Você tem percebido mudanças no mercado de trabalho de legendagem desde o início de sua carreira até os dias de hoje? (CAC): Sem dúvida. Os clientes (de todo tipo, desde as produtoras grandes até indivíduos que não são da área) têm procurado tradutores qualificados, e os tradutores iniciantes, de modo geral, estão mais bem preparados. Há muitos cursos de legendagem, coisa que na minha época de faculdade quase não existia, e a tecnologia é infinitamente mais acessível e barata, com muito mais opções. Enfim, hoje em dia há condições bem melhores de se fazer um serviço com mais qualidade, e acho que esse aumento na qualidade é perceptível para quem acompanha a área há alguns anos. (TC): Você é argentina e mora há vários anos no Canadá, você considera a vivência no exterior importante para as pessoas interessadas em trabalhar com legendagem? (CAC): A vivência no exterior é importante como cultura geral para qualquer pessoa, mas não a considero imprescindível para um tradutor. Já ouvi afirmações categóricas de que não se pode ser tradutor profissional de qualidade sem ter morado fora, como se isso significasse realmente conhecer a fundo a língua e a cultura estrangeira, o que não é verdade em muitos casos. Da mesma forma, muitos tradutores afirmam que a formação acadêmica em tradução é perda de tempo ou até mesmo prejudicial. Minha opinião é exatamente a contrária: acho que, sem uma preparação formal, monitorada e com muita dedicação, a maioria das pessoas não é capaz de transformar a vivência em qualquer cultura em ferramentas formais de trabalho. O que mais vejo por aqui, entre brasileiros (não tradutores), é gente que em poucos anos fala um inglês funcional, mas formalmente problemático e que perde o português a uma velocidade incrível, confundindo palavras e mostrando grande dificuldade na redação. Quem é tradutor e mora fora do país logo sente necessidade de fazer cursos para se manter “em forma” no uso das duas línguas, sobretudo o português. Por outro lado, através de estudos de qualidade, é possível desenvolver uma bagagem técnica e cultural muito mais sólida, seja onde for. Viajar para Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 24, Ano 2012 • p. 159-164 Thaís Collet, Rafael Matielo 163 outros países, mesmo a lazer, estando atento a detalhes linguísticos e culturais é sempre uma experiência valiosa, mas não é o “morar fora” em si que faz diferença. (TC): Que tipo de formação ou quais cursos você recomendaria para as pessoas que desejam trabalhar com legendagem? (CAC): Quem trabalha com legendagem é tradutor, e o tradutor é uma combinação de pesquisador com escritor profissional (e mais algumas coisas). Acho importantíssimo ter uma capacitação sólida nas línguas de trabalho, seja em nível de formação, pós ou através de cursos instrumentais. Como eu disse acima, simplesmente viver em uma cultura e usar uma língua não nos torna escritores profissionais – basta olhar em volta para comprovar isso, que ocorre em qualquer país do mundo, independentemente da qualidade da educação básica. Quanto à legendagem, os cursos que ensinam técnicas e aprimoram o estilo da tradução voltado para a legendagem fazem bastante diferença. Vejo isso nos meus melhores alunos, que passam facilmente em testes profissionais e chegam mais depressa aos melhores nichos do mercado. É claro que nada disso a rigor é imprescindível, e há casos de tradutores que deram muito certo sem uma capacitação formal, mas atualmente é mais difícil que um tradutor autodidata invente a roda sozinho e se firme na carreira, justamente porque, como eu disse antes, o mercado está mais rigoroso e tende a exigir mais qualidade mesmo nos estágios iniciais. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA CARVALHO, Carolina Alfaro de. “Por uma abordagem sistêmica, descritiva, funcional e subjetiva da tradução para legendas”. TradTerm, FFLCH, USP, n.13, p. 13-29, 2007. ______. As práticas do mercado de tradução de multimídia. Seção “Informações para tradutores” do site do Sindicato Nacional dos Tradutores, 2006. ______. A tradução para legendas: dos polissistemas à singularidade do tradutor. 2005. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005. ______. A pluralidade de abordagens à leitura e à tradução: o caso de O senhor dos anéis. Tradução Em Revista, Rio de Janeiro, v.1, p. 21-40, 2004. ______. Descobrindo, compreendendo e analisando a tradução automática. Trabalho de conclusão de curso de especialização. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1998. ______. The Sisters', de James Joyce - Luz, escuridão e sentidos nas traduções de Roberto O'Shea e Hamilton Trevisan. Cadernos de tradução, Santa Catarina, v.2, p. 127-135, 1997. CARVALHO, Carolina Alfaro de; DIAS, Maria Carmelita Pádua . Tradução automática: uma ferramenta de auxílio ao tradutor. Cadernos de tradução, Santa Catarina, v.3, p. 369-384, 1998. LIVROS TRADUZIDOS A invisibilidade do tradutor de Lawrence Venutti. (Tradução/Artigo). In: Revista Palavra, 3 – Dptº Letras – PUC/RJ, 1996. 1001 Beers You Must Taste Before You Die, de Adrian Tierney-Jones, a ser publicado pela Sextante. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 24, Ano 2012 • p. 159-164 164 Entrevista com Carolina Alfaro de Carvalho Rework, da 37signals, a ser publicado pela Sextante. Cats, de Bruce Fogle, publicado pela Jorge Zahar Editor como Guia ilustrado Zahar de gatos. 1001 Inventions that Changed the World, de Jack Challoner, publicado pela Sextante como 1001 invenções que mudaram o mundo (tradução parcial). Herbs, Spices and Flavourings, de Tom Stobart, publicado pela Jorge Zahar Editor como Ervas, temperos e condimentos de A a Z (tradução parcial). Creating Magic – 10 Common Sense Leadership Strategies from a Life at Disney, de Lee Cockerell, publicado pela Sextante como Criando magia. The Flip Side, de Flip Flippen, publicado pela Sextante como Pare de se sabotar e dê a volta por cima. 1001 Wines You Must Taste Before You Die, de Neil Beckett, publicado pela Sextante como 1001 vinhos para beber antes de morrer (tradução parcial). Film, de Ronald Bergan, publicado pela Jorge Zahar Editor como Guia ilustrado Zahar de cinema. Wines of the World, publicado pela Jorge Zahar Editor como Vinhos do mundo todo. D. W. Winnicott – A Biographical Portrait, de Brett Kahr, publicado pela Exodus Editora como Vida e obra de D. W. Winnicott: um retrato biográfico. Elie Wiesel – Messanger to All Humanity, publicado pela Exodus Editora. Einstein Lived Here, de Abraham Pais, publicado pela Editora Nova Fronteira como Einstein viveu aqui. Thaís Collet Doutoranda em Estudos da Tradução - UFSC (Bolsista Capes-Reuni), com mestrado na mesma área e graduação em Letras Espanhol pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Participa do grupo de pesquisa Tradução e Corpora (TRACOR). Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Estudos da Tradução, Terminologia, legendagem e ensino de línguas estrangeiras. Rafael Matielo Graduação em Letras-Inglês, habilitação em Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e mestrado em Inglês Linguística Aplicada pela mesma instituição. Lecionou Inglês e Português como Língua Estrangeira nos Cursos Extracurriculares de Língua da UFSC e foi Visiting Scholar da Comissão Fulbright, Prof. Assistente junto ao Dpto de Línguas e Literaturas Modernas da Loyola University Chicago, EUA. Possui experiência na área de Letras: ensino de Inglês como Língua Estrangeira, Português como Segunda Língua/Língua Adicional, Ensino de Inglês na Modalidade a Distância e Tradução e Versão: português-inglês. Atualmente é tutor do curso de Letras/Espanhol a distância (UFSC). Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 24, Ano 2012 • p. 159-164